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Revista Polis e Psique

versão On-line ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.6 no.3 Porto Alegre dez. 2016

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

Saúde Mental na Infância: cuidado e cotidiano nas políticas públicas

 

Mental Health in Childhood: care and the everyday in public policies

Salud Mental en Infancia: cuidado y cotidiano en las políticas públicas

   

 

Bruna Moraes BattistelliI e Lilian Rodrigues CruzII

I Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil.

II Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil.


 

 


RESUMO

Este relato de experiência objetiva problematizar as possibilidades de constituição de cuidado em saúde mental tomando a criança e o adolescente como capaz de afetar-se e produzir afetos no outro. A narrativa, constituída em forma de relato de experiência, apoia-se na interface do cotidiano dos serviços de saúde e da assistência social, seja através de experiência profissional, bem como de forma indireta, como as supervisões locais e acadêmicas. Pensar saúde mental na infância e adolescência é partir da ideia de um sujeito integral, considerando sua subjetividade, singularidade e visão de mundo, a partir da constituição de rede de serviços, além de tencionar os mecanismos de cuidado que se estabelecem no contemporâneo para crianças e adolescentes.

Palavras-chave: Acolhimento Institucional; Assistência Social; Cuidado; Saúde Mental.


ABSTRACT

This experience report aims to problematize the possibilities of providing mental health care, while considering the child and the adolescent as capable of being self-affecting and mutually productive of affects. The narrative, constituted as an experience report, relies on the daily interfacing of health services and social assistance either directly, through professional experience, or indirectly, through local and academic supervision. To think mental health in childhood and adolescence entails the idea of an integrated subject and consideration of its subjectivity, uniqueness and worldview through its constitution by a service network, in addition to examining the mechanisms of care established in the present for children and adolescents.

Keywords: Institutional Care; Social Assistance; Care; Mental Health.


RESUMEN

Esta experiencia en el informe discute las posibilidades de constitución del cuidado en la salud mental mediante la percepción de los niños y adolescentes como capaces de afectar y de producir afecto en demás. La narración, hecha en forma de informes de la experiencia, se basa en la interfaz cotidiana de los servicios de salud y asistencia social, ya sea a través de la experiencia profesional, así como de forma indirecta, como la supervisión local y académica. Pensar salud mental en la infancia y adolescencia empieza por la noción del sujeto integral, considerando susubjetividad, su singularidad y su punto de vista de mundo, a partir del establecimiento de la red de servicios. Bien como de tensionar los mecanismos de cuidado que se establecen en el contemporáneo para los niños y adolescentes.

Palabras-clave: Acogimiento Institucional; Asistencia Social; Cuidado; Salud Mental.


 

 


Cuidado: considerações iniciais

O vocábulo “cuidado” pode ter vários sentidos, conforme o contexto e/ou mesmo conforme a entonação: CUIDADO! - no sentido de perigo à vista.  Cuidaaaado, uma advertência de cautela/prudência. Cuidado pode significar preocupação com o outro, pode significar excesso de preocupação, pode significar alerta, como por exemplo, quando se fala para um adolescente: “Cuidado! Olhe com quem você anda!” Ou, “olhe o que você está fazendo!” Para o trabalhador, na maioria das vezes, a palavra cuidado está atrelada a um alerta: “Cuidado! Você pode se dar mal!”” Cuidado! Assim você vai ser transferido!” “Cuidado! Isso pode gerar sua demissão!” A gente se cuida, adverte/cuida dos outros para que estejam atentos e alertas. Enfim... quais os significados possíveis de cuidar? O cuidado atrelado ao governo de si e dos outros? Do cuidado para com o outro?

Quanto à origem da palavra cuidado, Pinheiro (2008) afirma que cuidar deriva do latim cogitare que significa imaginar, pensar, meditar, julgar, supor, tratar, aplicar a atenção, refletir, prevenir e ter-se. Etimologicamente a origem da palavra cuidado vem do latim cogitātu que significa reflexão, pensamento1. No verbete "Cuidado em Saúde", do Dicionário da Educação Profissional em Saúde, a mesma autora aponta que é importante pensar o cotidiano na produção do cuidado, pois este é um modo de fazer na/da vida cotidiana. Assim, o cuidado "consiste em um modo de agir que é produzido como 'experiência' de um modo de vida específico e definido por aspectos políticos, sociais, culturais e históricos" (2008, p. 11). A partir da vida cotidiana a autora volta o pensamento para a construção das práticas de cuidar, e o seu início restrito ao espaço doméstico, privado. Ressalta que desde a Grécia Antiga a prática de cuidar vem se constituindo em uma responsabilidade feminina exercida, principalmente, no interior das famílias. Cuidar é “função” da mãe, da professora, da enfermeira, da psicóloga… Serviços e profissões foram e são inventados para cuidar, principalmente de crianças e adolescentes.

