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Estudos Interdisciplinares em Psicologia

versão On-line ISSN 2236-6407

Est. Inter. Psicol. vol.9 no.1 Londrina jan./abr. 2018

 

Artigos

 

"Espelho, espelho meu": reflexos do narcisismo na publicidade

 

“Mirror, mirror on the wall": narcissism reflexes in advertising

 

“Espejo, espejo mío”: reflejos del narcisismo en la publicidad

 

 

Bruna Rabello de MoraesI i; Christiane Maria Sagebin Albuquerque de MirandaII ii

I Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

II Universidade de Passo Fundo (UPF)

 

 

 


Resumo

Este artigo discute a relação entre publicidade e narcisismo, a partir da teoria psicanalítica, visando problematizar a questão do sofrimento narcísico na atualidade. Pretende compreender a influência do contexto social na promoção ou perpetuação do sofrimento psíquico e o papel da publicidade nesse contexto. Para ilustrar o que é “vendido” além do real produto na publicidade foram utilizados nove slogans. Conclui-se que a constante imposição de ideais narcísicos inalcançáveis pela publicidade, somados a uma sociedade com sujeitos que se utilizam de defesas narcísicas, como forma de se protegerem da instabilidade e da insegurança, gera um crescente desinvestimento narcísico dos objetos e um incremento das pulsões libidinais voltadas ao próprio ego, resultando no que Green (1988) denomina “narcisismo de morte”.

Palavras-chave: Narcisismo; Publicidade; Sociedade; Sofrimento Psíquico.


Abstract

This article discusses the relationship between advertising and narcissism, from the psychoanalytic theory, aiming to problematize the question of narcissistic suffering today. It aims to understand the influence of the social context in promoting or perpetuating psychological distress and the role of advertising in this context. To illustrate what is "sold" beyond the real product advertising, nine slogans were used. We conclude that the constant imposition of narcissistic unachievable ideal for advertising, in addition to a company with subjects that use narcissistic defenses as a way to protect themselves from instability and insecurity, generates a growing narcissistic disinvestment of objects and an increase of drives libidinal focused on the ego, resulting in what the psychoanalyst Green (1988) calls "narcissism of death”.

Keywords: Advertising; Narcissism; Society; Psychological Suffering.


Resumen

En este artículo se analiza la relación entre la publicidad y el narcisismo, desde la teoría psicoanalítica, con el objetivo de cuestionar el sufrimiento narcisista hoy. Su objetivo es comprender la influencia del contexto social en la promoción o la perpetuación del sufrimiento psíquico y el papel de la publicidad en este contexto. Para ilustrar lo que se "vende" más allá de los verdaderos productos fueron utilizados nueve consignas. Llegamos a la conclusión de que la imposición constante de ideales narcisistas inalcanzables por la publicidad, además de una sociedad con sujetos que utilizan defensas narcisistas como una manera de protegerse de la inestabilidad y la inseguridad, genera una creciente desinversión narcisista de los objetos y un aumento de los impulsos libidinales enfocados en el ego, dando como resultado lo que el psicoanalista Green (1988) llama "narcisismo de muerte."

Palabras clave: Publicidad; Narcisismo; Sociedad; Sufrimiento Psíquico.


 

Introdução

As últimas décadas protagonizaram grandes mudanças sociais. Alguns exemplos podem ser destacados, como a fluidez das relações, a baixa tolerância à frustração, o valor dado ao sucesso individual e a busca implacável pela felicidade constante. Alguns teóricos denominam o momento atual como: “Cultura do Narcisismo” (Lasch, 1983), “Sociedade do Espetáculo” (Debord, 2003) ou “Tempos Líquidos” (Bauman, 2007). A publicidade tem sido um dos mecanismos principais na engrenagem da cultura contemporânea, caracterizada pelo que Lipovetsky (2007) chama de “turboconsumismo”, que vem ofertando às pessoas muito mais do que apenas o produto a ser vendido. Através da fetichização dos objetos, a publicidade faz com que se incorporem a eles poderes imateriais, muitos deles relacionados aos ideais narcísicos dos sujeitos.

As mudanças ocorridas na cultura influenciam na constituição da subjetividade dos indivíduos. Uma análise de adolescentes realizada por pesquisadores nos Estados Unidos, através do Inventário Multifásico Minnesota de Personalidade - MMPI, por exemplo, mostrou que na década de 1950 apenas 12% dos jovens concordavam com a declaração “Eu sou uma pessoa importante”; já ao final de 1980, 80% concordavam com essa afirmação, evidenciando grande mudança em relação à percepção de si mesmo dos jovens americanos nas últimas décadas (Newsom, Archer, Trumbetta, & Gottesman, 2003). O resultado desse incremento é esclarecido por Rocha (2014, p. 766): “Quando excessivo, o narcisismo fecha o sujeito no seu próprio eu [...] sem lhe deixar possibilidade alguma de abertura para o mundo dos outros. Assim, ele se torna um ‘narcisismo de morte’.”.

