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Estudos Interdisciplinares em Psicologia

On-line version ISSN 2236-6407

Est. Inter. Psicol. vol.11 no.1 Londrina Jan./Apr. 2020

http://dx.doi.org/10.5433/2236-6407.2020v11n1p182 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

A família diante da experiência de enfrentamento dos transtornos do espectro autista: uma visão sbjetiva

 

The family facing the experience of the autism spectrum disorder: a subjective approach

 

La familia ante la experiencia de afrontamiento del transtorno del espectro autista: una visión subjetiva

 

 

Flávio Vieira TalascaI; Antonia Vanda de CarvalhoI; Luanda Andrade VelosoI; Jessica Helena Vaz MalaquiasII

ICentro Universitário do Distrito Federal-UDF
IIUniversidade de Brasília/Centro Universitário do Distrito Federal-UDF

 

 


RESUMO

O presente estudo aborda a experiência subjetiva de famílias em cujo núcleo há membros diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista. O objetivo foi apresentar as experiências e as iniciativas adotadas por estas famílias no enfrentamento desse tipo de transtorno. Buscou-se estabelecer um diálogo entre tais contextos familiares e estudos recentes, bem como aprofundar a compreensão de aspectos da dimensão subjetiva desses contextos familiares, de forma a prestar uma contribuição a um tema de alta relevância para o equilíbrio familiar e a saúde psíquica dos cuidadores. Para a construção das informações sobre a temática, realizou-se pesquisa de abordagem qualitativa, com a aplicação de entrevistas semiestruturadas que levaram a uma visão comum das experiências e situações estressoras. Verificou-se que diferentes estratégias de enfrentamento podem favorecer o equilíbrio de forças no âmbito familiar, com reflexos na melhor qualidade de vida do principal cuidador.

Palavras-chave: transtorno do espectro autista; família; subjetividade; enfrentamento.


ABSTRACT

The present study aims to approach the subjective perception of families which children were affected by the Autistic Spectrum Disorder (ASD). The objective is to review the daily experiences and initiatives taken by these families in dealing with this kind of disorder. It was pursued a connection between family contexts and recent studies, in order to enhance the comprehension of top subjective issues and, therefore, to enlarge the knowledge of relevant aspects which impact the familiar harmony and the caregivers health. The qualitative method approach was employed, and the semi-structured interview was used as key instrument, in order to build the information on the thematic, which leads to a common view of the difficulties and strategies. It was identified that different coping strategies may contribute for the balance of family forces, with a better quality of caregiver's life.

Keywords: autistic disorder; family; subjectivity; coping.


RESUMEN

El presente estudio aborda la experiencia subjetiva de familias en cuyo núcleo hay ninos que han sido diagnosticados con el trastorno del espectro del autismo. El objetivo es conocer las experiencias diarias y iniciativas de las familias con el afrontamiento de este tipo de trastorno. Se ha buscado establecer un dialogo sobre los contextos familiares con estudios actuales y profundizar la comprensión de los aspectos de la dimensión subjetiva, con la finalidad de aportar una contribución a un tema de alta relevancia para el equilibrio familiar y la salud psíquica de sus cuidadores. Para la construcción de información, se ha observado que las diferentes estrategias de afrontamiento puede favorecer el equilibrio de las fuerzas en el ámbito familiar, con reflejos en la mayor calidad del principal cuidador.

Palabras clave: trastorno del espectro autista; familia; subjetividad; afrontamiento.


 

 

INTRODUÇÃO

No entendimento de Greenspan e Wieder (2006, citados por Assumpção Jr. e Kuczynski, 2018, p. 19-34), o autismo é um transtorno complexo do desenvolvimento, que envolve atrasos e comprometimentos nas áreas de interação social e linguagem, o que inclui uma ampla gama de sintomas emocionais, cognitivos, motores e sensoriais. As análises, discussões e contribuições produzidas por diversos autores, ao longo do tempo, conduziram a um conceito tratado na forma de espectro, com a identificação de sinais precoces mais comuns de comprometimento na área de comunicação (tais como atrasos na fala, frequência alta de vocalizações repetitivas e estereotipadas, ausência de respostas quando o indivíduo é chamado, entre outros), no aspecto social (como falta de expressões emocionais e afetivas positivas, pouco sorriso social, déficits no contato visual e na imitação, baixa atenção compartilhada etc.) e padrões de comportamentos repetitivos, estereotipados e atípicos em brincadeiras e manipulação de objetos (Cervantes et al., 2016, citados por Varella e Amaral, 2018, p. 35-44).

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresenta-se, assim, como um enorme desafio às famílias com filhos acometidos por esse distúrbio. Se por um lado as descobertas e os avanços no mapeamento das funções cognitivas por parte da neurologia têm contribuído para oferecer perspectivas favoráveis aos indivíduos afetados, diversos entraves de ordem psíquica, social, educacional, financeira, entre outros, levam a consequências adversas para o ambiente familiar, o que produz um quadro por vezes complexo e de dificuldades para uma qualidade de vida satisfatória dos genitores.