Franco e Mehry (2012) ao pensar o cuidado no trabalho em saúde, afirmam que há uma dimensão subjetiva nos atos produtivos do cuidado, o elemento humano é central e garante o caráter produtor do cuidado, apontam os mesmos. O cuidado surge enquanto possibilidade ética, pensado a partir de atos de produção que são imanentes ao próprio processo, gerados pelos trabalhadores em relação. Assim, faz-se necessário olhar para a micropolítica do trabalho, parte constituinte dos cenários onde se dá a produção do cuidado.

Há nas relações entre sujeitos uma micropolítica dos encontros, expressa por vários mapas, por uma  cartografia dos processos relacionais que os sujeitos do encontro produzem (Mehry, 2006). O desafio, então, é pensar as cenas que compõem o processo de cuidar, sob a ótica de uma micropolítica de encontros. De posse destas ideias, o objetivo é procurar "olhá-las como 'lugares', onde se encontram ou relacionam-se territórios-sujeitos, em acontecimentos e aconteceres. E, aí, todas essas cenas começam a expressar outras possibilidades" (2006, p.74).

A partir das relações que se estabelecem nos atendimentos em saúde, Mehry, Feuerwerker & Cerqueira (2010) afirmam que se o paradigma ainda estiver associado à ideia de "medicina do corpo de órgãos" (p.60), corre-se o risco de, em defesa da vida - de certa vida - retirar o sujeito da cena de seu próprio tratamento, inundando o encontro que se estabelece com protocolos e uma série de prescrições. Institucionalizar, medicalizar, prescrever podem perpassar o ato de cuidar. Não sem processos de resistência, já que os autores referem que alguns pacientes resistem e produzem novas formas de viver, sendo possível se pensar em cuidado para além das técnicas de controle da saúde que a clínica médica pressupõe.

Como construir práticas de cuidado para além do protocolar? Como é possível que o profissional aumente suas possibilidades enquanto cuidador para operar com a produção de diferença e não com a anulação desta? Para Mehry, Feuerwerker e Cerqueira (2010) visibilizar o cuidado é pensar para o trabalho que se dá na relação, para além dos protocolos que cuidam do corpo biológico, pensando nas lógicas que constituem as relações no campo da Política de Saúde.

Instituída como política pública mais recentemente (2004), a Assistência Social carece de uma trajetória de problematizações e/ou pesquisas que discutam o cuidado. Neste sentido, voltemos o olhar para os documentos. Na Política de Assistência Social para infância e juventude em situação que envolve violação de direitos (nos serviços de acolhimento, por exemplo), aponta-se que o trabalhador dos serviços de acolhimento é responsável pelos "cuidados básicos com alimentação, higiene e proteção" (Brasil, 2009, p.79). Cuidados básicos colocados enquanto ações que devem ser cumpridas para que mantenha o sujeito limpo, alimentado e protegido. No mesmo documento encontramos uma definição breve de cuidado: "ações praticadas por agente institucional capacitado a orientar e desenvolver atos de zelo pessoal a favor de alguém com contingências pessoais" (p.107). No campo da Assistência Social, a criança e o adolescente emergem enquanto preocupação em função de possíveis  violações de direitos. Situações de violência física ou psicológica, uso de drogas, familiares usuários de drogas, entre outras. É da família que devemos nos ocupar, conforme a Política Nacional da Assistência Social (Brasil, 2004), instituição reforçada enquanto responsável pelo desenvolvimento harmonioso de suas crianças e adolescentes.

Como pensar cuidado em saúde mental na interface entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de assistência Social (SUAS)? O que está envolvido no processo de cuidar crianças e adolescentes em situação de sofrimento psíquico? Cuidado é um problema exclusivo de/da saúde? Como se constitui o cuidado em saúde mental? Quais narrativas de cuidado são possíveis quando se produz um encontro entre trabalhadores de diferentes políticas e usuários-crianças? É possível cuidar da saúde mental para além dos serviços da política de saúde?

A partir destas considerações iniciais, propomos problematizar neste relato de experiência as possibilidades de cuidado em saúde mental para crianças e adolescentes. Apoiamos-nos em cenas do cotidiano dos serviços de saúde e da assistência social, seja através de narrativas indiretas, como as supervisões locais e acadêmicas, como atendimento direto e/ou diários de campo de pesquisas. Pereira, Freitas & Dias (2016) afirmam que contar uma história envolve evocar a memória, apostando em narrativas que acontecem no presente sobre um fato passado. O interesse está na expressão de percepções, sentidos e análises atribuídas às vivências.  Nosso desafio é o exercício de colocar o foco nas relações de cuidado em saúde mental para infância e adolescência tomando a criança e/ou adolescente como capaz de afetar-se e produzir afetos no outro. O interesse volta-se assim para as práticas que se constituem entre: políticas, serviços, sujeitos. É a partir do fora do campo da saúde que escrevemos.

Uma advertência se faz necessária: embora a escrita seja de/sobre infâncias, no plural, é sempre sobre crianças, adolescentes e jovens pobres que nos ocupamos. São esses que frequentam os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Serviços de Acolhimento, os Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS), os Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) e as Unidades Básicas de Saúde (UBS), com raras exceções.

