SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 issue3Empathy: the profile of scientific production and measure more used in researchThe men's absence in primary health care: an analysis of the Theory of Planned Action author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Estudos Interdisciplinares em Psicologia

On-line version ISSN 2236-6407

Est. Inter. Psicol. vol.9 no.3 Londrina Sept./Dec. 2018

 

Artigos

 

Memória autobiográfica da infância em universitários da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

 

Childhood autobiographical memory in college students of Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

 

Memoria autobiográfica de la infancia de estudiantes de la Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

 

 

Monique Heinen GallI i; Emmy UeharaI ii

I Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

 

 


Resumo

A memória autobiográfica (MA) constitui um conjunto de memórias que o indivíduo possui em relação a sua própria história de vida. O presente estudo tem como objetivo investigar a MA na infância em 60 universitários da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. O questionário foi composto por informações sociodemográficas e 15 perguntas abertas. Dentre os 60 entrevistados, 35 (58,3%) afirmaram recordar a memória em maiores detalhes contra 25 entrevistados (41,7%) que afirmaram recordar apenas de forma sucinta. Observou-se que 43,3% obteve a faixa-etária dos 5-6 anos como idade das primeiras MA. Os resultados são relevantes para a ampliação do conhecimento referente à MA na infância. Ainda, o estudo destas memórias pode auxiliar na melhor compreensão sobre a constituição do sujeito, bem como a influência das emoções nesse processo de armazenamento e evocação das memórias.

Palavras-chave: desenvolvimento; memória autobiográfica; universitários.


Abstract

The autobiographical memory (AM) are a set of memories that the individual possesses in relation to his own life history. The present study aims to investigate AM in childhood in 60 university students of the Federal Rural University of Rio de Janeiro. The questionnaire was composed of sociodemographic information and 15 open questions. Among the 60 interviewees, 35 (58.3%) reported recalling the memory in more detail against 25 respondents (41.7%) who said they remember only succinctly. It was observed that 43.3% obtained the age range of 5-6 years as the age of the first MA. The results are relevant for the expansion of the knowledge regarding the AM in childhood. Still, the study of these memories can help in the better understanding about the constitution of the subject, as well as the influence of the emotions in this process of storage and memory evocation.

Keywords: development; autobiographical memory; university students.


Resumen

La memoria autobiográfica (MA) constituye un conjunto de memorias que el individuo posee en relación con su propia historia de vida. El presente estudio tiene como objetivo investigar la MA en la infancia en 60 universitarios de la Universidad Federal Rural de Río de Janeiro. El cuestionario se compuso de informaciones sociodemográficas y 15 preguntas abiertas. Entre los 60 entrevistados, 35 (58,3%) afirmaron recordar la memoria en mayores detalles contra 25 entrevistados (41,7%) que afirmaron recordar apenas de forma sucinta. Se observó que el 43,3% obtuvo la franja de edad de los 5-6 años como edad de las primeras MA. Los resultados son relevantes para la ampliación del conocimiento referente a la MA en la infancia. El estudio de estas memorias puede ayudar en la mejor comprensión sobre la constitución del sujeto, así como la influencia de las emociones en ese proceso de almacenamiento y evocación de las memorias.

Palabras clave: desarrollo; memoria autobiográfica; estudiantes universitarios.


 

Introdução

Segundo Luria (1981), a memória é uma função cognitiva complexa, composta por sistemas distintos que se relacionam entre si. Há diversos tipos de memórias associadas a diferentes áreas cerebrais, funcionando de maneira interligada. As memórias em geral organizam-se em torno do Eu e essa percepção de continuidade do Eu depende das memórias correspondentes às experiências vividas (Gomes, 2000). A memória autobiográfica (MA) surge quando o ser humano toma consciência de si e desenvolve a capacidade de contar sua história pessoal (Greenwald, 1980). Isto é, esta memória é constituída das experiências vividas pelo ser humano, armazenadas e organizadas em função do Eu.

A MA se refere às memórias que mantemos em relação a nós mesmos e relações com o mundo a nossa volta (Baddeley, 2011). Os eventos que ocasionam a MA se tornam marcos na organização da trajetória individual e na compreensão do sentido da própria história de vida. Para algumas pessoas, estes eventos são lembrados com facilidade, de maneira vívida e em detalhes; para outras, com imensa dificuldade ou total ausência (Elnick, Margrett, Fitzgerald, & Labouvie-Vief, 1999).