Ao longo dos anos, estudiosos e profissionais da área da saúde empregaram esforços que contribuíram para a obtenção de melhoras significativas no processo de recuperação e inclusão social de indivíduos portadores de transtornos de desenvolvimento. Avanços na psicologia do comportamento, fonoaudiologia, terapias ocupacionais e também em ações no campo das políticas públicas (como o Benefício de Prestação Continuada-BPC, previsto na Lei n° 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção aos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista) sugerem uma perspectiva mais otimista para os novos casos que surgem a cada dia.

As pesquisas e a literatura, sob várias perspectivas tendem a enfatizar, no entanto, os impactos para o grupo familiar do autista (Schmidt & Bosa, 2003) , bem como o surgimento de novas demandas e especificidades, a depender da severidade das características e outras variáveis que interferem no convívio diário com os indivíduos autistas (Minatel & Matsukura, 2014). A quantidade de estudos existentes sobre o impacto nas famílias decorrentes de transtornos de desenvolvimento é grande.

Henn e Sifuentes (2012) procederam a uma revisão sistemática das publicações nacionais e internacionais sobre o assunto ao longo de 15 anos. O resultado foi estruturado por categorias, que procuraram identificar e descrever, em pesquisas primordialmente quantitativas e qualitativas, as principais demandas e estratégias de enfrentamento. O levantamento dos estudos demonstrou que o papel dos pais é acessório em relação ao das mães, que, em sua maioria, são as principais cuidadoras. Mesmo reconhecendo aumento dos estudos acerca da paternidade, as autoras constataram que, "o pai, quando participa desses estudos, não ocupa o papel central das investigações".

Hamer, Manente e Capellini (2014) realizaram uma revisão em nível nacional, especificamente sobre o autismo, em que ficou evidenciada a ênfase nas categorias relativas à qualidade de vida e às relações familiares. Mais recentemente, Aguiar e Pondé (2019), como conclusão de pesquisa com 23 pais e mães de crianças com autismo, apontaram a necessidade de oferta de maior apoio social e profissional aos genitores.

A condição de ser mãe de uma criança autista constitui um problema que merece maior atenção dos profissionais de saúde, particularmente daqueles que trabalham com saúde mental. Estratégias de cuidados precisam ser implementadas com os pais, além da assistência médica de seus filhos, para permitir que crianças com TEA e suas famílias sejam gerenciadas com mais eficácia (p. 47).

Diferentemente de transtornos de desenvolvimento cuja evolução do quadro clínico é mais conhecida, como a síndrome de Down (Lins, 2011), certas peculiaridades do TEA, como a sua própria etiologia, dificuldades de avaliação diagnóstica, evolutiva e dos prejuízos na interação social, constituem ainda um enigma, mesmo com todos os avanços recentes, tanto para as famílias como para os profissionais da saúde, no decorrer do processo de intervenção (Matsukura & Menecheli, 2011).

Conforme lembram Assumpção Jr. e Kuczynski (2018), "o TEA é um conjunto de doenças, hoje classificadas em um continuum, cujo prognóstico exige uma análise multidisciplinar". Os mesmos autores também apontam para a possibilidade de identificação de um grande número de sub síndromes ligadas ao TEA nos próximos anos, com o aumento da precisão das pesquisas clínicas. Tais aspectos indicam como fundamental uma maior compreensão sobre as reais necessidades dessas famílias ao buscar suporte de profissionais e apoio dos serviços de saúde.

Dessa forma, numa reflexão sobre a experiência das famílias com filhos portadores de necessidades especiais, indaga-se quais elementos estariam presentes na vivência subjetiva dos pais. Adicionalmente à questão da grande sobrecarga emocional (Gomes, Lima, Bueno, Araújo, & Souza, 2015), inclui-se ainda um componente específico do espectro do autismo, associado ao "enfrentamento do desconhecido", no contexto dos sentimentos e percepções das famílias, da maior relevância para os propósitos do presente trabalho.

O objetivo da pesquisa realizada foi o de compreender a vivência subjetiva dos pais e famílias correlacionadas à presença de filhos com transtornos do espectro autista que já se encontram no final da adolescência e início da vida adulta, momento em que as famílias já acumularam uma série de experiências na vivência com o transtorno e começam a apresentar insegurança em relação à possibilidade de maior autonomia e às perspectivas de futuro para o filho. Com isso, busca-se contribuir para o avanço no conhecimento do assunto e, consequentemente, contribuir para a melhoria da assistência aos responsáveis. Em nível secundário, procurou-se identificar as diferentes fases vivenciadas pelos pais, observar os impactos causados no relacionamento conjugal e/ou afetivo dos pais e conhecer os papéis e funções desempenhadas por cada membro da família e como estes são estabelecidos, à luz da literatura disponível sobre o assunto.

 

MÉTODO

A pesquisa foi de caráter qualitativo, voltada para o acesso e a compreensão dos complexos processos que constituem a subjetividade. Na visão de Minayo (2014), esse tipo de pesquisa se volta para o objetivo de compreender o sentido ou a lógica interna que os sujeitos atribuem a suas ações, representações, sentimentos, opiniões e crenças; incorpora a questão do significado e da intencionalidade como inerente aos atos, relações e estrutura sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação. Trata-se de uma abordagem fenomenológica-existencial e construcionista, com tipos de dados intersubjetivos, ao deixar os entrevistados à vontade para se expressarem da forma mais livre e autêntica possível. Quanto ao nível de manipulação dos dados, a pesquisa foi do tipo não experimental, por não pressupor a manipulação de variáveis.