Criança também é gente: cotidiano em foco

Inspiradas pela coluna sempre atual de Eliane Brum, intitulada "Como se fabricam crianças loucas" de 20143, e incomodadas pela crescente demanda de institucionalização de crianças e adolescentes, como nas internações psiquiátricas compulsórias, nos acolhimentos institucionais, muitas vezes pensados como primeira alternativa, propomos discutir possibilidades de não se fabricar crianças loucas! Como interromper uma maquinaria eficaz e producente? Como inverter o pensamento?

Já sabemos como fabricar crianças loucas... Não se trata de negar a existência de problemas de saúde mental ou negar o fato de que em algumas circunstâncias a internação psiquiátrica se fará necessária, por exemplo. Faz-se necessário pontuar que a mesma é situação extrema, que acarreta no afastamento do sujeito de sua família e, indubitavelmente, trará efeitos significativos, como um diagnóstico, que passará a acompanhá-la por boa parte de sua vida, ressignificando o modo como será acolhida e atendida em diferentes equipamentos e instâncias. A internação psiquiátrica enquanto recurso terapêutico deve ser avaliada com cautela, pois pode ser disparadora de um processo de institucionalização e psiquiatrização que marcará a história do sujeito afetado. Brum (2014) utiliza a história de adolescentes e trabalhadores que se deparam com uma lógica de cuidado institucionalizante / manicomial, mesmo que pactuadas pelos paradigmas do SUS. A autora ainda adverte: a internação psiquiátrica é medida de saúde e não deveria ser utilizada em hipótese alguma como medida de punição. Contudo, é exatamente desta maneira que a mesma tem se construído enquanto estratégia de cuidado e controle de sujeitos em situação de vulnerabilidade.

Pensar saúde mental, independente do campo de atuação (saúde, escola, assistência social), é pensar o sujeito integralmente, considerando sua subjetividade, singularidade e visão de mundo. E, ao falarmos em crianças e adolescentes, não esquecer de que são pessoas em situação peculiar de desenvolvimento, que devem ser estimuladas ao protagonismo. A articulação dos princípios do SUS, SUAS e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) servem (ou deveriam servir) de base para o planejamento de qualquer estratégia de cuidado para a infância e juventude.

É comum nos depararmos com questões como: "a escola só vai aceitá-lo com laudo", "mas ele é medicado, né?, "como assim, ele não toma remédio?"  Brigas, mau comportamento e problemas de relacionamento facilmente são associados a problemas de saúde mental e, enquanto trabalhadores, as solicitações por respostas e soluções crescem. É a família, a escola, o abrigo, o serviço de convivência e os colegas de equipe queixando-se uns para os outros quanto aos problemas apresentados pelo sujeito, na ilusão de que alguém ou algum serviço terá uma resposta/solução. Para os problemas que supostamente o sujeito apresenta, uma série de contrarrespostas surgem, em forma de encaminhamentos, que muito frequentemente não fazem sentido para a criança ou adolescente: neurologista, oftalmologista, psicólogo, psiquiatra. Exames que muitas vezes não dão as respostas esperadas e que deixam as famílias e trabalhadores com a mesma dúvida: o que fazer? O que se passa com essa criança? Será que há algo errado?

Para pensar o cuidado em saúde mental se faz necessário entender que o sujeito do atendimento é a criança e o adolescente. A família será o meio pelo qual a demanda surgirá para os serviços de saúde, educação e/ou assistência social. O compromisso é acolher o sujeito em sua singularidade (Brasil,2013), conhecer sua história, desejos, forma de aprender e de reagir ao que lhe cerca e, acima de tudo, ter claro de que se trata de um sujeito em constituição, que precisa ser acolhido integralmente, o que inclui ser ouvido, considerar sua opinião. Além disso, faz-se necessário esclarecimento quanto aos procedimentos que serão realizados, perguntado se “concorda” com o planejamento e quanto aos encaminhamentos realizados, evidentemente que respeitando a idade e a capacidade de compreensão. A noção de sujeito que implica também a de singularidade,       impedindo que esse cuidado se exerça de forma homogênea, massiva e indiferenciada (Brasil, 2005), não se tomando o que se diz desses sujeitos como substituto de sua própria palavra. É imperativo dar voz e escutar as crianças e os jovens que acolhemos em nossos serviços. A família precisa ser atendida e acolhida, se necessário encaminhada para outras instâncias. Muitas vezes, esta já é acompanhada por outro serviço (CRAS, UBS, Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos - SCFV -, escola), e para acolher a demanda da família é importante mapear aqueles que já acolheram “o caso”, para que o sujeito e sua família não precisem repetir incansavelmente sua história.

Para Mehry (2006), o cuidado, enquanto estratégia de atendimento deve ser entendido enquanto relação, um deixar-se afetar pelo outro, o que só é possível quando o outro é visto enquanto sujeito. Para haver cuidado é preciso exposição ao outro, em acontecimento. Como fazer isso, sem nos "afogarmos" nas histórias e dificuldades que os usuários nos trazem? Como fazer isso e ir para casa no final do dia, alguns se questionarão...