Atualmente, pode-se observar o surgimento de novas formas de expressão do sofrimento psíquico, o que tem preocupado os pesquisadores e a sociedade no geral. Aos psicanalistas, então, cabe uma análise mais profunda das questões que estão produzindo e perpetuando o sofrimento na atualidade, para que se possa pensar a respeito das novas estruturas psíquicas e consequentes psicopatologias. O presente artigo visa discutir teoricamente a relação existente entre a publicidade e o narcisismo, com o objetivo de problematizar a questão do sofrimento narcísico na atualidade. Para isso, busca-se integrar, através de um levantamento bibliográfico, três campos do conhecimento, importantes para a compreensão do problema aqui exposto: Psicanálise, Comunicação e Ciências Sociais.

Primeiramente, é apresentada uma revisão teórica a respeito da constituição do narcisismo a partir da psicanálise. Posteriormente, o contexto social da contemporaneidade é analisado e, na sequência, o papel da publicidade nesse contexto. Para facilitar a ilustração das ideias discutidas são utilizados nove slogans de anúncios publicitários, de diferentes marcas, separados por categorias referentes aos ideais “vendidos” através deles – felicidade, poder e liberdade. Os anúncios serão das marcas: Coca-Cola; Ford; Kibon; Nike; O Boticário; Pão de açúcar; Smirnoff e Visa. Por fim, busca-se relacionar as questões discutidas até então, com as possíveis implicações para o psiquismo dos sujeitos.

 

Interfaces do narcisismo

A palavra narcisismo tem sido cada vez mais utilizada para se referir ao indivíduo contemporâneo. No senso comum, narcisismo é um termo normalmente utilizado com denotação negativa, porém a psicanálise entende o desenvolvimento adequado do narcisismo como essencial para a saúde psíquica. Há dois tipos de narcisismo, o positivo e o negativo. No positivo, a libido do ego procura alcançar coesão egóica ao se opor à libido de objeto, e tende a unidade. Segundo Storolow (1975), graças ao narcisismo a atividade psíquica mantém a estabilidade temporal do sentimento de si, a coesão organizacional e a colocação positiva do sentimento de estima de si. Para Semi (2011), o narcisismo é necessário para que se possa desenvolver certo grau de “[...] autonomia, de autossuficiência, de autoestima, de segurança, de prazer em estar consigo mesmo, de sentimento de ser um conjunto bem integrado” (p. 45). Já o narcisismo negativo brota das pulsões de morte e tem como tendência reduzir a zero os investimentos egóicos. Não há apenas um desinvestimento dos objetos, mas também uma indiferença do ego (Hornstein, 2009). “Na patologia narcisista, durante o estado desperto, o investimento libídico prevalente é sobre si mesmo, e isso determina graves problemas na relação com os outros” (Semi, 2011, p. 57).

Para compreender a origem das psicopatologias contemporâneas, é importante que se possa fazer um paralelo entre o narcisismo saudável e o patológico, no qual o foco da análise será compreender o fenômeno do narcisismo e sua relação com a estruturação do ego e formação dos ideais. É importante observar que um mesmo movimento econômico, relacionado ao narcisismo pode ser patológico ou parte do funcionamento psíquico saudável. Segundo Green (1988), a retração narcisista, por exemplo, é a resposta a um sofrimento e um mal-estar, porém também é uma tendência natural do Eu que a cada noite desinveste do mundo na hora de dormir. Para Hornstein (2009) o narcisismo pode ser uma patologia, um estado de desenvolvimento psíquico, um traço de personalidade ou até uma instância psíquica e é o que torna possível um movimento de centramento das representações identificatórias do sujeito.

Segundo Freud (1914/1974), a libido afastada do mundo externo é dirigida para o ego e assim dá margem a uma atitude que pode ser denominada de narcisismo. Freud dividiu o narcisismo em dois momentos, o narcisismo primário e o secundário. O narcisismo primário é “um estado precoce em que a criança investe toda a sua libido em si mesma” (Laplanche & Pontalis, 2001, p. 290). Já, o narcisismo secundário “designa um retorno ao ego da libido retirada dos seus investimentos objetais” (Laplanche & Pontalis, 2001, p. 290). Hornstein (2009) afirma que é importante ter presente a diferença entre o narcisismo primário que se refere ao indivíduo e o narcisismo secundário que se refere ao Eu, a uma parte do aparato psíquico.

A presença do Outro é fundamental para a unificação das pulsões fragmentadas e para a inauguração de um indivíduo como unidade estruturada. “A apreensão do corpo como unidade [...] só é possível porque a criança é, em princípio, constituída como unidade pelo olhar do outro sobre ela e pelo discurso que a designa como ser único” (Enriquez, 1991, p. 69). Se o objeto deixar de cumprir seu papel de espelho e de auxiliar desse ego que deve advir, objetos e pulsões se convertem em obstáculos. Com isso, o ego irá mobilizar pulsões de morte, resultantes da incapacidade de ligação do ego (Horsntein, 2009). Sales (2005, p. 115), ao falar da teoria de Lacan a respeito do estágio do espelho, comenta que “[...] a atividade da criança diante do espelho revela [...] uma ‘matriz simbólica’ constitutiva do ‘eu’, e define o ‘eu’ ideal como uma espécie de estrutura que serve de crivo para a vida psíquica posterior do sujeito.”. “O objeto, quando falha nas funções de continente e EU-auxiliar deixa suas marcas no psiquismo incipiente que é invadido por angústias muito primitivas” (Gobbi, 2008, p. 30).