PARTICIPANTES

Participaram da pesquisa três famílias residentes no Distrito Federal, cujos filhos foram diagnosticados com Transtornos do Espectro Autista, com diferentes níveis de gravidade e comprometimento cognitivo. Os filhos pertencem ao grupo de TEA cuja gravidade de sintomas traz muita dificuldade para a expressão, comunicação e aprendizado social. Apesar da gravidade do transtorno, possuem potencial de inserção no mercado de trabalho, por meio de cursos e convênios promovidos pela Associação de Pais e Amigos de Excepcionais (APAE) de Brasília. Todos são alfabetizados e conseguem ler razoavelmente, mas nenhum deles conseguiu frequentar o ensino médio. Todos são participantes dos cursos voltados ao mercado de trabalho promovidos pela APAE de Brasília. O critério para a escolha das famílias participantes foi a expectativa de entrada do familiar autista no mercado de trabalho, o que envolve uma série de questionamentos, por parte dos pais, sobre as possibilidades de uma maior autonomia dos filhos, envolvendo uma série de questões emocionais e até práticas.

INSTRUMENTOS

A obtenção das informações se deu por meio de entrevistas semiestruturadas, que consistiram em procedimento que propiciou a situação de contato ao mesmo tempo formal e informal, de forma a provocar um discurso mais ou menos livre, mas que atendesse aos objetivos da pesquisa e que fosse significativo no contexto investigado e academicamente relevante (Duarte, 2004).

A entrevista envolveu 14 questões, divididas em cinco blocos: Fase inicial, Contexto diário, Apoio externo, Lazer/relacionamentos e Futuro do filho. O roteiro buscou explorar a experiência dos familiares cuidadores desde o nascimento da criança e todos os aspectos da convivência com o transtorno, desde o impacto após o diagnóstico até o momento atual, passando por todas as dúvidas, medos, desgaste emocional e físico, solidão e outros sentimentos que fazem parte do cotidiano dos familiares da pessoa com autismo.

As entrevistas não tiveram tempo limite de duração, para que os familiares pudessem falar livremente, mas a duração média foi de uma hora.

PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DE DADOS

Os dados foram analisados por meio de transcrições das entrevistas na íntegra, com o devido agrupamento e categorização dos conteúdos. Foram identificados temas representativos presentes nos discursos, que levaram a traços de uma construção comum, segundo a metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo (Lefèvre, Lefèvre, & Teixeira, 2000).

De acordo com Lefèvre e Lefèvre (2014), o Discurso do Sujeito Coletivo pode funcionar como "espelho psicanalítico" do pensamento de coletividades e grupos, o que faz dele instrumento útil para intervenções em que se busque despertar consciências coletivas e/ou ensejar diálogos com posturas e opiniões distintas, ao atribuir um sujeito às representações sociais.

Para os mesmos pesquisadores, "este indivíduo/coletivo é um sujeito falando/falado já que carrega, além dos conteúdos da representação social que pessoalmente (falando) adota como prática discursiva, também os conteúdos (falados) dos "outros", ou seja, das representações semanticamente equivalentes disponíveis na sociedade e na cultura e adotadas por seus 'colegas de representação'".

 

RESULTADOS

Na fase inicial das entrevistas, obteve-se um conjunto de informações estruturais e do perfil das famílias, com as devidas conexões na rede social de apoio dos participantes (amizades, comunidade, cultura), bem como os pontos fortes e as vulnerabilidades das mesmas. Esse olhar inicial revelou-se extremamente útil na medida em que os relatos sobre as mudanças e acontecimentos relevantes avançavam no tempo, o que facilitou o entendimento de todo o contexto familiar.

CARACTERÍSTICAS E CONFIGURAÇÃO DAS FAMÍLIAS

Os principais elementos que compõem um cenário descritivo da configuração e características das famílias são apresentados na Tabela 1. Duas das famílias apresentam modelos nucleares com pai, mãe e filhos tradicionalmente constituídos (famílias B e C) e uma mononuclear (família A), decorrente de separação conjugal do progenitor. Em todas as famílias, os principais cuidadores são as mães, independentemente do estado civil ou educação.

A idade dos filhos situa-se na faixa entre 18 a 25 anos, os seja, entre o período final da adolescência, em que o indivíduo começa gradualmente a se integrar à idade adulta e período apontado por Erikson (1972) de firme comprometimento com as escolhas (Schoen-Ferreira, Aznar-Farias, & Silvares, 2003) e exploração das possibilidades de atividade junto ao mercado de trabalho, conjuntamente à conquista de uma base de confiança na construção de seu mundo interior.

No aprofundamento do perfil das famílias, surgem outras informações relevantes, associadas ao contexto socioeconômico e outras variáveis, que também irão exercer influência tanto na vivência quanto no enfrentamento do problema durante o curso do desenvolvimento da criança com a sua deficiência (Tabela 1).

Pela Tabela 1, de acordo com a faixa de renda, é possível observar a condição econômica mais favorável das famílias A e B comparativamente à família C. Trata-se de um elemento que exerce influência na liberdade de escolha e condição de vida das famílias, e sobre isto dois aspectos devem ser no mínimo ressaltados.