Como produzir com sujeitos crianças e adolescentes aumento na sua potência de existir? Com o que nos ocupamos quando pensamos o cuidado em saúde mental de crianças e adolescentes? Como lidamos com a demanda da família e a da criança? O quanto somos capturamos pelo que falam da criança e do adolescente? Como fazer a defesa da vida (de qualquer forma de constituição de vida), sem nos apegarmos em nossos preconceitos morais? Em nossas crenças? E talvez o mais importante: como pensar intervenções em saúde mental que respeitem o sujeito e que consigam promover a doutrina da proteção integral? Como pensar um projeto de vida que respeite as escolhas do sujeito? Como apresentar outras possibilidades, sem a pretensão de escolher pelos sujeitos e famílias? Linha tênue nós percorremos entre cuidar o outro e pensar pelo outro. Seria possível pensar um cuidar com ou pensar em linhas de cuidado que não produzam a morte do sujeito?


Compondo redes de cuidado

Para cuidar é preciso estar disponível ao outro, e não só do sujeito objeto do cuidado. O outro trabalhador, serviço, a outra política pública. O quanto nos deixamos afetar por aquilo que atravessa o ato de cuidar, vai dizer da qualidade das relações que estabelecemos. Constituir linhas de cuidado requer um trabalho atento e intenso de composição: entre trabalhadores de um mesmo serviço, entre políticas públicas, entre diferentes serviços. Um trabalho que vai para além de um encaminhamento ou uma reunião de discussão de caso. Encaminhar é um exercício permanente de composição. Ficou claro o porquê do encaminhamento? A mãe sabe como funciona o outro serviço? Por que ela e seu filho foram parar em outro médico?  Em outro atendimento?  E o profissional que recebe o caso? Sabe do que se trata? Um encaminhamento implicado, calcado na responsabilidade de quem encaminha e de quem recebe o encaminhamento (Brasil, 2013).

Constituir linhas de cuidado requer trabalho contínuo que atravessa os níveis de complexidade de atenção, seja na saúde, na assistência social e demais políticas públicas; sem esquecer os demais sistemas de garantia de direitos, proteção e defesa de crianças e adolescentes (Brasil, 2013). Neste sentido, o cuidado pode ser entendido como uma atitude que demonstra preocupação, responsabilização e solidariedade com a dor e o sofrimento do outro (Brasil, 2005).

E como fazer parte de uma linha de cuidado para crianças e adolescentes em saúde mental quando não somos o serviço de referência? Ou quando não há um serviço de referência em saúde mental para crianças e adolescentes? E, talvez o mais importante, como estabelecer uma linha de cuidado que tenha a saúde como foco, que valorize as potencialidades do sujeito?

Um cuidado que se dê no território, não enquanto recorte geográfico, mas como lugar psicossocial do sujeito (Brasil, 2010). Uma rede de cuidar que passe pela importância da escola na vida da criança e adolescente, pela aposta na convivência comunitária e familiar e na responsabilização pelo acolhimento e atendimento das demandas. Será que é tão difícil pensar o cuidado de crianças e adolescentes para além da institucionalização? Segue uma breve narrativa, dessas que compõem o cotidiano de trabalhadores e usuários:

O jovem não quer mais ir ao CAPS, diz que é coisa de criança. Reclama do psiquiatra e que o grupo só fala da droga. Os profissionais dos serviços não sabem mais o que fazer... Os técnicos do serviço de acolhimento tentam convencê-lo a ir ao CAPS... Os técnicos do CAPS discutem entre eles o que fazer. A internação psiquiátrica é sugerida por alguns educadores e coordenador do abrigo, como uma ameaça. Um técnico do abrigo resolve arriscar: quem sabe encaminhamos para um trabalho. O jovem, que frequentava o CAPS, com a hipótese (nem tão hipótese assim) de Transtorno de Conduta, é encaminhado ao Programa Jovem Aprendiz. Exigi-se laudos e atestados... Permanece alguns meses, começa a ter dificuldades de comportamento, por exemplo, brigas com outros jovens, enfrentamentos com os chefes, faltas ao trabalho, atrasos. Alguns trabalhadores do abrigo suspeitam que esteja utilizando droga. O mesmo trabalhador que sugeriu o trabalho, em conversa com o jovem o convence a voltar para o CAPS. O jovem consulta o psiquiatra e volta a tomar medicação. A internação foi evitada. Muitas conversas e negociações foram necessárias, e um contato próximo entre profissionais de ambos os serviços foi fundamental. O diretor do abrigo chegou a questionar quem estava em atendimento: se eram os técnicos do abrigo ou o jovem, vide a quantidade de contatos estabelecidos.