No processo de construção do Eu, é importante que haja a transição do ego ideal “ideal narcísico de onipotência forjado a partir do modelo do narcisismo infantil” (Laplanche & Pontalis, 2001, p. 139) para o ideal de ego “instância da personalidade resultante da convergência do narcisismo (idealização do ego) e das identificações com os pais, com os seus substitutos e com os ideais coletivos” (Laplanche & Pontalis, 2001, p. 222). A idealização de que a própria criança é objeto por parte dos seus pais, tem como reflexo a superestimação das figuras parentais, o que cria um circuito narcisista imperecível, o destino dos ideais é o de realizar a renúncia pulsional mais radical, incluindo a renúncia das satisfações narcísicas (Green, 1988). Para que o sujeito saia do lugar de ideal a dor da castração deve se fazer presente (Gobbi, 2008). Hornstein (2009) explica que essa passagem se dá a partir da refutação do objeto próprio do ego ideal que irá ser substituída “[...] pelo reconhecimento do objeto, sua superestimação e pela posterior identificação. O ideal do ego é o substituto da perfeição narcísica primária, mas é separado do ego por um desgarramento inevitável.” (p. 131).

O ideal de ego representa um modelo ideal a ser atingido pelo ego adulto em suas relações efetivas. Ele é permanentemente vigiado por uma instancia especial de censura que mede o ‘ego real’ e o compara com o ‘ideal de ego’. A partir dessa avaliação, quanto mais próximo for o grau de aproximação do ego com o ego ideal, mais o ego do sujeito irá se fortalecer (Severiano, 2001). Segundo afirmou Freud (1914/1974, p. 115) “Tudo o que uma pessoa possui ou realiza, todo o remanescente do sentimento primitivo de onipotência que sua experiência tenha confirmado, ajuda a aumentar sua autoestima”. A partir disso, observa-se a importância, para o ego, de conquistar os ideais propostos pela cultura, e como a constante criação de ideais inalcançáveis pela publicidade podem ter uma influência negativa sobre a subjetividade. Em certas problemáticas narcísicas predomina uma vulnerabilidade da autoestima, o que faz com que as pessoas se tornem especialmente sensíveis às desilusões e aos fracassos. Com isso, centram-se em si mesmas, dependem muito do reconhecimento e admiração dos outros e têm fantasias grandiosas, exemplos dessas problemáticas são: hipocondria, depressão, tédio e perda de vitalidade (Hornstein, 2009).

Após a constituição do ego como imagem coesa, a libido pode migrar em três direções: o próprio ego (“resíduo do narcisismo infantil” que permanece); os objetos (libido objetal); e os ideais (representados inicialmente pelos pais e, posteriormente, pelos ideais propostos pela cultura). O percurso da libido irá se relacionar diretamente com a autoestima do indivíduo (Freud, 1914/1974).

Na concepção freudiana exposta no ensaio de 1914, existe uma catexia original do ego, com uma quantidade fixa de libido, a qual, no transcurso do desenvolvimento do indivíduo, irá dirigir-se para os objetos, investindo-os libidinalmente, porém sem nunca desinvestir totalmente o ego. Este, por sua vez, estará sempre pronto a retomar a libido e acumulá-la em si próprio mediante determinadas condições, geralmente associadas com alguma enfermidade ou frustração excessiva (Severiano, 2001, p. 123).

Para Freud, o equilíbrio psíquico depende de um balanceamento energético entre os investimentos do ego e dos demais objetos. Segundo Dessuant (1992) se o investimento é exclusivamente narcísico, pode conduzir o sujeito à morte, pois o impede de se voltar para o objeto vital, enquanto que o investimento totalmente antinarcísico esvaziaria o sujeito, ao privá-lo de si mesmo. Na sociedade atual surge um problema com relação a esse equilíbrio, pois através de identificações idealizadas com a cultura do consumo, os indivíduos investem libidinalmente objetos que não retribuirão a esse investimento, o que gera um empobrecimento libidinal (Caniato & Nascimento, 2010).

Estudos internacionais (Bergman, Fearrington, Davenport & Bergman, J, 2011; Newsom et al, 2003; Twenge, Konrath, Foster, Campbell & Bushman, 2008; Twenge & Campbell, 2009) identificaram um aumento significativo nas médias totais do narcisismo, ao longo das últimas décadas, apontando que características narcísicas como vaidade, sentimento de superioridade, exibicionismo, senso de merecer respeito e a tendência de manipular e tirar vantagens dos outros, têm assumido uma maior importância nos aspectos da personalidade de jovens. Twenge e Campbell (2009), em um estudo realizado com 37 mil estudantes universitários, verificaram que o narcisismo teve pontuações mais rapidamente aumentadas na década de 2000 do que nas décadas anteriores; no ano de 2006, um em cada quatro universitários nos Estados Unidos concordou com a maioria dos itens numa medida padrão de traços narcísicos, evidenciando o aumento dessas características na contemporaneidade. A partir disso, observa-se a abrangência das psicopatologias de origem narcísica e a relevância da discussão aqui proposta.