Conforme propõe Izquierdo (2004), durante os primeiros minutos de aquisição, todas as memórias são suscetíveis à interferência por outras memórias. Para que ocorra a formação da memória, uma série de processos metabólicos no hipocampo e em outras áreas são envolvidos, levando de três a oito horas para sua consolidação. Portanto, é nesse produto final que a MA tem seu ponto de apoio.

Para Conway (2005), a MA é definida como o tipo de memória direcionada à recordação da experiência de eventos pessoais passados. Esta desempenha um papel fundamental para a formação do ser humano, onde contribui para o senso individual de self, para o planejamento futuro de ações em consequência da resolução de problemas passados e, consequentemente, mediando à representação de nosso quadro social. Da mesma forma, Skowronski e Walken (2004) relacionam a MA à memória de acontecimentos relevantes para o Eu. Ou seja, as MA são centradas em torno do eixo central que é o “eu”, sendo lembranças experimentadas como autorreferentes. No entanto, mesmo que sejam estruturadas em torno do “eu”, essas memórias não são um retrato fiel dos fatos, estando sujeitas a distorções, sendo possível recordarmos situações que não ocorreram.

Assim como Greenwald (1980), Pergher (2010) define as MA como as memórias que a pessoa possui de sua própria história. Deste modo, a MA registra eventos referente à aspectos neutro, positivo e negativo, tendo como ponto em comum o fato do indivíduo ser protagonista de tais eventos.

Quanto ao seu surgimento, de acordo com Nelson (1992), a MA parece surgir, aproximadamente, entre os 3 e 4 anos de idade. Nesta faixa-etária, espera-se que a criança já consiga manter duas representações simultaneamente, a saber, o self passado e o self presente (Carneiro, 2008; Perner, 2000). O surgimento deste tipo de memória parece realizar modificações na função da memória, por exemplo, na incapacidade que nós possuímos enquanto adultos de recordar episódios dos primeiros anos de vida (Nelson, 1992). Em estudos realizados em idosos por Rubin (2000), observou-se que a distribuição de memórias ao longo do ciclo de vida revela menos de 5% de memórias obtidas antes dos 3 anos de idade, evidenciando uma explosão de memórias para acontecimentos que ocorreram entre os 10 e os 30 anos e um declínio correspondente à idade dos 45-50 anos. Esta evolução é seguida de um novo aumento de memórias referentes aos últimos anos de vida.

As MA possuem uma sensação subjetiva de reviver o passado. Entretanto, essas recordações não são sempre lembranças exatas dos eventos vivenciados pelo indivíduo, ou seja, podem ser recordações parciais ou falsas memórias (FM). Para Conway (1997), nossas memórias podem ser influenciadas por diversos fatores que levam a tendenciosidades no processo de reconstrução do passado, gerando distorções na memória. Esses erros e distorções são as FM e podem ser compostas por um todo ou uma parte de informações ou eventos que não ocorreram na realidade. Estas são frutos do funcionamento normal, não patológico, da memória humana.

As FM podem ocorrer tanto devido a uma distorção endógena, fruto de processos internos, quanto por uma falsa informação oferecida pelo ambiente externo. Assim, as FM internas ou espontâneas são resultado de alterações internas ou do funcionamento da memória do próprio indivíduo, sem a interferência de uma fonte externa à pessoa. Por outro lado, as FM externas ou sugeridas advêm da sugestão de falsa informação externa ao sujeito, ocorrendo por aceitação do indivíduo a uma informação posterior incorreta ao evento ocorrido e sua incorporação na memória original. As FM podem ser produzidas quando duas informações são semelhantes em conteúdo ou significado, sendo lembradas por serem familiares a uma memória já existente para a pessoa (Brust, Neufeld, Ávila, Williams, & Stein, 2010).

Na investigação das memórias, o pesquisador deve levar em conta as variáveis que podem influenciar na pesquisa. Além das variáveis externas, há as diferenças individuais, compreendendo as relações entre as diferenças psicológicas de cada pessoa e a produção de FM. As características individuais mais frequentemente relacionadas às FM são a idade, bem como seu desenvolvimento, traumas, sexo, personalidade e emoção.

