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Revista Polis e Psique

On-line version ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.5 no.3 Porto Alegre Dec. 2015

 

EDITORIAL

 

 

Abrimos a última edição de 2015 mencionando a importância de pensar o presente e as práticas sociais de produção de conhecimento que nos são endereçadas, a partir do lugar da psicologia e das práticas de produção de pesquisa. Os temas que articulam as problematizações desta edição buscam contemporanizar o presente, tratá-lo como algo sobre o qual é necessário pensar, pesquisar e escrever de modo a produzir outros processos de subjetivação, modos de pensar a si e ao outro, de produzir cuidado. Dentre tantas questões apresentadas pelos autores desta edição, os processos de subjetivação contemporâneos, a produção de linhas de fuga e a necessidade de uma posição teórico-política de desnaturalização do presente de nossas práticas são lugares comuns aos artigos reunidos nesta publicação. Sob diversas abordagens e teorizações da psicologia, os autores buscam produzir em relação ao seu tempo um pensamento marcado pelo desafio de construir práticas que escapem à institucionalização, ainda que experienciadas em instituições; práticas que reforcem um pensamento indissociado de um fazer e que produzam outros modos de existir e de viver nossas práticas profissionais e de produção de conhecimento.
No cenário político e econômico em que vivemos, as políticas públicas, a pesquisa e o trabalho em saúde mental tornam-se temas importantes para problematizar o presente de nossas práticas e afirmar posicionamentos e modos de operar e viver no mundo, de forma a produzir outras possibilidades de atuar e pensar a política e as práticas cotidianas de cuidado com as vidas envolvidas nas práticas diversas ligadas ao saber psicológico. Deste modo, recaímos no social: lugar problemático e de construção de problematizações das práticas e discursos que fundam e legitimam verdades e saberes das ciências humanas. Os artigos reunidos nesta edição buscam atentar-se para tais questões de modo a produzirem nas relações de poder condições de resistência e criatividade nos modos de pensar a produção de conhecimento e de cuidado, as relações de trabalho nas gerações Y, as medidas socioeducativas em Liberdade Assistida, as relações entre controle, segurança e vigilância nas cidades, a clínica psicanalítica e sua relação com a literatura para pensar o contemporâneo, bem como a clínica psicodinâmica, como modo de pensar as relações de trabalho e o sofrimento criativo.
Para pensar tais questões, os autores desta edição percorrem o caminho da construção de um pensamento que articula e atua sobre os modos estabelecidos de produzir cuidado e conhecimento. Esta atividade permite-nos estranhar questões que são naturalizadas no cotidiano, colocando-nos em uma relação com discursos e práticas que nos permite produzir outras formas de atuar e viver a pesquisa, o trabalho, a clínica e a vida urbana nas cidades capitalizadas.
No primeiro artigo escrito por Livia Pignaton Caser, Ana Paula Figueiredo Louzada e Maria Izabel Costa da Silva da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), intitulado Silêncios em Liberdade Assistida: encontros entre artes de governar, as autoras problematizam as práticas de profissionais da Assistência Social que produzem silêncios e informações sobre adolescentes e jovens submetidos a medidas socioeducativas em Liberdade Assistida. Ao retomar o conceito de governamentalidade em Michel Foucault, esbarram em um impasse importante quando das práticas destinadas a essas populações de jovens e adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas: a necessidade de reconhecimento de um sujeito de direito e ao mesmo tempo a produção de tutela e criminalização como modo de garantir e alcançar-lhes direitos. Nesses termos, apresentam como a premissa do técnico, ou/e da técnica, dos profissionais da Assistência Social é requerida para a produção de modos de governo desses jovens, sendo também principal instrumento para criar possibilidades de resistência e de alternativas criativas para as vidas daqueles jovens.
