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Estudos Interdisciplinares em Psicologia

On-line version ISSN 2236-6407

Est. Inter. Psicol. vol.2 no.1 Londrina June 2011

 

Artigos

 

Relato de Experiência/Prática Profissional

 

Violência Doméstica: Atuação na Modalidade do Voluntariado

 

Domestic Violence: Mode of Volunteers in Action

 

Violencia Doméstica: Modo de Voluntarios em Acción

 

 

Adriane C. Vilchesi

Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

O relato de experiência profissional aqui apresentado é fruto de um trabalho voluntário de uma cidade do interior de São Paulo – Araras. Trata-se de um campo de trabalho muito carente da presença e atuação do psicólogo, o que leva a necessidade de se relatar experiências oriundas desse tipo de atuação. Também se faz necessário mencionar que o presente trabalho desenvolvido foi de cunho voluntário, o que ressalta sua importância, haja vista, que fazer a diferença pode significar muito nos dias de hoje. Desse modo, o texto irá dar uma breve contextualização de como foi a atuação, desde minha iniciativa de buscar esse trabalho voluntário, quando decidi que gostaria de atuar nessa área.

Palavras-chave: violência doméstica, trabalho voluntário, orientação.


Abstract

The account of experience presented here is the result of a volunteer in a remote town in Sao Paulo - Macaws. It is a very poor field of work the presence and the psychologist, which leads to the need to share experiences arising from this type of activity. It is also necessary to mention that this work was voluntary nature, which underscores its importance, given that making a difference can mean a lot these days. Thus, the text will give a brief background of how the work was, from my initiative to seek this voluntary work, when I decided I would like to act in this area.

Keywords: domestic violence, volunteer, orientation.


Resumen

El relato de la experiencia que aquí se presenta es el resultado de un voluntario en un pueblo remoto en Sao Paulo - Guacamayos. Es un campo muy pobre de la labor de la presencia y el psicólogo, que lleva a la necesidad de compartir las experiencias derivadas de este tipo de actividad. También es necesario mencionar que este trabajo fue la naturaleza voluntaria, lo que subraya su importancia, dado que haciendo la diferencia puede significar mucho en estos días. Así, el texto dará una breve reseña de cómo fue el trabajo, de mi iniciativa para buscar este trabajo voluntario, cuando decidí que le gustaría actuar en este ámbito.

Palabras clave: violencia doméstica, voluntario, orientación.


 

 

Introdução

Formei-me em 2008 pela Universidade São Francisco em Itatiba, interior do Estado de São Paulo, mas morava em Campinas. Em Campinas, desde o começo do meu curso superior escrevia matérias para um jornal de bairro (meus professores revisavam minhas matérias) e desenvolvia projetos voluntários em uma Sociedade Amigos de Bairro. Lá pude aprender muitas coisas, pois haviam pessoas com histórias diferentes, realidades diferentes e também meus professores sempre me orientavam com a indicação de livros e supervisões a respeito dos meus trabalhos. As matérias neste jornal de Bairro eram sempre relativas à qualidade de vida, ao respeito com idoso, à criança e também matérias contra a exploração infantil e violência familiar. Ainda na faculdade no decorrer dos meus estágios em escolas, hospitais e clínica, percebia que existiam muitas questões relacionadas ao desrespeito com idosos, crianças e mulheres, muitas vezes vítimas de agressão. Não sabia muito como mudar isso, não que eu tivesse que ser a "salvadora", mas também nunca me acomodei com os problemas da comunidade, mesmo porque minha família sempre se engajou em trabalhos voluntários.

Então, sempre que havia possibilidade de projetos e estágios eu pensava em como utilizar tais estágios para aprender e ao mesmo tempo colaborar com a comunidade de forma mais eficaz. Depois de formada, comecei a trabalhar em uma clínica de psicologia e psiquiatria com atendimentos clínicos, mas ao mesmo tempo realizava trabalhos voluntários, escrevia matérias no jornal e em outras mídias.