A idade pode influenciar de forma significativa os processos cognitivos como a memória. A memória verdadeira do indivíduo aumenta desde o nascimento até a idade adulta e começa a decair na terceira idade, juntamente com mudanças nos mecanismos cerebrais e estratégias cognitivas fundamentais para a memória (Gallo, 2006). De acordo com Brainerd, Forrest, Karibian, e Reyna (2006), Brainerd e Reyna (2007) e Sugrue e Hayne (2006), quanto maior a idade da criança, maior a produção de FM. Uma das explicações a essa hipótese é a de que crianças mais velhas seriam mais capazes de extrair a essência dos eventos necessários para gerar as FM, enquanto as crianças mais novas teriam mais lembranças de informações literais referentes aos detalhes das situações (Barbosa, Ávila, Feix, & Grassi-Oliveira, 2010). Por terem um predomínio da memória literal, as crianças pré-escolares apresentam mais esquecimentos e menos FM que as de idade escolar. O desenvolvimento tardio da memória responsável pelo armazenamento de informações representa o significado da experiência como um todo.

Em contrapartida, no caso dos idosos, a memória verdadeira diminui e as FM aumentam, essa constatação se fundamenta segunda a Teoria do Traço Difuso. Nesta teoria, os idosos apresentam um déficit no sistema de memória literal que faz com que suas memórias verdadeiras diminuam. Contudo, o sistema de memória de essência se mantém intacto. Devido a esse déficit no armazenamento de detalhes mais precisos no sistema de memória literal e ao maior engajamento no sistema de memória de essência, os idosos acabam tendo menores índices de memórias verdadeiras e maiores índices de FM (Barbosa et al., 2010).

Assim, o presente artigo tem como objetivo investigar a MA na infância em universitários da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. De forma mais específica, o estudo buscou compreender aspectos relacionados às recordações evocadas, bem como identificação das faixas etárias predominantes das recordações.

 

Método

Participantes

A presente pesquisa teve como participantes 60 estudantes universitários com matrículas ativas na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, de ambos os sexos (30 homens e 30 mulheres). As faixas etárias variaram de 18 a 33 anos (M: 22,73, DP:2,79). Os estudantes estavam cursando graduações em diferentes áreas (Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde, Exatas e da Terra, Humanas e Sociais), conforme consta na Tabela 1. Todos os estudantes deveriam estar com matrículas ativas no momento da pesquisa.

Instrumentos

Questionário sobre memória autobiográfica na infância
O instrumento foi desenvolvido para fins qualitativos desta pesquisa e foi apresentado na forma de entrevista semiestruturada. O questionário é composto por informações sociodemográficas do indivíduo (tais como curso, período, idade), bem como 15 perguntas abertas. As perguntas envolviam aspectos como idade em que ocorreu a recordação, os tipos de recordação (verbal, sensorial, emocional ou neutro), a intensidade emocional, entre outros.

Procedimentos

A pesquisa foi analisada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRRJ/COMEP e recebeu parecer favorável de nº 722/2016. Todos os participantes receberam um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), onde foram esclarecidos sobre a pesquisa e informados que os resultados seriam mantidos em sigilo. A participação era de livre escolha, podendo abandonar a qualquer momento o estudo prejuízo ou ônus. Após a assinatura do TCLE, os participantes foram convidados a responder as perguntas do questionário.

Análise de Dados

Na análise de dados sociodemográficos, utilizou-se estatística descritiva para os cálculos das frequências percentuais das variáveis sexo, faixa-etária, área do curso e período da graduação. Para a análise dos dados das memórias evocadas, foi utilizada a proposta desenvolvida por Minayo (1994) na qual ocorre: a) ordenação dos dados (transcrição de todas as respostas obtidas, tabulação das respostas no programa Excel, mapeamento, releitura do material e organização dos trechos mais significativos); b) classificação dos dados (de acordo com a literatura sobre MA, elaborou-se categorias específicas determinando temáticas nos trechos selecionados na etapa anterior); e, c) análise final (estabelecimento de articulações entre os dados, formulando relações entre a teoria e a prática).

 

Resultados e discussão

Dados sociodemográficos
Foram consideradas como dados sociodemográficos o sexo, a faixa etária, a área de graduação e o período da graduação, conforme a Tabela 1.

