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Revista Polis e Psique

On-line version ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.7 no.3 Porto Alegre Sept./Dec. 2017

 

EDITORIAL

 

Pesquisa em Psicologia e resistência política: produzindo espaços outros de vida

 

Research in Psychology and political resistance: producing other spaces of life

Investigación en Psicología y resistencia política: produciendo espacios otros de vida

 

No presente número da Polis e Psique apresentamos um conjunto de textos que se dedicam a pensar resistências em diferentes facetas do fazer em Psicologia: nos investimentos em pesquisa, nas formas possíveis de atuar e compreender o campo da saúde, do trabalho, e na formação de coletivos estratégicos em espaços de educação. São múltiplas interfaces que põem em pauta o conhecimento e atuação em Psicologia como produção de novos territórios existenciais e políticos. Alinhados(as) a uma perspectiva crítica desse fazer, muitos(as) autores(as) se dedicaram a dizer que, quando abarcamos demandas nestes diferentes espaços, produzimos os sujeitos dos quais falamos (Benevides & Passos, 2005), transformando o conhecimento em um trabalho de invenção (Kastrup, 2007). Diante dessa perspectiva se mostra preciso, cada vez mais, deslocar nosso olhar dos modelos pré-estabelecidos de pesquisa, saúde, trabalho e educação em prol da criação de novos sujeitos e novas práticas que possam gerar espaços outros de vida.
Como continuar provocando esse deslocamento diante de um fazer da Psicologia historicamente marcado, assim nos lembra Rose (2008), pelo controle e disciplinamento das condutas? Na contramão de uma Psicologia universalista, os textos dispostos nesta edição protagonizam um elencar de problemas que procura resistir contra os assujeitamentos em diferentes espaços em que somos atuantes. Estes escritos produzem outras relações que não se restringem a dicotomias como sujeito/objeto, teoria/prática, mas sim guiados por formas de olhar o fazer em Psicologia tendo em vista o que transborda modelos pré-estabelecidos, esquivando-se de uma “psicologização”.  Indicando perguntas que são localizadas na realidade em que vivemos, e não fora das mazelas e potencialidades cotidianas, procuram produzir ferramentas críticas para confrontar as verdades que nos subjetivam (Scisleski, 2010), atentando, como compreende Fischer (2001) acerca da leitura de Foucault, para uma transformação de nós mesmos. Na esteira dessa discussão, tendo por leitmotiv os processos de subjetivação tomados numa dimensão ético-político-estética, os textos que seguem contemplam fazeres em Psicologia voltados a possibilidades de criação de vidas outras, diante de um cenário atual marcado por certo niilismo político.
Começamos este número com o texto “A Analítica da Subjetivação em Michel Foucault” de João Leite Ferreira Neto, a partir do qual o autor nos proporciona um apanhado de possibilidades de operacionalização da analítica foucaultiana tendo em vista, em especial, materiais nos quais Foucault posiciona a subjetividade como prática de liberdade. Neste texto, João Leite Ferreira Neto nos apresenta como subjetivação passa a ser analisada a partir das práticas de assujeitamento e práticas de si, além disto, tendo em vista como o trabalho de pesquisa se constitui como dispositivo de subjetivação contemporâneo. Propondo-se a discutir também os fazeres em pesquisa, o texto “Coreocartografia: corpos, dança, pesquisa em psicologia”, de Dolores Galindo e Daniele Milioni, procura refletir acerca das práticas de investigação em Psicologia. Tendo por disparador a noção de coreocartografia, sustentada em perspectivas derivadas da dança contemporânea, nas epistemologias feministas e nos estudos cartográficos, as autoras procuram elencar a dança como método no qual o corpo protagoniza um lugar de pesquisado/pesquisador. A partir desse movimento as autoras investem numa noção que desloca a perspectiva clássica de experimentação em Psicologia, de modo a colocar em discussão práticas de criação, infixidez e de variação.