 

Cultura do Narcisismo

A sociedade contemporânea tem sido definida por diversos autores (p. ex., Lasch, 1983; Lipovetsky, 2004; Severiano, 2001) como uma sociedade narcisista, cuja caracterização principal é a busca constante pela gratificação dos desejos individuais. O momento atual é denominado como pós-modernidade que, segundo Lipovetsky (2004, p. 23), representa um momento histórico no qual “todos os freios institucionais que se opunham à emancipação individual se esboam e desaparecem, dando lugar à manifestação dos desejos subjetivos, da realização individual, do amor próprio”. Ainda sobre as características socioculturais da contemporaneidade, o mesmo autor afirma que esta é a era das motivações intimas e existenciais, da gratificação psicológica, do prazer para si mesmo, onde se saiu do primado das lógicas de classe para o individualismo narcísico (Lipovetsky, 2004).

A respeito das mudanças do período histórico denominado modernidade para a pós-modernidade, de forma resumida, Bauman (1998) comenta que na modernidade, conforme Freud (1930/1974) fala em seu texto “Mal-estar na civilização”, a origem do mal-estar era o excesso de segurança e a consequente falta de liberdade. Já na pós-modernidade, a origem do mal-estar está principalmente no excesso de liberdade e na insegurança, que surge como consequência. Outra diferenciação entre as fases da modernidade e pós-modernidade é que hoje a cultura é feita de ofertas, assumindo o lugar que as normas ocupavam antigamente (Bauman, 2010). Baudrillard (1995) enfatiza que houve uma mudança com relação à identidade, que deixa de ser a do trabalho, ou seja, o que se faz para viver, para a do consumo, como se vive.

Também se evidencia o surgimento de um processo contrário ao que havia na sociedade moderna, quando Freud criou o termo sublimação. Segundo Laplanche e Pontalis (2001), a pulsão é sublimada na medida em que é derivada para um novo objeto não sexual e em que visa objetos socialmente valorizados. Abdicava-se da realização direta dos desejos sexuais, devido à repressão social e, a partir disso, era necessário encontrar novas formas de dar destino às pulsões. Na sociedade pós-moderna, surge o termo “dessublimação” que segundo Rouanet (1986) é a substituição da satisfação diferida pela satisfação imediata, não visa promover uma libertação real, mas aprisionar os indivíduos nas malhas da ordem existente, podendo-se chamá-la de “dessublimação repressiva”. Dessa forma, evita-se ao máximo qualquer possibilidade de conflito, passa-se diretamente do desejo ao ato.

Um dos aspectos fundamentais da contemporaneidade é a constante mensagem de que tudo deve ser maleável e flexível, com sucessivas substituições de produtos ao menor sinal de alguma novidade (Tavares, 2010). Consequentemente, as relações que os indivíduos estabelecem com os outros podem ser descritas como não tendo obrigações incondicionais assumidas, tendo como único alicerce para a continuidade da relação, a quantidade de satisfação obtida com ela. Essas relações são encaradas como um grande passo no caminho da “libertação” individual (Bauman & Donskis, 2014). Apesar dessa nova forma de se relacionar ser vista como um grande progresso em uma sociedade que valoriza a liberdade acima de tudo, elas têm grande impacto no psiquismo dos sujeitos, uma vez que, dessa forma, passa-se a não se investir mais libidinalmente no Outro. Tem-se, hoje, o consumo como personagem principal da cultura, absorvendo e integrando parcelas cada vez maiores da vida social. Segundo Bauman (2010) vive-se em uma sociedade de consumidores, na qual “[...] a cultura também se transforma num armazém de produtos destinados ao consumismo, cada qual concorrendo com os outros para conquistar a atenção inconstante/errante dos potenciais consumidores [...]” (pp. 33-34).

Algumas características da sociedade atual, percebida como mais fragmentária e caótica, podem contribuir para o aumento de determinados traços de personalidade. Para Lasch (1983) as transformações sociais ocorridas no final do século passado parecem prenunciar um sentimento de finitude: fim da história, fim dos ideais políticos-coletivos, fim da crença numa sociedade justa, fim da esperança nas relações afetivas significativas, iminência de um fim dos recursos naturais etc. “Este vazio político, social, cultural e afetivo talvez tenha contribuído para a organização de novas tipologias de personalidade, ou aguçado determinados traços há muito existentes, [...]” (Severiano, 2001, p. 114). Segundo Lipovetsky (2004, p. 28) “Narciso está menos enamorado de si mesmo que aterrorizado pelo cotidiano, pelo próprio corpo e por um ambiente social que ele considera agressivo.”. Sendo assim, a intensificação, de características relacionadas ao narcisismo, pode ter sua origem na grande insegurança e instabilidade que se vivencia nos dias atuais, como uma estratégia do aparelho psíquico para se defender de um ambiente hostil.