 

 

Memórias Evocadas
Ao analisar o questionário, pode-se separar as memórias evocadas em temáticas, sendo separadas em 11 temáticas principais como pode ser visto na Tabela 2.

Quando os entrevistados responderam à pergunta do questionário acerca de quais tipos de aspectos a memória evocada envolvia (p. ex., verbais, aspectos sensoriais, aspectos emocionas ou algum outro tipo), a maioria dos participantes relatou recordar memórias que envolviam aspectos emocionais. Dentre os aspectos emocionais relatados, havia: felicidade, segurança, nostalgia, ansiedade, medo, saudades, entusiasmo, alegria, entre outros. Recordaram, também, aspectos sensoriais de tais memórias, havendo um predomínio das seguintes sensações: visão, olfato e tato. Em aspectos verbais, recordavam de frases ou conversas que ocorreram durante o evento e, por fim, alguns entrevistados relataram recordar apenas de imagens que vinham à mente ou não recordavam de aspectos nenhum, havendo apenas a recordação da memória.

As memórias evocadas no presente estudo variaram entre 1 a 15 anos de idade. É importante ressaltar que não houve limitação de idade das memórias evocadas com intuito de não enviesar os resultados produzidos pela amostra. Na tentativa de dividir as faixas-etárias da maneira equilibrada, separou-se em 6 faixas, com intervalo de 2 anos para cada. Levou-se em conta no estudo as memórias mais antigas que os entrevistados conseguiam lembrar e depois foi pedido que dissessem qual era a idade que possuíam. Houve um predomínio de memórias recuperadas na faixa etária de 5 a 6 anos (43,3%), seguida de 3 a 4 anos (23,3%), de 7 a 8 anos (15,0%), de 09 a 10 anos e 11-15 anos (ambas 5%). Este dado reforça a idade de Nelson (1992) e Perner (2000) cuja a MA surge por volta dos 3/4 anos quando, a criança já consegue manter duas representações simultaneamente (o self passado e o self presente).

De acordo com Elnick et al. (1999), algumas pessoas lembram com maior facilidade de eventos de maneira vívida e em detalhes, enquanto outras pessoas, possuem uma imensa dificuldade ou total ausência em recordar qualquer tipo de evento. Na presente pesquisa, houve um predomínio de memórias evocadas de forma detalhada (58,5%), enquanto 41,7% dos participantes recordavam a memória apenas de forma sucinta, sem grandes detalhes (Tabela 3).

 

 

Observou-se que, a maioria dos entrevistados (95%) alegou que as MA evocadas se tratavam de memórias verdadeiras, que ocorreram como se lembravam, enquanto 3,3% alegaram que não eram memórias verdadeiras e apenas 1,7% alegou não ter certeza. Entretanto, comprovar a existência ou não destas memórias é uma das limitações dos estudos referentes à MA na infância. É necessário levar em conta que tais recordações não são sempre lembradas da maneira exata que os eventos ocorreram, ou seja, estas memórias podem ser recordações parciais ou uma memória criada pelo entrevistado, devido a processos externos ou internos que influenciam no processo de reconstrução do passado, gerando uma falsa memória.

As MA podem sofrer distorções devido a diversos fatores, tanto internos quanto externos. Na Tabela 4, vemos que 43 entrevistados (71,6%) afirmaram não terem conversado sobre a memória evocada com terceiros, 16 entrevistados (26,7%) alegaram já terem conversado sobre esta memória, enquanto apenas 1 entrevistado (1,7%) afirmou não recordar se já havia conversado com alguém sobre a memória evocada. Mesmo a maioria dos participantes não tendo relatado a memória para terceiros, a memória original pode ter sofrido alterações oriundas do próprio funcionamento da memória do indivíduo. Isto é, a distorção desta memória pelo próprio indivíduo poderia ocorrer por motivos próprios, como por exemplo, a repressão freudiana, o desenvolvimento tardio do hipocampo e a natureza não desenvolvida durante a infância de um self coerente (Baddeley, 2011).

