SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.6 número especialA Escrita como Laboratório índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Polis e Psique

versão On-line ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.6 no.spe Porto Alegre jan. 2016

 

ARTIGOS

 

Imagens do escuro: reflexões sobre subjetividades invisíveis

 

Images of the darkness: reflections on invisible subjectivities

Imágenes de la oscuridad: reflexiones sobre subjetividades invisibles

   

 

Andrea Cristina Coelho ScisleskiI e Simone Maria HüningII

I Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Campo Grande, MS, Brasil.

II Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió, AL, Brasil.

 

 


RESUMO

Nesse artigo refletimos sobre o modelo epistemológico pautado na ideia de luzes constituinte do pensamento Ocidental Moderno, discutindo outras formas de escrever e produzir conhecimento. A partir de autores como Michel Foucault, Walter Benjamin e Giorgio Agamben, propomos uma reflexão sobre a produção do conhecimento no escuro. Iniciamos abordando os efeitos da epistemologia da luminosidade e a potência de se pensar nas sombras. Em seguida, analisamos a relação dessa epistemologia com as formas de organização e iluminação das cidades e a produção de subjetividades invisíveis. Em um exercício de escrita a partir de uma zona sombria, trazemos uma história que amarra a produção de luzes e sombras e seu poder produtivo na sociedade urbana contemporânea. Ao final, afirmamos a potência das sombras e a necessidade de construção de estratégias que nos permitam escrever no e com o escuro e com aquelas subjetividades invisíveis que o habitam.

Palavras-chave: Epistemologia; Escrita; Cidade; Subjetividades; Potência.


ABSTRACT

This paper examines the epistemological model based upon the Enlightenment paradigm that underlies Modern Western thought and discusses other forms of writing and production of knowledge. Based on the the work of Michel Foucault, Walter Benjamin, Giorgio Agamben and others, we consider the production of knowledge in darkness. We start out with an evaluation of the effects of an epistemology of light and the potential of thought in the absence of light. We present an analysis of the relationship of that epistemology with forms of organization and urban lighting, as well as the production of invisible subjectivities. In a writing exercise conducted in a zone of shadows, we relate a story which binds the production of light and shadow and their productive power within contemporary urban society. Finally, this study affirms the power of shadows and the need to devise strategies that allow us to write in or with darkness and with those invisible subjectivities which inhabit it.

Keywords: Epistemology; Writing; Cities; Subjectivities; Power.


RESUMEN

En este artículo reflexionamos sobre el modelo epistemológico pautado por la idea de las luces que constituye el pensamiento occidental moderno,  discutiendo otras formas de escribir y producir conocimiento. Siguiendo a autores como Michel Foucault, Walter Benjamin y Giorgio Agamben, proponemos una reflexión sobre la producción del conocimiento en la oscuridad. Iniciamos abordando los efectos de la epistemología de la luminosidad y la potencia del pensamiento en las sombras. A continuación, analizamos la relación de esa epistemología con las formas de organización e iluminación de las ciudades y la producción de subjetividades invisibles. En un ejercicio de escritura a partir de una zona sombría, narramos una historia que vincula la producción de luces y sombras y su poder productivo en la sociedad urbana contemporánea. Finalmente, afirmamos la potencia de las sombras y la necesidad de construcción de estrategias que nos permitan escribir en la y con la oscuridad y con aquellas subjetividades invisibles que la habitan.

Palabras-clave: Epistemología; Escritura; Ciudad; Subjetividades; Potencia.


 

 

Introdução

Neste artigo refletimos sobre o modelo epistemológico pautado na ideia de luzes constituinte do pensamento Ocidental Moderno, discutindo como construir outras formas de pensar, escrever e produzir conhecimento no fazer científico. A partir de autores como Michel Foucault, Walter Benjamin e Giorgio Agamben, propomos uma reflexão sobre a produção do conhecimento no escuro. Para tanto, nos movimenta a busca por uma liberdade no exercício de problematizar o pensar e o escrever.

Iniciamos colocando em questão os efeitos de uma epistemologia da luminosidade e a potência de se pensar nas sombras. A seguir, analisamos a relação dessa epistemologia, cuja luminosidade é sempre seletiva, com as formas de organização e iluminação das cidades e a produção de subjetividades invisíveis. Em um exercício de escrita a partir de uma zona considerada sombria, trazemos um fragmento de uma dessas histórias que amarram a produção de luzes e sombras e as questões que produzem na sociedade urbana contemporânea.

Ao final, afirmamos a potência das sombras e a necessidade de construção de estratégias que nos permitam escrever no e com o escuro e com aqueles que o habitam.

 

Efeitos de uma epistemologia da luminosidade

A razão tem sido associada, desde Platão, à luminosidade. Desde a Alegoria da Caverna, há um apelo à claridade que, sem a qual, poderíamos facilmente confundir as sombras com o que estaria ocorrendo no mundo e obteríamos uma análise equivocada dos acontecimentos. Seria preciso, portanto, trazer a luz para descobrir a verdade.

Séculos mais tarde, o próprio Descartes já fazia, no intuito de afastar toda e qualquer ilusão, uma comparação dos procedimentos do conhecer com a iluminação do pensar. Posteriormente, o movimento Iluminista – como já assinala o próprio nome – evocaria, especialmente a partir do seu grande ícone, Kant, o conhecimento como fruto da luz do pensamento.

