SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 issue2Knowledge about type 2 diabetes and its relationship with the adherence to treatmentEmotional intelligence: a review of international literature author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Estudos Interdisciplinares em Psicologia

On-line version ISSN 2236-6407

Est. Inter. Psicol. vol.9 no.2 Londrina May/Aug. 2018

 

Artigos

 

Representações sociais, zona muda e práticas sociais femininas sobre envelhecimento e rejuvenescimento

 

Social representations, mute zone and social practices female about aging and rejuvenation

 

Representaciones sociales, zona muda y prácticas sociales femeninas sobre envejecimiento y rejuvenecimiento

 

 

Amanda CastroI i; Andréia Isabel GiacomozziI ii; Brigido Vizeu CamargoI iii

I Universidade Federal de Santa Catarina

 

 

 


Resumo

O presente estudo objetivou investigar as representações sociais, a zona muda e as práticas femininas sobre envelhecimento e rejuvenescimento. Participaram 40 mulheres com idade entre 30 e 60 anos. Metade utilizava procedimentos rejuvenescedores não invasivos e a outra metade fazia uso de procedimentos rejuvenescedores invasivos ou minimamente invasivos. Foram apresentadas às participantes histórias sobre práticas rejuvenescedoras utilizadas por duas mulheres, a Mulher 1 adota procedimentos rejuvenescedores não invasivos, e a Mulher 2 adota procedimentos invasivos. Os resultados mostraram que as participantes representaram a Mulher 1 como alguém que deve trabalhar muito, possivelmente como professora, enquanto a Mulher 2 teria boas condições financeiras trabalhando possivelmente no ramo da estética. A Mulher 1 é considerada, principalmente pelo grupo de mulheres que adotam práticas de rejuvenescimento não invasivas como feliz e altruísta, enquanto a Mulher 2 é apontada como infeliz e egoísta pelo mesmo grupo.

Palavras-chave: envelhecimento; rejuvenescer; representações sociais; beleza.


Abstract

This study aimed to investigate the social representations, the mute zone and women's practices on aging and rejuvenation. Participants were 40 women aged between 30 and 60 years. Half of them used non-invasive rejuvenating procedures, and the other half use invasive or minimally invasive rejuvenating procedures. Were presented to the participants stories about rejuvenating practices used by two women, one Woman adopts non-invasive rejuvenating procedures, and the Woman adopts 2 invasive procedures. The results showed that the participants represented the Woman 1 as someone who must work very hard, possibly as a teacher, while Women 2 has good financial conditions possibly working in the cosmetic area. Woman 1 is considered, especially by the group of women who adopt non-invasive rejuvenation practices as a happy and selfless, while Woman 2 is seen as unfortunate and selfish by the same group.

Keywords: old age; rejuvenate; social representations; beauty.


Resumen

El presente estudio tuvo como objetivo investigar las representaciones sociales de la zona muda y las prácticas femeninas sobre envejecimiento y rejuvenecimiento. Participaron 40 mujeres con edad entre 30 y 60 años. La mitad utilizaba procedimientos rejuvenecedores no invasivos, y la otra mitad hacía uso de procedimientos rejuvenecedores invasivos o mínimamente invasivos. Fueron presentadas a las participantes historias sobre prácticas rejuvenecedoras utilizadas por dos mujeres. La Mujer 1 adopta procedimientos rejuvenecedores no invasivos, y la Mujer 2 adopta procedimientos invasivos. Las participantes representaron a la Mujer 1 como alguien que debe trabajar mucho, como profesora, mientras que la Mujer 2 tendría buenas condiciones financieras trabajando en el ramo de la estética. La Mujer 1 es considerada, principalmente por el grupo de mujeres que adoptan prácticas de rejuvenecimiento no invasivas, como feliz y altruista, mientras que la Mujer 2 es señalada como infeliz y egoísta por el mismo grupo.

Palabras clave: vejez; rejuvenecer; representaciones sociales; belleza.


 

Introdução

Estudos sobre o pensamento social relativo ao processo de envelhecimento geralmente observam sua relação com perdas da força, juventude e sensualidade além de ganhos relacionados à maturidade (Craciun & Flick, 2014; Veiga, 2012). Craciun e Flick (2014) enfatizam que uma pessoa é reconhecida socialmente como velha a partir dos sinais físicos visíveis (cabelos brancos, rugas e manchas) e da lentificação dos movimentos. A mídia difunde informações acerca do rejuvenescimento, propagando a perspectiva de que o ideal seria viver muito e envelhecer pouco (Craciun & Flick, 2014; Veiga, 2012).

Nesse contexto, as práticas de rejuvenescimento surgem como alternativas para o resgate da juventude. O rejuvenescimento pode ser compreendido como o resultado do uso de um grupo de métodos que podem ser cirúrgicos, clínicos ou de terapêutica natural, os quais são utilizados com o objetivo de reduzir o aspecto físico envelhecido, visando a obtenção de uma aparência rejuvenescida. Está associado ao antienvelhecimento por posicionar-se no combate às características desse processo (Zani, 1994).

Os investimentos realizados para contenção do processo de envelhecimento indicam que o corpo velho é uma fraqueza. Este corpo passa a ser marcado pela marginalização, representando o oposto ao ideal corporal vigente, desejado socialmente e propagado pelos meios de comunicação. Assim, mesmo diante da falta de consenso científico quanto à efetividade, as técnicas de rejuvenescimento ganham espaço nesse contexto em que o corpo velho é visto como inadequado e impróprio (Castro, Aguiar, Berri, & Camargo, 2016).

Os investimentos realizados para contenção do processo de envelhecimento indicam que o corpo velho é uma fraqueza. Este corpo passa a ser marcado pela marginalização, representando o oposto ao ideal corporal vigente, desejado socialmente e propagado pelos meios de comunicação. Assim, mesmo diante da falta de consenso científico quanto à efetividade, as técnicas de rejuvenescimento ganham espaço nesse contexto em que o corpo velho é visto como inadequado e impróprio (Castro, Aguiar, Berri, & Camargo, 2016).

Gilmartin (2011) realizou uma revisão de literatura com o objetivo de analisar e explorar os riscos da cirurgia estética visando o rejuvenescimento. Os resultados encontrados apontam que vários fatores influenciam os riscos referentes à realização de cirurgias plásticas sem devida pesquisa ou advertência médica, tais como: imposição normativa, processos de medicalização, o medo da discriminação diante do envelhecimento e pressão social impulsionada pelos meios de comunicação.