Adentrando no campo da saúde contamos, nesta edição, com oito artigos que propõem possibilidades de resistência a partir da Psicologia. No texto “A Relação Profissionais de Saúde – Usuários do SUS: Problematizando o Termo “Ajuda”, as autoras Isabela Tellis Rodrigues e Janine Moreira discorrem acerca das relações de poder dentro de uma Estratégia de Saúde da Família (ESF), enquanto campo de atualização de hierarquias fundadas no status social e acadêmico de profissionais. Dessas atualizações, a lógica biologicista e hospitalocêntrica, ao mesmo tempo que valoriza o saber da medicina, se mostra intrinsecamente relacionada à relação com usuários(as). Na esteira dessa discussão as autoras apontam que é necessário investir em um campo mais dialógico, que problematize a lógica de ajuda que compõe prerrogativas hierárquicas em função de uma noção de solidariedade e corresponsabilização da saúde.
O artigo intitulado “A Saúde e o Psicotrópico no Sistema Prisional”, de Mariana Moulin Brunow Freitas, discute os processos de saúde e usos de psicotrópicos no sistema prisional, enquanto dimensões que existem em paradoxo. Tendo em vista a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), se apresenta neste texto as práticas de saúde e o uso do psicotrópico no sistema prisional da Penitenciária de Segurança Máxima II, localizada no Complexo Penitenciário de Viana, no Espírito Santo, como disparador de reflexões. A autora demonstra que, ao passo que as práticas em saúde podem dar ensejo a estratégias de controle, produzindo formas de mortificação, também possibilitam campos de escape dos investimentos biopolíticos, de modo a inscrever formas de resistência.
No texto “Clínica, Música e Tempo: Agenciamentos Possíveis para uma Experiência Afetiva”, as autoras Gessica Carneiro da Rosa e Vilene Moehlecke apresentam uma discussão a partir de uma experiência de estágio profissional em Psicologia, com foco nas práticas que interseccionam arte e clínica. A partir de uma perspectiva cartográfica, se desenvolve neste escrito considerações acerca das desterritorializações e problematizações da música como dispositivo clínico, do modo como dimensões de ordem coletiva se manifestam nos atendimentos identificados como individualizados assim como a potência da relação entre paciente e estagiária-terapeuta.
Seguindo as discussões no campo da produção de saúde, o artigo “Contribuições da Psicologia à Residência Multiprofissional em Saúde da Mulher: Relato de Experiência”, de Silvia Nogueira Cordeiro, Maria Elizabeth Barreto Tavares dos Reis, Nathália Tavares Bellato Spagiari e Weronica Derene Adamowski, procura descrever e analisar a experiência de inserção profissional da Psicologia em um Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Mulher. Acompanhando atividades das duas primeiras turmas do programa, as autoras puderam estabelecer algumas dinâmicas e desafios da participação da Psicologia em equipes multiprofissionais, atentando, também, para as especificidades da saúde da mulher.
No artigo intitulado “Crianças e Adolescentes com Condições Crônicas Falam Sobre Saúde”, as autoras Barbara da Silveira Madeira de Castro, Martha Cristina Nunes Moreira, Ana Maria Szapiro indicam os resultados de uma pesquisa elaborada com crianças e adolescentes internadas em um hospital de referência no Rio de Janeiro. Tendo por objetivo compreender os sentidos atribuídos por estes no que concerne à ideia de saúde foi realizado um estudo de perspectiva etnográfica, utilizando também abordagens lúdicas de modo a possibilitar um espaço de diálogo e protagonismo dos participantes. A partir de uma articulação com os escritos de Georges Canguilhem, as autoras indicam a capacidade normativa das crianças e adolescentes diante do adoecimento crônico.
No escrito “Entre Saúde Mental e a Escola: a Gestão Autônoma da Medicação”, Felipe Alan Mendes Chaves e Luciana Vieira Caliman lembram a urgência de pensar os atuais atravessamentos entre o trabalho em Saúde Mental e o campo escolar quando se trata de crianças e adolescentes. Considerando o aumento utilização de medicação em função dos diagnósticos de problemas de aprendizagem, o autor e a autora estabelecem considerações sobre um projeto de construção de trabalho intersetorial. A partir de uma pesquisa-intervenção procurou-se acompanhar um grupo de Gestão Autônoma da Medicação (GAM) composto por pesquisadores, familiares de crianças em tratamento com psicotrópicos e trabalhadores do Centro de Atenção Psicossocial para infância e Adolescência de Vitória/ES (CAPSi).