E como constituir um trabalho com a família nesta rede? Os trabalhadores da Política Nacional de Assistência Social, norteados pelo princípio da centralidade da família no atendimento socioassistencial, indagam-se continuamente quanto ao seu papel quando surgem situações de saúde mental nos atendimentos do CRAS, CREAS e Serviços de Acolhimento. O quê fazer? Encaminhar? Para onde? É possível continuar acompanhando? Eu tenho competência para acolher esta família?

Para problematizar esta questão é preciso reconhecer uma tradição no trabalho social com famílias onde sempre predominaram palestras “educativas”, no formato orientação, muitas vezes associadas a atividades manuais e produção de mercadorias (Brasil, 2013). Trabalho que sempre esteve voltado para o disciplinamento de comportamentos e para uma frágil inserção no mundo do trabalho e que comportava (ou comporta) um determinado perfil de usuário. Para pensar a acolhida de usuários com sofrimento psíquico, precisamos operar a partir de uma lógica que permita exercer o acolhimento dos sujeitos em suas diferenças. Um convite para pensarmos como estamos trabalhando com a segurança socioassistencial de convívio em diferentes serviços que podem compor o cuidado em rede de crianças e adolescentes. Cabe pensar como os Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos tem conseguido executar seu trabalho e com qual nível de articulação conseguem se inserir nas redes de cuidado para infância e adolescência: espaços de cuidado ou apenas de ocupação de tempo?

Como não fabricar crianças loucas

As histórias narradas por Eliane Brum no texto “Como se fabricam crianças loucas” de 2014, publicado em El País, passam por escancarar práticas de cuidado que pautam-se pela radicalidade da internação psiquiátrica enquanto medida ainda muito utilizada para crianças e adolescentes, principalmente quando em situação de pobreza. Crianças que entram e saem dos serviços de internação psiquiátrica e que acabam constituindo sua vida em torno da institucionalização. Como no trecho que segue:

Duas crianças, que se transformaram em adolescentes no hospital psiquiátrico, contaram histórias que poderiam ilustrar livros escabrosos sobre os manicômios do passado, mas que se passaram na primeira década desse século. Aqui, elas serão chamadas de José e de Raquel. José permaneceu confinado por 1271 dias – ou três anos e cinco meses. Raquel, por 1807 dias. Ficou trancada dos 11 aos 16 anos – e de lá foi transferida para outra instituição psiquiátrica. José e Raquel estavam segregados no Pinel, a mando da Justiça, sob reiterados protestos da equipe técnica. Foram depositados como coisas no Pinel porque ainda é este o destino dado a crianças como eles no Brasil. (Brum, 2014, online).

Reis (2012), a partir da análise de Processos Judiciais de adolescentes que tiveram decretada a medida protetiva de internação psiquiátrica para tratamento por drogadição, questiona o papel desta na vida dos sujeitos submetidos a tal intervenção. A autora coloca em análise a eficácia da internação psiquiátrica, problematizando que o uso de drogas passa a ser marcado apenas como um problema individual, e não multifacetado, que necessita de intervenções em diferentes áreas. O argumento do uso de drogas pode levar o adolescente a um processo de repetidas internações psiquiátricas. A pobreza é um marcador importante que aparece nos trabalhos de Reis (2012), Trevizani & Silva (2014), Silva, Hartmann, Scisleski & Pires (2008), bem como nas histórias de Brum (2014). Como conseguimos acolher as múltiplas faces de um mesmo problema, que não seja pela via da institucionalização?

Como cuidar sem institucionalizar? Institucionalização que passa para além do manicômio, pois podemos institucionalizar no CAPSij, na assistência social, na educação ... É possível cuidar sem aprisionar, necessariamente? Onde é possível pensar a saúde mental de crianças e adolescentes? O quanto conseguimos nos implicar neste projeto de cuidar que não seja apenas pela “passagem do caso”? Quando encaminhamos, não significa “passar a bola adiante”, mas continuar no jogo, trocando passes. A criança não deixa de ir à escola, quando é encaminhada ao CAPSij, ou ao Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. Não será encaminhada, a priori, ao abrigo, se for constatado um problema de saúde mental. Um cuidado que prioritariamente se dará na família e na comunidade a qual pertence. Como potencializá-lo?

Podemos pensar o lugar privilegiado que podem ocupar os Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos  (SCFV). Na potência do SCFV e na tristeza quando constatamos que esse espaço é desperdiçado, muitas vezes, com  a rigidez e o excesso de regras. A figura da disciplina e da ordem enrijece um espaço, descaracterizando. O foco deveria ser em trabalhar com vulnerabilidades relacionais e garantia de direitos (Brasil, 2013), e não na ocupação de tempo livre e disciplinamento.  O serviço é para conVIVER e fortalecer vínculos, e não para enrijecer e desfazer laços. Muito difícil é sustentar o espaço para adolescentes, principalmente. Sendo pouco atrativo, muitos desistem ou resistem. Mas o que seria da vida sem um pouco de resistência? Será que conseguimos pensar a saúde mental para além do paradigma da doença?  Torna-se imperioso pensar o cuidado enquanto construção de redes de afeto, laços sociais, optando, desde sua concepção, pela radicalização na garantia do protagonismo das crianças, adolescentes e suas famílias.