A pressão social pelo corpo e aparência jovem recai com mais ênfase sobre as mulheres, que acabam por incorporar a beleza como um dever social (Torres, Camargo, Boulsfield, & Silva, 2015). Smirnova (2012), realizou uma pesquisa a partir da análise de 124 anúncios, entre os anos de 1998 e 2008, da revista de beleza More More, de publicação nos Estados Unidos. Em seus resultados, Smirnova (2012) identificou que a mulher é o principal alvo nos anúncios e publicações relativas a produtos rejuvenescedores. Os dados encontrados caracterizam o cosmético como um medicamento e por isso capaz de “curar” a velhice, vista, portanto, como uma doença. Nessa mesma pesquisa, o autor identificou que as reportagens apresentavam as descrições das semelhanças e diferenças entre a eficácia dos cosméticos e da cirurgia plástica para a restauração da juventude. Além disso, por meio de imagens e referências a fantasias e contos de fadas tradicionais, os anúncios de cosméticos, voltados às mulheres, apresentavam a promessa de propiciar a juventude eterna. Desse modo, tais dados enfatizam a juventude associada à beleza, feminilidade e poder, e o envelhecimento apresentado como uma “doença” passível de cura.

A prática de procedimentos rejuvenescedores apresenta-se como um fenômeno cuja particularidade se dispõe na relação entre o social e o individual. Isso ocorre, pois tais práticas tanto são objetos de uma experiência pessoal imediata, quanto são conduzidas por discussões na mídia e em grupos sociais. Considera-se, portanto, um fenômeno importante de estudo para a psicologia social, tendo as representações sociais como teoria de base (Jodelet, 1984).

O presente estudo objetivou investigar as representações sociais, bem como a zona muda e as práticas sociais femininas acerca do envelhecimento e rejuvenescimento. A teoria utilizada para este estudo foi a teoria das representações sociais de Moscovici (1981), definida como um conjunto de conceitos, proposições e explicações que são construídos no cotidiano, por meio das comunicações interpessoais. Além disso, optou-se por investigar também a zona muda das participantes sobre envelhecimento/rejuvenescimento.

Uma das abordagens das representações sociais é a estrutural. Conforme essa abordagem, há no Núcleo Central (Abric, 2005) das representações elementos ativados e desativados de acordo com a situação, com o contexto. Nas situações nas quais o indivíduo não expressa efetivamente sua representação sobre um objeto, a representação não verbalizada é denominada de zona muda. O termo “zona muda” foi cunhado por Abric (2005) ao identificar que o fenômeno de desejabilidade social e o contexto grupal podem favorecer a omissão de determinadas representações. Assim, algumas representações sociais não são verbalizadas porque o indivíduo ou grupo não pretende fazer menção a determinados conteúdos pública ou explicitamente (Abric, 2005).

De acordo com Abric (2005) a zona muda é uma região de difícil explicação das representações sociais, que aconteceria, sobretudo, para objetos mais sensíveis, fortemente marcados por valores e normas sociais. Sendo assim, os sujeitos selecionariam os aspectos expressáveis da representação de determinados objetos em função da normatividade da situação em que se encontram e apresentariam aquilo que imaginam que seja a “boa resposta” (Flament, Guimelli, & Abric, 2006). Nessas situações, existiriam duas facetas da representação, uma explícita, verbalizada pelos sujeitos e a outra não verbalizada, que consistiria na zona muda ou mascarada das representações sociais (Abric, 2005).

 

Método

Em conformidade com a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, a pesquisa foi submetida ao conselho de Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da Universidade Federal de Santa Catarina, com o número de aprovação 486.736. Este estudo é de natureza qualitativa. Possui um delineamento descritivo-comparativo, com corte transversal.

A amostra foi composta por 40 mulheres moradoras de uma cidade do sul do Brasil, com idade entre 30 e 60 anos. Dentre as participantes, 20 utilizavam pelo menos um dos procedimentos rejuvenescedores não invasivos, sendo estes: cosméticos, exercícios físicos aeróbicos, massagem modeladora e dieta alimentar. As outras 20 mulheres faziam uso de pelo menos um dos procedimentos rejuvenescedores invasivos ou minimamente invasivos tais como: injeção de toxina botulínica, cirurgias plásticas rejuvenescedoras, peelings químicos e bioplastia (preenchimento dérmico). As práticas de rejuvenescimento foram selecionadas a partir de critérios fornecidos por uma pesquisa encomendada pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) acerca de procedimentos cirúrgicos e não cirúrgicos frequentemente utilizados no Brasil (SBCP, 2009). A categorização entre métodos invasivos, minimamente invasivos e não invasivos seguiu proposta de Murad (2012) em que os métodos invasivos ou minimamente invasivos são os que provocam o rompimento das barreiras naturais ou penetram em cavidades do organismo, já os procedimentos não invasivos são os que não envolvem instrumentos que rompem a pele ou que penetram fisicamente no corpo.

As participantes da pesquisa foram acessadas a partir de indicações de pessoas do convívio social das pesquisadoras, portanto a amostra foi por conveniência, por meio da técnica metodológica bola de neve (snowball), por meio da qual cada participante indica um conhecido para também participar da pesquisa. A faixa etária foi estabelecida em função do período em que as marcas do envelhecimento tornam-se evidentes, a partir dos 30 anos (Neri, 2013). Optou-se por estender a faixa etária da amostra até os 60 anos, pois seria considerado o início da velhice no Brasil. No Brasil, de acordo com o Estatuto do Idoso (Presidência da República, 2003), as pessoas com idade igual ou superior a 60 anos são reconhecidas como idosas.

O grupo de mulheres que adota procedimentos não invasivos não fez em nenhum momento da vida o uso de procedimentos invasivos (ou minimamente invasivos) concomitantemente. No entanto, todas as mulheres que adotam práticas de rejuvenescimento invasivas ou minimamente invasivas já adotaram ou ainda adotam concomitantemente práticas não invasivas de rejuvenescimento.

A coleta de dados foi realizada por meio de observação indireta com a utilização de entrevista semiestruturada e questionário contendo questões de caracterização das participantes. Para reduzir a pressão normativa foi utilizada a técnica de substituição, a fim de que as participantes pudessem relatar representações consideradas socialmente como inadequadas, atribuindo-as a outros e assim reduzindo o nível de implicação pessoal (Menin, 2006). Como técnica de substituição, foram narradas duas histórias fictícias às participantes, sendo cada história acerca de uma mulher (Mulher 1 e Mulher 2). As duas histórias apresentam aspectos: 1) variáveis, pois a idade das mulheres das histórias era alterada para ser igual à idade da participante entrevistada; 2) semelhantes, pois as duas mulheres presentes nas histórias trabalham e possuem casa; 3) diferentes, pois a Mulher 1 adota e possui a intenção de adotar práticas de rejuvenescimento não invasivas, enquanto a Mulher 2 adota e possui a intenção de adotar práticas de rejuvenescimento invasivas e minimamente invasivas.