 

A publicidade e suas estratégias

Segundo Costa e Hennigen (2009, p. 118) “A expressão publicidade, no Brasil, refere-se a uma área de atuação e de estudos das Ciências da Comunicação que tem como finalidade principal a divulgação de produtos e serviços com fins comerciais.”. No sentido comercial, a publicidade significa divulgação de uma mensagem por meio de anúncios com o objetivo de influenciar o público. Nos países de língua latina, a palavra publicidade é entendida como sinônimo de propaganda, desenvolvendo-se como uma técnica do processo de venda em massa (Brandão & Moraes, 2006).

Considerando a fusão entre o cultural e o econômico, como afirma Fontenelle (2002), analisar a publicidade contemporânea é uma maneira de analisar a cultura como um todo e sua relação com a subjetividade dos indivíduos. Segundo a autora, tem-se desenhado um novo modelo comunicacional que é produto dessa fusão entre cultural e o econômico e que faz com que “cultura” se torne igual a “mercado”. Isso significa que “[...] o aparato produtivo contemporâneo está profundamente entrelaçado ao universo simbólico, fazendo com que a “indústria cultural” se torne o paradigma, por excelência, da produção capitalista contemporânea.” (Fontenelle, 2002, p. 145).

O caminho percorrido pela publicidade, do seu início até a atualidade, é dividido em três épocas. Na primeira fase, limitava-se a informar o público sobre os produtos existentes e a identificá-los através de uma marca. Na segunda, a publicidade se tornou sugestiva, através das técnicas de sondagem que desvendavam os gostos dos consumidores e a orientavam. Na terceira e atual fase, a publicidade passou a atuar sobre as motivações inconscientes do púbico, convertendo os objetos de consumo em ídolos, revestindo-os de atributos que ultrapassam a ordem do real, fazendo com que o público seja atraído por esses atributos (Severino, Gomes, & Vicentini, 2011). Hoje a publicidade utiliza, como principal estratégia, a retratação de situações nas quais a marca possa ser associada positivamente a determinado ideal ou modo de vida. Essa nova forma de anúncio passou a predominar a partir dos anos 1960 (Fontenelle, 2002).

Segundo Retondar (2003) a publicidade ganhou dimensões que vão muito além do seu universo de atuação inicial que, então, se baseava em estimular o consumo de bens econômicos, agora ela abrange outros universos que compõem a sociedade, relacionando-se diretamente a tudo aquilo que diz respeito à cultura. “Nesse sentido, podemos verificar uma espécie de continuidade entre o desenvolvimento do processo social de consumo e o desenvolvimento do discurso publicitário.” (Retondar, 2003, p. 6). Dessa forma, a publicidade veicula códigos de consumo, que não são neutros, mas sim códigos morais e éticos que irão perpetuar as características do sistema social vigente, ou seja, da cultura do narcisismo (Severiano, 2001). Portanto, “[...] a publicidade torna-se instrumento central na constituição da subjetividade contemporânea, pois ao consumir os produtos-imagens, produzimos nossas identidades. Deriva-se daí que, para além do comércio de mercadorias, o que se processa é o comércio de modos de vida.” (Costa & Hennigen, 2009, p. 121).

A atual busca por consumo possui um ethos específico, desenvolvendo-se através de um longo processo histórico que veio ocasionar uma inversão da ética protestante, na qual se acreditava que o trabalho deixava o homem mais próximo de Deus, resultando numa sociedade voltada para a produção e que consumia somente aquilo altamente necessário para a sobrevivência, para a lógica da sociedade de consumo, que é consumir sempre para muito além do necessário (Severiano, 2001). A partir disso, a publicidade se adaptou a necessidade de criar uma demanda na população para que a grande escala de produtos, produzidos pela indústria, antes considerados desnecessários, passassem a ser necessários, “[...] nos anos 60 a passagem do primado de produção ao de consumo trouxe ao primeiro plano os objetos.” (Baudrillard, 2001, p. 9).

A publicidade passou a não vender apenas o produto em si, ela vende tudo menos o produto, que se tornou puro signo (Severiano, 2001) “Vendem-se ‘imagens’, ‘marcas’, ‘valores’, ‘arquétipos’, ‘magia’, ‘símbolos’, ‘arte’, ‘desejos’, ‘códigos culturais’, ‘emoções’, ‘diferença’, ‘estilo’, etc. Ou seja, não se vende o que de fato se quer vender” (Severiano, 2001, p. 171). Ray Kroc, o grande disseminador da marca McDonald’s, falando sobre os pilares que sustentam a concepção do espetáculo, afirma que o importante não é vender o produto em si, mas as atitudes ligadas a esse produto, o importante é vender a cultura, como a cultura do fast food, por exemplo (Fontenelle, 2002). Com isso, a utilidade do produto, que parecia ser o motivo para a aquisição do mesmo, se converte num mero acessório para realizar aspirações relacionadas a ele. Exemplos dessa transformação do produto em puro signo e da venda de ideais, são vistos com frequência em anúncios publicitários.