Para muitos adolescentes e jovens o cuidado irá passar pela articulação com as políticas de emprego. Experiências de trabalho que possam se constituir enquanto aumento da possibilidade de agir são raras. O que muitas vezes o mercado oferece são vagas de trabalho precarizado e a inserção precoce em uma lógica de exploração da mão de obra barata. Como conseguir, neste cenário, constituir uma experiência ética que ajude o sujeito a pensar em suas possibilidades de vida? Cabe discutirmos o que de fato entendemos enquanto produção de autonomia, tema que aparece tanto na Política de Assistência Social, quanto na da Saúde. Pensemos na história de um jovem morador de um abrigo: o jovem é atendido pelo CAPS, a muito custo aceita que os profissionais de referência estabeleçam Acompanhamento Terapêutico (AT) com ele. Com muito esforço, os profissionais estabelecem um contato semanal com ele. Como recebe o BPC, solicita constantemente para fazer compras, que lhe comprem tênis de uma marca da moda, e quando lhe é dito desta impossibilidade, desorganiza-se a tal ponto que em determinados momentos necessita de maior atenção e por vezes de encaminhamento para um serviço de urgência e posterior internação. Fazer a mediação quanto aos processos de consumo não é fácil. Uma discussão que deve permear a rotina dos serviços, pois há armadilha de repetição de discursos moralizantes e que reforcem preconceitos de classe. Muito se ouve: "que absurdo querer tênis de marca" ou "eles precisam saber seu lugar".

Pensando em lugares, nos questionamos: que lugar se dá para as atividades e equipamentos não clínicos nas vidas destes sujeitos pelos quais nos responsabilizamos? Qual o lugar para as políticas de esporte, cultura, lazer? Qual o lugar do brincar dentro e fora das instituições que cuidam crianças? Permitimos-nos brincar com nosso sujeito-usuário? Permitimos-nos brincar?  Trabalhar com o tema da saúde mental de crianças e adolescentes é pensar nas possibilidades de circulação pela cidade, na escola, no bairro. É apostar que a escola precisa acolhê-lo em sua singularidade e complexidade. Mas para que isso se consolide enquanto uma produção de saúde de forma sistêmica (Cecílio & Merhy, 2003) a escola e a professora não podem estar só. Já a assistência social, em diferentes serviços e atendimentos tem potencial gregário, assim como a UBS, porta de entrada para avaliações e dúvidas sobre crianças e jovens.

Conseguimos, enquanto trabalhadores, constituir redes de cuidado para os sujeitos que são encaminhados para os nossos serviços?  Ou continuamos agir como se o cuidado em saúde mental fosse responsabilidade de terceiros? Pergunta que se repete, vide as demandas atuais, que nos exigem respostas, soluções e encaminhamentos.

Por vezes, encontramos maneiras menos convencionais no ato de cuidar. Uma das possibilidades do jovem aprender a lidar com a agressividade e questões de socialização é através do esporte. Também pode ser a partir de uma experiência de trabalho que o sujeito consiga lidar com suas dificuldades. O espaço para brincar é potente para a formação do vínculo com uma criança que não adere aos tratamentos convencionais. É num "acompanhar tutelado" à família do sujeito, acompanhando passo a passo a construção de um percurso de cuidado que se é possível trabalhar a autonomia de adolescentes com problemas de saúde mental. Afinal, nem só de casos onde se confunde mau comportamento com doença mental os serviços estão cheios. Há aqueles que apresentam sintomas graves, que nos desafiam a ponto de, mesmo com todo o aparato previsto em lei, simplesmente não sabermos o que fazer. Aquelas situações que não se encaixam, mesmo quando dispomos dos serviços que preconiza a legislação; como exemplo um adolescente com deficiência mental e uso de drogas, em geral, os casos que associam duas questões diferentes são os mais complicados de inserirmos nos serviços. Reis, Guareschi & Carvalho (2014) discutem o risco de quando ocorre a transposição de medidas protetivas em medidas de punição, utilizando como exemplo o uso desmedido das internações compulsórias para adolescentes com uso de drogas. O que estamos construindo a partir de práticas como esta? O que nos impossibilita pensar em outras abordagens?

A resposta para problemas de saúde mental de crianças e adolescentes não deve ser fácil, pois se o forem, estamos trabalhando no perigoso campo das certezas. As saídas mais fáceis, muitas vezes, são disfarces para práticas institucionalizadas que repetem antigos padrões de tratamento, pois reforçam uma concepção de saúde mental, onde a doença é o foco e o sujeito objeto. Enquanto trabalhadores, necessitamos nos permitir ao exercício de não saber. Em alguns momentos, se autorizar a dizer "não sei" frente a uma situação complexa pode abrir possibilidades alternativas. Foucault (2015) afirma que seu projeto é fazer com certas frases não possam ser ditas facilmente ou que certos gestos não sejam mais feitos sem, pelo menos, alguma hesitação. Enfim, produzir estranhamentos e o não saber fazer. O autor ainda afirma que seu objetivo é transformar os atos, gestos e discursos em problemáticos, perigosos e difíceis.