Após o relato das histórias, foi solicitado que as participantes indicassem com qual das mulheres mais se identificavam e o que cada mulher presente nas histórias pensava sobre o envelhecimento e o rejuvenescimento. Como questão final dessa parte da entrevista, foi solicitado que as participantes descrevessem quem são essas mulheres a partir de características pessoais e profissionais.

Foi realizada análise estatística descritiva (distribuição das frequências absoluta e relativa, medidas de dispersão e tendência central) dos dados obtidos no questionário por meio do Pacote Estatístico SPSS (Statistical Package for Social Sciences), versão 17.0. Os dados obtidos por meio da entrevista foram submetidos a uma análise de conteúdo do tipo categorial (Bardin, 2009). Utilizou-se o software Atlas.ti versão 6.2 para organização dos trechos relevantes das entrevistas, a fim de permitir a identificação de padrões ou repetições de interesse à pesquisa e, especialmente, o agrupamento de ideias para formação de famílias de códigos (elementos temáticos) e contagem de ocorrências. Conforme Bardin (2009), primeiramente foi realizada a etapa relativa à organização, por meio de leitura flutuante que consiste em conhecer o contexto e deixar fluir as primeiras impressões acerca das entrevistas. Posteriormente, os dados foram codificados a partir das unidades de registro, temas que representavam o contexto geral de cada fala. Na última etapa foi realizada a categorização, em que os temas, representantes de cada trecho de entrevista foram reagrupados tendo em vista as características comuns, realizando por fim análises da frequência de ocorrência destas categorias (Bardin, 2009).

 

Resultados e discussão

Para a realização deste estudo foram desenvolvidas duas histórias com personagens fictícios que apresentassem algum ponto em comum com as participantes (tipo de prática e idade), sendo manipulada a idade, conforme a faixa etária da participante, a fim de favorecer o processo de identificação com uma das personagens. Além disso, dados gerais foram apresentados acerca das personagens (possui uma casa e tem família), sendo os dados específicos apenas referentes ao tipo de prática adotada (invasivas e minimamente invasiva ou não invasiva). Tais dados foram apresentados, objetivando que as participantes preenchessem automaticamente as lacunas acerca das características das personagens ao responder o que a Mulher 1 e a Mulher 2 pensam sobre o envelhecimento e sobre o rejuvenescimento. No entanto, Abric (2003) aponta que a técnica da substituição pode suscitar representações que os indivíduos têm do grupo de referência e não aspectos da zona muda, de modo que é possível indicar apenas hipóteses de zonas mudas.

A média de idade foi de 42 anos (DP = 10,46 anos), sendo a idade mínima 30 anos e a idade máxima 60 anos. No que se refere à escolaridade das participantes, a maior parte (n = 21) frequentou até o ensino superior, sendo que 19 participantes concluíram o ensino médio. A renda familiar mensal média foi de 7,27 salários mínimos (DP = 1,78). Foi verificado ainda que 5 pessoas eram aposentadas, 2 donas de casa e as outras 33 desenvolviam atividades laborais remuneradas.

Solicitou-se que as participantes respondessem quem são a Mulher 1 e a Mulher 2, atribuindo-lhes características pessoais e profissionais. Dentre os dados apresentados na história relatada às participantes, a Mulher 1 seria aquela que adota e possui a intenção de adotar procedimentos rejuvenescedores não invasivos. A análise de conteúdo referente às respostas apresentadas sobre a Mulher 1 gerou 25 categorias com o total de 209 ocorrências, as quais correspondem à frequência ou número de trechos de fala selecionados. Dentre as categorias, é possível destacar três com maior ocorrência: “família”, “feliz” e “trabalhar muito”. Tais elementos foram responsáveis por 69 ocorrências, o que representa cerca de 33,01% do total. Após identificação dos elementos temáticos, estes foram agrupados em 4 categorias: “Justificativa para adoção de práticas não invasivas de rejuvenescimento”, “Características”, “Interação social” e “Profissão", conforme ilustra a Figura 1.

 

 

A categoria “Justificativa para adoção de práticas não invasivas de rejuvenescimento” representa 37,79% do total de ocorrências. Seus elementos apresentam motivos para a adoção de práticas não invasivas. Dentre os motivos apresentados, é destacado que a Mulher 1 deve trabalhar bastante, ter pouco tempo e baixo poder aquisitivo, o que lhe tira a possibilidade de arcar com pós-operatórios custosos e longos e a faz optar por procedimentos não invasivos. Trabalha muito para custear seu rejuvenescimento, mas ainda não consegue custear procedimentos cirúrgicos.

De modo similar, com o objetivo de conhecer o posicionamento das idosas sobre a utilização dos recursos estéticos Fin, Portella, Scortegagna e Frighetto (2015) entrevistaram 10 idosas. Os resultados obtidos pelos autores denotam que as idosas evitam nutrir expectativas à margem das suas condições, pois além de frustrante, pode ser interpretado como uma transgressão social, tendo em vista outras necessidades, consideradas mais emergentes para a utilização do dinheiro.

Conforme as participantes, a Mulher 1 adota procedimentos não invasivos por serem mais “naturais”, fazer bem à saúde e secundariamente ao corpo, por isso além de saudável é considerada magra. De acordo com Camargo, Justo e Jodelet (2010) o padrão estético socialmente aceito refere-se ao branco, magro e jovem, portanto a Mulher 1 estaria próxima do alcance deste padrão. Ao realizarem um comparativo entre as concepções de rejuvenescimento das mulheres da história, as participantes salientaram que apenas quando os procedimentos não invasivos, não surtem o efeito desejado, quando não há mais como retardar o envelhecimento, é que devem ser adotadas práticas invasivas e minimamente invasivas. Desse modo, parece que a adversidade em relação às práticas de rejuvenescimento invasivas pode reduzir na medida em que outras práticas, consideradas “naturais” e “saudáveis” não promovam o resultado desejado. Considerando que a promoção da saúde é valorizada socialmente, as participantes podem demonstrar preferências por práticas de rejuvenescimento relacionadas à saúde, o que conforme Abric (2005) poderia ser realizado com o objetivo de gerar uma imagem positiva de si.