Para ilustrar a “venda” de ideais narcísicos são apresentados nove slogans, de diferentes marcas, conforme ideais de felicidade, poder e liberdade. A “venda” do ideal “felicidade”, por exemplo, pode ser observado em slogans como: “Abra a felicidade” (Coca-Cola, 2009), “Lugar de gente feliz” (Pão de Açúcar, 2014) e “Compartilhe felicidade” (Kibon, 2013). A “venda” do ideal “poder” encontra-se nos slogans: “Grandeza não precisa de sorte, só de suor” (Nike, 2012), “A cidade está em suas mãos” (Ford, 2008) e “Use O Boticário e ponha o lobo mau na coleira” (O Boticário, 2005). Por fim, o ideal de “liberdade” está presente nos slogans: “Aqui é liberdade. Aqui é Ecosport” (Ford, 2015), “Liberte-se” (Smirnoff, 2014) e “Mais pessoas vão com Visa” (Visa, 2009).

Nota-se nesses slogans que, diferente das primeiras fases da publicidade, quando o foco se centrava nas características do produto vendido, hoje ela se relaciona aos desejos inconscientes do consumidor, não só respondendo a uma demanda de desejos já existentes, mas sendo responsável pela criação de novos desejos. Segundo Guareschi (2004, p. 303) a função da publicidade é dupla “[...] suscitar impulsos ali onde não existiam e persuadir o indivíduo a satisfazê-los adquirindo o objeto ou serviço anunciado.”. Então, pode-se observar que quando se pensa na possibilidade de adquirir algum produto dessas marcas citadas, o desejo não é o de comprar um refrigerante, um carro ou um produto de beleza, por exemplo, mas é o desejo de tornar-se mais feliz, livre e poderoso.

 

Publicidade e narcisismo: desejos induzidos

Na análise do alcance do discurso publicitário sobre o sujeito, e sua relação com o narcisismo, o significado do desejo toma um lugar importante. O desejo é “[...] um momento pelo qual o sujeito é descentrado, isto é, que a busca do objeto da falta, faz o sujeito viver a experiência de que seu centro não está mais nele mesmo [...]” (Green, 1988, p. 21). Ainda segundo Green (1988), a partir da percepção que seu centro está num objeto do qual está separado, fora de si, o sujeito tenta se reunir a esse objeto externo para reconstruir seu centro, reencontrar sua identidade, no bem-estar que se segue à experiência de satisfação. No que diz respeito à criação da necessidade e do desejo pelos objetos de consumo e pelo o que eles significam, assim como, o incremento da libido narcísica resultante disso, pode-se observar que o desejo é irredutível à necessidade, porque é, no seu fundamento, relação como fantasia e não com um objeto real, independente do sujeito, e é irredutível à demanda, pois exige absolutamente ser reconhecido pelo outro, sem levar em conta a linguagem do inconsciente desse outro (Laplanche & Pontalis, 2001).

Os desejos essenciais podem ser classificados em duas grandes vertentes: os sexuais e os narcísicos. Os desejos narcísicos referem-se não tanto ao que se quer ter, mas ao que se deseja ser, tendo como limite a onipotência fantasiada no seu máximo alcance, ou seja, a capacidade de realizar instantaneamente tudo o que o indivíduo puder imaginar (Guareschi, 2004). São esses os desejos que se tem observado com mais frequência, sendo induzidos pela publicidade, quando esta vende, muito mais que o produto em si, “Agora, a mercadoria, além de incorporar/alienar as relações sociais que as produziram, também incorpora e aliena aspectos subjetivos referentes à felicidade, liberdade, personalidade e realização humana.” (Severiano, 2001, p. 49). Debord (2003), cunhador do termo “Sociedade do espetáculo”, afirma em relação ao que ocorre entre o sujeito e o objeto idealizado que “[...] quanto mais ele contempla menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende sua própria existência e o seu próprio desejo” (p.28).

A venda constante, através da publicidade, de “produtos” que vão muito além do objeto que realmente se pretende vender é responsável por gerar um processo de idealização, no qual as qualidades do objeto são levadas à perfeição (Laplanche & Pontalis, 2001). “A identificação com o objeto idealizado contribui para a formação e para o enriquecimento das chamadas instâncias ideais da pessoa (ego ideal, ideal de ego)” (Laplance & Pontalis, 2001, p. 224). Severiano (2001), em uma pesquisa realizada com grupos de estudantes e publicitários, brasileiros e espanhóis, na qual separou os grupos conforme resultados de escala para mensuração de traços narcisistas da personalidade, propondo discussões a partir de peças publicitárias, observou que os grupos com maiores escores na escala aplicada são mais suscetíveis aos ideais “vendidos” pela publicidade, enquanto que nos grupos com escores menores predominou o pensamento crítico e reflexivo.

Portanto, observa-se que a “lógica da mercadoria” se vale da “lógica do desejo” para alcançar seus objetivos. A partir disso, surge para o consumidor a ilusão de se constituir enquanto individuo personificado e singular através dos ideais apresentados nas imagens dos objetos, que jamais serão alcançados (Severiano, 2001). “Essa pseudo-individualidade de mercado [...] constitui sérios riscos às formas de resistência, ainda observadas nos consumidores/receptores, uma vez que o exercício do pensamento crítico-reflexivo é enormemente enfraquecido ante as insistentes e sedutoras promessas de realização imediata do desejo.” (Severiano, 2001, p. 356).