 

 

Outro fator que influenciaria a veracidade da memória seria o relato da memória por outras pessoas. Através do relato de informações semelhantes a um conteúdo ou significado já existente, poderia haver uma inserção de uma nova informação, incorporando-a a sua memória original. No caso desta pesquisa, levou-se em conta o relato da memória evocada e se após o relato houve recordação de maiores detalhes. Por exemplo, 40 dos entrevistados (66,7%) afirmaram não terem relatado com maiores detalhes tal memória a terceiros. Entretanto, dentre aqueles que responderam já terem conversado com terceiros sobre a memória, houve um predomínio de memórias relatadas por familiares (95%) e apenas um caso de amigos terem relatado com maiores detalhes. Entretanto, percebe-se que mais da metade dos entrevistados, 45 entrevistados (76,7%), alegaram que mesmo após relato da memória por terceiros, não houve lembrança de maiores detalhes à memória relatada ao passo que 14 entrevistados (23,3%) afirmaram recordar maiores detalhes da memória após relato de terceiros.

 

 

Quando questionados sobre a duração da memória evocada, 26 entrevistados (43,3%) disseram que a memória durou apenas um momento, 23 entrevistados (38,3%) informaram que as memórias tiveram duração de vários dias enquanto 11 entrevistados (18,4%) alegaram que a memória durou apenas 1 dia. Segundo Izquierdo (2004), todas as memórias estão sujeitas a interferências durante os primeiros minutos de aquisição, tanto por outras memórias ou pela sua formação. Na Tabela 4, observou-se que 26 entrevistados (43,4%) apontaram para a existência de memórias compostas por eventos com duração de apenas um evento específico, seguido de 23 entrevistados (38,3%) que relataram possuir memórias de vários dias, e, por fim, 11 entrevistados (8,4%) apontaram que suas memórias eram compostas por eventos que duraram apenas um dia. No que diz respeito a estas memórias com duração de tempo maior que um dia, estas poderia ocorrer devido a ligação desta memória com outras memórias com características parecidas, agrupando-os em um mesmo esquema.

 

 

Quanto à intensidade emocional, verificou-se que 32 entrevistados (53,3%) conferiram às memórias evocadas uma intensidade de 5 a 8, seguido por 25 entrevistados (41,7%) que atribuíram intensidade de 9 a 10 e por 3 entrevistados (5%) que conferiram intensidade de 1 a 4 (Tabela 5). Condizendo com a teoria de Lang, Bradley e Cuthbert (1990), onde as memórias carregadas de conteúdo emocional seriam melhor recordadas pelo indivíduo do que aquelas sem intensidade emocional, indo de valências positivas, valências negativas e passando pelas valências neutras. Os achados da presente pesquisa demonstram uma forte tendência de o conteúdo emocional influenciar na melhor recuperação comparadas às memórias com pouco ou nenhum conteúdo emocional. Ainda, em relação à valência das memórias, Pergher (2010) relata que o registro das MA vai desde acontecimentos positivos, neutros a negativos. Observou-se que, dos 60 entrevistados, houve um predomínio de valências positivas (71,7%) atribuídas as memórias evocadas, seguida pela atribuição de valência negativa (20%) e 6,7% atribuíram valência neutra à memória evocada.

Ao serem questionados sobre um valor de relevância das memórias, 76,7% dos entrevistados revelaram que as memórias evocadas possuíam um valor de significância para as suas vidas enquanto 23,3% revelaram que tais memórias não possuíam relevância alguma. Entre os 60 entrevistados, 38 (63,3%) expressaram que a memória evocada, descrita por eles, diz muito sobre quem são hoje em dia enquanto 21 dos entrevistados (35%) disseram que tais memórias não possuíam representatividade sobre quem são hoje em dia. Apenas 1 dos entrevistados (1,7%) não soube responder a esta pergunta do questionário. Este fato remete o que Conway (1996) descreve sobre a estruturação da MA em três níveis hierárquicos. Isto é, quanto maior a interação dos sistemas de memória e do pensamento, maior a produção de informações, esclarecendo os contextos dos eventos, dando-lhes significados, contribuindo assim para a elaboração de MA, tais como representações de eventos específicos e definidos como vivenciados pelo indivíduo. Ainda, para Williams, Conway e Cohen (2008), uma das funções atribuídas pela MA é a criação e manutenção da auto-representação do indivíduo. Nesta função, ilustra-se o potencial das memórias pessoais em criar e manter coerentemente a identidade do indivíduo ao longo de tempo. Da mesma forma, há também a função diretiva, habilitando o indivíduo para uso de experiências do passado enquanto referência para a sua resolução de problemas no presente e guia para ações futuras.

