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Revista Polis e Psique

versão On-line ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.7 no.1 Porto Alegre jan./abr. 2017

 

ARTIGOS

 

Acoplamentos Louco-Formiga: qual o impostergável para um corpociborgue?

 

Madman-Ant Linkages: which the unpostponable for a cyborgbody?

Acoplamientos loco-hormiga: cual lo impostergable para um cuerpocyborg?

   

 

Alexandre Sobral Loureiro AmorimIRicardo Burg CeccimII

I Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil.

II Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil.

 

 


RESUMO

Aportando para o campo dos estudos científicos da saúde provocações sobre o corpociborgue, o artigo traça um percurso textual inusitado para estudar a saúde na contemporaneidade. Produzindo acoplamentos do conto de ficção-científica -A Formiga Elétrica, de Philip K. Dick, com as (des)construções poéticas do Corpo-sem-Orgãos, de Antonin Artaud, apreendeu-se que, após tornar o corpo máquina, insurge impostergável um potente desejo de retorno, pois o andróide (vir-a-ser do ciborgue) luta
- após atingir sua perfeição como máquina - para conquistar a vida e suas sensações (memórias, inscrições, riscos). Buscou-se pensar os movimentos de corpos (im)possíveis que se rebelam contra sua ciborguização para que a vida possa escapar: rasgos nos territórios da clínica; deslocamentos de realidade; imaginação; subversão da norma e desconstrução do controle sobre o corpo; fabulação de corpos-humanos-outros na saúde coletiva. Corpo-sem-Órgãos para outras clínicas (im)possíveis.

Palavras-chave: Ciborgue; Corporeidades; Corpo-sem-Órgãos; Ficção-Científica; Saúde Coletiva.


ABSTRACT

Contributing to the field of health scientific studies with provocations on cyborgbody, the article provides an unusual textual route to study health in contemporary society. Producing linkages between science-fiction short story "The Electric Ant" by Philip K. Dick, with the Antonin Artaud‘s poetic (dis)constructions of the Body-without- Organs, was apprehended that, after rendering the body as a machine, protested postponed a powerful desire of return, as the android (the cyborg becoming) struggles - after reaching its perfection as a machine - to conquer life and its sensations (memories, inscriptions, risks). Was quested to think the movements of (im)possible bodies who rebel against their cyborgzation so that life can escape: tears in the clinic territories; reality shifts; imagination; standards subversion and deconstruction of control over the body; other-human-bodies fabulation in collective health. Body-without-Organs to other (im)possible clinics.

Keywords: Cyborg; Corporealities; Body-without-Organs; Scientific-Fiction; Collective Health.


RESUMEN

Trayendo provocaciones al campo de los estudios científicos sobre corpociborgue, el artículo proporciona una ruta textual inusual para estudiar la salud en la sociedad contemporánea. La producción de acoplamientos del cuento de ciencia ficción "La hormiga eléctrica" de Philip K. Dick, con (des)construcciones poéticas del Cuerpo-sin- Órganos, de Antonin Artaud se aprendió que después de hacer el cuerpo máquina, surge impostergable un potente deseo de retorno, pues el androide (venir-a-ser del cyborg) lucha - después de alcanzar su perfección como máquina - para conquistar la vida y sus sentimientos (memorias, inscripciones, riesgos). Intentando pensar en los movimientos de cuerpos (im)posibles que se rebelan contra su ciborguización para que la vida puede escapar: ragos en los territorios de la clínica; deslocamiento de realidad; imaginación; subversión de la norma y deconstrucción del control sobre el cuerpo; la fabulación de cuerpos-humanos-otros en la salud colectiva. Cuerpo-sin- Órganos hacia otras clínicas (im)posibles.

Palabras-clave: Cyborg; Corporalidades; Cuerpo-sin-Órganos; Ciencia Ficción; Salud Colectiva.


 

 

Introdução

A multiplicação das variadas formas conjugadas homem-máquina imaginadas pela ficção na segunda metade do século XX, juntamente com o desenvolvimento das tecnologias associadas, permitiram diversas incorporações orgânico-tecnológicas (sistemas biônicos, máquinas de suporte vital, biotelemetrias das mais variadas ordens). Como nos traz Le Breton (2013), as antigas fronteiras entre o mecânico e o biológico dissolvem-se e criar máquinas-humanas emerge como imperativo social para, entre outras coisas, melhorar as condições ou explorar funções corporais humanas de maneira mais eficiente, regulações e ajustes tecnológicos bioquímicos a fim de manter os corpos no melhor nível de eficácia ou de saúde: Gênese do corpociborgue1.

Pensar então o ser humano e sua ciborguização não é mais colocado então como um debate intelectual sobre produtos imaginativos da ficção literária fantástica, mas como urgentes conversações sobre microeventos inscritos na contemporaneidade, -já que o acoplamento vivo-máquina conquistou extensão e banalidade ao abranger a área médica e a vida comum (Le Breton, 2013, p.204). São inúmeros os exemplos de corpos tecnologicamente modificados - construídos, aumentados ou aprimorados - demonstrando no cotidiano os elementos fusionais biológico-artificiais (mais ou menos monstruosos) que podem ser encontrados na literatura de ficção científica, podendo inclusive creditar a esta última a imensa maioria das imagens que nos fazem imaginar (e criar) os ciborgues da maneira que fazemos hoje.

O termo ciborgue (em inglês cyborg; [cyb]-ernetic [org]-anism), inventado em 1960 por Manfred E. Clynes e Nathan S. Kline no artigo Cyborgs and Space2 continua a ser o referencial comum desses acontecimentos sendo então definido em termos de sua capacidade de incorporar deliberadamente
-componentes exógenos que estendem a autofunção de controle - regulação do organismo - a fim de adaptá-lo a novos ambientes (…) de forma automática mantendo constantes seus sistemas orgânicos (Clynes & Kline, 1960, p.27), objetivando - a priori - um expressivo aumento de eficiência operacional visando, portanto, -ser um paliativo das insuficiências do corpo (Le Breton, 2013, p.204).

O ciborgue é, destarte, substrato (ao mesmo tempo imaginário e prático) para o desenvolvimento de possíveis ligações entre o ser humano (ou qualquer outro organismo) e a máquina, de ordem biológico-tecnológica, podendo residir em um corpo orgânico ou artificial (robótico / sintético / protético) e podendo ou não ser regido por uma Inteligência Artificial (IA). O corpociborgue pode apresentar uma capa humana física-biológica, partes corpóreas naturais-humanas, estruturas orgânicas tecnologicamente modificadas, melhoradas ou adaptadas, podendo ainda apresentar-se como um combinado - em qualquer ordem - destes componentes.