Em “Fantástica Fábrica de Leite: Problematizando Discurso de Apoio à Amamentação” Débora Fernanda Haberland e Andrea Cristina Coelho Scisleski apresentam um estudo discutindo as prerrogativas de cuidado com a amamentação e sua relação com as produções do corpo. A partir da constatação de que o processo pré-natal e pós-parto são foco de políticas direcionadas a mulher para diminuição da morbidade e mortalidade, as autoras elaboram críticas relacionadas ao controle do corpo da mulher neste processo. As autoras acompanharam uma instituição filantrópica que oferece o serviço de assistência pré-natal e, a partir de uma perspectiva foucaultiana, analisaram as narrativas das gestantes de modo a dizer dos atravessamentos discursivos envolvidos. Por meio do texto podemos ver como, discursivamente, se produzem modelos de aleitamento materno e do ser mãe.
Ainda no que concerne aos escritos desta edição focados nos atravessamentos entre Psicologia e Saúde, temos um último artigo. Em “Acolhendo Dissonâncias: Por Uma Clínica Compositora No Cuidado De Si”, de Martha Bento Lima, vemos um ensaio que trata dos resultados de uma Oficina de Composição Musical com crianças e adolescentes em um centro comunitário do Rio de Janeiro. Enquanto relato de experiência de intervenção, este estudo nos possibilita compreender como a música pode servir como um dispositivo de expansão e singularização da vida, permitindo a criação de práticas ético-estéticas pautadas por uma ética do Cuidado de Si.
Discorrendo acerca de temáticas relacionadas a trabalho, mas ainda nas intersecções operadas por perspectivas de pesquisa em Psicologia ético-político-estética, temos o manuscrito “O Lugar do Conceito de Sublimação na Psicodinâmica do Trabalho”, de Graziele Alves Amaral, Ana Magnólia Bezerra Mendes, Daniela Scheinkman Chatelard e Isalena Santos Carvalho. As autoras discutem aproximações entre o conceito dejouriano de mobilização subjetiva no trabalho e o conceito freudiano de sublimação. Entende-se que a leitura dejouriana possibilita ampliar esse campo conceitual de modo a permitir um olhar sobre a forma como o sujeito se mobiliza nos processos de trabalho. As autoras indicam que essa proposta de leitura teórica contribui para o fazer na clínica psicodinâmica do trabalho, assim como instrumentalizar os profissionais que atuam clinicamente a atuarem numa perspectiva de emancipação subjetiva.
Finalizando esta edição, temos o artigo “Identidades em Reinvenção: o Fortalecimento Coletivo de Estudantes Indígenas no Meio Universitário”, de Iclicia Viana e Kátia Maheirie. Tendo em vista o crescimento da presença indígena em ambientes acadêmicos, as autoras põem em pauta as possibilidades da formação superior como instrumento possível de luta. Num cenário brasileiro em que convivem políticas afirmativas e formas de preconceito e racismo, o fortalecimento de movimentos indígenas nas Universidades é tomado como não só potência de reinvenção identitária, mas como fortalecimento de coletivos e resistência política.
Este conjunto de textos nos mostram como investigações permitem abrir espaços outros de vida, pelo confronto e reflexão. O fazer em Psicologia, tomado nos escritos desta edição como forma de viabilizar a elaboração de espaços coletivos de problematização, continua se mostrando uma forma potente de transformação. Desejamos uma ótima leitura e agradecemos a todos e todas que têm colaborado com o periódico. Esperamos poder contar sempre com a colaboração de vocês, seja como leitores(as), autores(as) ou pareceristas.


Henrique Nardi – Editor Gerente
Neuza Guareschi – Editora Associada
Cristiano Hamann – Editor Assistente

Referências

Benevides, R., & Passos, E. (2005). A humanização como dimensão pública das políticas de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 10(3).         [ Links ]

Fischer, R. M. B. (2001). Foucault e a análise do discurso em educação. Cadernos de pesquisa. São Paulo. N. 114 (nov. 2001), p. 197-223.         [ Links ]

Kastrup, V. (2007). O funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo. Psicologia & Sociedade, 19(1), 15-22. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822007000100003         [ Links ]

Rose, N. (2008). Psicologia como uma ciência social. Psicologia & Sociedade, 20(2), 115-164. https://doi.org/10.1590/S0102-71822008000200002        [ Links ]

Scisleski, A. (2010). Governando a vida: (pro)vocações para a psicologia. In N. Guareschi, A. Scisleski, C Reis, G. Dhein, & M. A. Azambuja (Org.), Psicologia, formação, políticas e produção em saúde (v. 1, pp. 167-183). Porto Alegre, RS: EdiPUCRS.         [ Links ]



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