A autoestima da Mulher 1 é apontada como elemento relevante para a adoção de métodos não invasivos de rejuvenescimento, sendo ressaltado que como ela gosta de si mesma, não encontra razões para mudanças drásticas de aparência. “Eu gosto do jeito que ela pensa, deve ser uma pessoa bem tranquila e que gosta dela mesma, mas não daquele jeito egoísta. Ela deve ter autoestima, por isso que ela não faz essas coisas de botox e plástica.” (Participante 3, usuária de práticas não invasivas de rejuvenescimento, 35 anos). Resultados similares foram encontrados por Castro et al. (2016) ao investigar as representações sociais do rejuvenescimento destacadas a partir de reportagens de capa, publicadas na revista veja entre os anos 1968 e 2013. Nas reportagens, a cirurgia plástica é retratada como um recurso promotor de autoestima, no entanto a busca, quando realizada em excesso, é vista como um indicativo de um possível problema emocional referente à autoestima e autoimagem corporal. Desse modo, um aspecto positivo relacionado à procura por juventude corporal reside no autocuidado e no aumento da autoestima, por outro lado, como destacado por Goetz (2013), há um risco do exagero no consumo desses produtos associados às figuras públicas, que pode conduzir à psicopatologia.

Com 62 ocorrências (29,66% do total) a categoria “Características” apresenta atributos pessoais conferidos à Mulher 1. Essa mulher é considerada feliz e satisfeita consigo mesma, sendo considerada tranquila por apresentar menor preocupação com a aparência. Para duas participantes que adotam práticas invasivas e minimamente invasivas, a Mulher 1 é infeliz por não possuir meios financeiros de recorrer à recursos invasivos para rejuvenescer. Nesse sentido é enfatizado que a falta de dinheiro para arcar com os custos de práticas invasivas faz com que a Mulher 1 opte então por “procedimentos naturais de rejuvenescimento”, que são financeiramente mais acessíveis. No entanto, é preciso destacar que a amostra não foi nivelada quanto ao nível socioeconômico, de modo que as pessoas com maior poder aquisitivo se encontravam principalmente entre o grupo que adota práticas invasivas e minimamente invasivas. Desse modo, por meio do processo de comparação social, os indivíduos aprendem, integram e avaliam as representações sociais que tornam distinta uma categoria de outra categoria (Tajfel & Turner, 1979), ou que dão sentido a uma dimensão da identidade social (Doise, 1985). A Mulher 1 ainda é considerada dinâmica, por conseguir adotar mais de uma prática de rejuvenescimento não invasiva, sendo destacada sua possível baixa escolaridade sem aparente justificativa.

Família e amigos são elementos que estão agrupados na categoria “Interação social”. Essa categoria corresponde à 18,66% do total de ocorrências e faz referência aos grupos de socialização atribuídos à Mulher 1. No cotidiano da Mulher 1, a família e os amigos são citados como alvos de cuidados e preocupações. A pesquisa desenvolvida por Camargo, Contarello, Wachelke, Morais, Piccolo (2014) corrobora tais achados.

Em pesquisa desenvolvida por Camargo et al. (2014) foi aplicado um questionário com 360 pessoas, objetivando comparar as representações do envelhecimento no Brasil e na Itália. Os atores destacam que os idosos brasileiros, que experimentam bem-estar psicológico e falta de aceitação social, entendem o envelhecimento como um processo no qual família e amigos completam a ideia de um momento de sucesso no ciclo vital. Desse modo, o bem estar psicológico parece estar associado à presença de família e amigos.

Por último, a categoria “Profissão”, com 13,87% do total de ocorrências, apresenta algumas possibilidades profissionais atribuídas à Mulher 1. A maioria das ocorrências (14) apresenta-a a como professora e, destas ocorrências, 4 pertencem a participantes cuja profissão é professora. Dentre as profissões citadas, também estão assistente social e psicóloga, mencionadas sob a justificativa de que ela é preocupada com o bem estar alheio. Algumas profissões tais como a de professor, surgem associadas ao altruísmo, dado igualmente reportado por Alves, Azevedo e Gonçalves (2014). Conforme os autores o trabalho de professor foi destacado pelos entrevistados como aquele que permite ajudar os outros e que é útil à sociedade e portanto reconhecido para determinados grupos sociais.

As mulheres que adotam práticas de rejuvenescimento não invasivas parecem considerar a Mulher 1 como altruísta, por se preocupar mais com os outros do que consigo mesma. De acordo com Martins (2013), o consumo torna-se antes de tudo prazer e, diante do mito do rejuvenescimento os indivíduos passam a buscar uma identificação com os produtos de forma a promover sua própria imagem, o que pode ser associado à egoísmo, em contraposição ao valor humano da solidariedade e do altruísmo.

Conforme história narrada às participantes, a Mulher 2 seria aquela que adota e possui a intenção de adotar procedimentos rejuvenescedores invasivos e minimamente invasivos. A análise de conteúdo relativa às respostas obtidas sobre a Mulher 2 gerou 25 elementos temáticos com 183 ocorrências. “Preocupação excessiva com a aparência”, “Boas condições financeiras” e “Infeliz” estão entre os elementos temáticos de maior ocorrência. Esses 3 elementos foram responsáveis por 50 ocorrências, o que corresponde à 27,32% do total. Com a identificação dos elementos temáticos e posterior agrupamento de acordo com semelhanças, foram elaboradas 4 categorias: “Justificativa para adoção de práticas invasivas e minimamente invasivas de rejuvenescimento”, “Características”, “Situação familiar” e “Profissão", conforme ilustra a Figura 2.

 

 

A categoria com maior número de ocorrências, denominada “Justificativa para a adoção de práticas invasivas e minimamente invasivas” corresponde a 45,35% do total de ocorrências. Nessa categoria, são indicados os motivos e fatores que influenciam a adoção de práticas de rejuvenescimento invasivas e minimamente invasivas. A “preocupação excessiva com a aparência” é indicada principalmente pelo grupo de mulheres que adotam práticas não invasivas de rejuvenescimento (n=16), como um fator motivador para a busca por métodos invasivos de rejuvenescimento.

Principalmente as mulheres que adotam práticas não invasivas de rejuvenescimento apresentam críticas à adoção de práticas de rejuvenescimento invasivas. A Mulher 2 é apresentada como aquela que não possui autoestima e por isso exagera no uso de práticas de rejuvenescimento. Aquelas que adotam práticas não invasivas de rejuvenescimento fazem oposição ao grupo de mulheres representado pela Mulher 2, que adota práticas invasivas e minimamente invasivas de rejuvenescimento, sendo sua preocupação com a aparência considerada fútil. Deschamps e Guimelli (2004) enfatizam que, quando determinados assuntos apresentam conteúdos não normativos, responder de acordo com o que as pessoas pensam verdadeiramente pode macular a imagem de quem as faz. Assim, caracterizar explicitamente como fúteis as pessoas que adotam práticas invasivas e minimamente invasivas de rejuvenescimento, pode fazer com aquele que assim caracterize, seja considerado socialmente como preconceituoso e sofra algum tipo de retaliação social. Mas no universo da ficção parece haver a redução da pressão normativa e ao assumir a postura da Mulher 1 em relação aos procedimentos adotados pela Mulher 2 as participantes apresentam novos elementos à representação social do rejuvenescimento.