Com esta peculiar propensão para a fusão, união, combinação e (re)montagem (tanto de peças como de conceitos), e paradoxalmente podendo produzir-se como mera engenharia de software, mais uma estratégia de reprodução e decalque da lógica vigente (organização-organismo cibernético), o ciborgue é ao mesmo tempo um ser material em fluxo constante, e uma corporeidade em acoplamento com o qual tornou-se possível imaginar novas imagens individuais e coletivas para perceber a pós-modernidade. A existência deste corpo se impõe assim como uma nova figuração para a subjetividade em nossos tempos. Um híbrido corpo-máquina, entidade de conexão, uma corporeidade que deliberadamente borra distinções categóricas. Um corpociborgue não é apenas físico, mecânico ou mesmo textual. É um contraparadigma para a interação entre o interior e a realidade externa. Constituído como uma função de vários - que se cruzam em redes de comunicação e acoplamentos - pode ampliar a leitura do que ocorre nos territórios existenciais entre corpo e máquina, podendo tecer uma nova e poderosa substituição para os desgastados binarismos no debate sobre o corpo3, podendo inclusive insurgir contra a ordem-organismo e tornar-se contravenção, sabotagem, brecha por onde escapar da valorização da perfeição sintética e dos modelos identitários assépticos.

Acoplamentos Louco-Formiga

É exatamente neste corpo permeado por discursos utópicos que o interpretam como -bem adaptado às tecnologias ou que, pelo menos, deveria tornar-se bem adaptado a elas, inserindo-o na mesma lógica da racionalidade técnica (Viviani, 2007, p.46) que podem insurgir composições subversivas. Nas multidões de corporeidades que habitam (se revelando ou se escondendo) o corpociborgue pode emergir algo que pode acabar com os julgamentos e representações em erráticos movimentos de rebeldia: -corpo infinitamente potencial, com poder de explodir, em luta contínua contra (…) a organização do organismo, a representação, a língua carcaça e deus (Lage, 2008, p.67). Contemporâneos acoplamentos insólitos para pensar corporeidades impostergáveis.

Compondo nosso corpo-escrita ficcional (dobra de nosso corpo-escrita científico) emprestamos da ficção de Philip K. Dick, uma formiga elétrica - um personagem andróide, composição (im)possível homem-máquina - que aqui, tal qual -um campo de forças, pensamos que seja capaz de operar a inversão de signos indo além do simbólico (Resende, 2008, p.72) nos fazendo assim deslocar-mo-nos entre brechas, na urgência de possibilidades outras de pensar e viver estas corporeidades que ora apresentamos. O imaginário do andróide como personagem que luta - que se rebela e insurge - é um tema bastante presente na maioria dos escritos de Dick, sendo a Androidização (facilmente extrapolada aqui para Ciborguização, ou entendida conceitualmente neste caso como um contínuo: ciborgue-prelúdio-do- andróide ou o vir-a-ser do ciborgue) e o percurso trilhado em busca de mais vida como ser humano, focos importantes da crítica de sua ficção, sendo percebida na maioria de suas produções, por exemplo, a inversão da díade homem/andróide (o andróide assumindo qualidades consideradas humanas, enquanto o ser humano torna-se mais parecido com uma máquina). O autor pensa ainda a diferenciação final entre ser humano e andróide como algo que reside na empatia4 do primeiro, podendo assim ser entendida a vida como uma potencialidade para rebelar-se e desafiar as programações pré-estabelecidas, que poderia num determinado contexto de ciborguização reduzi-lo a um ser autômato: -A redução dos seres humanos a simples objetos utilizáveis, homens transformados em máquinas... Trata-se do maior mal que se pode imaginar. Androidização exige obediência. E acima de tudo, previsibilidade (Dick, 1995a, p.129).

No conto -A Formiga Elétrica (Publicado em inglês com o título original The Electric Ant em 1969), partindo da complexa fusão de sua visão tecnológica, dos elementos clássicos da escrita de Ficção Científica e dos trabalhos de mapeamento do cérebro do final dos anos 1950, Dick nos traz a imagem do andróide lutando para tomar o controle de sua vida (e sua realidade) produzindo sua subjetividade por meio da recriação de seu corpo. Estes movimentos ofertam assim ao corpociborgue uma série de questionamentos inusitados: Garson Poole, um ser limítrofe entre o orgânico e o inorgânico - uma formiga elétrica -, descrito fisicamente como humano tendo carne e pele, podendo inclusive sentir algum tipo de dor. Poole, trabalha, experimenta, sente, lembra. No entanto, por baixo desta constituição orgânica, ele é feito de micro- mecanismos e sistemas de fitas perfuradas. Ao longo de sua vida estes mecanismos funcionaram tão bem que Poole (dotado de um implante de memórias humanas sintéticas) sempre acreditou ser humano e não soube ser um andróide até o dia em que sofreu um acidente grave que resultou na amputação de sua mão direita.

Partindo destas conversações (im)possíveis por entre corpos de tempos vários, e ainda nesta nomadização necessária do pensamento, aproximamos também do ciborgue, Antonin Artaud5 - louco em escritura de si, que como nenhum autor conseguiu afrontar as letras e os órgãos (Deleuze, 1993/1997, p.26) produzindo uma língua tão capaz de comunicar sobre o poder biomédico e sua força de captura e permanência - para guiar enviesadamente estas conversas de intensas interseções/intercessões. Todavia, muito mais do que traçar um mapa seguro sobre os trajetos do artista- escritor, toma-se seu corpo-escrito: o Artaud (d)escrito pelo Artaud, autor- feito-personagem, escrituras de corpo louco, de corpo livre. O corpo-escrito, personagem conceitual de si mesmo, corporeidade rebelde - e invasora pois de nossa escrita - que trava incansável a batalha de inumeráveis -(…) tentativas de pensar o inapreensível sobre o corpo, ou ainda sobre o corpo que resiste aos mecanismos de controle (César, 2010, p.163).