Em primeiro lugar, a questão de o filho da família C ter direito ao recebimento do BPC (no valor de um salário mínimo, como prevê a Lei Orgânica da Assistência Social), ao contrário das demais, devido à menor faixa de renda, causa insegurança da família com relação ao ingresso do filho no mercado de trabalho, assumindo um emprego em empresa conveniada da APAE. Isso porque as regras deste benefício implicam a suspensão do pagamento em caso de elevação da renda familiar, o que aconteceria com o pagamento do salário ao familiar autista. Com isso, a família estaria abrindo mão do benefício, mas não teria a segurança da manutenção desse familiar no emprego. Essa é a explicação apresentada pela família C para não seguir a postura e política da APAE, que é de sempre estimular o aluno a ter maior autonomia, por meio da obtenção de um trabalho.

O segundo aspecto é o da desigualdade social em si, dadas as limitações financeiras da família C. No caso dessa família, a mãe cuidadora, com sinais visíveis de envelhecimento avançado e saúde debilitada pelos desgastes físicos e emocionais e pela pouca condição de cuidar da própria saúde, se vê obrigada a trabalhar como empregada doméstica, para completar a renda necessária ao sustento das necessidades da família.

Quanto aos demais itens da Tabela 1, alguns pontos em comum foram observados, em que se faz oportuno algumas considerações. No tocante aos relacionamentos íntimos mantidos pelos cuidadores, predomina a carência de vínculos afetivos ou relações satisfatórias. Na família A, a mãe divorcia-se logo após o nascimento do filho e afirma não mais se sentir motivada a procurar outra pessoa para iniciar um relacionamento afetivo. Na família C, a mãe, ainda casada, mantém um relacionamento conflituoso com o marido alcoolista. A única exceção ficou por conta da família B, em que houve um resgate de relacionamento, em face de uma iminente ameaça de separação, conforme relato detalhado mais à frente.

HISTÓRICO DAS EXPERIÊNCIAS

Dentre as maiores dificuldades comuns apontadas, os entrevistados destacaram: (1) o impacto emocional na fase inicial, logo após o diagnóstico; e (2) o momento de pico de crise do cuidador, passados alguns anos, quando ele se sente impotente para lidar com uma série de entraves que passam a surgir em outras frentes, sem poder contar, de imediato, com a ajuda de alguém de sua absoluta confiança.

Na primeira situação, de uma forma geral, os pais entrevistados começaram a observar que havia "algo errado" com o desenvolvimento de seus filhos por volta dos 7 a 8 meses até os dois anos de idade. Em seguida, passaram a ouvir opiniões desencontradas por parte dos vários pediatras que consultaram. Aos primeiros sinais indicativos de um diagnóstico, adentraram numa profusão de diferentes sentimentos, como incapacidade de aceitação do problema, vitimização, culpa, raiva, perplexidade diante da falta de informação, angústia pela ausência de um prognóstico, profunda tristeza e humilhação, entre outros. Passadas algumas semanas, a intensidade desses sentimentos começou a diminuir, tanto pela maior aceitação e motivação interior associada ao encaminhamento efetivo ao conjunto de terapias que iriam se constituir no processo de enfrentamento das dificuldades, como também por um maior otimismo associado à polarização e à fé religiosa.

Já a segunda situação - crise do cuidador - começa a ocorrer passados os primeiros 5 a 7 anos, após os arranjos internos, distribuição das responsabilidades e estratégias de organização das famílias para com os cuidados e assistência ao filho autista. Como a estratégia de organização não foi bem formulada e equacionada, nas situações com que a pesquisa teve contato, as mães, principais cuidadoras, entram num imperceptível processo de ansiedade generalizada, que traz prejuízos ao sono, confusão nos pensamentos, sensação de impotência por carregar "o peso do mundo" ou de se estar encurralado, o que levou a um quadro de Transtorno Depressivo Maior, dentro dos critérios descritos pelo DSM-V (humor deprimido na maior parte do dia e quase todos os dias, acentuada diminuição do interesse ou prazer em quase todas as atividades na maior parte do dia, crises diárias de insônia, alterações psicomotoras, fadiga, sentimento de culpa excessiva e incapacidade de concentração, entre outros).

Contudo, não bastasse o desafio de lidar com os sintomas mais comuns do autismo em si, associados à pouca comunicação, socialização e particularidades do comportamento dos filhos, outras dificuldades familiares se acrescentaram ao cotidiano dessas famílias em particular, conforme indicadores da Tabela 1, e que agravaram surpreendentemente a situação das mães cuidadoras. No caso da família A, a mãe cuidadora precisou trazer a própria mãe, já idosa e necessitada de cuidados especiais, de outra cidade para morar junto dela. A dificuldade em conciliar a atenção para os cuidados com o filho e a própria mãe a deixou em estado de alerta e ansiedade constante, o que a levou à depressão, que se prolongou por vários anos. Na família B, situação relativamente similar ocorreu, pela sensação de desamparo diante da indiferença do marido, incapaz de compreender a situação da cuidadora. Com a família C, as dificuldades ficaram por conta do marido alcoolista, cujo estado se agravou substancialmente ao longo dos anos e que exigiu cuidados ainda mais intensivos.

ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO

Entende-se por estratégias de enfrentamento o conjunto de atitudes e soluções encontradas pelos familiares da pessoa autista para lidar e adaptar-se às circunstâncias adversas e estressantes que caracterizam a convivência e o cuidado de uma pessoa com TEA.