Mas por motivos de força maior, tive que me mudar para a cidade de Araras-SP, onde não conhecia ninguém e me vi tendo que recomeçar minha vida profissional. Em minha comunidade eu era conhecida, em Araras a realidade era bem diferente. Como sempre me interessei pelo respeito ao ser humano pensei que talvez eu pudesse realizar trabalhos voluntários na Delegacia da Mulher de Araras, com vítimas de violência familiar, pois desta forma eu teria a possibilidade de realizar meu trabalho, contribuir com a comunidade e ao mesmo tempo aprender.

De forma prática peguei o telefone, me apresentei e disse o que pretendia, me passaram para várias pessoas e eu explicava tudo novamente. Até que então me transferiram para o delegado da cidade e ele após saber quem eu era, o que já havia feito e então marcou uma reunião comigo. Nesta reunião expliquei o que eu pretendia e ele perguntou: Quando você quer começar? E respondi: Pode ser agora?

Então passei por uma escrivã que me ensinou sobre a Lei Maria da Penha (ver http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm),         [ Links ] fiz uma revisão do ECA (ver http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/L8069.htm),         [ Links ] Estatuto do Idoso (ver http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/2003/L10.741.htm),         [ Links ] aprendi sobre como funcionavam os atendimentos com idosos, mulheres, sobre os casos de abuso sexual e pedofilia na cidade. Participei de reuniões onde a escrivã explicava sobre como funcionava a Lei Maria da Penha, e a história desta personagem fundamental para que a lei com seu nome existisse. Conversei com pessoas que entendiam sobre o assunto, assisti reportagens sobre violência familiar, li livros, artigos científicos e boletins de ocorrências que foram registrados nessa modalidade. Fiquei um mês apenas acompanhando e aprendendo como funcionava tudo aquilo e ao mesmo tempo deixando-me conhecer pelas pessoas que ali trabalhavam, pois ali não havia psicólogo e alguns tinham a visão de que eu estaria naquele local para analisálos. Foi um processo lento e algumas vezes difícil, mas também ganhei muitos amigos e aliados, pessoas que estavam realmente interessadas em fazer a diferença.

Para ficar claro, é necessário ser dito que muitas vezes as pessoas acreditam que a violência familiar ocorre sempre fisicamente, mas existem outras formas de violência (maior parte dos atendimentos), tais como: violência sexual, violência física, violência psicológica e violência econômica. Muitas vítimas não procuram serviços especializados por acreditarem que ser violentadas verbal e moralmente não se enquadram em agressão o que é um ledo engano. Outras pessoas não se sentem amparadas e não encontram coragem para denunciar. Percebi que muitas vezes a mulher vítima de agressão se dirigia até a Delegacia, prestava a queixa contra o agressor, mas embora muito bem atendida pelas escrivãs e por todas as funcionárias, estas mulheres queriam que alguém as ouvisse por mais tempo e as escutasse, não tendo preconceito com sua história, com o que elas tinham para dizer. Muitas destas mulheres sentiam-se inseguras, não tinham ninguém para contar e se viam sozinhas, muitas vezes tendo que ser a estrutura dos filhos, sem ter estrutura alguma. Então eu ficava na Delegacia, me apresentava e me colocava à disposição para atendê-las. A minha surpresa foi que a grande maioria procurava o atendimento e queria falar sobre sua história, queriam ser ouvidas. Foi então que começei a fazer atendimentos breves, também encaminhando estas mulheres ao Posto de Atendimento ao Trabalhador para que pudessem conseguir um trabalho, à Promoção Social da Prefeitura a fim de conseguir alimentos e também vagas nas creches, também as ajudava a elaborar currículos, a se organizarem para elas saberem o que queriam e também as encaminhava para atendimentos clínicos em clínica-escola e para serviços da Prefeitura onde havia a possibilidade de atendimento psicológico clínico gratuito. O foco do atendimento, ao contrário do que muitas pessoas pensam, não é fazer a mulher se separar do agressor, mas fazê-la compreender a questão, encarar a situaçãoproblema e a partir daí tomar atitudes, podendo se separar do agressor ou não, pois não cabe ao psicólogo interferir nas atitudes que a vítima deve tomar, mas ajudá-la a analisar tais questões, possibilitando que esta se sinta mais confiante para tomar atitudes em relação à sua vida.