O “medo de envelhecer” juntamente com a “baixa autoestima” são citados como fatores que influenciam a Mulher 2 à realização de cirurgias plásticas, conforme o trecho a seguir: “Ela tem medo de ficar velha, porque ela fez a cirurgia e já está agendando outra, no pensamento dela. Ela tem medo de vivenciar o que está acontecendo, parece que não se sente bem, não se gosta”. (Participante 21, usuária de práticas não invasivas de rejuvenescimento, 32 anos).

A Mulher 2 é destacada como aquela que nega o envelhecimento e seus sinais, que esconde a idade e possui medo de envelhecer e por isso adota práticas de rejuvenescimento invasivas e minimamente invasivas. Tais dados foram igualmente destacados na investigação das zonas mudas nas representações sociais do envelhecimento, em que a Mulher 2 é enfatizada como aquela que não aceita o envelhecimento. Nesse sentido, a adoção de práticas de rejuvenescimento invasivas é associada proporcionalmente ao medo de envelhecer, sendo que quanto maior o medo de envelhecer, maior o número de práticas adotadas. É importante mencionar, no que se refere à técnica de substituição, Deschamps e Guimelli (2004) apontam que as representações na situação de “substituição” podem apenas indicar o que os indivíduos pensam ser as representações de outros, representando, portanto, os estereótipos de um determinado grupo. Contudo, tendo em vista que o medo de envelhecer é citado em relação à Mulher 2 (que adota práticas invasivas e minimamente invasivas) por ambos os grupos de participantes e não apenas pelo endogrupo ou exogrupo, é mais provável que as respostas evidenciem o efeito da “zona muda”.

As entrevistadas apontam que essa mulher deve possuir “boas condições financeiras” para arcar com despesas médicas e cirúrgicas. O elemento “falta de tempo” justifica a adoção de métodos de rejuvenescimento invasivos, pois conforme alguns participantes, a Mulher 2 por não ter tempo disponível, prefere adotar métodos que apresentem resultados imediatos. A busca por resultados imediatos e rápidos é associado ao elemento “preguiça”, pois conforme 4 ocorrências pertencentes à este elemento, a Mulher 2 prefere adotar procedimentos fáceis, que não lhe acarretem a tomada de tempo.

Porque eu acho que a segunda tem preguiça. Ela não quer nem... Tem dois caminhos a seguir, isso do envelhecimento. Claro que tem o caminho mais fácil, rápido, que tu vais lá, recebes uma anestesia, o médico vai lá e vai te limpar inteira e tirar tua gordura. E tem o caminho que leva mais tempo. (Participante 30, usuária de práticas não invasivas de rejuvenescimento, 60 anos).

Assim, o corpo tornou-se uma imagem para exibição, adequada às exigências do corpo social, que passa a ser, no imaginário subjetivo, tratado como um produto. O corpo, “feito”, “produzido” em cultura e em sociedade é delineado de acordo com as regras do mundo social onde está inserido. Nesse contexto, a imagem do corpo malhado na academia, tratado de forma contínua e gradativa está vinculada à ideia de bem estar, saúde e até mesmo de felicidade (Pereira, 2016).

O médico surge como o especialista que pode indicar práticas invasivas e minimamente invasivas, sendo sua indicação considerada relevante para a decisão de adoção de práticas de rejuvenescimento. De acordo com Moscovici (1981), o conhecimento científico, na figura de especialistas, gera informações capazes de identificar, categorizar, combater e evidenciar as discussões de fenômenos na vida humana, a partir de uma proposta metodológica de neutralidade e objetividade, sua apropriação pelos leigos proporciona a construção de um conhecimento de senso comum: as representações sociais (Moscovici, 1981). E, nesse sentido, as representações sociais do rejuvenescimento e do envelhecimento apresentam aspectos dos universos consensuais incorporados e apropriados dos universos reificados e essas representações, podem ser relevantes na dinâmica das relações, nas práticas sociais (Abric, 2005).

Conforme os trechos agrupados no elemento “pressão social”, a Mulher 2 possui necessidade de atender as demandas sociais no que concerne à beleza. Além disso, a “competição feminina” é citada também como um fator que faz com que ela busque os recursos disponíveis para parecer mais bonita, quando comparada à outras mulheres. As mulheres que adotam práticas de rejuvenescimento não invasivas (n=6) apontam que a competição feminina pode estar associada às estratégias para não perder o interesse do marido, fortalecer o casamento e afastar possíveis “concorrentes” à condição de esposa.

Diz que é muito raro uma mulher se arrumar para ela mesma. É mais por causa das outras mulheres, competição, com medo que o marido ou o namorado vá se interessar pela outra, que a outra tome seu lugar, quer continuar casada (Participante 6, usuária de práticas não invasivas de rejuvenescimento, 34 anos).

As participantes que adotam práticas de rejuvenescimento, de modo geral, apontam que a pressão social faz com que a Mulher 2 procure se adequar aos padrões de beleza. Salientam que ela procura parecer mais bonita em comparação à outras mulheres, o que gera segundo as participantes a “competição feminina”. As mulheres que adotam práticas de rejuvenescimento não invasivas enfatizam que a competição feminina atribuída à Mulher 2, ocorre como um meio de afastar possíveis “concorrentes” em relação à atenção do marido. Ao atribuir à Mulher 2 a competição feminina, as mulheres que adotam práticas não invasivas de rejuvenescimento se afastam do grupo que utiliza da aparência como atrativo e que cede às pressões sociais. Assim, conforme Jodelet (2005) para o distanciamento entre os grupos há a projeção de elementos negativos com tipificação depreciativa e estereotipada do grupo considerado diferente.

Com 28,96% do total de ocorrências, a categoria “Características” apresenta atributos pessoais relativos à Mulher 2. Mulheres que adotam práticas de rejuvenescimento não invasivas (n=12) consideram a Mulher 2 egoísta e infeliz por sua maior preocupação consigo mesma e constante insatisfação com sua aparência. Ainda sobre a insatisfação com a aparência, a Mulher 2 é considerada insegura por não confiar em suas qualidades, sendo apontada como uma pessoa sozinha e vazia, por sua constante preocupação com o corpo: “Ela está sendo uma pessoa bem egoísta. Pessoas egoístas não são bem amadas, são sozinhas. Eu acho uma coisa de gente vazia, uma pessoa muito vazia, provavelmente. Não tinha... Para dizer interiormente assim, que preocupava só com a aparência dela” (Participante 22, usuária de práticas não invasivas de rejuvenescimento, 41 anos).