De uma forma geral, conforme as dificuldades surgiam ao longo do desenvolvimento, as famílias exploravam e implantavam soluções dentro das disponibilidades terapêuticas e do nível de informações e conhecimento existente. Nessa linha, considera-se unânime que a ação terapêutica

multiprofissional, realizada desde os primeiros anos, foi extremamente valiosa para a obtenção de resultados significativos no desenvolvimento, mormente no tocante às possibilidades de levar uma vida menos dependente dos cuidadores nos hábitos diários. Isso facilitou sensivelmente o acesso das crianças à APAE e a continuidade da aplicação das abordagens terapêuticas necessárias a cada caso específico, o que abre a perspectiva de maior independência aos filhos autistas, pela possibilidade da inserção no mercado de trabalho.

Além da forte presença do apoio religioso e espiritual, distintos caminhos estratégicos foram seguidos por cada família, e isso resultou em diferenças substanciais no impacto e na qualidade de vida dos familiares, especialmente do lado dos cuidadores.

No caso da família A, a mãe cuidadora se viu diante de uma situação peculiar de indisponibilidade total de qualquer tipo de apoio familiar durante os primeiros anos, por ter sido abandonada pelo companheiro logo nos primeiros meses. A atitude de dedicação total (ou mesmo devoção) ao bom desenvolvimento do filho foi o caminho seguido. Não bastasse essa falta de ajuda, juntou-se a necessidade de cuidar da mãe idosa e, com isso, o estresse de permanecer 24 horas a serviço dos dois dependentes. O apego excessivo à rotina, combinado com a falta de repouso e de sono, levou-a, em poucas semanas, à sensação de incapacidade de manter as coisas sob controle, e, consequentemente, aos sintomas generalizados de ansiedade e taquicardia, até chegar à depressão. O tratamento com psiquiatra durante 4 anos, combinado com a aproximação de um dos irmãos, que, após se aposentar, passou a frequentar diariamente a casa, trouxe algum alívio na sobrecarga de tarefas diárias da mãe cuidadora.

Na condição atual, o nível de estresse dessa mãe é bem menor, em razão das diversas novas habilidades que teve que criar e aprender. O fato de o filho permanecer o dia inteiro em estudos na APAE, com a expectativa de obtenção de uma nova colocação no mercado de trabalho, trouxe um novo ânimo para todos.

Apesar dos resultados altamente favoráveis com o desenvolvimento do filho, a atitude de resignação e total devoção da mãe no papel de cuidadora trouxe consequências menos favoráveis à sua psique. Aos 62 anos, ela se encontra num ciclo vicioso de incapacidade de olhar para si própria, na busca de um maior equilíbrio entre os afazeres da casa e o lazer (este apenas restrito à igreja que frequenta e à observação dos progressos do filho). Juntam-se a isso suas

amizades pouco representativas, a ausência total de planos para o futuro e a incapacidade de se "reinventar" para desfrutar a vida com maior prazer e equilíbrio interior. Ao final da entrevista, a mãe declarou, muito emocionada, que:

Toda a minha vida foi dedicada a meu filho. Não me arrependo de nada. Fico com a sensação do dever cumprido. Não guardo mágoa de ninguém e se tivesse que fazer tudo de novo, faria o mesmo. (Participante A)

Para o curso das experiências da família B, a história evoluiu de forma diferente. Após namoro de 4 anos e um casamento planejado em moldes tradicionais, a filha nasceu e, com o surgimento dos primeiros sinais, a mãe toma para si toda a carga de responsabilidades para com os cuidados necessários, uma vez que o pai demonstrava pouco interesse e participação no processo. Mesmo contando com uma assistência multidisciplinar de um programa especial no Hospital da Marinha, a angústia da mãe se agravava, não apenas por não conseguir ajuda externa (a filha se mostrava muito hostil na presença de babás ou das avós), mas também pela busca de conseguir um lar que exigisse menos esforço pessoal, independentemente de todas as dificuldades e da sensação de constrangimento social pela qual passava. Seu desespero aumentava a cada dia, com as perspectivas de uma filha diferente das demais crianças que viviam à sua volta. Além disso, os pedidos insistentes de ajuda ao marido não produziam qualquer reação, o que piorava a cada dia a relação conjugal. Instalava-se um início de quadro depressivo com sintomas de reumatismo, o que a impedia de se locomover.

Até que, numa consulta para tratar um forte pico de crise reumática, uma médica ortopedista pronunciou as palavras que iriam mudar o curso de ação:

Você tem que seguir sua vida! A vida de sua filha pertence a ela. A sua vida pertence a você. Você não pode atrelar a sua vida à vida de sua filha! (Participante B)

Foram poucas as palavras, mas suficientes para tocar o ponto crucial de que a cuidadora precisava se cuidar. E isso envolvia uma profunda reflexão sobre a vida e coletar a força interior para uma mudança radical na estratégia de enfrentamento do problema, numa nova fase de imposição de atitudes diferentes.