Com essa bricolagem de corporeidades e rebeldias espera-se produzir um indistinguível amálgama de tempos passados-passantes, presentes- apresentados e futuros-futuríveis indicando a existência de uma subversiva produção de vida que reverbera -como reivindicação tonante do corpo contra as forças coercitivas que um dia pretenderam domesticá-lo, aprisioná-lo (Kiffer, 2006, p.264). Explorando estes percursos labirínticos de corpos-escritos, guiados caoticamente por esta existência-corpo- escrito-louco que nas experiências da captura e libertação pode levar-nos mais próximos a um pensamento fronteiriço - o pensamento da borda, pensamento- limite - para repensar o corpociborgue como uma corporeidade própria do contemporâneo, nos levando ao limite dessas experiências que nos revelam a radicalização de planos de existência que insurgem com a idéia de tribunal, de regras e normatizações. Um devir- rebelde, revoltoso. Impostergáveis corporeidades que se insurgem para acabar com o juízo de deus6.


1º Acoplamento: Acontecer como o impostergável de um corpo

Garson Poole acordou em uma cama de hospital. O médico explica:
-Você é uma formiga elétrica (…), nós recebemos uma formiga elétrica a cada semana, ou quase (…) trazida aqui por um acidente de foguete, como o seu (…) pessoas a quem, como você, nunca lhes foi dito, e que acreditavam-se humanas (Dick, 1969/1985, p.371). Poole é apenas uma das muitas formigas elétricas que acidentalmente descobre sua verdadeira identidade. As formigas elétricas são projetadas para funcionar - a partir de seus implantes de memória sintética - como seres humanos, e -vestidas de carne viva (Artaud, 2007, p.36) são programadas para nunca saberem sobre suas verdadeiras existências. -Pele natural cobrindo carne natural, verdadeira e cheia de sangue nas veias e capilares. Mas abaixo desta, fios e circuitos, componentes miniaturizados brilhando (…) motores, válvulas, todas muito pequenas. Intrincado… (Dick, 1969/1985, p.372).

Carne em cima, mecanismos embaixo: -em cima, embaixo. Em cima com sua figura de múmia oca. Embaixo com sua massa, seu talhe maciço e bem traçado. Ela está ali como uma muralha de noite compacta , atraindo, mostrando a chama das cartas sulfuradas (Artaud, 2011, p.201). O acidente de Poole demarca sua inclusão e sua exclusão. Mais que um acidente, é um acontecimento7. Ao descobrir seu corpo como dispositivo recombinante vê desconstruída sua noção de vivo e volta- se a transgressão de sua finalidade. Circuitos autodestrutivos. Tecnologia tornada normativa por meio de seus índices hiperfuncionais: -Eu só perdi a mão direita‘ disse Poole. ‗Mas você vai ficar bem. Quero dizer, eles podem enxertar outra (Dick, 1969/1985, p.370).

A ambiguidade do ciborgue vista por Haraway não é comemorada por Poole, mas a partir do instante dar-se conta em um corpo-outro - em uma nova existência - sente -aí um moer de eclusas, uma espécie de horrível choque vulcânico (…) e desta colisão, e deste dilaceramento de dois princípios, nascem todas as imagens em potência, em uma irrupção mais viva que uma lâmina do fundo (Artaud, 2011, p.199). Imagens todas em potência, imagens que se apresentam ao vivo não como leque de possibilidades a escolher, mas de várias experiências a sofrer no corpo, inexoravelmente.

O acidente fornece um princípio de diferença radical irredutível dentro da ontologia funcionalista do ciborgue. Extermínio dos valores por eventos fabulosos que ordenam a destruição não só dos sujeitos e identidades da filosofia tradicional, mas também faz colapsar as subjetividades localizadas, cativas. A possibilidade de (re)experimentar o corpo perdido, o corpo-outro. O acidente configura seu corpo com um repertório alargado de novos órgãos que é preciso desorganizar. Vinculação do desejo nas conjunções oferecidas por essas novas superfícies. Decreta o deslocamento de uma ordem identitária para um território existencial imaginário, sutil. Faz sucumbir o vivo programado para o surgimento do singular no andróide, -e em relevo, sobre esta convulsão dos bas-fonds, sobre esta aliança da luz enérgica com todos os metais da noite, como a própria imagem deste erotismo das trevas, ergue-se a volumosa e obscena silhueta do Autômato Pessoal (Artaud, 2011, p.199).

Poole engravatado e conduzido por protocolos abandona o cenário para a aparição da potência de singularização de um corpo que se percebe aprisionado. -No fundo do grito das revoluções e das tempestades, do fundo desta trituração de meu cérebro, neste abismo de desejos e de questões, apesar de tantos problemas, tantos temores (Artaud, 2011, p.200), o acidente como estado catastrófico de autoafetação que permite questionar a vida. Acontecimento enfim.

Depois de descobrir a si mesmo como sua mais nova verdade (im)possível e com o qual se tem que lidar,

com todo este tremor em um corpo exposto com todos os seus órgãos, as pernas, os braços movendo-se com seu ajustamento de autômato (…) há esta barreira de um corpo (…) que está ali, como uma página arrancada, como um farrapo desenraizado de carne, como a abertura (…) (Artaud, 2011, p.198).

Poole examina em seu corpo cada detalhe do acontecimento: -em mim quando eu fui feito... juntamente com a ilusão de que eu sou humano, e que estou vivo (…) funcionando como antes. Exceto' disse Poole que agora eu sei‘. (Dick, 1969/1985, p. 371).

Questionar sua experiência como ser humano, mas vai muito além disso. A despeito de sua evidenciada falta de vida sentia em algum lugar a certeza de estar vivo. -Sou uma aberração, ele concluiu. Um objeto inanimado que imita um animado. Mas (…) se sentia vivo. Ainda assim ele se sentia diferente agora. Sobre si mesmo. Assim como sobre tudo (Dick, 1969/1985, p.372). Comparava diretamente seus pensamentos e sentimentos com os seres humanos, colocando-se como andróide sob um novo ângulo. Urgia recriar o conceito de si mesmo. Sua própria rebelião humana. Rebelião de vida, luta contra a máquina em si, contra todo o autêntico em si8.

-Acho que vou me matar, disse para si mesmo. Mas provavelmente sou programado para não fazer isso, seria um enorme prejuízo que meu dono teria que absorver. E que ele não iria querer (Dick, 1969/1985, p.372). No entanto, enquanto os corpos são atraídos para os modos tranquilizadores de órgãos/organização também é possível que os afaste simultaneamente. A morte

- aqui colocada como esvaziamento - dá lugar ao excesso das possibilidades e potências. Rachaduras aparecem nos estratos, e assim, cabe colocar que nenhuma categoria identitária é totalmente estável. Nenhum funcionamento totalmente unificado e consistente. E exceto no esvaziamento (morte) não há modo de organização totalmente sedimentado. O corpo mantém o seu ímpeto: impulso próprio para a formação de agenciamentos que permitem a fruição do desejo em diferentes direções, produzindo novos acontecimentos.