Dessa forma, colocar luz sobre alguma coisa incide não apenas em revelar o que há, mas implica também não só um conhecimento que passa pela via da sensação, como indica uma supremacia da visão sobre os demais sentidos. A necessidade de “enxergar com clareza” produziu muitas certezas no campo da ciência e postulou a importância das evidências. Nessa lógica, comprovar e provar, partem de um mesmo pressuposto: o que importa é o que a luz nos mostra e nos revela.

Michel Foucault (2014) nas aulas do curso “A vontade de saber”, ocorridas entre 1970 e 1971 no Collège de France, apresenta uma problematização sobre a formação de modelos epistemológicos do conhecimento. Para tanto, ele pretende “precisar o jogo entre essas três noções: saber, verdade, conhecimento” (p. 4). Um desses principais modelos consistiria na epistemologia aristotélica, cuja contribuição incide especialmente na configuração de uma naturalização do desejo de conhecer. Para indicar tal reflexão, Foucault estuda, entre outros textos, a Metafísica de Aristóteles: “Todos os homens têm, por natureza, o desejo de conhecer; o prazer causado pelas sensações é a prova disso, pois, além de sua utilidade, elas nos agradam por si mesmas e, mais que todas as outras, as sensações visuais” – afirmava o filósofo de Estagira (III a.C., citado por Foucault, 2014, p. 8). Disso decorre, como explicará cuidadosamente Foucault ao longo do curso, três teses oriundas dos pressupostos aristotélicos: a) existe um desejo relacionado ao saber; b) esse desejo é universal a todos, c) e ele é dado pela natureza.

Essa luz que está presente desde a formação do pensamento ocidental que se associa naturalmente ao conhecimento produz a composição de muitos dos diversos campos de saber sobre os quais se fundamentará a ciência, reverberando, inclusive, na atualidade. Mas será que, então, imersos nesse excesso de claridade que parece persistir durante tantos séculos, conseguimos produzir outras formas de pensar?

O excesso de luminosidade ofusca. Faz doer os olhos, que precisam descansar. Nos dão dor de cabeça. E também cegam. As sombras que sobram e o breu que obscurece – que foram propositalmente colocados fora daquilo que é contemplado como campo do saber – paradoxalmente deixam de existir e continuam presentes. Aprendemos a ter medo da escuridão e acender a luz para dissipá-la, no almejo por uma zona de conforto. Dessa forma, a escuridão nos interpela para enfrentarmos certos fantasmas. Fantasmas esses que são produzidos por uma clara racionalidade.

Contudo, no exercício de pensar a escrita, tema do qual trata também este texto, dispensar a luz parece um contrassenso. Mas seria possível, então, pensarmos em escrever no escuro? E mais do que isso, escrever com o escuro? Seria possível, ainda, ver nas zonas não iluminadas? O que e quem habita esse território das sombras?

Retomando o curso sobre “A vontade de saber”, Foucault (2014) apresenta um contraponto ao modelo epistemológico aristotélico. Trata-se do pensamento de Nietzsche, no qual o saber aproxima-se da tragédia; ao retomar as questões anteriores à Era Luminosa inaugurada por Platão e Aristóteles, Nietzsche revitaliza o pensamento ao buscar os pré-socráticos. Nessa concepção, nenhuma assepsia faz sentido no processo de conhecer, pois são justamente as lutas, os conflitos e a violência que se colocam em questão no que se configura como saber. Nessa lógica, o conhecimento é produzido pela história dos acontecimentos e não por um sistema entre sujeito X objeto. A genealogia é, de alguma forma, um esforço para trazer um pouco de escuridão e afastar a claridade, possibilitando a emergência de análises menos óbvias.

Sob esse aspecto, Giorgio Agamben (2006) defende uma dimensão da escuridão no exercício do pensar. O interessante é que o filósofo italiano toma esse aspecto justamente do pensamento de Aristóteles. O que nos leva a refletir que, apesar da insistência dos pensadores pós-socráticos em iluminar, as trevas sempre escapam. É pela leitura de uma passagem pouco comentada em De anima que Agamben (2006) interpreta a ideia aristotélica do escuro. Nessa reflexão, o filósofo italiano indica que se a luz remete à lógica da ação, então o escuro, no campo do conhecimento, concerne à lógica da potência. Explica Agamben (2006): “Quando não vemos (quer dizer: quando a nossa vista permanece em potência), ainda assim nós distinguimos o escuro da luz, vemos, por assim dizer, as trevas como cor da visão em potência” (p. 19). E complementa: “A grandeza – mas também a miséria – da potência humana está no fato de ela ser, também e sobretudo, potência de não passar ao ato, potência para as trevas” (p. 20). Nesse entendimento, o que se abre é a importância não do ser ou de um estado de ser, mas, ao contrário, a relevância do possível, do incerto, da errância.

Em uma conferência em Veneza no ano de 2007, chamada “O que é o contemporâneo?”, Agamben (2007) aproxima o exercício da reflexão não com a ciência, mas com a arte. Na ocasião, ele define que “(...) contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro. Todos os tempos são, para quem deles experimenta contemporaneidade, obscuros. Contemporâneo é (...) aquele que sabe ver essa obscuridade, que é capaz de escrever mergulhando a pena nas trevas do presente” (p. 63). E continua: “(...) esse escuro não é uma forma de inércia ou de passividade, mas implica uma atividade e uma habilidade particular que (...) equivalem a neutralizar as luzes que provêm da época para descobrir as suas trevas, o seu escuro especial, que não é, no entanto, separável daquelas luzes” (p. 63). Essa inseparabilidade entre luzes e trevas indica que ambas são produzidas por uma mesma lógica. Mais ao final dessa conferência, Agamben (2007) resume: “Contemporâneo é aquele que recebe em pleno rosto o facho de trevas que provém do seu tempo” (p. 64).