Kehl (2004), em seu texto “A publicidade e o mestre do gozo”, afirma que a publicidade coloca o objeto vendido no lugar (imaginário) do objeto (simbólico) do desejo. Dessa forma, a publicidade encobre a falta e incita o gozo pleno. Para Lacan (1960/2008) a verdadeira satisfação, a pulsional, não se encontra nem no imaginário, nem no simbólico, está fora do que é simbolizado, ela é da ordem do real. Todo laço social deveria fundamentar-se naquilo que coloca limite ao desejo de gozo pleno, sendo que este só se encontraria na morte. Ou seja, ao buscar o gozo pleno prometido pela publicidade, no consumo dos objetos vendidos, o sujeito sempre acabará se frustrando.

As constantes frustrações, resultantes da indução de desejos pela publicidade e do consequente investimento libidinal nos objetos idealizados, que não correspondem ao que é prometido, pode resultar no que Green (1988) denomina “narcisismo de morte”. Hornstein (2009) explica que o excesso de frustração pode conduzir a um esgotamento da capacidade de investir, pois o sofrimento excessivo pode facilitar o desinvestimento próprio da pulsão de morte. As pulsões de morte “tendem para a redução completa das tensões, isto é, tendem a reconduzir o ser vivo ao estado inorgânico” (Laplanche & Pontalis, 2001, p. 407). Com isso, ocorre um desinvestimento geral dos objetos de amor, incluindo o próprio Eu do indivíduo como objeto de investimento narcísico. Para Green (1988) o objetivo e o sentido do narcisismo de morte podem ser compreendidos através da metáfora do retorno à matéria inanimada, petrificação do Eu que visa à anestesia e a inércia na morte. “Não é o desprazer que substitui o prazer, é o Neutro. Não é na depressão que devemos pensar aqui, mas na afanise, no ascetismo, na anorexia de viver.” (Green, 1988, p. 24).

Segundo Birman (2009, p. 24) “Os destinos do desejo assumem, pois, uma direção marcadamente exibicionista e autocentrada, na qual o horizonte intersubjetivo se encontra esvaziado e desinvestido das trocas inter-humanas.”. Ou seja, a partir do momento em que se vive em uma sociedade caracterizada como narcisista, onde o narcisismo é intensificado como forma de defesa, frente a uma sociedade que tem como maior responsável pelo mal estar a insegurança, resultante do excesso de liberdade, a fluidez das relações, o desaparecimento de instituições de autoridade e de referência cultural (Bauman, 1998; Lipovetsky, 2004), os destinos do desejo passam a se direcionar principalmente aos ideais narcísicos do sujeito, que passa a não investir mais no Outro, não há mais alteridade, pois “O princípio de prazer tende a ignorar a diferença, a apresentar o depois como o retorno do antes, a alteridade como identidade” (Hornstein, 2009, p. 59).

Como consequência das questões aqui apresentadas, observa-se uma mudança na expressão do sofrimento psíquico. As psicopatologias relacionadas ao narcisismo têm se tornado cada vez mais frequentes, Hornstein (2009) cita algumas delas, separando-as em eixos que organizam a clínica, dentre as quais, encontram-se as relacionadas ao sentimento de si que são os quadros borderline, paranoia e esquizofrenia; ao sentimento de autoestima, que são os quadros de depressão e melancolia; a indiscriminação objeto histórico-objeto atual, relacionado às eleições narcísicas e as diversas funções do objeto na economia narcísica; e, por fim, o desinvestimento narcísico relacionado à clínica do vazio. Ainda sobre a prevalência das patologias de origem narcísica, Green (1988, p. 11) afirma que:

Cada vez mais, nós psicanalistas temos que nos defrontar com uma clinica proteiforme: pessoas com incertezas sobre as fronteiras entre o ego e o objeto ou entre o ego e o ego ideal; fusão desejada ou temida com os outros; flutuações intensas no sentimento de autoestima; vulnerabilidade às feridas narcísicas; grande dependência dos outros ou impossibilidade de estabelecer relações significativas; inibições e alienação do pensamento; busca do vazio psíquico (tanto no nível da fantasia quando no do pensamento); predomínio de defesas primitivas: cisão, negação, idealização, identificação projetiva.

Conforme afirma Monti (2008, p. 240), na contemporaneidade, “A angústia da culpa foi substituída pela angústia da inadequação, do vazio, do déficit do desempenho, da insuficiência vexaminosa.”. Com isso, surge a chamada “clínica do vazio”, observada inicialmente por Alexander (1984) que, ao fazer um balanço de seus quarenta anos de trabalho como psicoterapeuta, relatou ver mais pessoas se queixando de depressão, porém uma depressão que consistiria no fato das pessoas não terem emoções, sentirem-se vazias e estarem profundamente frustradas e insatisfeitas. Na “clínica do vazio” um número cada vez menor de pacientes descreve problemas relacionados a um conflito, mas sim a queixa de sensação de vazio, ausência de significado, dificuldade para definir a si próprios e em gostar de si mesmos (Monti, 2008). Para Birman (2009) hoje os indivíduos se agarram fortemente aos objetos de consumo oferecidos pelo mercado, ou aos excessos das compulsões, como forma de preencher o vazio de sua dor. Isto, porque seu sofrimento pode desqualificar a autossuficiência imposta pelo modelo narcísico da sociedade.