Breves linhas de movimento que se afastam da organização e estratificação em direção a um Corpo- sem-Órgãos9 (CsO). Em outras palavras, em um corpo (des)articulado cujos órgãos (e os seus movimentos e potenciais estão capturados), em algum lugar possível, pensou também Poole:

-existe uma matriz local, eliminando determinados pensamentos, certas ações. E obrigando-me a outros. Não sou livre. Eu nunca fui, mas agora eu sei disso, o que faz diferença (Dick, 1969/1985, p.375). E o limite nunca é totalmente atingível. Cada agenciamento pode ser traçado em termos de suas relações singulares - e suas afetações - que não se reduzem a um único processo a priori. Para cada conjunto de partes eletrônicas novas pode existir uma criação de corpo onde diferentes fluxos de desejo sejam produzidos. Percebendo em si estes novos atravessamentos brotam urgências: alguém (ou algo) que pode reagir de forma intempestiva e sentir experimentar a vida pode não estar vivo? -Assim como preferiu viver em vez de aceitar viver morto (…) teria que consentir em não ser (…) e seria capaz de se decidir a perder o ser, ou seja, a morrer vivo (Artaud, 2007, p.37-38). Emerge em Poole então como impostergável: como deixaria de ser um andróide?

2º Acoplamento: Desterritorializar como o impostergável de um corpo 

Havia tornado -sua janela opaca, acendeu a luz, enquanto cuidadosamente removia suas roupas, peça por peça. Tinha visto atentamente, como os técnicos na instalação de reparo haviam anexado a mão novamente. Tendo sido montado e programado, seria capaz de atualizar a si mesmo? -Se eu estou programado, decidiu, a matriz provavelmente se encontra lá (…) mas o labirinto de circuitos deixou-o perplexo. Em sua primeira tentativa de compreender sua estrutura física interna andróide, ele precisava acoplar-se. Solicita então ajuda de um supercomputador da sua corporação para ajudá-lo a decifrar o labirinto de circuitos em seu corpo, percebendo então -um rolo de fita perfurada montada acima do seu mecanismo do coração (Dick, 1969/1985, p.373). Descobre então que não possui uma unidade de processamento central, nada que lhe diga como reagir a uma determinada situação. Ao invés disso, tem no interior um -construtor de suprimento de realidade10. Sua nova existência como formiga elétrica poderia então lhe emprestar a capacidade de alterar o real. Reconfigurar conexões com outros, capturados em construções conjuntas de mundos (im)possíveis. Esta segunda descoberta permitiria então -a possibilidade de reprogramar a realidade (…) mas, interferir com a fita de realidade? No caso afirmativo, por quê? Com a descoberta da fita de realidade, Poole percebe que sua vida - até o momento inflexível, programada e determinada por uma cadeia pré- perfurada que cria eventos serializados - em uma realidade de corpociborgue talvez pudesse ser editada (Dick, 1969/1985, p.374).

Esta percepção dissolve a miragem de sua liberdade como ciborgue-incógnito-de-si-mesmo ao mesmo tempo em que amplia suas possibilidades de alteridade na vivência desta nova corporeidade; potência para rebelar-se contra seu corpo andróide, na insurgência de uma outra corporeidade, produção do inédito em sua narrativa:

-(…) meu universo está sob meus dedos, percebeu. (…) Com isso, ele não se limitaria a ganhar o controle de si mesmo, ele ganharia o controle sobre tudo (Dick, 1969/1985, p.380). No território corpo-de-formiga-elétrica começa a ser possível colocar em questão discursos recorrentes de permanência. Construir, destruir e reconstruir territórios com uma atividade especialmente humana, ressignificada para emprestar vida ao andróide em seu movimento de luta insurgente. Subversão -que perturbasse os homens, que fosse como uma porta aberta e que os levasse lá onde jamais consentiriam em ir, uma porta simplesmente aberta para a realidade (Artaud, 2011, p.208).

Rebelde de seu próprio corpo, se pergunta: -Como posso testar isso? Obviamente, através do preenchimento de uma série de buracos. (…) Tinha coberto pelo menos mil buracos (Dick, 1969/1985, p.375). Usando lentes de ampliação seleciona uma seção de buracos perfurados e os apaga com um esmalte opaco. Assim, Poole experimenta a ausência do horizonte. Movimento de desterritorialização do corpo: os furos funcionam para o leitor como como um piano mecânico, sólido é não, o furo é sim, cada furo coberto significara o desaparecimento de algum objeto em sua realidade. Desconstruíra os objetos - sacralidade da organização normativa para o corpociborgue - e agora pensava o múltiplo efetivamente como substantivo, pois é aí que ele não encontra mais nenhuma relação com o uno - sujeito ou objeto -, -como realidade natural e espiritual, como imagem e mundo, pois a multiplicidade não constitui sujeito e muito menos objeto, mas apenas determinações, grandezas e dimensões, -que não podem crescer sem que se mude de natureza (Deleuze & Guattari, 1980/2004, p.16) e com aquele experimento o andróide mudara sua natureza. Decupagem da realidade. As multiplicidades se definindo pelo fora, pelas linhas componentes do rizoma, linhas abstratas e de fuga.

-Fumando um cigarro atrás do outro, voou em círculos por quinze minutos... e em seguida, silenciosamente, Nova York reapareceu (Dick, 1969/1985, p.376). E haveriam sem dúvida mais reterritorializações. Poderiam surgir acoplamentos que enfraquecem o corpo reduzindo lentamente o seu potencial para tornar-se outro. Repetição mais e mais vezes ou vários componentes poderiam estratificar, endurecer, codificar. Sedimentação possível de órgãos e percursos do corpo. Mas estava atento e assim tentaria seguir, em movimento. -Devires se encadeando e revezando segundo uma circulação de intensidades que empurra a desterritorialização cada vez mais longe (Deleuze & Guattari, 1980/2004, p.19).


3º Acoplamento: Desestratificar comoo impostergável de um corpo 

Consideremos os três grandes estratos relacionados a nós (…) o organismo, a significância e a subjetivação. A superfície de organismo, o ângulo de significância e de interpretação, o ponto de subjetivação ou de sujeição (Deleuze & Guattari, 1980/1996, p.23). Acoplamentos que tendem a classificar e identificar e hierarquizar os organismos de acordo com noções fixas de estabilidade. Força coercitiva da medicina, classificação redutora da psiquiatria, a categorização interventora da saúde, o olhar de desaprovação moral, as restrições de ordenamento dos territórios, e assim por diante.

