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Estudos Interdisciplinares em Psicologia

On-line version ISSN 2236-6407

Est. Inter. Psicol. vol.9 no.1 Londrina Jan./Apr. 2018

 

Resenha

 

A criança diante da morte: desafios

 

Alex da Silva SousaI i; Jena Hanay Araújo de OliveiraI ii

IUniversidade Federal do Maranhão - UFMA

 

Torres, W. C. (2012). A Criança Diante da Morte: Desafios. São Paulo. Casa do Psicólogo

 

Wilma da Costa torres foi graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1968), foi mestre em Psicologia na Fundação Getúlio Vargas (1978) e foi doutorada em Saúde Mental pela Universidade Estadual de Campinas (1996). Professora e pesquisadora, reconhecidamente engajada em seu trabalho, tornou-se referência no campo da tanatologia no cenário brasileiro a partir de 1970, época em que iniciou suas publicações, sobretudo a respeito do desenvolvimento do conceito de morte em crianças em diversas idades, área em que se destacou por seus vários estudos. O primeiro curso de especialização em Tanatologia do Brasil, criado em 1981, foi também uma de suas contribuições para a formação acadêmica de profissionais. O livro agora resenhado estabeleceu-se e mantem-se como literatura de referencia indispensável aqueles que buscam iniciar-se na temática, somado a outros da mesma autora.

O livro “A Criança Diante da Morte: Desafios” busca problematizar indagações que inquietam pesquisadores, familiares, e profissionais de assistência atuais, tais como: Quando começa o processo de descoberta da morte na infância? Em suas diferentes fases do desenvolvimento, como a criança lida com a experiência de morte? Como a experiência com a morte interfere no desenvolvimento global da criança? Para discutir tais questões o livro encontra-se organizado em duas grandes partes. A parte I discute trabalhos científicos que investigam a morte como um desafio cognitivo, neste eixo o desenvolvimento do conceito de morte na criança é investigado a partir da idade cronológica, do desenvolvimento cognitivo e de situações socioexperenciais de confronto com a morte. Já a parte II expõe e discute trabalhos científicos que investigam a morte como um desafio afetivo e simbólico para a criança, neste eixo são tomadas como referência a experiência de luto na infância. O livro traz ainda um breve capítulo que condensa exclusivamente estudos brasileiros sobre o desenvolvimento do conceito de morte na criança.

A compreensão do conceito “morte” é um dos princípios organizadores, mais importantes da vida, impactando na estruturação da personalidade da criança e no seu desenvolvimento cognitivo/afetivo, tornando-se por isto um fenômeno importante a ser conhecido cientificamente. A autora evidencia que as discussões sobre esta temática comportam duas perspectivas antagônicas: a primeira compreende que nos primeiros anos do seu desenvolvimento a criança nada percebe sobre a morte, a segunda, de forma oposta, é a tese de que crianças descobrem a morte de forma precoce (antes dos dois anos) por experenciarem ao longo de suas vidas situações ligadas à morte, ao luto e as diversas perdas inerentes à condição humana. No decorrer do livro a autora apresenta e discute, com habilidade e precisão, as evidências científicas das duas perspectivas ambivalentes, problematizando as suas implicações bem como as lacunas que deixaram.

As duas grandes teorias do desenvolvimento humano, a psicanálise e a epistemologia genética, contribuíram expressivamente para fortalecer a primeira perspectiva apontada acima, pois segundo a psicanálise as preocupações e pensamentos sobre a morte surgem apenas após o período edipiano, enquanto produto simbólico do medo da castração. Por sua vez, a teoria de Piaget afirma que a compreensão de conceitos ocorre quando as estruturas cognitivas da criança atingem as operações formais, no inicio da adolescência. Tais teorias sustentam que a criança não possui recursos para compreender a morte, fato que justificou por várias décadas a ausência de pesquisas sobre o tema.

O conceito de morte é complexo é multiaxial, como uma forma de investigar de forma mais clara o que a criança, em cada fase do seu desenvolvimento, pode compreender sobre ele o conceito foi segmentado em três grandes dimensões, a saber: irreversibilidade (é a compreensão de que o corpo físico não pode mais viver após a morte, a morte como um fato que não se desfaz), não funcionalidade (é a compreensão de que todas as funções que caracterizam a vida cessam com a morte), universalidade (é a compreensão de que tudo que é vivo morre, a morte como evento intrínseco à própria vida). As diversas pesquisas discutidas pela autora na primeira parte do livro objetivam correlacionar variáveis como idade, sexo, prática religiosa, nível sócio econômico, exposição a eventos trágicos de perda e luto e a compreensão da morte enquanto conceito a partir das três dimensões expostas neste parágrafo.