Após muita reflexão, a mãe adotou as seguintes ações: (i) buscar ajuda do pai para conseguir um trabalho na empresa dele, tática que funcionou como "terapia ocupacional temporária" num momento crítico, pelo período de um ano; (ii) expor os seus sentimentos e angústia ao marido, de forma realista, ante a deterioração da relação:

Eu cobrava e cobrava ajuda dele e nada. Ele não saía do videogame. Achava que eu estava ficando louca. Eu fazia tudo, arrumava tudo na casa, não tinha ajuda alguma. Até que tomei coragem e disse: "...do jeito que está, não dá... não me sinto legal. Vamos separar... arrume suas coisas e vá embora... não quero isso para o resto de minha vida." (Participante B)

A combinação dessas ações resultou na "virada de jogo" necessária à sobrevivência da cuidadora. Surpreendido com a atitude inesperada e decidida, o marido se rendeu à situação e reconheceu o sofrimento da esposa, dispondo-se a ajudá-la. Em poucas semanas, o quadro depressivo começa a ser amenizado e a crise reumática desaparece, delineando-se um novo ânimo e perspectivas. Como consequência, surgiram novos planos, como a mudança de Nova Iguaçu (RJ) para Brasília, uma nova gravidez e uma vida de melhor qualidade psicoemocional para a família. Tal situação encerrou uma combinação efetiva de equilíbrio emocional e suporte social percebido, a qual, segundo Gill e Harris (1991, citado por Fávero, & Santos, 2005), levam indivíduos a se sentirem mais resistentes e fortalecidos, ou seja, um fator de empoderamento para as mães de crianças autistas, de modo a torná-las mais adaptadas à situação estressora.

No caso da família C, as dificuldades da mãe surgiram já desde a época do casamento. A mãe decidiu casar-se mesmo ciente dos problemas do futuro marido com o álcool, na expectativa de que uma maior responsabilidade com a família melhoraria a situação. Isso infelizmente não ocorreu. Ao contrário, a situação só se agravou. Em determinada ocasião, durante a execução de serviços caseiros, o marido alcoolizado teve que ser rapidamente encaminhado a um hospital, por ter se ferido com um esmeril elétrico, o que quase o levou à perda do próprio braço.

Diante da grave situação, que envolveu tanto os sintomas severos do problema do filho como o alcoolismo do marido, a filha mais velha, casada, e que mora em local próximo à casa da mãe, reconheceu as dificuldades e dispôs-se a ajudá-la em períodos diários, o que resultou em menor pressão para a mãe cuidadora. Além disso, diferentemente dos pais, o irmão autista a trata com mais carinho e costuma permanecer mais calmo na presença dela. Nas palavras da filha:

Durante muito tempo eu não conseguia entender as coisas e ficava ressentida pela falta de atenção de minha mãe para comigo. Mas hoje eu me coloco no lugar dela e entendo melhor. Meu irmão é muito agitado. Às vezes ele repentinamente dá murros e joga as coisas no chão com muita raiva e parece muito agressivo. Até que quando eu chego, parece que ele se acalma (Participante C)

Mesmo contando com a ajuda da filha, a mãe cuidadora, sem a presença do marido que poderia protegê-la, sofre com a falta de limites do filho autista, ao ser invariavelmente agredida por ele, em momentos de crise ou por falta de medicação. Como consequência, ela convive com um profundo sentimento de desesperança e dá sinais de esgotamento e envelhecimento prematuro. Possíveis saídas para melhorar a qualidade de vida poderiam ser buscadas com atividades de lazer, convívio social (ela citou o desejo de visitar outros membros da família, prazer raras vezes concedido a si mesma) e algum tipo de exercício físico que a ajudasse a melhorar suas condições de saúde, além do imprescindível apoio psicológico.

 

DISCUSSÃO

De uma forma geral, o relato fornecido pelas entrevistas confirmou em grande parte o entendimento dos estudos de Minatel e Matsukura (2014) e também o de DeGrace (2004), citado no mesmo estudo, em que a organização de toda a família gira em torno da criança autista, com a dificuldade dos pais em empregar toda a energia na tentativa de ocupar e acalmar os filhos autistas, para evitar crises comportamentais e atender suas necessidades diárias. Na visão desta última autora, o autismo se assemelha a uma entidade própria, que transcende o ambiente familiar, ao controlar a vida das pessoas, o que faz com que parte significativa da vida familiar seja envolvida por isso.

Como consequência das situações vividas pelas cuidadoras, vários outros aspectos contribuíram para impedir uma vida de maior qualidade nas famílias entrevistadas. Entre os principais, coincidentes com vários estudos, pode-se citar: (i) os afastamentos e mudanças nos relacionamentos sociais, em especial na questão do preconceito, conforme apontado por Mapelli, Barbieri, Castro, Boneli, Wernet e Dupas (2018); (ii) o ressentimento dos demais filhos pela menor atenção e consideração a eles dedicada, como observado na família C, aspecto observado por Fleitas, citado por Messa e Flamenghi Jr (2010); e (iii) certo nível de codependência da cuidadora em relação ao filho autista, caracterizada pela dificuldade em expressar sentimentos e necessidade de ter um propósito ou uma razão nos relacionamentos (Fischer, Wampler, Lyness, & Crawford, citados por Zampieri, 2004), o que bloqueia toda iniciativa para busca de apoio psicológico, algum lazer ou maior independência.