"Como seria (…) se este televisor projetasse todos os canais na tela de raios catódicos ao mesmo tempo? Poderíamos distinguir algo na mistura das imagens? Talvez pudéssemos aprender (…) a ser seletivos, perceber o que queremos e o que não (Dick, 1969/1985, p.377). Dentro de cada agenciamento, o corpo ligando-se a outros organismos e máquinas de pessoas, substâncias, saberes, instituições dos quais pode redirecionar ou bloquear fluxos de desejo. Experimentações possíveis para transitar nos segmentos dos contínuos de intensidades no corpo: -eu o ponho em suspensão na vida, eu quero que ele seja mordido pelas coisas exteriores e, em primeiro lugar, por todos os sobressaltos em cisalhas, todas as cintilações de meu eu por vir (Artaud, 2011, p.207).

Era impostergável -conectar, conjugar, continuar: todo um diagrama contra os programas ainda significantes e subjetivos (Deleuze & Guattari, 1980/1996 p. 23-24). Poole poderia ter dito: tentarei me desestratificar. Inclusão de um adesivo na fita de realidade. Fazer com que o leitor- scanner não receba informação alguma. Ação subversiva de efeito radicalmente inesperado. -Estabelecer conexões transversais entre os estratos e os níveis, sem centrá-los ou cercá-los, mas atravessando-os, conectando-os (Guattari & Rolnik, 1986, p.322): inseriu um "espaço morto de vinte minutos no fluxo de desdobramento de sua realidade. (…) Poole disse: ‗Eu estou me libertando‘. (Dick, 1969/1985, p.377).

O quarto se imobilizou. Em seguida, as cores começaram a escorrer. Objetos diminutos, até a fumaça, voaram para as sombras. A escuridão cobriu os objetos do quarto como uma película. O ultimo dos estímulos morria. (Dick, 1969/1985, p.378). Ele se senta e olha o apartamento desaparecer e se encontra mentalmente em um vazio. Na -procura um carimbo de vida para apostilar as trevas e a queda, dar uma saída radiante à vertigem que drena tudo para baixo (Artaud, 2011, p.198) Poole havia sido descuidado e se desestratificou rápido demais.

A inserção que incluiu, bloqueou a entrada do leitor-scanner e o dispositivo desligou-se sozinho: Quando recobrou a consciência, dois técnicos uniformizados da manutenção de sua empresa estavam trabalhando nele. -A consciência de seu próprio corpo partiu-se com tudo mais no universo (Dick, 1969/1985, p.379). Se uma desestratificação ocorre muito rapidamente ou de maneira muito descuidada ou imprudente11 pode destruir um corpo: subjetividade em colapso. -É necessário guardar o suficiente do organismo para que ele se recomponha a cada aurora (…) pequenas rações de subjetividade, é preciso conservar suficientemente para poder responder à realidade dominante (…) inclusive para opô-las a seu próprio sistema. (Deleuze & Guattari, 1980/1996, p.23).

Para tanto, é importante ser capaz de manter pelo menos algumas conexões com o mundo social e sua organização e subjetividade. Sem essas ligações um corpo torna-se incapaz de formar novos agenciamentos, perde poder político e estratégico para insurgir. Em vez de produzir brechas para transitar, gera buracos negros, capazes de anular quaisquer resquícios de vida. Portanto, -tudo isso deverá ser arranjado muito precisamente numa sucessão fulminante (Artaud, 2007, p.33).


4º Acoplamento: Delirar como o impostergável de um corpo 

Poole especula tentar controlar o tempo com sua fita. Planeja, vacila, recua. Após seus experimentos com a oclusão de luz de seu sistema, fabula controlar sua realidade com a luz. -O que eu quero, ele deu-se conta, é a final e a absoluta realidade, mesmo que por um microssegundo. Depois disso, não importa, porque tudo será conhecido, nada será deixado para entender ou ver. Eu poderia tentar outra mudança (Dick, 1969/1985, p.381).

-Vou fazer novos buracos na fita e ver o que acontece. Vai ser interessante, porque eu não sei o que os buracos que eu farei significarão (Dick, 1969/1985, p.381). Poole permite que mais luz passe para o leitor-scanner e tal qual como Beckett, lembrado por Deleuze (1968/2006) decide -perfurar buracos em sua linguagem para ver ou ouvir o que se esconde (p.9), ou como nos traz Lins (2012), edição de si como uma -escrita perfurante que atravessa a membrana do organismo e deixa vazar o quente, o úmido, o grito de vitalidade que o vácuo produz. A liberdade (…) neste movimento vacuolar, sístole- diástole de uma pulsão sem órgãos (p.9).

-No centro da sala surgiu um bando de patos verdes e pretos (…) arremetendo-se contra o teto numa massa de penas e asas frenéticas (…) patos‘ disse Poole, maravilhado. Eu furei um vôo de patos selvagens (Dick, 1969/1985, p.381). Perfurar novos furos aleatórios na fita para ver o que acontecerá. Furos como possibilidades, brechas para linhas de fuga. Recriação delirante de sua própria realidade, o corpo como território de experimentações esquizo. -Preferência pelo povo que come da própria terra o delírio do qual nasceram (Artaud, 2007, p.35).

Essas visões, essas audições não são um assunto privado, mas formam as figuras de uma história e de uma geografia incessantemente reinventadas. É o delírio12 que as inventa, como processo que arrasta as palavras de um extremo a outro do universo (Deleuze, 1968/2006, p. 9).

Patos que aparecem brevemente para esvanecer em seguida. O intervalo dos buracos feitos por ele haviam passado rapidamente e o mundo físico ainda está ali. -É o parapeito do eu que olha, sobre o qual um peixe de ocre vermelho restou (…) de uma coagulação de água refluída. Mas alguma coisa se produziu de repente (Artaud, 2011, p.203).