A capacidade de extensão das representações permite captar a expressão de particularidade de uma coletividade, pelas quais os diferentes grupos definem seus contornos e sua identidade (Jodelet, 2001). Sobretudo as participantes que adotam práticas de rejuvenescimento não invasivas destacam que a Mulher 1 deve se preocupar mais com os outros, com a família e com amigos, do que consigo mesma ou com sua aparência, sendo considerada feliz e satisfeita consigo mesma. As mesmas participantes consideram a Mulher 2 egoísta, infeliz e insegura por sua exclusiva preocupação consigo mesma e insatisfação em relação à aparência, sendo apontada como uma pessoa sem filhos, sozinha e vazia, por sua constante preocupação com o corpo. Assim, de forma análoga aos achados de Jodelet (2005) acerca das representações sociais da loucura, parece que as participantes que adotam práticas não invasivas de rejuvenescimento constroem um sistema de representações do rejuvenescimento, com distinção entre práticas invasivas e não invasivas, que lhes permitem não só gerenciar a interação cotidiana com os objetos, mas também afastar uma presença tida como perigosa para sua imagem, relativa à associação entre rejuvenescimento invasivo, egoísmo e insegurança.

Para as mulheres que adotam práticas invasivas e minimamente invasivas (n=6) a Mulher 2 é apontada como feliz por atingir seus objetivos pessoais relativos à aparência. Sendo apontada igualmente como agitada, por sempre procurar algo que possa ser melhorado ou rejuvenescido em seu corpo. “A Mulher 2 me passa a impressão de uma mulher mais agitada, uma mulher mais, vamos dizer até mais dinâmica, mais assim. Embora ela queira usar essas coisas, mas é uma mulher que, pelo menos, corre atrás” (Participante 40, usuária de práticas invasivas e minimamente invasivas de rejuvenescimento, 52 anos). É igualmente atribuído à mulher 2 o título de independente e por otimizar seu tempo é considerada também organizada. “Essa sou eu, independente, feliz, de bem com a vida, tenho que ser, faço o possível para me sentir melhor, mais bonita e eu acho que estou bem” (Participante 7, usuária de práticas invasivas e minimamente invasivas de rejuvenescimento, 56 anos). Percebe-se, por meio das falas, que houve uma identificação dessas participantes com a Mulher 2, uma identificação referente ao mesmo grupo de pertencimento, o endogrupo. A identificação e o consequente favorecimento intragrupal, considerando-a como dinâmica, independente e feliz, é observada mesmo que não haja conflitos intergrupais. Tal observação dada por Tajfel (1978) é comprovada em Leyens e Yzerbyt (1999) na definição do viés pró endogrupo, tido como o favorecimento do endogrupo frente ao exogrupo. No viés pró endogrupo, existe uma inclinação em ser mais indulgente com o intragrupo ao caracterizá-lo e menos indulgente com o exogrupo. Um exemplo disso é que indivíduos tendem a imputar a fenômenos externos situações negativas que ocorrem com membros de seus grupos e a fenômenos internos se a situação é positiva.

A categoria “Profissão” corresponde à 14,75% do total de ocorrências e destaca algumas profissões conferidas à Mulher 2. Por sua preocupação com a aparência rejuvenescida, é inferido pelas participantes que a Mulher 2 trabalha com estética (6 ocorrências), dentre as profissões citadas estão: atriz, apresentadora de TV e atividades no ramo da moda. As participantes apontam a cobrança social e organizacional por um padrão de beleza como justificativa para a atribuição de tais profissões.

Ela deve trabalhar com alguma coisa que tem relação com a aparência. Pode ser... Qualquer coisa... Pode ser atriz, pode ser também... Eu acho que ela trabalhava numa profissão que tem a ver com a aparência, moda, ela ‘tava cuidando da aparência, provavelmente para não perder o emprego, tava se dedicando de certo à profissão que exercia (Participante 15, usuária de práticas não invasivas de rejuvenescimento, 44 anos).

Por meio da realização de grupos-focais, especificamente com mulheres, Cheung-Lucchese e Alves (2014) encontraram indícios de que a representação social do corpo feminino está associada à cobrança social, às preocupações de estéticas e à frustração. Cheung-Lucchese e Alves (2014) ainda destacam que os recursos estéticos são indicados como uma solução para a construção do corpo ideal. O bem estar é citado nessa pesquisa, relacionado ao afastamento dos olhares de reprovação social. Desse modo, ao serem aprovadas socialmente, por se adequarem às normas de beleza, as mulheres alcançariam o bem estar.

Em relação à cobrança e pressão social Camargo et al. (2010) enfatizam que a inclusão do indivíduo no padrão de beleza é realizada através mediação do outro, pelo julgamento ou pelo modelo que o outro representa, o que nessa pesquisa é ilustrado a partir da competição feminina, por meio do processo de comparação entre as mulheres.

Com 10,92% do total de ocorrências a categoria “Situação familiar” apresenta 3 diferentes contextos de situação familiar relacionados à Mulher 2: não possui filhos, possui filhos e divorciada. As mulheres que adotam práticas de rejuvenescimento não invasivas (n=9) justificam que a Mulher 2 não possui filhos para evitar alterações corporais que acelerem os sinais de envelhecimento.

Essa mulher de repente ela pode não ter filhos. Porque quando a mulher tem filho o corpo da mulher se transforma, então quando tu me perguntaste eu imaginei aquele tipo de mulher que não engravida porque não quer transformar o corpo, sabe? Claro, ela vai ficar barriguda, os seios... Ela vai envelhecer. O corpo em si vai ficar mais redondo, tem mulher que às vezes não consegue voltar para o peso que tinha antes. Por isso eu acho que essa não tem filhos, por essa razão (Participante 1, usuária de práticas não invasivas de rejuvenescimento, 30 anos).

As pessoas podem projetar suas crenças em outras pessoas que partilhem sua pertença (Wachelke & Camargo, 2007). O saber social acerca do rejuvenescimento entre mulheres que adotam práticas de rejuvenescimento parece se enquadrar o âmbito das Representações Sociais polemicas. Conforme Vala (1997), as RS polêmicas são por definição geradas no decurso dos conflitos sociais, e a sua ancoragem faz-se a partir da identidade social, em grupos antagônicos. Assim, entre alguns participantes que adotam práticas invasivas e minimamente invasivas, a Mulher 2 é considerada feliz e independente, por ter condições de alcançar o rejuvenescimento e caracterizada como agitada, por sempre buscar meios de rejuvenescer. Enquanto a Mulher 1 é apresentada como infeliz por não possuir recursos financeiros para custear estratégias invasivas de rejuvenescimento. Desse modo, as representações sociais do rejuvenescimento parecem dividir-se a partir dos dois grupos de pertença, de acordo com o grupo ao qual a participante se identifica, exemplificados pela Mulher 1 e pela Mulher 2 e pelas características à elas atribuídas.