Parece pertinente aqui pontuar pelo menos duas questões que o autor aborda: a escuridão como possibilidade da potência do tempo e o exercício de problematizar e de pensar associados não à ciência, mas à arte.

Tais reflexões evocam o trabalho do filósofo e fotógrafo Evgen Bavcar. Bavcar, que vive em Paris, a Cidade Luz, é cego e faz fotografias sensivelmente belas. Imagens produzidas sobre o invisível. Suas fotos revelavam o que não podemos ver, sinalizando para os limites de nossa visão e para a escassez que se fomenta pelo olhar que só busca contemplar a luz, além de nos interpelar com a ideia de que a produção de imagens não é um império do sentido da visão.

Walter Benjamin – certamente um contemporâneo no sentido empregado por Agamben (2007) lúcido pelas trevas que podia ver de um passado potente no presente –, inicia a “Origem do drama barroco (trágico) alemão” (Benjamin, 2013a), com uma citação de Goethe, a qual propõe “pensar a ciência como arte” (Goethe citado por Benjamin, 2013a, p. 15). No início do livro, Benjamin (2013a) afirma que as obras mais notáveis são aquelas que se situam fora dos parâmetros da classificação. Se refletirmos atentamente sobre isso, podemos entender que, no caso da ciência como arte, as reflexões mais pertinentes não são passíveis de categorização. Talvez possamos arriscar aqui que pensar e escrever no e com o escuro possibilite uma espécie de não rotulação do pensamento. Isso implica uma liberdade do exercício de pensar. Um pensar livre. Livre de rótulos e de etiquetas que capsulem a vida. Permite pensar a potência da vida e viver a potência do pensamento.

Em outra obra, chamada “Imagens de pensamento”, Benjamin (2013b), escreve dois fragmentos intitulados “Sombras curtas”. Os nomes dos textos nos remetem a imaginar, por exemplo, quando o zênite do sol produz pequenas sombras. Mas essas, como indica Benjamin e mesmo o próprio Zaratustra nietzschiano, produzem um encontro de luz com as trevas e que, nas brechas que sobressaem o escuro, há um “sem imagem, que é refúgio de todas as imagens” (Benjamin, 2013b, p. 72). Entendemos que essas palavras desenham a potência, pois as sombras trazem a dimensão do não vivido, e que isso que não é sinaliza para a importância daquilo que pode ou poderia ser.

 

Vidas invisíveis: subjetividades à sombra

A epistemologia da luminosidade, para além dos modos como pensamos a produção do conhecimento, nos constitui e relaciona-se às formas como habitamos diferentes espaços e nos relacionamos com outros seres que habitam zonas de luzes ou escuridão. Relaciona-se assim, a formas de inteligibilidade e produção de sentidos sobre espaços e seus habitantes, que produzem, entre outras coisas, realidades de violência e segregação. Constitui-nos como seres com uma capacidade seletiva de ver e não ver.

Voltemo-nos para as formas de planejamento de nossas cidades, que expressam a importância das luzes nos modos de gestão das pessoas e dos espaços. O planejamento urbano nas cidades brasileiras que constituiu para Outtes (2003) um projeto para o disciplinamento da sociedade através da cidade, estruturou-se a partir de ideias positivistas, eugênicas e do higienismo social, conferindo às cidades uma configuração dualista. Assim, buscou-se, através do uso da razão, controlar o crescimento espontâneo e desordenado, considerado indesejável, com medidas para governar a circulação das pessoas, a distribuição e o uso dos espaços. Nesse processo, a iluminação das cidades sempre foi aspecto fundamental, vinculado não apenas à funcionalidade dos espaços, mas à ideia de visibilidade, estética e segurança que as luzes garantiriam. Seletivamente, foi sendo definido, aquilo que deveria ou não ser visto e, que assim, ganhava ou não existência e reconhecimento na vida da cidade.

Porém, se por um lado as cidades estruturam-se a partir de uma epistemologia da luminosidade, por outro, elas passaram também e como efeito, a produzir zonas de luzes e sombras. As luzes, geralmente associadas a pontos comerciais de intenso fluxo urbano – espaços de produção capitalista, valorização imobiliária, produção de riqueza ou atrativos turísticos – buscam evidenciar as belezas do lugar, e são espaços associados à segurança e ordenamento. Da mesma forma, as cidades também produzem sombras, zonas de invisibilidade associadas a práticas marginais e a espaços mais vinculados às suas periferias, geralmente consideradas como estorvos ao desenvolvimento e que ficam, ou largadas à sua própria sorte – reiterando assim sua marginalidade; ou à mercê de intervenções que buscam sua extinção, ou pelo menos seu deslocamento para novas zonas sombrias da cidade.

Tais configurações urbanas fomentam formas objetivas e subjetivas de circulação e habitação nas cidades. Como apenas um exemplo, temos o trânsito entre as zonas perigosas e escuras e as zonas de conforto e iluminadas que, quando ocorre, engendra as mais diversas tecnologias de segurança, desde os vidros escuros dos carros, que diminuem a visibilidade (do ser visto, mas também do que se pode ver), ao controle dos horários e dos percursos considerados seguros. Tais tecnologias se encontram no espaço da urbanidade cruzando, atravessando e produzindo os sujeitos que nelas vivem, forjando sujeitos pelo medo, não apenas de outros espaços, mas de outros seres (humanos?) que habitam as zonas de sombra.