Seguindo em seu movimento insurgente Poole começa a alterar a realidade ao seu redor. Altera sua programação alterando o encadeamento normativo imposto universalmente. Produz novas imagens que não foram originalmente destinadas a aparecer;

-capaz de adaptar a realidade a suas exigências (…) constrói para si um mundo novo, que continua a fortalecer mediante o delírio: (…) quando a vida se torna invivível, deve-se inventar uma vida nova (Bodei, 2003, p.128). Uma perfuração que pode ser coberta. O paradoxo final da realidade é desvelado. Ao delirar, havia afetado sua realidade.
Talvez todo o universo e todas as realidades possíveis fossem apenas isto: tradução delirante de luz, luz- realidade-impostergável. E esta perspectiva o fascinava. Criaria um novo universo delirante usando a luz. Necessitava de novos experimentos. Chegara talvez a hora de um experimento terminal: com prudência, tiraria completamente a fita e deixaria que toda luz e todas as realidades possíveis ganhassem passagem rumo ao transbordamento. Faria o movimento final de sua insurgência em seu corpo e então poderia -dançar às avessas como no delírio dos bailes populares e esse avesso será seu verdadeiro lugar (Artaud, 2011, p.42).


5º Acoplamento: Desfazer o organismo como o impostergável de um corpo 

-O que quer dizer desarticular, parar de ser um organismo? (…) Com que prudência necessária, a arte das doses, e o perigo, a overdose. Não se faz (…) com pancadas de martelo, mas com uma lima muito fina (Deleuze & Guattari, 1980/2004, p. 22). O experimento final de Poole é cortar e excluir a fita completamente, permitindo que toda luz possível entre no leitor-scanner. Poderia assim experimentar todas as sensações possíveis simultaneamente. Existe colocado o risco de uma sobrecarga no dispositivo e sua consequente destruição, mas frente à busca de uma vida que insurge impostergável, o risco parece aceitável13. Poole está disposto a apostar.

-Cortarei a fita dentro do painel do meu peito, disse enquanto olhava através do sistema de lentes ampliadoras. Isso é tudo! Sua mão tremia quando levantou a lâmina de corte (Dick, 1969/1985, p.382). Titubeia por segundos mínimos, e move seu desejo em um ato finalista de rebeldia. A lâmina como tessitura de um plano de fuga, a fita como instituição a ser desconstruída. Experiência angustiante de uma realidade ilusória, que se concentra em torno de um ponto mais e mais delgado (Artaud, 2011, p.197-198) de um plano em desintegração.

-Perscrutando a tela da ampliação, viu o raio do brilho fotoelétrico apontado diretamente para o leitor-scanner, ao mesmo tempo viu o final da fita a desaparecer sob ele... Então é agora que… (Dick, 1969/1985, p.382). No momento anterior à sua destruição, Poole experimenta a vivência plena da invasão da luz delirante que molda as realidades. Neste momento torna-se intensidade. Corpo- outro, corpo-limite. Em seu deslocamento delirante em máxima potência, no transbordamento total de suas sensações, torna-se realidade. Corporeidade real, viva. Maçãs, paralelepípedos e zebras são parte dele. Goza com mulheres e insetos ouvindo sons estridentes. O calor, o mar e o vento forte o invadem e o preenchem.
-Cheias de furor, e sem serenidade nem perdão, minhas torrentes se fazem cada vez mais volumosas e se afundam, e eu acrescento mais ameaças, e durezas de astros e de firmamentos (Artaud, 2011, p.200).

-Eu estou vivendo, eu vivi, eu nunca vou viver (Dick, 1969/1985, p.383). Recriando sua corporeidade- realidade, Poole-formiga-elétrica percebe que está vivo, viveu, e, paradoxalmente, nunca irá viver. Tudo atravessa em um só tempo o corpo de Poole que por um breve momento, reprogramou a sua existência e em seu ato de insurgência experimentou viver.

-Eu me encontro aí exatamente como eu me vejo nos espelhos do mundo, e com uma semelhança de casa ou de mesa, já que toda semelhança está alhures (Artaud, 2011, p.199).

-Ele queria dizer algo (…) tentou trazer palavras... uma seqüência específica delas, da enorme massa de palavras iluminadas em sua mente, chamuscando-lhe com o seu significado total (Dick, 1969/1985, p.383). A experiência de Poole termina indizível, abruptamente com a fumaça escapando de sua boca. Poole sendo atravessado pela experiência de viver, acaba por destruir a formiga elétrica. -E ela cresce com uma gravidade de formiga, uma ramagem de formigueiro que escava cada vez mais à frente no solo (…) cresce e escava (…) e à medida que escava, dir-se-ia que o solo se distancia (Artaud, 2011, p.197-198).

Congelada contra a parede, Sarah (amiga de Poole que havia acompanhado como uma cuidadosa cuidadora seus últimos experimentos- corpo) abriu os olhos e viu a coluna de fumaça subindo da boca semiaberta de Poole. -Agora estava acabado. (…) Ela sabia, sem examiná-lo, de que tinha morrido (Dick, 1969/1985, p.383), Parada de pé e sem rumo, coloca-se a pensar no absurdo de que sua existência pudesse também ser apenas um estímulo fotoelétrico em uma fita. E então percebe algo inesperado: -ela é como a seqüência de um escalpelo. Ela está suspensa pelo fio da navalha (Artaud, 2011, p.199), de repente pode ver através de seu próprio corpo que começava a sumir.

“Talvez se eu poder colar a fita novamente, pensou. Mas Poole já tinha se tornado vago. O vento da madrugada soprou sobre ela. Ela não sentiu, ela tinha começado agora a deixar de sentir. E o vento soprou (Dick, 1969/1985, p.384). A conjunção completa de ambiente – realidade – corpo. Corporeidades e realidades-ficcionais atreladas. A invasão de uma realidade, por outra: invasão ontológica: corpo como propriedade da corporação, insurgência institucional como subversão do próprio corpo, insólita corporeidade impostergável. A autodestruição prudente como construtora de outro plano de realidade, plano de imanência. Mors ontológica do corpociborgue como abertura livre para outras corporeidades possíveis. Aniquilação da realidade do cativeiro, individuação como abertura para outras realidades imprevistas e intempestivas. Linha de fuga. Corporeidade em impostergável insurgência poética: tentativa intensa de Corpo-sem-Órgãos.


Considerações Finais 

Corpos constituídos como narrativas rebeldes que nos incitam ao deslocar-se por percursos inusitados: considerando a atual fronteira entre ficção cientifica e a realidade contemporânea como uma vertigem escheriana14, urge colocar-mo-nos em conversações sobre estas corporeidades. O ciborgue como conceito-dispositivo- disparador, que para além de sua construção como mito pós-moderno e construção imaginária de ficção, tornou- se uma parte da realidade atual pode nos trazer elementos provocadores para repensar o corpo colocado em um momento em que os liames do presente e o futuro acontecem sobre divisas colapsadas.