A seguir, a proliferação de dispositivos de vigilância nos meios urbanos é o tema do artigo Dispositivos de vigilância e as cidades: tecnologia, política e vida cotidiana produzido por Rosa Maria Leite Ribeiro Pedro, Ana Maria Szapiro e Paulo Afonso Rheingantz. Geralmente, os usos de tais dispositivos encontram-se associados a questão de segurança, inserindo-se em estratégias de intervenção que buscam alternativas para prevenir e, mesmo combater, situações de desordem, violência e criminalidade. Problematizando o destaque dado para os dispositivos de vigilância na gestão da segurança, os autores analisam como os mesmos reconfiguram o espaço urbano, modificando as relações cotidianas na cidade.
No artigo Nau da Liberdade: travessia nômade entre teatro e saúde mental em desinstitucionalização, de autoria de Carolina Demaman Pommer e Cristianne Famer Rocha, encontramos práticas e problematizações no campo da Reforma Psiquiátrica no Estado de Rio Grande do Sul. A partir do teatro e da produção de uma estética da vida com usuários e internos do Hospital São Pedro, as autoras propõem o desafio de questionar a institucionalização de vidas compreendidas nas redes de atenção e cuidado construídas na lógica da saúde mental, produzindo formas de narrar e lidar com a vida que fazem da errância e da nomadização das práticas profissionais espaço para estilizar e produzir outros processos de subjetivação. Estes são aspectos que apresentam como centrais para pensar a produção de conhecimento e de cuidado na saúde mental, considerando as narrativas como linhas de fuga que permitem outros modos de existência, de ser e de estar nos espaços institucionalizados.
Em O mito das oficinas terapêuticas, Fernando Sfair Kinker e Jaquelina Maria Imbrizi discutem o processo de escolha da metodologia de oficinas terapêuticas como dispositivo para intervenção em Saúde Mental. A auto-avaliação constante das práticas profissionais em relação aos contextos onde elas operam, constituiu uma postura essencial para que os princípios da reforma psiquiátrica não se percam. Para os autores, a profundidade com que os profissionais conseguem problematizar o cotidiano dos serviços de atendimento e suas intervenções determinam o sentido de sua prática e configuram a possibilidade de enriquecer as relações do sujeito com o mundo e produzir intervenções culturais locais com vistas à transformação social.
Adriana Barin de Azevedo no artigo O trabalho comum através do aprendizado dos afetos na Rede de Atenção Psicossocial, retoma autores como Baruch de Espinosa e Fernand Deligny para pensar o trabalho comum nas Redes de Atenção Psicossocial. A autora retoma a felicidade dos bons encontros como um importante dispositivo político para pensar o cuidado e a ação política entre sujeitos, repensando a noção de rede pela disposição ao afeto e potencializando os processos de cuidado e a relação entre os profissionais de saúde, despertados pela possibilidade de viver e agir juntos. O cuidado em saúde é apresentado como um modo de construir vida, a partir dos afetos e da disposição em uma rede de relações possíveis na atenção e cuidado com algumas vidas que nos são endereçadas em redes de saúde mental. Deste modo, deixa-nos o desafio de pensar e produzir o comum como espaço de criação de vida e de saúde nos processos de cuidado e de atenção nas redes de vida e de trabalho consideradas principalmente nas relações produzidas a partir das Redes de Atenção Psicossocial.
As pesquisadoras Cleci Maraschin, Marisa Lopes da Rocha e Virginia Kastrup escreveram o artigo Pesquisa-intervenção com TIC em um serviço de saúde mental no Brasil/ ICT Intervention-Research in a mental health service in Brazil. Nele as autoras retomam a pesquisa-intervenção como elemento de discussão e análise das práticas de produção de conhecimento, a partir de quatro episódios de oficinas realizados com Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) com crianças e jovens em um serviço de saúde mental na cidade de Porto Alegre no Brasil, de modo a destacar e descrever os processos pelos quais a pesquisa e a intervenção produzem relações que interferem entre si, produzindo no processo de pesquisa novos direcionamentos e modos de lidar com concepções estabelecidas a priori pelos diferentes atores envolvidos. Bem como novas modulações e o desenvolvimento de capacidades e emoções frente aos problemas e às questões inesperadas colocadas pela interação entre os atores comprometidos, desestabilizando o status quo ao produzir diferenças nos modos de lidar com tais problemas, pensados a partir da colaboração entre diferentes atores (da equipe clínica, de pesquisa e dos usuários) e da formulação de articulações entre uma micropolítica e uma macropolítica, pondo em relação identidades e realidades.