Nessa produção geográfica e subjetiva dualista da cidade, as vidas que nela habitam também refletem esse jogo de lusco-fusco: o que é iluminado e o que é escurecido como instâncias que devem ser vistas e conhecidas e o que não deve receber visibilidade, ou que a recebem a partir de uma ótica bastante particular. Com efeito, geralmente, esses espaços de sombras são desconhecidos pelas pessoas que habitam as áreas iluminadas, e quando muito, tais habitantes constituem alguma representação caricatural desses espaços que muitas vezes sequer compõem os mapas das cidades.

Esses espaços de sombra podem ser pensados em relação ao que Kociatkiewicz e Kostera (1999) definem como espaços vazios. São espaços do cotidiano que permanecem fora do interesse dos habitantes dos arredores, mas também dos pesquisadores. Afirmam os autores que embora não possam ser apagados, podem ser ignorados, tornados invisíveis e esquecidos. O vazio não está, portanto, nos espaços em si, mas na falta de atribuição de sentidos sobre esses, que os torna imperceptíveis. São, assim, espaços que concentram uma série de elementos marginalizados e, embora façam parte, não pertencem ao todo, em virtude de um processo social que nos ensina o que ver e como produzirmos sentidos sobre o que é visto.

Bauman (2001), tomando a noção de espaços vazios desses autores, também a discute em relação à ideia de visibilidade e luzes. Ele afirma que a exclusão dos espaços vazios “permite que o resto brilhe e se encha de significado” (Bauman, 2001, p. 122). E segue afirmando que “O vazio do lugar está no olho de quem vê e nas pernas ou rodas de quem anda. Vazios são os lugares em que não se entra e onde se sentiria perdido e vulnerável, surpreendido e um tanto atemorizado pela presença de humanos” (Bauman, 2001, p. 122).

No entanto, diferente da invisibilidade que decorre da falta de atribuição de sentidos dos espaços vazios dos quais nos falam Kociatkiewicz e Kostera (1999), e talvez de forma mais radical, os espaços sombrios, não iluminados, embora também tributários do desconhecimento, sofrem com frequência a imposição violenta de sentidos desqualificadores que engessam os habitantes desses territórios a uma condição relegada à marginalidade.

Na organização urbana contemporânea isso constitui a delimitação de territórios de luz e sombra com fronteiras claramente demarcadas por muros, muitas vezes concretos, mas outras tantas invisíveis, muros simbólicos que separam zonas protegidas e iluminadas de zonas de insegurança e escuridão, e que deveriam por sua vez manter segregados ‘cidadãos de bem’ e seres considerados marginais. Expressa-se aí a relação intrínseca entre a produção dos espaços e de subjetividades tributárias de diferentes direitos: aqueles que podem circular nas luzes e os que devem ficar restritos à escuridão, respeitando-se as fronteiras dos distintos universos.

Porém, como luzes e sombras são móveis, eventualmente, o dualismo entre visível e invisível é borrado, produzindo territórios intermediários. Na dinâmica entre tempo e espaço, luzes se movem, e territórios de produção iluminados durante o dia podem comportar a invisibilidade de pessoas mimetizadas ao chão e ao concreto, tal como nos centros das cidades que se esvaziam ao anoitecer, ou mesmo nos becos ‘intransitáveis’ desses mesmos centros urbanos à luz do sol. A luz aqui, mesmo quando presente, não ilumina igualmente a tudo e a todos.

Opera-se assim, de formas mais ou menos sutis, o que Löic Wacquant (2015) discute como confinamento urbano na atualidade, não mais a partir de formas necessariamente concretas de segregação, mas “a contenção como técnica de administrar categorias e territórios problemáticos” (p. 20). Essas técnicas podem envolver elementos espaciais e voluntários (como é o caso de pessoas que decidem viver em um condomínio fechado ou que compartilham de uma mesma etnia e vão morar nas mesmas proximidades, por exemplo) ou involuntários (como é o caso de pessoas que habitam as periferias das grandes cidades, por exemplo). Mas essa contenção também evoca mecanismos simbólicos, que servem para operar a administração da cidade em certos critérios de legibilidade, como é o caso de um negro que é parado na rua para ser revistado por um policial que o tem como suspeito. Esse último tipo de estratégia de contenção concerne à circulação (e à limitação da circulação) do sujeito, mobilizando uma série de significados simbólicos que implicam o que é ser negro na atualidade e no que incide, no caso da nossa discussão, naquilo que deve ser iluminado como perigoso em nossa sociedade. Mas Wacquant (2015) também enfatiza que o principal agente promotor desse tipo de contenção é o próprio Estado, ao afirmar que:

Por intermédio de seus vários programas, do planejamento urbano, (des)regulação econômica, política fiscal e investimento em infraestrutura à provisão espacialmente diferenciada dos bens públicos essenciais, tais como moradia, educação, bem-estar e segurança, o Estado determina a distância entre o topo e a base da ordem urbana; os veículos, os caminhos e a facilidade com que essa distância pode ser trilhada; e que formas de confinamento espacial fincam raízes e se desenvolvem (se as categorias desprovidas e caluniadas estão cercadas num gueto, num agrupamento étnico ou numa favela; qual o tamanho do sistema prisional; qual a medida do fechamento e do isolamento dos bairros das classes abastadas, etc). Através de sua estrutura e políticas, de suas ações e inações padronizadas, o Leviatã determina o âmbito, a extensão e a intensidade da marginalidade da cidade (Wacquant, 2015, p. 37).