A necessidade de apoio para as famílias, desde o momento em que o transtorno é identificado, foi outra característica marcante a ser destacada, por ter trazido sérias implicações à dinâmica interna, no aspecto social e no esquema de organização na vida dos progenitores. Nesse sentido, duas frentes de dificuldades impactam fortemente o enfrentamento do problema. Num primeiro momento, a falta de informações relacionadas ao entendimento do transtorno do espectro autista e seus desdobramentos, aspecto já apontado no estudo de Matsukura e Menecheli (2011). Em seguida, o desconhecimento de que os cuidadores necessitam de um mínimo de cuidados como, por exemplo, pausas para reflexão e planejamento, o que conduz a efeitos muito adversos na qualidade de vida dos cuidadores, em que muito estresse e desgaste interno poderiam ter sido evitados.

Nas famílias entrevistadas, a combinação das dificuldades levou, inequivocamente, a uma situação de muita fragilidade para as mães cuidadoras. Todas passaram por fortes crises de depressão - aqui entendida como evento psiquiátrico que exigiu tratamento específico - decorridos pelo menos cinco anos após o nascimento, ao se sentirem incapazes de lidar com a perda de controle da situação. A superação dessas crises, de acordo com as mães, foi alcançada após muito esforço, e também acompanhada de um certo sentimento de anulação de seus objetivos próprios, uma vez que o principal foco da atenção era a conquista de uma vida independente por parte do filho autista. Os achados das entrevistas corroboram os resultados encontrados por Aguiar e Pondé (2019), em pesquisas com pais e mães de crianças autistas de até 10 anos de idade.

O quadro da família A confirma parte das conclusões do estudo de Minatel e Matsukura (2014), em que o cuidador principal vive imerso na realidade do transtorno, ao empregar todo o seu tempo e energia na tentativa de minimizar o sofrimento, tanto da dificuldade em controlar os comportamentos considerados inadequados, como na relação com a sociedade, deixando de lado atividades significativas e positivas para ele próprio.

A condição econômica das famílias é de fator de grande influência no enfrentamento, por permitir, em tese, melhor acesso ao conhecimento, retaguarda, capacidade de escolha e ação e maior liberdade aos cuidadores, diante das múltiplas possibilidades existentes. No entanto, uma condição econômica mais favorável nem sempre conduz, isoladamente, a um melhor quadro de qualidade de vida das famílias e das mães cuidadoras. Isto porque os transtornos do espectro autista encerram um quadro de alta complexidade, no qual toda a família se encontra envolvida. Assim, como a família integra o problema, não há como excluí-la da estratégia de cuidado por parte dos profissionais que assistem o paciente, especialmente no campo da saúde mental. Se a linha do cuidado não incluir a devida atenção aos cuidadores, estará comprometido o bom funcionamento e equilíbrio das forças atuantes na célula familiar.

No caso das famílias A e B, de melhor condição econômica, a postura de alta persistência e constância nas táticas de enfrentamento produziram um forte sentido de vida e realização pessoal para a mãe cuidadora A. Essa mesma sensação se encontra presente na mãe cuidadora B, acompanhada, porém, de um melhor equilíbrio de forças. No caso, a passagem de um momento psicológico altamente crítico levou-a a refletir um pouco mais sobre si mesma, encarando a vida da filha autista como "pertencente a ela própria". A subsequente postura firme e resiliente diante do marido a libertou da pressão interior, de forma a conquistar a ajuda e apoio que tanto necessitava, além de não relegar ao abandono seus objetivos e planos de vida, que devem seguir um rumo próprio.

Para a família C, o estado de saúde da mãe cuidadora tem como fatores adversos a pior condição econômica e a sua própria atitude de resignação diante de um quadro agressivo e combinado de sintomas de autismo do filho e do alcoolismo do marido. Nesses casos, ao invés de "picos" de crise, o grau de sofrimento se agrava em doses graduais, o que requer alguma ação terapêutica para melhoria da situação.

Apesar das diferenças entre os contextos familiares e sociais, o discurso das principais cuidadoras guarda uma série de semelhanças, quando abordadas as reações emotivas e os sentimentos relacionados à convivência com o transtorno do filho.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentro do objetivo proposto, a pesquisa constatou que os esforços de enfrentamento do autismo empregados pelas famílias conduziram a resultados altamente benéficos para os filhos. Na dimensão subjetiva, contudo, as pressões associadas à convivência com o familiar autista levaram a repercussões distintas entre cada família, principalmente no tocante aos aspectos físicos e psíquicos das mães cuidadoras. No caso, as estratégias de enfrentamento podem se constituir num diferencial importante para o equilíbrio de forças no âmbito familiar, com repercussões favoráveis na qualidade de vida do principal cuidador.

Ressalta-se o fato de que, apesar de nenhuma das mães ter procurado ajuda psicológica até o momento, percebeu-se, no decorrer dos relatos das entrevistas, o forte interesse em quererem ser ouvidas e demonstrarem necessidade de cuidados. Para isto, contribui a pouca informação e orientação dos pais propiciada logo após o nascimento ou diagnóstico da criança, aspecto da maior importância apontado pela literatura referente a crianças com necessidades especiais.