Emerge daí a necessidade de produções vinculadas a um pacto por uma ética clínica outra, que como ética de intervenção, -se apresenta como uma experiência de libertação (…) do modo existente, isto é, uma experiência (…) de retomada do plano de composição tanto dos que lhe demandam intervenção quanto de si mesma enquanto instituição, enquanto realidade existente (Passos & Barros, 2004, p.278) que não busca instituir normas que sirvam como fórmulas de adequação. Clamor pela produção do olhar subversivo - rebelde à hipertecnomedicalização realizada pelo médico-programador sobre o paciente- console - que abdica dos conjuntos- simbólicos-sindrômicos e os rejeita incondicionalmente. Escrita de uma -pequena saúde que vem daquilo que viu e escutou, das coisas demasiado grandes para ele, demasiado fortes para ele, irrespiráveis, cuja passagem o esgota, e que lhe dá, no entanto, devires que uma grande saúde dominante tornaria impossíveis (Deleuze, 1993/1997, p.14): potências de um cuidado vivo, que revela brechas, que rompe com o instituído, que cria novos possíveis.

Composições em movimento: nas passagens são criadas as conexões do que antes era ou parecia desconectado ou não relacionado. Mover-se é então necessário para inventar novas lentes, novos analisadores e esta epistemologia nômade mostra-se particularmente eficaz quando situada em zonas -entre. A importância da narrativa do ciborgue é a radical redefinição do materialismo, nas equivalências do repensar o corpo. Como escrevem Passos e Barros (2006) experimentações em uma -zona de indeterminação que faz emergir aquilo que se dá -entre os corpos (p.98). Sem automatismo, produção transitória de Corpo-sem-Órgãos que coloca em devir os órgãos (ainda que no acoplamento tecnológico) que recusam-se a (hiper)funções e competências vitais. Sintoma partilhado como possibilidade de insurgência: -aumento de reivindicações de singularidade subjetiva” (Guattari, 1992, p.13).

Necessidade urgente de reinventar os planos e modalidades terapêuticas visando a singularização, invenção-intevenção-aprendizado, permissão, admissão. No movimento de potencialização dos espaços-tempo em que a clínica acontece (gera acontecimentos, distando de estar apenas comprometida apenas com a ressignificação) inventar brechas para autoprodução, permissões - revolucionariamente tomadas - para que um território existencial aconteça. Pistas para potentes agenciamentos com corpos em sofrimento nos interstícios do discurso, seja este povoado por elementos-dispositivos sintomáticos ou não. Conversações com corpos em estado de greve, capturados, que gritam - silenciosamente ou não - em sua rebeldia.

Uma corporeidade que se insurge solicita compulsoriamente (e de maneira impostergável) de nós a fluidificação/fruição de nossos saberes- fazeres: a desterritorialização da terapêutica. Invenção de possíveis. A rebelde desconstrução de uma clínica focada na elaboração protocolar de roteiros diagnósticos e resolução de sintomatologias busca as possibilidades de corporeidades que se abrem aos acoplamentos, bricolagens criativas não-essencialistas, não- fundamentalistas, não preconceituosas em narrativas e histórias de ficção- científica, em práticas erráticas de produção de sentidos.

Para um corpo construído - onde ficam do lado de fora todos os programas de desejo - repentinamente surge algo que se abre, que aperta, que pulsa, que bate, que cospe, que boceja. Microdesestratificações de um corpo- ciborgue que se rebela, impostergável tentativa de criação de um CsO como plano de insurgência. Experimentação de imanência, que permite vivenciar sentidos pelos quais podem existir nos corpos corporeidades outras. Nada a ser representado, delimitado ou definido. O vivo como mais do que apenas o humano (ou o andróide): iminente processo de escape, potencial de tornar- se vivo, vida como o impostergável do corpociborgue.

Destarte, talvez possamos começar a agenciar de maneira mais potente a experiência vivencial das corporeidades contemporâneas, desconstruindo no próprio corpo a distinção fronteiriça entre ficção e realidade, já que os andróides insurgentes, rebeldes contra a perfeição funcional não-viva superam os paradoxos colocados: após tornar o corpo máquina, cativo a ponto de não se perceber mais vivo, o impostergável é insurgir-se criando um corpo-outro, num eterno retorno da vida, e desconstruir (descorporificar) a ordem do estável-previsto-e-esperado reinventando - por experimentações subversivas - territórios existenciais possíveis para sensações, memórias, inscrições, riscos.

A partir dos acoplamentos Poole-Artaud pode-se (com)fabular a produção de um plano movediço temporário. Assim como na necessidade, trazida por Deleuze & Guattari (1991/2005), que tem a filosofia da não-filosofia para a diferença - para além da negação semântica - propomos o movimento de desconstrução e reconstrução conceitual da prescrição em suas atitudes prescritivas: emergência de narrativas, fabulações, pistas, poesias, sinais vagos, riscos de giz, prospecções e intuições. Desprescrições ao corpociborgue- prelúdio-de-andróide a partir do compartilhamento de intuições e delírios, invenção de pedagogias sensacionais, atenção à saúde menor, saúde coletiva desterritorializada para coletivos contraculturais, agenciamentos criativos cuidado- alteridade, desconstrução das identidades pré-fabricadas, rebeldia dos corpos à medicalização. Luta incondicional pela afirmação da vida, onde quer que seja (im)possível que ela aconteça.

Assim, uma vez inseridos num tempo de ciborgues, talvez possamos pensar outros corpos envolvidos com a compreensão dos contextos micropolíticos - múltiplos - implicados no traçado dos encontros na produção do cuidado, por exemplo. Então, outra terapêutica, feita da inauguração subversiva de inéditos agenciamentos de enunciação, possam configurar-se como tentativas intensas de produção de CsO: pistas para corporeidades insurgentes. Tarefa incansável - ética, estética e política - para a clínica de produzir brechas por onde corpos ciborgues possam corporizar novos territórios por onde fluir desejo de vida.

Artaud quer desconstruir seu corpo todo, livrar-se de todos os órgãos inúteis à crueldade da vida. Crueldade da finitude, esgotamento dos órgãos vitais. Poole também quer desconstruir seu corpo todo, encontrar ligações que afirmem vida e tracem radicalmente novas realidades possíveis onde só reste força vital - a força de invenção de vida não importando a perda de qualquer sobrevida, destruição de entornos ou criadores-normatizadores. Liberdade da vida ao custo de qualquer sobrevida.
Que nestes movimentos - (po)éticos, caóticos, intempestivos, cruéis, contraculturais, destrutivos e imanentes possam insurgir corporeidades impostergáveis (no corpo, contra e a favor do corpo) que lutem acirradamente para que reste a vida por toda a parte e por todos os corpos (humanos, ciborgues, andróides ou formigas elétricas).