Essas divisões de territórios e categorias de seres que os habitam, remetem à dinâmica pela qual os jogos de luz e sombra projetam espaços e vidas tidas como perigosas e marginais que são colocadas na luminosidade quase que exclusivamente a partir da vinculação com o crime, suposta ou real, mas que permanecem invisíveis quando se procura associá-las a outras formas de vida. Forjam-se, assim, os habitantes da escuridão, sujeitos não-humanos que ameaçam a humanidade daqueles que produzem e habitam as luzes. Potências e devires que são lançados na zona de invisibilidade – isso produz desconhecimento e não reconhecimento de sujeito como uma vida que pode outra coisa além do crime tão somente. Invisíveis em sua potência, mas incômodos em sua presença que se tenta apagar, uma presença que é fantasma e ameaça. Habitantes de espaços não iluminados de quem só se vê aquilo que se quer eliminar. Reduzidos a desviantes, criminosos e imorais. Daí a importância e o valor produtivo da invisibilidade e da ignorância sobre esses espaços e sujeitos outros, que em grande medida permite que se aceite que ali seja suposto apenas o que é escória. É estratégico, portanto, que o que se ilumine com evidência sejam apenas aquelas dimensões da vida que se quer evitar, como justificativa para que se combata ou mesmo que se extermine essas formas de vida em si. Os seres das luzes podem assim exercer seus poderes numa política de extermínio do surpreendente outro, que é surpreendente pelo simples fato de existir.

A seletividade das luzes sobre aquilo e aqueles sobre quem incide, nas cidades ou na produção de conhecimento, recorta e produz realidades. Zonas de invisibilidade em quaisquer desses campos não emergem, portanto, naturalmente. São produzidas por uma série de saberes, investimentos e desinvestimentos da sociedade sobre as pessoas e os espaços. A precarização e o abandono de determinadas áreas, juntamente com sua estigmatização como território de perigo, como colocado a partir das ideias de Kociatkiewicz e Kostera (1999) e de Wacquant (2015), contribui com o obscurecimento das formas de vida que as compõem. Objetivadas como perigosas são assim distanciadas, quando não geograficamente, simbolicamente do restante das cidades. Relegadas à escuridão. Segregadas.

Se agem assim as políticas de segurança que agarram a vida e a prendem a partir dessa única luminosidade que a toca – o crime, o desvio, a delinquência –, também o fazem as políticas de ordenamento urbano, como as que se ocupam das questões de moradia, acionando, muitas vezes, o próprio discurso da segurança. A desqualificação da vida e sua redução ao criminoso, ao ilegal e ao imoral operam como reconfortantes justificativas para intervenções violentas do Estado, com a anuência dos ‘cidadãos de bem’, que vivem assombrados pelos seres das trevas. Para esses, mais polícia, menos direitos. A vida se reduz à sua nudez (Agamben, 2004). Desqualificada da dimensão política, converte-se em não-humanidade, ou numa categoria inferior de seres.

No que tange à visibilidade de uma não-humanidade atrelada aos habitantes das trevas, o pensamento de Giorgio Agamben (2004, 2015) torna-se aqui fundamental. Se falamos de uma assimetria ético-política no significado e na importância da vida que já desde a Grécia Antiga se esboçava no panorama político ocidental, através da utilização de dois termos relativos à vida, no caso bios e zoé – em que a primeira diz respeito à vida qualificada do cidadão grego e à segunda é relegada à vida em geral, como de crianças, mulheres e escravos, entre outros – perceberemos a pertinência dessa ainda atual separação. Quando nos remetemos aos seres que habitam espaços iluminados pela legitimidade de uma certa existência, estamos na esfera dos cidadãos, desses que têm direitos e que devem ser protegidos. Por sua vez, os seres que habitam o escuro nem sempre são vistos como humanos e corriqueiramente vivem em situações de violações de direito, de modo que podemos nos valer dos pressupostos agambenianos inspirados em Walter Benjamin, em que o “a tradição dos oprimidos nos ensina que o estado de exceção em que vivemos é a regra” (Benjamin, 1940/2011, p. 187).

Nessa lógica, quando a cidade avança por sobre as zonas consideradas de escuridão, o faz num intuito de colonização. Leva a luz, pois vê aí a possibilidade do ganho econômico, mas executa uma operação de limpeza sobre tudo e todos que possam lembrar aquilo que difere de sua referência de brilho e prosperidade. As luzes não são democráticas e possuem rígidos critérios sobre o que pode ou não se tornar visível. E se não combinar com as luzes, empurra-se para novas zonas de escuridão. Sobre a invisibilidade e o incômodo das surpreendentes formas de vida que aí habitam, imprime-se a imagem que convém para justificar eliminá-las.

Com holofotes bem direcionados ilumina-se e, num minucioso jogo de luzes, amplifica-se assim aquilo que é abjeto. Iluminados aspectos específicos, pode-se trabalhar na sua extinção, permanecendo invisível a vida que a isso escapa. Conectam-se assim as luzes seletivas da epistemologia da luminosidade com a invisibilidade de certos espaços e subjetividades que divergem de nós mesmos e de nossos conhecidos e confortáveis territórios, de modo que, se tal epistemologia é dependente da luz é também refém do espelho, pois só consegue ver aquilo que representa a si mesma. 