A síntese proposta pela autora acerca destas pesquisas aponta para conclusão de que a preocupação com o desenvolvimento do conceito de morte na criança a partir do seu desenvolvimento cognitivo passa a compor o cenário científico e acadêmico a partir de 1960. Os resultados sugerem que a compreensão da morte pela criança não ocorre de forma isolada ao desenvolvimento de sua vida cognitiva geral, o desenvolvimento conceitual da morte estabelece-se em função da idade cronológica e mental, em torno de sete anos a criança já apresenta alguns dos aspectos que compõem o conceito, porém apenas a partir dos dez anos o conceito torna-se completo. Desta forma, a idade e o desenvolvimento mental e cognitivo colocam-se como condicionadores da existência do conceito na criança. Estes resultados corroboram com as proposições das teorias do desenvolvimento de Freud e Piaget.

Somado a isto, aspectos sociais, culturais e as experiências de vida referentes a situações trágicas se colocam como potencialisadoras da aquisição do conceito. Segundo as pesquisas apresentadas pela a autora crianças com um background socio-cultural elevado, apresentam o conceito de forma mais completa que outras crianças em situação oposta. Crianças enlutadas que passaram por situações de perdas de entes queridos, mesmo possuindo idades distintas das preconizadas nas teorias desenvolvimentistas, também apresentam compreensão sobre a morte bem mais ampla que o esperado. Por fim, crianças com menos de cinco anos que são doentes crônicos ou em terminalidade tendem a possuir de forma clara e objetiva a compreensão de que irão morrer, ainda que o conceito de morte não tenha atingido sua totalidade.

A autora prossegue sua incursão problematizando que estes resultados são inconclusivos e demandam a realização de outras pesquisas, acentuadamente investigando as reais interações sobre como a idade cronológica e cognitiva imbricam-se com aspectos sociais, culturais e vivenciais da criança para o desenvolvimento da compreensão sobre a morte. O interesse nesta interação aponta para o surgimento de uma nova perspectiva sobre o fenômeno, que não se pauta na defesa isolada destes aspectos, mais na maneira indissociável como se complementam. A respeito das pesquisas centradas na investigação sociocultural e vivencial a autora alerta para o aspecto de que além de serem consideravelmente escassas, partem, muitas vezes, de profissionais que estão diariamente na assistência a estas crianças, utilizando o relato dos pais ou cuidadores e a observação direta do comportamento da própria criança, porém mesmo possuindo uma rica fonte para coleta de dados, tais profissionais não têm sistematizado metodologicamente as suas pesquisas fazendo com que, algumas vezes, assumam um caráter anedótico.

A morte para criança representa não apenas um desafio cognitivo, mas também afetivo e emocional, por esta razão a autora ressalta a necessidade de se analisar as reações emocionais da criança ante a morte. A respeito do processo de luto, assim como no adulto, as crianças diferem em suas reações emocionais ligadas a morte. Contudo, é possível estabelecer padrões corriqueiros de comportamentos e uma progressão de sentimentos em etapas podendo acarretar tanto o luto sadio quanto o patológico, o que irá diferenciá-los não será propriamente os sintomas, mas sim a intensidade. Portanto, o critério não é como a criança reage, mas sim a intensidade das reações de luto. A autora ressalta ainda que fatores como idade, nível de desenvolvimento mental e cognitivo, estabilidade psicológica e emocional e a intensidade dos laços afetivos incidem diretamente na forma como a criança vivenciará o luto. Algumas condutas para auxiliar a criança a vivenciar o luto são sugeridas pela autora a partir de suas pesquisas, tais como: a manutenção familiar do dialogo aberto e seguro evitando os pactos de silêncio, permitir que tenham tempo para o processo, ao expressarem tristeza, culpa e raiva e terem um ouvinte preparado para acolher.

Embora reconheça as dificuldades e os limites existentes a autora incentiva que o ocorra o dialogo sobre a morte com a criança, um dos benefícios é evitar que medos e culpas mágicas e fantasiosas intensifiquem-se gerando sofrimento e desajustamento. Para dialogar com a criança sobre este tema é indispensável respeitar seu nível de desenvolvimento cognitivo e emocional, o adulto precisará se posicionar de forma flexível, prudente e protetora. Neste dialogo a negação da criança, a cerca dos aspectos da morte, pode ser vista de forma positiva, pois a negação é uma etapa necessária entre a recusa e a aceitação. Outras reações freqüentes advindas deste diálogo devem ser esperadas também como uma das etapas que podem leva á aceitação, tais como: manifestações somáticas, reações hostis em relação ao morto por sentir-se abandonada, reações hostis aos outros, identificação com o morto, culpa em relação ao morto, o caso de morte do progenitor pânico decorrente da vivência de desamparo (quem vai cuidar de mim). A autora finaliza suas apreciações reafirmando que não existem “receitas de bolo” para este momento e que para dialogar com a criança sobre a morte é preciso cuidado para perceber a sensibilidade da criança.

 

 

 

Endereço para correspondência
Alex da Silva Sousa

e-mail: alex.psico.2009@hotmail.com

Endereço para correspondência
Jena Hanay Araújo de Oliveira

e-mail: jenahanay@gmail.com


Recebido em: 13/03/2017
Revisado em: 10/04/2017

Aceito em: 23/04/2017

 

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