 

Considerações finais

Com a investigação das representações sociais do envelhecimento, é possível destacar quatro principais aspectos encontrados: 1) O envelhecimento como algo que deve ser aceito, associado à Mulher 1, que adota procedimentos não invasivos de rejuvenescimento; 2) O envelhecimento como algo que deve ser evitado e negado, associado ao medo de envelhecer, atribuído à Mulher 2, que adota práticas invasivas e minimamente invasivas de rejuvenescimento; 3) O envelhecimento dependente da relação entre autoestima e baixa autoestima. As mulheres que adotam práticas de rejuvenescimento não invasivas consideram possuir autoestima e, ao mesmo tempo, atribuem a baixa estima às mulheres que adotam práticas invasivas e minimamente invasivas; 4) O envelhecimento associado ao “estado de espírito”, em que a jovialidade das ações é requerida enquanto modo de ser percebido socialmente.

Em relação às representações sociais do rejuvenescimento é possível evidenciar quatro principais dimensões identificadas: 1) O rejuvenescimento como sinônimo de “embelezamento”, associado aos padrões de embeleza que englobam o magro e o jovem; 2) O rejuvenescimento associado ao medo de envelhecer, com ênfase no exagero na utilização das práticas de rejuvenescimento invasivas e minimamente invasivas; 3) O rejuvenescimento funcional como sinônimo de retardo do envelhecimento; 4) O rejuvenescimento tipificado em uma relação de oposição de qualidades, representado pelo altruísmo atribuído às mulheres que adotam práticas de rejuvenescimento não invasivas e pelo egoísmo conferido às mulheres que adotam práticas invasivas e minimamente invasivas.

Este estudo apresentou algumas limitações, que serão destacadas visando o incentivo para o desenvolvimento de futuras pesquisas que possam preencher lacunas e ampliar perspectivas do fenômeno estudado. O presente estudo não controlou as variáveis nível de escolaridade e condição socioeconômica, não investigando também a variável religião. Ainda é possível ressaltar que a faixa etária representa aspecto importante a ser considerado para a investigação das representações sociais do envelhecimento e do rejuvenescimento, tendo em vista que parece haver modificação na intensidade das práticas utilizadas ao longo do processo de envelhecimento. Além disso, não foram entrevistadas mulheres que não realizaram nenhum dos dois tipos de procedimentos listados. O controle dessas variáveis pode auxiliar na compreensão das diferenças das características intragrupais, verificando outros grupos de pertença do indivíduo que possam contribuir para sentidos específicos atribuídos ao envelhecimento e rejuvenescimento. Assim, sugere-se novos estudos que controlem tais variáveis e que apresentem novas estratégias metodológicas, como o estabelecimento de grupos focais, a fim de investigar possíveis relações entre representações sociais do envelhecimento e rejuvenescimento com os grupos de pertença dos indivíduos. A utilização de métodos de pesquisa variados pode viabilizar de forma complementar, meios de compreender as relações que se estabelecem diante do envelhecimento e rejuvenescimento em contextos específicos e variados.

 

Declaração de conflitos de interesse

Não há conflitos de interesse.

 

Referências

Abric, J. C. (2005). A zona muda das representações sociais. In D. C. Oliveira & P. H. F. Campos (Eds.), Representações Sociais: Uma teoria sem fronteiras (pp.23-34). Rio de Janeiro, RJ: Museu da República.         [ Links ]

Alves, M. G., Azevedo, N. R., & Gonçalves, T. N. (2014). Satisfação e situação profissional: Um estudo com professores nos primeiros anos de carreira. Educação e Pesquisa, 40(2), 365-382. doi:10.1590/S151797022014005000002        [ Links ]

Bardin, L. (2009). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70 (Trabalho original publicado em 1977).         [ Links ]

Camargo, B. V., Justo, A. M., & Jodelet, D. (2010). Normas, representações sociais e práticas corporais. Interamerican Journal of Psychology, 44(3), 449-457. Recuperado de http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=28420658006.         [ Links ]

Camargo, B. V., Contarello, A., Wachelke, J. F. R., Morais, D. X., & Piccolo, C. (2014). Representações sociais do envelhecimento entre diferentes gerações no Brasil e na Itália. Psicologia em Pesquisa, 8(2), 179-188. doi:10.5327/Z1982-1247201400020007        [ Links ]

Castro, A., Aguiar, A. D., Berri, B., & Camargo, B. V. (2016). Representações sociais do rejuvenescimento na mídia impressa. Temas em Psicologia, 24(1), 117-130. doi:10.9788/TP2016.1-08        [ Links ]

Cheung-Lucchese, T., & Alves, C. S. (2014). Percepção do Corpo Feminino e os Comportamentos de Consumo de Serviços de Estética. Revista Organizações em Contexto-Online, 9(18), 271-294. doi:10.15603/19828756/roc.v9n18p271-294        [ Links ]

Craciun, C., & Flick, U. (2014). “I will never be the granny with rosy cheeks”: Perceptions of aging in precarious and financially secure middle-aged Germans. Journal of Aging Studies, 29, 78-87. doi:10.1016/j.jaging.2014.01.003

Deschamps, J. C. & Guimelli, C. (2004). L’organisation interne dês représentations sociales de la sécurité/insécurité et hypothèse de La zone muette (2004). In J. L. Beauvois, R. V. Joule, & J. M. Montreil (Eds.). Perspectives Cognitives et Conduites Sociales (pp. 300-323). Tomo IX. Rennes: Press Universitaire de Rennes.

Doise, W. (1985). Les représentations sociales: Définition d'un concept. Connexions, 45, 243-253.         [ Links ]

Fin, T., Portella, M., Scortegagna, S., & Frighetto, J. (2015). Estética e expectativas sociais: O posicionamento da mulher idosa sobre os recursos estéti-cos. Kairós. Revista da Faculdade de Ciências Humanas e Saúde, 18(4), 133-149. Recuperado de https://revistas.pucsp.br/index.php/kairos/article/view/27683/19510.         [ Links ]

Flament, C., Guimelli, C., & Abric, J. C. (2006). Effets de masquage dans l'expression d'une représentation sociale. Les Cahiers internationaux de psychologie sociale, (1), 15-31. doi:10.3917/cips.069.0015.         [ Links ]

Gilmartin, J. (2011). Contemporary cosmetic surgery: The potential risks and relevance for practice. Journal of clinical nursing, 20(13‐14), 1801-1809. doi:10.1111/j.1365-2702.2010.03527.x        [ Links ]

Goetz, E. R. (2013). Beleza e plasticomania. Curitiba, PR: Juruá         [ Links ].