Pequeno fragmento de uma história do escuro1

Maceió-Al, 16 de junho de 2015. A mensagem, que circulava por diversos grupos do aplicativo Whatsapp, chegou por volta das 16 horas: “URGENTE: Não transitem amanha, quarta feira, pelas proximidades da favela de Jaraguá!!! Heitor disse que a partir das 4 da manhã uma força policial composta por Bope, pm, smtt, etc, irá iniciar a desocupação da favela e retirada dos moradores! Com certeza terá muito tumulto! Evitem... e avisem aos amigos! Serão interditadas as avenidas: Próximo a secretária de saúde, o hotel Ouro Branco e adjacências.” (sic)

Ela se destinava aos ‘cidadãos de bem’. Orientava que se protegessem do inimigo: uma comunidade de pescadores, localizada na orla urbana, em um bairro histórico da cidade, o Jaraguá2. Seus moradores, que por décadas permaneceram invisíveis para a cidade, nos últimos 15 anos lutavam para conseguir investimentos em seu local de moradia e trabalho que viabilizassem sua permanência nesse espaço, reivindicado na justiça, pela prefeitura municipal. Em junho desse ano, cientes da sentença favorável à prefeitura, aguardavam a comunicação da data de sua execução que previa, por determinação da justiça, um plano de desocupação. Mas não houve comunicação. Sem comunicação da execução, cogitou-se que tal mensagem poderia não passar de um boato. Por garantia, buscaram-se informações junto ao Ministério Público Federal e Defensoria Pública da União, que acompanhavam o caso. Tampouco tais órgãos haviam sido comunicados. No entanto, é por meio de servidores do Ministério Público Federal contatados na noite do dia 16 pela comunidade, que se confirmou que a prefeitura de Maceió pretendia iniciar o processo de despejo, sem aviso e durante a madrugada do dia 17 de junho. O plano de desocupação resumia-se a um plano de demolição de quase tudo que ocupava o território em conflito.

Planejado para ocorrer na madrugada, longe das luzes e fora de visibilidade da sociedade que foi alertada para não circular pela área, o despejo dos moradores acabou tendo início às 7 horas do dia 17 de junho. Em torno das 6 horas da manhã, chegou o aparato militar repressivo: polícia militar, batalhão de operações especiais, cavalaria, guarda municipal... A comunidade, até pouco tempo invisível e nos últimos anos iluminada como reduto de bandidos e traficantes, foi isolada com o fechamento da avenida que passa em frente a mesma. Mas o isolamento também ocorrera pela implantação do medo ao longo dos anos e, nesse momento específico, pela mensagem de alerta divulgada no dia anterior, reduzindo assim, o número de testemunhas da ação.

Às 7 horas, chegaram os oficiais de justiça acompanhados da Polícia Federal e informam que começariam o processo de desocupação e demolição das casas. Sem diálogo, sem tempo para que as pessoas se organizassem, sem informações claras sobre para onde iriam (com exceção de 19 das 120 famílias que haviam recebido apartamentos em um conjunto habitacional para onde parte da comunidade já havia sido transferida em 20123), sem se importar com as condições insalubres e inviáveis de habitação de muitos desses apartamentos, sem considerar a presença de inúmeras crianças e idosos na comunidade, sem oferecer recursos básicos para que as pessoas organizassem seus pertences, sem considerar que aí habitavam humanos.

A comunidade, que até o início dos anos 2000 era assim chamada pela própria prefeitura (como registram os documentos do processo judicial), passou a ser referida como favela na medida em que o conflito se acirrava. A repórter da TV Gazeta, emissora local que transmitiu a desocupação informou no jornal da manhã sobre a remoção da “única favela em área de praia do Brasil”. Os moradores não compreendiam: “Para que tanta polícia? Não somos bandidos, somos trabalhadores!!! Sabemos que temos que sair.” As oficiais de justiça pediam pressa: “Se não saírem logo, entra a polícia. Nesse ritmo de conversa não vamos terminar isso hoje.”

Pessoas foram retiradas e retroescavadeiras passaram por cima das casas e barracos sob o olhar daqueles que aí construíram uma vida. “A vila foi mãe de muita gente, porque aqui nunca faltou nada, nunca faltou trabalho, nunca faltou do que comer. E agora, o que vai ser?”, lamentava a moradora olhando para os escombros. E as máquinas avançam, engolindo quase tudo que encontravam pela frente. Quase, pois com a exceção de alguns poucos barracos preservados temporariamente para servir de depósitos para que os pescadores pudessem guardar seus materiais e continuar trabalhando, conforme exigência da justiça, permaneceu na área um imenso armazém de açúcar, símbolo do poder político e econômico do estado:

O armazém de açúcar imponente e livre na mesma área da Vila, que era habitada por gente pobre, simboliza exatamente a força de um poder que controla o Estado de Alagoas secularmente. A vila, ou a favela, como a maioria chamava, incomodava pelo estado de pobreza explícita. Então tinha que ser derrubada. (…) Mas não foi apenas o armazém de açúcar que ficou no espaço que a Prefeitura de Maceió mandou derrubar. A poderosa sede da Federação Alagoana de Vela e Motor também ficou intacta. Assim como a sede da marina dos barcos, lanchas e saveiros da elite alagoana que vivia incomodada com a população da vila dos Pescadores. (Firmino, 2015, s/p)

Jogo de luzes e sombras. Iluminados pela mídia de massa, gestores comemoram o sucesso da operação e o impacto da mesma para a redução do tráfico na região que será alvo de investimentos para o desenvolvimento da cidade e do turismo. Mas não se diz e não se mostra que a cidade agora possui, fora do alcance das luzes, novos moradores de rua e dezenas de famílias privadas do seu meio de trabalho e renda. Tampouco se iluminam as inúmeras situações de abandono e violações de direitos sofridas pela comunidade, naquela região escura, ao longo dos anos e durante o despejo, em decorrência da própria ação ou inação do Estado.