Um dia, caminhando pela cidade uma das mulheres que eu havia atendido me viu e disse que o atendimento que ela teve a fez dar mais valor em si, a sentir-se importante e que ela havia mostrado para o marido que podia ser mais, então colocou o filho na creche, começou a trabalhar e o marido a respeitava. Nem todas as vítimas tomam a mesma atitude, mas devemos respeitar todas elas; algumas diziam que haviam se separado, tomado outro rumo, outras resolviam sua questão familiar, outras ainda não se sentiam preparadas para tomar qualquer atitude...

O atendimento psicológico nesse âmbito abre um canal de comunicação, fazendo com que esta vítima analise questões que até então não tinha coragem ou não conseguia analisar. O atendimento psicológico breve não tem o intuíto de um atendimento clínico prolongado, mas visa atender de forma mais focada e diretiva, atendendo então às necessidades mais urgentes, abrindo um canal, uma possibilidade para encaminhar a atendimentos psicológicos clínicos, o que sem este trabalho inicial, muitas vítimas não aceitam, pelo simples fato de não entenderem como seria este atendimento. O atendimento breve é, portanto, focado diretamente na situação-problema, utiliza-se também uma entrevista inicial, análise do caso, história pregressa, muitas vezes utilizando outros Boletins de Ocorrência para entender a situação-problema de forma mais aprofundada, podendo contribuir mais efetivamente com a questão.

Neste tempo eu também atendia a casos de abuso contra o idoso e violência sexual. Sempre buscando livros, artigos científicos, trabalhos que tenham dado certo e orientações para aprender a realizar meu trabalho de forma correta. Nos casos de pedofilia, atendia às crianças e ficava ao seu lado quando estas falavam sobre o ocorrido. Atendia aos pais que muitas vezes não sabiam como lidar com a situação e fazia encaminhamentos necessários, sempre buscando a ética profissional e a orientação de ex-professores e artigos especializados.

O Delegado da cidade sempre fazia reuniões comigo para saber como estava o trabalho, sempre me apoiando e sendo solícito e também as escrivãs me ajudavam e me ensinavam sobre a parte legal. Isto me ajudou muito a aprender e a contribuir com o meu trabalho. Este trabalho na Delegacia acabou sendo conhecido, o que rendeu algumas matérias em jornais e algumas discussões com relação ao assunto. Fui convidada para dar algumas palestras em escolas, faculdades, igrejas e também chamada para realizar alguns projetos.

O que percebo hoje é que a mudança de cidade me fez sair da zona de conforto que estava e me ajudou a ver novas possibilidades, a encontrar novos caminhos profissionais e a aprender tanto com a psicologia, mas também com profissionais de outras áreas. Havia pessoas neste tempo que me diziam: Porque perder tempo com trabalho voluntário? E eu respondo: Eu nunca PERDI tempo algum. Eu aprendi, contribui com a sociedade, exerci a cidadania e procurei fazer a diferença. Sei que não posso salvar o mundo, não tenho esta ilusão, mas sei que posso fazer o meu melhor. Em relação à violência familiar, ainda há um longo percursso pela frente; há muito que se fazer e a divulgar, é um trabalho de formiguinha, mas que deve ser feito sempre.

Este trabalho me fez conhecer pessoas novas, participar de seminários, aprender com todos que atendi e com os profissionais que conheci. Mesmo depois de formada busquei orientação e supervisão de meus mestres da graduação, assim sendo minha atuação ficava mais respaldada e consistente. Vejo que ganhei muito e acredito que quando nos colocamos na situação de eternos aprendizes, mas também encarando as dificuldades, tudo fica melhor. Houve muitos momentos difíceis e até hoje há em nossa profissão, não sabia se daria certo, mas acredito que tenha dado sim.