No artigo Oswald de Andrade: poesia e psicanálise, Andréia Proença Machado e Edson Luiz André de Sousa propõem a interlocução da poesia de Oswald de Andrade com a psicanálise. A poesia do importante artista do Modernismo brasileiro e seu pensamento inventivo são compreendidos como essenciais na construção do caminho utilizado para a denúncia da massificação das ideias vigentes em sua época e a afirmação da importância da crítica no processo de transformação social. Os autores defendem que o estranhamento frente ao que não encontra uma resposta imediata é a chave para abrirmos interrogações sobre a massificação dos modos de sentir e de viver.
Em O sentido do trabalho para os neosujeitos numa posição gerencial, resultado de dissertação de mestrado, Jorge Gomes da Silva Sobrinho e Edilene Freire de Queiroz fazem um ensaio teórico marcado por uma analítica lacaniana das estéticas de subjetivação contemporâneas em que aparece o que chamam de neosujeitos em uma topologia de gerenciamento de subjetividades das Gerações Y (Digital ou Internet), analisadas a partir dos registros propostos por Lacan relacionados ao Imaginário, ao Real e ao Simbólico em que compreendem a cultura organizacional como lugar de desafio sustentado pela produção de subjetividades marcadas pelo narcisismo, pelo reconhecimento e pelo enfrentamento da contingência. Tais questões são articuladas ao desejo e à falta, de modo a operar práticas e ações profissionais que sustentem uma atividade psicológica e de gestão que articule produção de sentidos no trabalho organizacional e a colaboração efetiva entre os neosujeitos no ambiente de trabalho. Este artigo faz uma leitura do presente dos modos de subjetivação, marcado por relações em que as figuras de autoridade e hierárquicas ganham outras dimensões nas relações sociais e no modo como o laço social se estabelece, refazendo percursos e propondo caminhos outros para lidar com essas perdas simbólicas e um excesso de tempo.
Através de outro estudo teórico, Domenico Uhng Hur propõe algumas reflexões sobre as novas configurações das instituições após a intensificação da axiomática do capital e do surgimento do diagrama de controle, no ensaio Axiomática do capital e instituições: abstratas, concretas e imateriais. O autor busca apresentar o complexo fenômeno das instituições, que podem ser caracterizadas como abstratas ou concretas, e discutir a troca do código pela axiomática do capital, enquanto mecanismo predominante de operação social, que ocasionou a transição das instituições tradicionais para uma nova forma social denominadas instituições imateriais.
Por fim, Cláudia de Negreiros Magnus e Álvaro Roberto Crespo Merlo descrevem, no artigo Clínica Psicodinâmica do Trabalho: o coletivo no real da pesquisa, o percurso de uma pesquisa baseada na Clínica Psicodinâmica do Trabalho segundo Dejours, que buscou destacar os caminhos utilizados no campo da Justiça do Trabalho da 4ª Região para a formação de um coletivo de magistrados: juízes substitutos, titulares e desembargadores. Este estudo permitiu acompanhar a mobilização do coletivo dos participantes da pesquisa, que vivenciam sofrimento criativo, como potência de transformação no trabalho.
Os artigos acima descritos e reunidos nessa edição oferecem-nos uma diversidade de abordagens sobre questões contemporâneas pertinentes à psicologia. As estratégias metodológicas e analíticas apresentadas são variadas e fornecem ferramentas para problematizar o presente, a partir de um posicionamento ético-político que endereça não só o outro, mas também nós, pesquisadores e psicólogos, como sujeitos políticos de nossas práticas.

Boa leitura!

Neuza Guareschi - Editora Gerente
Renata Kroeff - Editora Assistente
Wanderson Vilton Nunes - Editor Assistente

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