Empurradas para novas zonas de escuridão essas vidas que ganharam visibilidade apenas para que pudessem ser exterminadas – não necessariamente um extermínio biológico – rapidamente voltaram a se invisibilizar. Passados os três dias de despejo e demolição, o trânsito voltou ao normal nas avenidas próximas ao Jaraguá, assim como seguiu a mesma a vida dos habitantes das luzes, que continuaram a ignorar a existência daqueles que agora não mais estão em seu caminho ou sua vista.

Sobre ver e existir nas sombras: amarrações finais

Dos espaços de sombras, ainda não tomados pelos nuances e luzes que ditam o que pode ser visto, impondo uma ordem controlada, podem surgir resistências. E a recusa da epistemologia da luminosidade pode, nesse sentido, ser estratégica. Não porque essas formas de resistência necessitem de nossas formas legitimadas de produção de conhecimento, mas porque, assim como tantos saberes oficiais ajudaram a forjá-las, podemos também a partir de nossos lugares de pesquisadores, circular pelas sombras e conhecer outros territórios pelas zonas consideradas sombrias, como testemunhas do escuro (Agamben, 2008).

Não se trata, no entanto, de uma proposta simples e muitas questões se colocam: como podemos produzir visibilidades sem ter que projetar sobre esses espaços outros uma luz seletiva e colonizadora? É possível ver, sem ter que trazer para a luz, mas permitindo-nos entrar no escuro? Podemos aprender com Bavcar a produzir imagens sobre o invisível? Interrogações que permanecem abertas.

A política do visível, nas nossas cidades e no campo epistemológico, tem a luz como o espaço de produção de certezas e segurança. O fragmento da história da comunidade de pescadores, traz aqui uma dessas narrativas incômodas sobre essas subjetividades invisíveis que nos cercam que, quando eventualmente percebidos pela seletividade das luzes, passam a constituir um incômodo insuportável se não forem levadas para longe. Traz também a experiência desconfortável e desafiadora de circular  pelas sombras e testemunhar o que ali se produz, tanto de violência como de vida.

Discursos oficiais iluminaram o conflito falando da necessidade de desenvolvimento urbano, de crescimento, de urbanização, de segurança. Iluminaram o espaço e as pessoas, falando do crime, do tráfico, da prostituição. Permaneceram no escuro a vida de trabalhadores e trabalhadoras que aí ganhavam sua vida e compartilhavam histórias de convívio e cuidado mútuo. Forjou-se a história oficial iluminando-se apenas aquilo que era conveniente ao olhar de uma política de extermínio e assim constitui-se um governo da vida nas cidades que segue pensando o desenvolvimento e a segurança a partir de uma política do visível, que produz e não trabalha o invisível.

Mas a resistência e a contestação aos sentidos impostos mostram que a epistemologia e a política da luminosidade também possuem pontos cegos, esses muitas vezes produzidos pelo excesso de luz. São esses movimentos de resistência, gestados nas sombras, que fazem ver que a operação de limpeza urbana relatada, como tantas outras em curso no Brasil, é simultânea à produção de mais exclusão, de privação do trabalho, de um racismo que empurra ainda mais para as margens tudo o que se supõe não combinar com as luzes do modelo de desenvolvimento proposto. Resistências que denunciam a seletividade das luzes que impõem identidades marginais, das luzes que quando conseguem deslocar dos espaços privilegiados os incômodos seres que o habitam, tornam a produzir subjetividades invisíveis, esquecidas mais uma vez em espaços que não compõe a cidades, embora nela continuem presentes como desconhecidos e assustadores fantasmas do escuro.

Da experiência de circular pelas sombras aprendemos que escrever no e com o escuro e aqueles que o habitam possibilita pensar uma abertura, uma brecha, uma fresta de trevas para potencializar outras formas de viver e para desconstruir essa racionalidade forjada como natural ou necessária, postulada especialmente pelo discurso científico, como ordem de uma evidência iluminada. Obscurecer um pouco a luz pode permitir que tatear/sentir/viver sejam possibilidades, não determinadas por normativas e classificações.

Arriscamos nesta escrita uma aproximação epistemológica-ético-política – que não é da ordem do natural e nem das evidências – entre Foucault, Agamben e Benjamin. Nessa tentativa, em nosso entendimento, há uma dimensão genealógica nesse “tatear no escuro” perceptível nas palavras de Walter Benjamin (2013b): “Mas igualmente imprescindível é saber enterrar a pá de forma cuidadosa e tateante no escuro reino da terra (...). Assim, o trabalho da verdadeira recordação [Erinneurung] deve ser menos o de um relatório, e mais o da indicação exata do lugar onde o investigador se apoderou dessas recordações” (p. 101). Ou seja, as condições de possibilidade do pensar não estão apenas naquilo que está iluminado, mas como indica Benjamin (2013b), residem na obscuridade daquilo que ainda não veio à luz. Não se trata de trazer algo de uma profundeza para a consciência ou de produzirmos uma iluminação através da razão, mas, ao contrário, de buscar, como nas fotografias de Bavcar, a potência do invisível.