 

Considerações finais

A memória autobiográfica é constituída pelas memórias que mantemos em relação a nós mesmos e nossas relações com o mundo a nossa volta (Baddeley, 2011). Entretanto, segundo Carneiro (2008), para que a MA seja estabelecida, a memória episódica deve se desenvolver. Isto é, quanto mais organizada, melhor serão armazenadas e por fim, recuperadas. Desta forma, estas memórias são marcos na formação do self, na organização da trajetória individual e na compreensão do sentido da própria história de vida.

O presente estudo objetivou investigar a MA na infância em estudantes universitários da UFRRJ, buscando compreender os principais aspectos relacionados às recordações evocadas. A partir das entrevistas, observou-se que houve um predomínio de memórias que envolviam conteúdos emocionais e com grande carga de intensidade afetiva, corroborando a teoria de Lang et al. (1990). Vale ressaltar que este achado pode contribuir para o melhor entendimento sobre os eventos com valência positiva/negativa ocorridos na infância, principalmente após o período de amnésia infantil (Bauer & Larkina, 2014). Apesar de grande parte dos entrevistados relatarem que as memórias eram verdadeiras, não houve como confrontar esta informação com os familiares. Outro aspecto ressaltado foi a relevância e o significado das memórias evocadas. Este fato pode demonstrar o papel das MA na constituição do sujeito e manutenção destas memórias como referência para ações do presente e do futuro.

A pesquisa mostrou-se relevante para a ampliação do conhecimento referente à MA na infância. Contudo, assim como outros estudos, este também apresentou dificuldades metodológicas (Woll, 2002). Por exemplo, a verificação da fidedignidade das informações recordadas é um fator limitante, já que as recordações não possuem registros. Ainda, variáveis como o tempo, crenças pessoais, conteúdos mnêmicos semelhantes podem afetar a integridade e precisão das memórias evocadas. Estes fatores podem fugir do controle do pesquisador, sendo necessário o desenvolvimento de novos procedimentos e estratégias com intuito de diminuir a influência destas variáveis sobre as MA.

 

Declaração de conflitos de interesse

Não há conflitos de interesse.

 

Referências

Baddeley, A. (2011). A memória autobiográfica. In A. Baddeley, M. C. Anderson, & M. W. Eysenck (Eds.), Memória (pp. 152-177). Porto Alegre, RS: Artmed.         [ Links ]

Barbosa, M. E., Ávila, L. M., Feix, L. F., & Grassi-Oliveira, R. (2010). Falsas Memórias e Diferenças Individuais. In L. Stein (Ed.), Falsas Memórias (pp. 133-154). Porto Alegre, RS: Artmed.         [ Links ]

Bauer, P. J., & Larkina, M. (2014). Childhood amnesia in the making: Different distributions of autobiographical memories in children and adults. Journal of Experimental Psychology: General, 143(2), 597-611. doi:10.1037/a0033307        [ Links ]

Brainerd, C. J., Forrest, T. J., Karibian, D., & Reyna, V. F. (2006). Development of the false-memory illusion. Development Psychology, 42(5), 962-979. doi:10.1037/0012-1649.42.5.962        [ Links ]

Brainerd, C. J., & Reyna, V. F. (2007). Explaining development reversals in false memory. Psychological Science, 18(5), 442-448. doi:10.1111/j.1467-9280.2007.01919.x        [ Links ]

Brust, P. G., Neufeld, C. B., Ávila, L. M., Williams, A. V., & Stein, L. M. (2010). Procedimentos Experimentais na Investigação das Falsas Memórias. In L. Stein (Ed.), Falsas Memórias (pp. 42-68). Porto Alegre, RS: Artmed.         [ Links ]

Carneiro, M. P. (2008). Desenvolvimento da memória na criança: O que muda com a idade?. Psicologia: Reflexão e Crítica, 21(1), 51-59. doi:10.1590/S0102-79722008000100007.         [ Links ]

Conway M. A (1996). Autobiographical knowledge and autobiographical memories. In D. C. Rubin (Ed.), Remembering our past: Studies in autobiographical memory (pp. 67–93). Cambridge, UK: Cambridge University Press. doi: 10.5709/acp-0190-8.