Não produzir crianças loucas depende de uma responsabilização dos profissionais e das famílias com a ideia de que criança e adolescente tem direito ao cuidado integral, à serem ouvidas, e que sim, são vidas que devem ser defendidas em sua radicalidade. Bicalho (2014), em um exercício de reflexão, irá questionar que práticas produzimos em nome da proteção integral, pois de acordo com o autor, muitas práticas autoritárias e fascistas são produzidas em nome da garantia de direitos para crianças e adolescentes. A judicialização do cuidado, cada vez mais presente em nosso trabalho, é um risco com o qual lidamos no dia-a-dia. A internação compulsória que emerge como suspeita de uso de drogas ou mesmo por transtorno de conduta, a medicalização de processos de vida, onde a agitação e o incômodo com o que o ambiente oferece, rapidamente ganham status de transtorno mental.

Há algumas situações que irão nos desafiar a pensar diferente, a forçar o pensamento, a mudar de estratégia. Situações em que o mais importante é a qualidade das relações dos trabalhadores, independente do serviço no qual estão inseridos. Pode ser um grupo pequeno de trabalhadores de um mesmo serviço que com muita paciência e sensibilidade conseguiram suportar muitas crises de uma jovem com grave problema psíquico, evitando assim que a mesma passasse por nova internação. A jovem em questão ficou um ano sem ser internada. Foi importante e difícil sustentar intervenções que possibilitassem ouvir atentamente seus desejos, desesperos, brigas, excessos, presenciar suas crises, suportar seu sofrimento. A radicalidade tem que estar na garantia do protagonismo do sujeito criança ou adolescente.

Enfim, não é negar que haja situações onde a medicação seja importante, ou que a internação seja uma possibilidade de intervenção necessária, mas questionamos quanto à produção de formas de cuidado massivas e massificantes que dizem de certo modo de vida. Nossa responsabilidade é com o sujeito e com o estabelecimento de relações éticas, possibilitando a multiplicidade de formas de vida.

Em relação à assistência social, a questão do cuidado se constitui enquanto problema em jogos de verdade diferentes daqueles expostos por Bernardes (2012) na análise da política de saúde. A política de assistência social não é universal, como a política de saúde. Assim, parte-se de um perfil específico de usuário, atravessado pela questão da necessidade e da renda precária, marcado por conceitos como risco social e vulnerabilidade, partindo de uma espécie de "especulação" quanto à fragilidade ou não dos vínculos que este usuário mantém. As crianças e adolescentes são partes de arranjos familiares "avaliados" como mais ou menos vulneráveis. O corpo, talvez não seja o biológico da medicina, mas é um corpo-pobre, do qual muitos especialistas falam. No acolhimento institucional, o sujeito está "usuário" de um serviço por determinação judicial, já que desde o ECA, não se pode mais acolher sem o aval do judiciário. O que isto influencia quando pensamos na questão de produção de práticas de cuidado? Proteção Integral e cuidado de sujeitos que passam a ter a vida mediada por uma medida judicial parece colocar outras nuances nesta discussão. Não devemos perder de vista a função de controle da população dos abrigos e casas lares.

Os usuários da Política de Assistência Social sofrem ou sofreram violação de direitos, como saúde, educação, trabalho, habitação. E quando tratamos de crianças e adolescentes, outros jogos de verdade se constituem. Tratamos de sujeitos de direitos, mas há muito a avançar neste sentido. Sujeitos que temos dificuldades em escutar ou em colocar em evidência (no centro) nas relações institucionais, como no caso das relações de cuidado que se instituem nos serviços. Será que é possível pensar as práticas de cuidado na Assistência Social de forma articulada com os autores mencionados? Como constituir o cuidado enquanto uma experiência ético-política com sujeitos que não podem responder por si legalmente? É possível pensar  práticas de cuidado enquanto uma ética do cuidado de si, em relação a crianças e adolescentes?

Uma composição que se constitui a partir de outras composições, pensando em como Teixeira (2015) aborda a questão da singularidade e das possibilidades de encontro. Pensar práticas de cuidado no contexto do Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes inclui refletir em como o abrigo se constitui enquanto espaço de controle biopolítico da população, a serviço da governamentalidade. Desta forma podemos vislumbrar possibilidades e potências da Política de Assistência Social voltadas para a infância e adolescência que em algum momento de sua vida é retirada de sua família.