Jodelet, D. (1984). The representation of the body and its transformations. In R. Farr & S. Moscovici (Eds.), Social representations (pp. 211-238). Cambridge: Cambridge University Press.         [ Links ]

Jodelet, D. (2001) Representações sociais: Um domínio em expansão. In D. Jodelet, (Ed.). As representações sociais. (pp. 17-41). Rio de Janeiro, RJ: EDUERJ.         [ Links ]

Jodelet, D. (2005). Loucuras e representações sociais. Petrópolis, RJ: Vozes.         [ Links ]

Leyens, J.P, & Yzerbyt, V. (1999). Relações e conflitos intergrupos. Psicologia Social. Lisboa: Edições 70.         [ Links ]

Martins, V. L. (2013). A beleza como instrumento de autoafirmação na sociedade de consumo latino-americana. Intr@ciência, 77(1), 78-85. Recuperado de http://uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170531142130.pdf.         [ Links ]

Menin, M. S. D. S. (2006). Representação social e estereótipo: A zona muda das representações sociais. Psicologia Teoria Pesquisa, 22(1), 43-51. doi:10.1590/S0102-37722006000100006        [ Links ]

Moscovici, S. (1981). On social representations. In J. P. Forgas (Ed.). Social Cognition: Perspectives on everyday understanding. London: Academic Press.         [ Links ]

Murad, A. (2012). Dermatologia Cosmética. Rio de Janeiro, RJ: Elsevier editores.         [ Links ]

Neri, A. L. (2013) Conceitos e teorias sobre o envelhecimento. In L. Malloy-Diniz, D. Fuentes, & R. M. Cosenza. (Eds.), Neuropsicologia do envelhecimento: Uma Abordagem Multidimensional (pp. 17-42). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Pereira, F. (2016). Enaltecimento e controle do corpo: Uma análise de “o disfarce e a euforia”, de Rubem Fonseca. Artefactum-Revista de estudos em Linguagens e Tecnologia, 13(2). Recuperado de http://artefactum.rafrom.com.br/index.php/artefactum/article/view/1232/661.

Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. (2003). Lei n°10.741, de 1 de outubro de 2003: Dispõe sobre o estatuto do idoso e das outras providências. Brasília, DF: Senado Federal.         [ Links ]

Smirnova, M. H. (2012). A will to youth: the woman’s anti-aging elixir. Social Science & Medicine, 75(7), 1236-1243. doi:10.1016/j.socscimed.2012.02.061

Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (2009). Cirurgia Plástica no Brasil. Recuperado de http://www2.cirurgiaplastica.org.br/wp-content/uploads/2012/11/pesquisa2009.pdf.         [ Links ]

Tajfel, H. (1978). Differentiation between social groups: Studies in the social psychology of Intergroup relations. London: Academic Press.         [ Links ]

Tajfel, H., & Turner, J. C. (1979). An integrative theory of intergroup conflict. In W. G. Austin, & S. Worchel (Eds.), The social psychology of intergroup relations (pp. 33-37). Monterey, CA: Brooks/Cole.         [ Links ]

Torres, T. L., Camargo, B. V., Boulsfield, A. B., & Silva, A. O. (2015). Representações sociais e crenças normativas sobre envelhecimento. Ciência & Saúde Coletiva, 20(12), 3621-3630. doi:10.1590/1413812320152012.01042015        [ Links ]

Vala, J. (1997). Representações sociais e percepções intergrupais. Análise Social, 32(140), 7-29. Recuperado de http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1221840494M6zFQ7xv9Rd55BV5.pdf.         [ Links ]

Veiga, M. R. M. (2012). Mulheres na meia-idade: Corpos, envelhecimentos e feminilidades. (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS.         [ Links ]

Wachelke, J. F. R., & Camargo, B. V. (2007). Representações sociais, representações individuais e comportamento. Revista Interamericana de Psicologia, 41(2), 379-390. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rip/v41n3/v41n3a13.pdf.         [ Links ]

Zani, R. (1994). Beleza e rejuvenescimento: Métodos e técnicas. São Paulo, SP: Saraiva.         [ Links ]

 

 

 

 

Endereço para correspondência
Amanda Castro

e-mail: amandacastrops@gmail.com

Endereço para correspondência
Andréia Isabel Giacomozzi

e-mail: agiacomozzi@hotmail.com

Endereço para correspondência
Brigido Vizeu Camargo

e-mail: brigido.camargo@yahoo.com.br

 

Recebido em: 20/09/2016
Revisado em: 09/04/2017

Aceito em: 30/06/2017

 

 

 

Certificamos que todos os autores participaram suficientemente do trabalho para tornar pública sua responsabilidade pelo conteúdo.
A contribuição de cada autor pode ser atribuída como se segue: A.C. e B. V. C. contribuíram para a conceitualização, investigação e visualização do artigo; A. C coletou e analisou os dados; A.C. e A. I. G. fizeram a redação inicial do artigo (rascunho) e A.C., B. V. C. e A.I.G. são os responsáveis pela redação final (revisão e edição).

Os autores agradecem a CAPES pelo financiamento da pesquisa.

 

i Psicóloga pela Universidade do Sul de Santa Catarina, especialista em Psicologia do desenvolvimento pelo Centro Universitário de Araraquara, especialista em Psicodrama pelo espaço Viver Psicologia Psicodrama, mestre e doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Tem experiência na área de Psicologia Social. Atualmente é professora do Departamento de Psicologia da Universidade do Extremo Sul Catarinense.

ii Psicóloga, mestre e doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente é Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da UFSC e do PPGP – Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSC. Membro do LACCOS – Laboratório de Psicologia Social da Comunicação e da Cognição. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Pesquisa em Psicologia Social e da Saúde, Psicologia Jurídica, atuando principalmente nos seguintes temas: Saúde - Doença, Sexualidade, Adolescência, Uso/Abuso de drogas e Violências.

iii Psicólogo e mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, doutor em Psicologia Social pela École des Hautes Études en Sciences Sociales. Atualmente é professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina, membro fundador do Laboratório de Psicologia Social da Comunicação e da Cognição; diretor de pesquisa associado e Membro do "Réseau Mondial Serge Moscovici". Tem experiência na área de Psicologia Social, estudando principalmente nos seguintes temas: representação social, envelhecimento, corpo e beleza, e doenças crônicas.

Creative Commons License