 

Considerações finais

Constata-se que as mudanças intensas e, por vezes, bruscas que caracterizam a sociedade contemporânea, têm sido responsáveis pelo surgimento de novas expressões do sofrimento psíquico. A pós-modernidade tem, como principal característica, a fluidez das relações e a insegurança (Bauman, 1998), responsáveis pelo aumento de defesas narcísicas para dar conta das constantes perdas e frustrações. Nesse cenário a publicidade surge como engrenagem principal, perpetuadora da cultura do consumo, gerando ideais narcísicos e a falsa promessa de realização dos desejos, induzida através da compra de objetos, processo este meticulosamente calculado para gerar novos e mais intensos desejos. Tem-se, como consequência disso, constantes frustrações resultantes do investimento libidinal em objetos que não retribuem esse investimento, podendo resultar no que Green (1988) denomina “narcisismo de morte”.

Observa-se o surgimento de novas psicopatologias na clínica relacionadas a questões referentes ao narcisismo e a chamada clínica do vazio, na qual as queixas que não são resultado de um conflito, mas de uma sensação de vazio, uma indiferença em relação ao próprio eu e aos próprios sentimentos. Cada vez mais pessoas apresentam-se com incertezas sobre as fronteiras entre o ego e o objeto, ou entre o ego e o ego ideal, flutuações intensas no sentimento de autoestima, com grande dependência dos outros, com dificuldade de estabelecer relações significativas, havendo também o predomínio de defesas primitivas, tais como: cisão, negação, idealização, identificação projetiva (Green, 1988).

Pode-se observar, através da análise de slogans utilizados na publicidade, de várias marcas, como hoje o foco da publicidade tem sido a venda de ideais narcísicos como felicidade, liberdade e poder, por exemplo, deixando as características práticas e reais do produto vendido em segundo plano. Assim, tem-se um produto como símbolo de outros “produtos”. Nesse cenário, a publicidade alcança dimensões que vão muito além do conteúdo manifesto nas suas estratégias. A partir disso pode-se pensar, também, em como essa área do conhecimento, que no momento é apresentada, de certa forma como vilã, por difundir e aproveitar a cultura social vigente, que algumas vezes pode ser descrita como uma cultura perversa com os sujeitos, tem potencial para fazer parte de mudanças importantes na sociedade. Se as estratégias utilizadas pela publicidade têm tanto impacto no psiquismo dos sujeitos, conforme se pôde observar neste artigo, então surge a possibilidade dessa mesma ferramenta ser utilizada para intervir na sociedade e ocupar um espaço de mudança e subjetivação dos indivíduos, mas de forma positiva.

A psicanálise, bem como outras áreas do conhecimento relacionadas com as demandas humanas, é chamada a questionar as características de uma cultura que está gerando um excesso de frustração e sofrimento nos indivíduos. O presente texto pretende contribuir para tal questionamento. Pode-se observar, ao longo do levantamento de material bibliográfico, que o Brasil é ainda muito carente em relação a pesquisas sobre esse tema. Apesar de haver muito material sobre a questão apresentada, a maioria dos trabalhos limita-se a revisão bibliográfica. A obtenção de dados como a prevalência de traços narcisistas, por exemplo, teve que ser realizada através de pesquisas publicadas nos Estados Unidos. Apesar de ser um tema amplo e complexo que exige constante problematização, e a necessidade de repensar a realidade de forma multidisciplinar pode-se, através do questionamento realizado nesse primeiro momento, a respeito do narcisismo e da publicidade na atualidade, compreender e contextualizar de forma mais clara a relação entre a cultura e o psiquismo dos sujeitos, bem como, ampliar o olhar crítico sobre o contexto social vigente e o processo de subjetivação que resulta a partir do mesmo.

 

Declaração de conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

 

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Endereço para correspondência
Bruna Rabello de Moraes

e-mail: brunardem@hotmail.com

Endereço para correspondência
Christiane Maria Sagebin Albuquerque de Miranda

e-mail: chris_albu@hotmail.com

Recebido em: 24/02/2017
Revisado em: 20/04/2017

Aceito em: 20/06/2017

 

 

 

Certificamos que todas as autoras participaram suficientemente do trabalho para tornar pública sua responsabilidade pelo conteúdo.

 

i Psicóloga pela Universidade de Passo Fundo e mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicanálise: Clínica e Cultura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

ii Psicóloga pela Universidade de Passo Fundo, especialista em Metodologia do Ensino Superior e mestre em Psicologia do desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É professora do curso de Psicologia da Universidade de Passo Fundo.

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