O reconhecimento das próprias mães de que precisam de apoio demonstra a necessidade de estas serem contempladas na linha de cuidado, por meio de um Plano Terapêutico Singular que inclua a assistência ao autista e também ao seu cuidador. Esta última não deve se restringir ao fornecimento de informação sobre o transtorno ou sobre alternativas para lidar com o filho, mas também de apoio psicossocial às famílias.

A demanda por este tipo de apoio é identificada em trabalhos acadêmicos que tratam de cuidadores de pessoas com transtorno mental e também idosos, acamados ou não, sendo inclusive objeto de estudo de profissionais voltados à elaboração de políticas públicas, como a de Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), disciplinada pela Portaria MS n° 825/2016.

O papel estratégico do cuidador foi reconhecido nas conclusões do Laboratório de Inovação em Atenção Domiciliar no SUS, fruto de uma parceria entre o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), em 2014:

Pelas discussões a respeito da rotina dos serviços de AD, verifica-se que o cuidador é peça fundamental para o sucesso do trabalho e que esse cuidador, da mesma forma que o paciente, também deve merecer atenção especial das equipes. Além de apontar para a necessidade de busca de metodologias horizontais, que representem troca entre profissionais e cuidadores, as discussões comprovam a necessidade de conhecer o universo em que vive a família, para que sejam pactuadas as possibilidades de cuidado de pacientes e familiares. O MS trata o tema com cuidado, no sentido de minorar o ônus da doença para a família ou vizinhos do paciente. (Brasil, 2014, p. 174).

Entre as experiências selecionadas pelo mesmo Laboratório, uma enfatiza a necessidade de apoio à família e vizinhos. Trata-se do Programa de Atenção Domiciliar à Crise (PADAC), desenvolvido em parceria entre a Universidade Federal da Bahia e a Secretaria Municipal de Saúde, por meio de um dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do município. O Programa prevê a atenção domiciliar para pessoas em sofrimento mental que abandonaram as atividades desenvolvidas no CAPS. A assistência se dá por duplas de estagiários de psicologia, sob orientação de um professor da UFBA. Nas visitas domiciliares, enquanto um estagiário se decida ao paciente, o outro presta assistência à família e até à comunidade envolvente, como resume Clotildes Silva Sousa, uma das exparticipantes do Programa:

Nesse sentido, a Atenção Domiciliar também dá suporte à família e, quando os estagiários chegam, mostram que eles não estão mais sozinhos para lidar com aquela situação (Ministério da Saúde, 2014, p. 140).

Como limitações do estudo, temos a pequena amostragem e a necessidade de um acompanhamento destas famílias por um período de tempo, para verificar o contexto em que se dão as relações familiares. No entanto, o trabalho pode servir de subsídio para um estudo longitudinal, de acompanhamento destas famílias e possíveis desfechos, com ou sem intervenção do profissional de saúde mental.

Um estudo deste tipo pode fornecer argumentos para que a política pública de assistência à pessoa com TEA passe a conter mecanismos que assegurem a efetiva assistência aos cuidadores principais e familiares da pessoa com o transtorno.

 

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Recebido em: 30/06/2019
1ª revisão em: 13/12/2019
Aceito em: 22/01/2020

 

 

CONFLITOS DE INTERESSES
Não há conflito de interesses.
SOBRE OS AUTORES
Flávio Vieira Talasca é graduado em Psicologia pelo Centro Universitário do Distrito Federal-UDF. É especialista em Análise do Comportamento Aplicada ao Transtorno de Espectro do Autismo (TEA) pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento IBAC, DF e em Terapia Analítico-Comportamental pela Clínica Brasília de Psicologia.
E-mail: flavio.talasca@hotmail.com
Antonia Vanda de Carvalho é graduada em Psicologia pelo Centro Universitário do Distrito Federal-UDF. Trabalha no Programa de Educação Profissional e Inclusão Laboral da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais do Distrito Federal APAE-DF.
E-mail: vandatrabalhos6@gmail.com
Luanda Andrade Veloso é graduada em Psicologia pelo Centro Universitário do Distrito Federal-UDF. Tem especialização em Neuropsicologia pelo Instituto de Pós-Graduação e Graduação IPOG, DF.
E-mail: luandaveloso@yahoo.com.br
Jessica Vaz Malaquias é graduada em Psicologia pela Universidade de Brasília, Distrito Federal. Doutora em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Processos do Desenvolvimento Humano e Saúde pela Universidade de Brasília, Distrito Federal. Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília, Distrito Federal. É Professora Assistente do Curso de Psicologia do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF. Trabalha como terapeuta no Centro de Atenção à Saúde Mental ANANKE, DF, atuando como Psicoterapeuta e Coordenadora dos Ambulatórios de Crianças, Adolescentes e de Casais e Famílias. Tem diversos artigos publicados em revistas científicas.
E-mail: jessicamalaquiasunb@gmail.com
A contribuição de cada autor pode ser atribuída como se segue: Flávio Vieira Talasca atuou na preparação do questionário semiestruturado, na realização das entrevistas e na redação do trabalho final. Antonia Vanda de Carvalho atuou na identificação e seleção de famílias que foram entrevistadas, participou de forma compartilhada no agendamento e realização das entrevistas e colaborou na redação final. Luanda Andrade Veloso atuou na realização das entrevistas, nos processos de gravação, redação do método e da conclusão. Jéssica Vaz Malaquias atuou na supervisão e orientação da pesquisa.

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