Encerramos esta breve reflexão com as palavras de Mia Couto: “Não é da luz do sol que carecemos. Milenarmente a grande estrela iluminou a terra e, afinal, nós pouco aprendemos a ver. O mundo necessita ser visto sob outra luz: a luz do luar, essa claridade que cai com respeito e delicadeza. (...). Necessitamos não do nascer do Sol. Carecemos do nascer da Terra” (Couto, 1998, p.4).



Referências

Agamben, G. (2015). Meios sem fim: notas sobre a política. Rio de Janeiro: Autêntica.         [ Links ]

_____. (2010). O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos.         [ Links ]

_____. (2008). O que resta de Auschwitz. Belo Horizonte: Boitempo editorial.         [ Links ]

_____. (2006). A potência do pensamento. Revista do Departamento de Psicologia – UFF, 18 (1), 11-28.

_____. (2004). Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: Editora UFMG.         [ Links ]

Albuquerque, A. A. de, Peixoto, G. V.; Albuquerque, A. M. G. de. (2012). Uma demonstração do vigor da cidade: a resistência dos pescadores do Jaraguá, Maceió-Al. Anais do III Seminário Internacional Urbicentros.  Salvador-BA, 1-20. Recuperado em 17 de juno de 2013 de: http://www.ppgau.ufba.br/urbicentros/anais/wpcontent/uploads/2012/10/ST175.pdf .         [ Links ]

Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar.         [ Links ]

Benjamin, W. (2013a). Origem do drama trágico alemão. São Paulo: Autêntica.         [ Links ]

_____. (2013b). Imagens de pensamento. São Paulo: Autêntica.         [ Links ]

_____. (1940/2011). Cumplicidade entre o progresso e o fascismo ou porque os oprimidos vivem em estado de exceção permanente. Em R. Mate (Org.). Meia-noite na história: comentário às teses de Walter Benjamin sobre o conceito de história. São Leopoldo: Editora Unisinos.         [ Links ]

Couto, M. (1998). Contos do nascer da Terra. Lisboa: Caminho.         [ Links ]

Fiocruz (2010). Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil. Recuperado em 23 de novembro de 2014 de: http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/index.php?pag=ficha&cod=331.         [ Links ]

Firmino, M. (2015). No armazém de açúcar, a simbologia do poder que manda em Jaraguá. É Assim Mídia Digital. Recuperado em 20 de março de 2015: http://eassim.net/no-armazem-de-acucar-a-simbologia-do-poder-que-manda-em-jaragua/.         [ Links ]

Foucault, M. (2014). Aulas sobre a vontade de saber. Collège de France 1970-1971. São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Hüning, S. M. (2014). Encontros e confrontos entre a vida e o direito. Psicologia em Estudo, 19 (3), 491-501.         [ Links ]

Kociatkiewicz , J; Kostera, M. (1999). The Anthropology of Empty Spaces. Qualitative Sociology, 22 (1), 37-50.         [ Links ]

Outtes, J. (2003). Disciplining Society through the City: the genesis of city planning in Brazil and Argentina (1894-1945). Bulletin of Latin American Research, 22 (2), 137-164.         [ Links ]

Wacquant, L. (2015). Projetando o confinamento urbano no século XXI. In Scisleski, A & Guareschi N (Orgs), Juventude, marginalidade social e direitos humanos: da psicologia às políticas públicas. Porto Alegre: Edipucrs, 19-40.         [ Links ]

Vasconcelos, D. A. L. de. (2005). Turistificação do Espaço e Exclusão Social: a revitalização do bairro de Jaraguá, Maceió - AL, Brasil. Turismo em Análise, 16 (1), 47-67.         [ Links ]

 

Data de submissão: 30/07/2015
Data de aceite: 15/09/2015

 

1 Utilizam-se aqui informações públicas e notas tomadas durante o acompanhamento do processo de despejo dos moradores da Vila do Jaraguá, em Maceió, Alagoas.

2 Sobre a história e o conflito da Vila de Pescadores do Jaraguá ver Albuquerque; Peixoto; Albuquerque, 2012; Fiocruz, 2010; Hüning, 2014; Vasconcelos, 2005.

3 O conjunto residencial destinado à parte dos moradores da comunidade expressa aquilo que aqui referimos como as áreas não iluminadas das cidades. Situa-se, conforme registram Albuquerque, Peixoto e Albuquerque (2012), “perto de uma indústria química, de onde, vez por outra, ocorrem vazamentos de substâncias tóxicas, provocando pânico e a evacuação obrigatória da vizinhança ... é separado da praia por uma avenida com quatro faixas de rolamento e fica em frente a um trecho de mar é aberto. Uma localização que dificulta a prática das diversas modalidades de pesca artesanal, o que aparentemente foi desconsiderado na escolha do terreno. Em função do perigo iminente de vazamentos de gases venenosos, o mercado imobiliário não demonstra interesse pela região, inviabilizando o desenvolvimento da cidade no sentido orla-sul desde a instalação daquela indústria, em 1979.” (p. 13-14).



I Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Católica Dom Bosco. Edital Universal CNPq/2014. Email: ascisleski@yahoo.com.br

II Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas. Edital Universal CNPq/2013. Email: simonehuning@yahoo.com.br

Creative Commons License