Referências

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Data de submissão: 17/09/2016
Data de aceite: 25/11/216


1 A palavra corpociborgue deriva do conceito criado por Rego (2013, p.42) -em atualização ao conceito de ciborgue de Donna Haraway (1969/1985), evidenciando que o ciborgue é uma categoria/fenômeno que ocorre no corpo; estabelecendo (…) aproximações e conexões com teóricos contemporâneos que dialogam com o conceito de ciborgue de Haraway.

2 Para descrever as vantagens do sistema homem-máquina de -auto-regulação ajustável" a diferentes ambientes e demonstrar a viabilidade de suas idéias em viagens espaciais, Clynes e Kline (1960) construíram o primeiro ciborgue: -um rato com uma bomba osmótica implantada sob a pele, injetando produtos químicos a uma taxa controlada, criando assim um sistema fechado de auto regulação. (Clynes & Kline, 1960, p.28).

3 Demarca-se que a discussão neste campo teórico ganha força principalmente após a publicação original do Manifesto Ciborgue, de Donna Haraway em 1969/1985. (Haraway, 2013)

4 Preocupação recorrente de Philip K. Dick, pode-se encontrar em vários de seus textos referências à ―empatia‖ (conceito que para o autor reuniria emoções, sensações e memórias) como afirmação de uma experiência singular do vivo no humano. (Dick, 1995a, 1995b)

5 Antoine Marie Joseph Artaud (1896-1948), mais conhecido como Antonin Artaud foi um poeta, ator, escritor, dramaturgo, roteirista e diretor de teatro francês de aspirações anarquistas. ―Maldito‖, marginalizado e incompreendido enquanto viveu, (…) Artaud passou a ser reconhecido depois da sua morte um dos mais marcantes e inovadores criadores do nosso século. (Artaud, 2007, p.2)

6 Referência à transmissão radiofônica de Antonin Artaud em 1947: ―Para acabar com o julgamento de deus‖ (―Pour en finir avec le jugement de dieu‖, que pode ser ouvida em seu audio original em francês em https://www.youtube.com/watch?v=MC lA7LE5wbM).

7 O acontecimento não é o que nos acontece (acidente), ele é no que acontece o puro expresso que nos dá sinal e nos espera (…) ele é o que deve ser compreendido, o que deve ser querido, o que deve ser represento no que acontece. (Lins, 2012, p. 31).

8 Entendido aqui, como em Deleuze & Guattari (1975/1977), no sentido de algo legítimo, verdadeiro, real e portanto essencial. Deste modo precisa ser combativo para a emergência da subjetividade (concebida como um sistema aberto), para possibilitar o singular que permite acontecimentos livres.

9 O termo O Corpo sem Órgãos foi cunhado pela primeira vez por Antonin Artaud nos anos 1940, como escrita rebelde de si, com seu corpo aprisionado em instituições manicomiais. Apareceu como conceito pela primeira vez em Deleuze em Lógica do Sentido (originalmente publicado em 1969) e em seguida, em Deleuze & Guattari no Anti-Édipo e no Mil Platôs, com suas publicações originais em 1972 e 1980, respectivamente. (Deleuze, 2000; Deleuze & Guattari, 1980/1996, 2010). Deleuze & Guattari (1980/1996) sugerem inclusive que Artaud fez para si um corpo sem órgãos, quando cometeu suicídio em 28 de Novembro de 1947 (p.150).

10 Diminuto... não maior que dois carretéis de linha, com um leitor- scanner montado entre os tambores. (…) Sob o sistema de lentes, (…) uma fita plástica (…), uma faixa larga com centenas de milhares de buracos (…) os furos funcionam para o leitor como (…) como um piano mecânico, sólido é não, o furo é sim. (Dick, 1969/1985, p.373).

11 Como nos explicam Deleuze e Guattari (1980/1996): Isso porque o CsO não pára de oscilar entre as superfícies que o estratificam e o plano que o libera. Liberem-no com um gesto demasiado violento, façam saltar os estratos sem prudência e vocês mesmos se matarão, encravados num buraco negro, ou mesmo envolvidos numa catástrofe, ao invés de traçar o plano. (…) O pior não é permanecer estratificado - organizado, significado, sujeitado - mas precipitar os estratos numa queda suicida ou demente, que os faz recair sobre nós, mais pesados do que nunca. (p.23-24).

12 Como explica Bodei (2003) ―Poder-se-ia afirmar que no delírio se confronta uma criatividade obrigatória. Isso no sentido de que quem delira viu desabar um mundo ao seu redor e certamente não se sente bem apenas expulso dele‖ (p.11).

13 Sobre esta vida que insurge impostergável e seus riscos inerentes Deleuze e Guattari (1980/2004) nos lembram que inventam-se autodestruições que não se confundem com a pulsão de morte. Desfazer o organismo nunca foi matar-se, mas abrir o corpo a conexões que supõem todo um agenciamento, circuitos, conjunções, superposições e limiares, passagens e distribuições de intensidade, territórios e desterritorializações medidas à maneira de um agrimensor. No limite, desfazer o organismo não é mais difícil do que desfazer os outros estratos, significância ou subjetivação. (p.22).

14 Maurits Cornelis Escher (1898-1972) foi um artista plástico holandês conhecido por trabalhos gráficos diversos que, a partir de efeitos de ilusão de ótica, constroem imagens (im)possíveis.

I Alexandre Sobral Loureiro Amorim: Médico, mestre em Saúde Coletiva e doutorando em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pesquisador no Núcleo de Educação, Avaliação e Produção Pedagógica em Saúde (EducaSaúde/UFRGS). E-mail: amorim.alexandre@yahoo.com.br

II Ricardo Burg Ceccim: Sanitarista, mestre em Educação, doutor em Psicologia e pós-doutor em Antropologia Médica pela Universitat Rovira i Virgili (Espanha). Professor titular de Saúde Coletiva na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pesquisador em Educação na Saúde, coordenador do Núcleo de Educação, Avaliação e Produção Pedagógica em Saúde (EducaSaúde/UFRGS). E-mail: ricardo@ceccim.com.br

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