As práticas de cuidado enquanto potência e aposta na vida (em qualquer vida) devem ser pautadas na ética. Macerata & Passos (2015) afirmam que "o ethos é a arte de se tecer na experiência" (p.546). Para os autores, ética e experiência se dão em conjunto, a um só tempo. A aposta que fazemos é pensar o cuidado para além de uma relação de prestação de zelo, como se refere às Orientações Técnicas para Serviços de Acolhimento (Brasil, 2009). O objetivo é poder pensar o lugar deste sujeito-acolhido enquanto parte importante e atuante nas relações que se constituem nos encontros entre criança/adolescente - adulto - instituição, não apenas como quem está à espera da oferta de um cuidado que será supostamente adequado para suas necessidades já previamente definidas por saberes científicos e legislações. O sujeito criança produz afetos, constrói encontros, não pode ser relegado ao lugar de objeto de intervenção.

Brincar: uma ética do cuidado possível...

Nos livros de desenvolvimento infantil, páginas e mais páginas são ocupadas por prescrições quanto à importância do brincar na infância. Psicologia, pedagogia, psicanálise serão alguns dos saberes que irão reforçar o quão importante esta construção é para o que irão chamar de um bom desenvolvimento infantil. Mas o que seria brincar? Brincar de bonecas que ainda é relegado a meninas, brincar que separa meninos e meninas, separado por um recorte de classe, permeado pelo consumo. Um brincar que vai sendo substituído pelo uso da tecnologia, pela individualização da brincadeira. Um não querer ser criança ou certas que podem ser criminalizadas ou que não são mais possíveis. Sim, evocamos lembranças de um local que deveria executar uma medida de proteção em acolhimento, e de um processo de brincar de polícia e ladrão que foi levado muito a sério. Foram apreendidas as armas de brinquedo, proibido a brincadeira e barrados os jogos "violentos" de videogame. O GTA2 foi banido da legalidade. Justificativa: seriam formas de brincar que reforçariam o local e crenças da onde vieram às crianças. Traduzindo: se brincassem de polícia e ladrão, seriam ladrões. Pensamento quase infantil (se não estamos subjugando o pensamento infantil), que permeia nossas práticas quando somos os responsáveis pelo cuidado de crianças, adolescentes e jovens.

Engelman (2009) escreve que brincar é "descanalizar os devires em prol da criação, é restituir a potência de criação àquele que foi formatado, reprimido pela escola, pela sociedade" (p.35). Aquele que pode brincar subverte os padrões de conduta engessados, desloca os padrões sociais e a inadmissibilidade social de poder ser espontâneo. Brincar é abrir-se para a possibilidade de devir.

O desejo, mesmo que utópico, é que possamos habitar o devir-criança na composição de nossos trabalhos; com ciência que o universo é para ser experimentado e vivido; crescer não é exclusivamente em uma direção e sentido (como afirmam alguns livros), mas sim a invenção de direções e sentidos, de possibilidades (Ceccim & Palombini, 2009). Que possamos, assim como a criança, colocar mundos no mundo (Engelman, 2009) através da arte de brincar, arte de detectar potências de vida. Com a composição devir-criança produzimos a vida enquanto obra de arte (Ceccim & Palombini, 2009). Assim, fica o convite para que possamos acolher um devir-criança-em-nós, como falam os autores citados, para que possamos extravasar nossas práticas e formas de cuidar da criança, adolescente e jovem em  relação à saúde mental. Mesmo sendo um tanto utópicas, que possamos colocar mundos em um mundo permeado por sucateamento de políticas públicas, precarização de serviços, por excessos de demandas, por falta de tempo e de profissionais. Que o brincar possa ser intervenção com/entre os sujeitos do  trabalho, constituindo uma ética do cuidado.


Referências

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Data de submissão: 01/12/2016
Data de aceite: 05/12/2016

1 Dicionário da Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2016. [consultado em 22/04/2016]. Disponível na Internet: <http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/cuidado>.

2 Grand Theft Auto (GTA) é uma série de jogos de computador e videogames, o nome do jogo é baseado em um termo policial utilizado nos Estados Unidos para identificar roubos de automóveis: Grand Theft, que se refere a furtos de valor elevado e Auto designa os automóveis. Os jogos se passam em cidades fictícias dominadas pelo crime e pelas gangues de rua, baseadas em grandes metrópoles, principalmente dos Estados Unidos. O personagem jogável (um criminoso, protagonista de um enredo repleto de atividades ilegais, como violência, tráfico de drogas, assassinato, prostituição etc.) pode cumprir missões para o progresso da história, bem como participar de ações não lineares num mundo aberto, consistindo de ação, aventura, RPG, corridas, entre outros. 

3 As histórias narradas na crônica foram retiradas da dissertação de mestrado de Flavia Blikstein  intitulada “Destinos de crianças - estudo sobre as internações de crianças e adolescentes em Hospital Público Psiquiátrico” (PUC-SP - 2012). 

I Bruna Moraes Battistelli: Psicóloga, especialista em Instituições em Análise pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestranda do Programa de Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: brunambattistelli@gmail.com

II Lilian Rodrigues Cruz: Psicóloga; doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul  (PUCRS); docente do Instituto de Psicologia - Departamento de Psicologia Social e Institucional - e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Integra o Núcleo e-politics - Estudos em Políticas e Tecnologias Contemporâneas de Subjetivação. E-mail: liliancruz2@terra.com.br

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