Conway, M. A. (1997). Introduction: What are memories? In M. A. Conway, Recovered memories and false memories (pp. 1-22). Oxford, UK: Oxford University Press.         [ Links ]

Conway, M. A. (2005). Memory and the self. Journal of Memory and Language, 53, 594-628. doi:10.1016/j.jml.2005.08.005        [ Links ]

Elnick, A. B., Margarett, J. A., Fitzgerald, J. M., & Labouvie-Vief, G. (1999) Benchmark memories in adulthood: Central domains and predictors of their frequency. Journal of Adult Development, 6(1), 45-59. doi:10.1023/A:1021624324994        [ Links ]

Gallo, D. A. (2006). Associative illusions of memory: False memory research in DRM and related tasks. New York, NY: Psychology Press. doi:10.4324/9780203782934        [ Links ]

Gomes, C. (2000). Construção social da memória autobiográfica e histórias de vida. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra.         [ Links ]

Greenwald, A. G. (1980). The totalitarian ego. Fabrication and revision of personal history. American Psychologist, 35(7), 603-618. doi:10.1037/0003-066X.35.7.603        [ Links ]

Izquierdo, I. (2004). A arte de esquecer: Cérebro, memória e esquecimento. Rio de Janeiro, RJ: Vieira & Lent. doi:10.1590/S0103-40142006000300024        [ Links ]

Lang, P. J., Bradley, M. M., & Cuthbert, B. N. (1990). Emotion, attention, and startle reflex. Psychological Review, 97(3), 377-395. doi:10.1037/0033-295X.97.3.377        [ Links ]

Luria, A. H. (1981). Memória. In A. H. Luria, Fundamentos de Neuropsicologia (pp. 245-265). São Paulo, SP: Edusp.         [ Links ]

Minayo, M.C.S. (1994). Pesquisa social: Teoria, método e criatividade. Rio de Janeiro, RJ: Vozes.         [ Links ]

Nelson, K. (1992). Emergence of autobiographical memory at age 4. Human Development, 35, 172-177. doi:10.1159/000277149        [ Links ]

Pergher, G. K. (2010). Falsas Memórias Autobiográficas. In L. Stein, Falsas Memórias (pp. 101-116). Porto Alegre, RS: Artmed.         [ Links ]

Perner, J. (2000). Memory and theory of mind. In E. Tulving, & F. I. M. Craik, The Oxford handbook of memory (pp. 297-312). Oxford, UK: Oxford University Press.         [ Links ]

Rubin, D. C. (2000). The distribution of early childhood memories. Memory, 8, 265-269. doi: 10.1080/096582100406810        [ Links ]

Skowronski, J. J., & Walker, W. R. (2004). How describing autobiographical events affect autobiographical memories. Social Cognition, 22(5), 555-590. doi:10.1521/soco.22.5.555.50764        [ Links ]

Sugrue, K., & Hayne, H. (2006). False memories produced by children and adults in the DRM paradigm. Applied Cognitive Psychology, 20, 625-631. doi:10.1002/acp.1214        [ Links ]

Williams, H. L., Conway, M. A., & Cohen, G. (2008). Autobiographical memory. In G. Cohen, & M. A. Conway (Eds.), Memory in the real world (pp. 21-90). Hove, U.K.: Psychology Press.         [ Links ]

Woll, S. (2002). Everyday thinking: Memory, reasoning and judgment in the real world. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates.         [ Links ]

 

 

 

 

 

Endereço para correspondência
Monique Heinen Gall

e-mail: moniqueheinengall@gmail.com

Endereço para correspondência
Emmy Uehara

e-mail: emmy.uehara@gmail.com

Recebido em: 22/12/2016
Revisado em: 07/06/2017
Aceito em: 26/10/2017

 

 

 

Certificamos que todos os autores participaram suficientemente do trabalho para tornar pública sua responsabilidade pelo conteúdo. A contribuição de cada autor pode ser atribuída como se segue: Monique Heinen Gall e Emmy Uehara Pires contribuíram para a conceitualização e investigação; Monique Heinen Gall fez a coleta de dados e a redação inicial do artigo e Emmy Uehara Pires é responsável pela redação final (revisão e edição).

 

i Psicóloga pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

ii Psicóloga pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre e doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). É professora adjunta do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Coordenadora do Núcleo de Ações e Reflexões em Neuropsicologia (NARN/UFRRJ).

Creative Commons License