Hoje continuo fazendo consultorias e projetos remunerados, especialmente no âmbito escolar, mas me coloco à disposição da Delegacia para Atendimentos sempre que sou solicitada, tenho outras metas e ações em mente; quero aprender mais e focar ainda nos meus estudos. Sei que este é apenas o começo, contudo, considero estar pronta para esta caminhada.

 

Considerações Finais

Para o recém formado que deseja trabalhar na área, inicialmente é interessante que faça trabalhos voluntários, entrando em contato com os locais e responsáveis de onde deseja trabalhar, se possível levando seu portifólio. O trabalho voluntário é de extrema importância pois, além de contribuir com a comunidade, o profissional aprende, tendo também maior possibilidade para escolher de forma mais consistente seu campo de atuação. Há também a possibilidade de especialização na área da Psicologia Jurídica, onde o campo de atuação é extenso e variado: CAPs, Delegacias Civís, Delegacia de Proteção a crianças e adolescentes, Delegacias de Proteção à mulher, ao Idoso, esclarecendo que o profissional deve ser concursado ou contratado e há também a possibilidade de trabalhar no Terceiro Setor, entidades sem fins lucrativos que contribuem na luta contra estas desigualdades.

É interessante também estar sempre atento às Leis e suas revisões, publicações científicas, aprimoramentos e estudos na área, buscando ouvir os casos, atentando-se para o risco da vítima em sofrer novas agressões e fazendo relatórios de atendimento, o que poderá contribuir de forma mais eficaz para medidas de proteção às vítimas. Na sequência serão disponibilizados telefones das Delegacias da Mulher distribuídas em cidades e estados brasileiros.

Os principais telefones para contato nas Delegacias da Mulher são: Aracaju- SE: (79) 3213-1238; Araras-SP: (19)3541-6819 ou (19) 3544-4057; Belém- PA: (91) 3246-6470; Belo Horizonte- MG: (31) 3330-1758; Boa Vista- RR: (95) 3623-3248; Brasília- DF: (61) 3442-4300; Campinas-SP: (19) 3252-5016 ou 3242-5003; Campo Grande- MS: (67) 3384-1149; Cuiabá- MT: (65) 3644-1268; Curitiba- PR: (41) 3223-5323; Florianópolis- SC: (48)3228-5304; Fortaleza- CE: (85) 3101-2495; Goiânia- GO: (62) 3201-1818; Itatiba-SP: (11) 4538- 4935 ou 4487-7209; João Pessoa- PB: (83) 3218-5316 ;Londrina- PR: (43) 3322- 1633; Macapá- AP: (96) 3212-8128; Maceió- AL: (82) 3221-0676; Manaus- AM: (92) 3236-7012; Natal- RN: (84) 3232-2526; Palmas-TO: (63) 3218-6878; Porto Alegre- RS: (51) 3288-2172; Porto Velho- RO: (69) 3216-8800; Recife- PE: (81) 3301-1387; Rio Branco- AC: (68) 32221-4799; Rio de Janeiro Centro- RJ: (21) 20060-080; Salvador- BA: (71) 3116-7004; São Luís- MA: (98) 3221-2338; São Paulo Centro-SP: (11) 3241-3328; Teresina- PI: (86) 3222-2323; Vitória- ES: (27) 3137-9115; Pode ligar ainda para o Disk Denúncia: 197 ou para a Polícia:190.

Enfim, como dizia o filósofo Heráclito de Éfeso: "Nós nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio; porque na segunda vez não somos os mesmos e também o rio mudou."

 

 

Referências

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741.htm

http://www.defensoria.sp.gov.br        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
e-mail: adrianevilches@gmail.com

Recebido em: 01/03/2011
Revisado em: 24/05/2011
Aceito em: 30/05/11

 

 

iPsicóloga graduada pela Universidade São Francisco. Instrutora do SENAI no Programa de Qualificação Profissional da Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo e em projetos do SENAI e Consultora e assessora nas áreas de gestão e psicologia.