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Revista Polis e Psique

versão On-line ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.7 no.3 Porto Alegre set./dez. 2017

 

ARTIGOS

 

Crianças e Adolescentes com Condições Crônicas Falam Sobre Saúde

 

Children and Adolescents with Chronic Conditions Speak About Health

Niños y Adolescentes con Condiciones Crónicas Hablan Sobre Salud

   

 

Alberto AmaralI, Alberto AmaralII e Debora SouzaIII

I Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

II Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

III Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa realizada com crianças e adolescentes com condições crônicas complexas internados em um hospital de referência localizado no município do Rio de Janeiro. O objetivo do estudo foi investigar os sentidos atribuídos por estas crianças e adolescentes à ideia de saúde. Como metodologia foi utilizada a perspectiva etnográfica. A observação participante e diferentes abordagens lúdicas foram utilizadas de modo a possibilitar a expressão das crianças e dos adolescentes garantindo, assim, o protagonismo deles como sujeitos da pesquisa. Ao longo do estudo ressaltou-se nas crianças sobretudo a capacidade normativa destas, capacidade a que se refere à Georges Canguilhem (1978) em sua obra “O Normal e o Patológico” que encontramos presente em circunstâncias do adoecimento como modos de lidar com as difíceis situações de sofrimento inerentes às condições crônicas.

Palavras-chave: Criança; Adolescente; Saúde; Condição Crônica; Capacidade Normativa.


ABSTRACT

This article presents the results of research carried out with children and adolescents with complex chronic conditions at one of Rio de Janeiro’s most prominent hospitals for children, adolescents and women. Using an ethnographic approach as methodology, our study aims to investigate the meaning of health according to children and adolescents during their hospitalisations. Observation and various playful approaches were used to facilitate testimonials from the children and adolescents thus ensuring their subjective presence in the research. Throughout the study, the children’s normative capacity particularly stood out, a capacity that can be referred to Georges Canguilhem’s work On the Normal and the Pathological (1978) that we find present in all circumstances of illness as ways of coping with the difficulties of suffering implicit to chronic conditions.

Keywords: Child; Adolescent; Health; Chronic Conditions; Normative Capacity.


RESUMEN

Este artículo presenta los resultados de una investigación realizada con niños y adolescentes con condiciones crónicas complejas internados en un hospital referencia ubicado en la ciudad de Río de Janeiro.  El objetivo del estudio fue investigar los sentidos atribuidos por estos pacientes a la idea desalud. Como metodología se utilizó la perspectiva etnográfica. La observación participante y diferentes enfoques lúdicos se utilizaron para permitir la expresión de los niños y adolescentes, garantizando así su protagonismo como sujetos de la investigación. A lo largo del estudio se observó en los niños sobre todo la capacidad normativa de estos, capacidad a que se refiere a Georges Canguilhem en su obra "Lo Normal y lo Patológico" que encontramos presente en todas las circunstancias de la enfermedad como modos de lidiar con las difíciles situaciones de sufrimiento inherentes a las condiciones crónicas.

Palabras-clave: Niño; Adolescente; Salud; Condición Crónica; Capacidad Normativa.


 

 


Introdução

O aumento global de incidência de pessoas vivendo com condições crônicas – incluindo crianças em idades cada vez mais precoces (Moreira e Goldani, 2010; Mello e Moreira, 2010) - induz a necessidade de refletirmos sobre estas e sobre o modo como este tema vem sendo tratado. Isso inclui refletir sobre ações de atenção integral à saúde para aqueles que foram diagnosticados ainda na infância e na adolescência, e que vivem sob o signo da experiência de cronicidade (Mello e Moreira, 2010).

O presente artigo buscou compreender o que crianças e adolescentes com condições crônicas atendidas em uma unidade especializada de saúde situada no Rio de Janeiro pensam sobre o que é saúde, considerando-as como sujeitos das suas experiências.

Optou-se nesse estudo por relativizar as diferentes noções de saúde e doença presente nos discursos e apresentadas nos documentos definidores de políticas de saúde que tratam desta condição, ponderando-se que, ao pesquisar crianças e adolescentes com condições crônicas, é importante levar em consideração suas diferenças em termos da complexidade e suas particularidades quanto ao adoecer.

A Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002), ampliando o conceito de saúde, a definiu não só como ausência de doença, mas completo bem-estar, físico, social e mental.   Esta definição estabelece uma relação entre saúde e condições de vida, ampliando de tal maneira esse conceito que a saúde se tornou um ideal a ser alcançado, extrapolando inclusive o campo das ciências da saúde.

Vale notar que ainda que o tenha ampliado não há, na nova concepção da OMS sobre o que é saúde, um rompimento com o paradigma biomédico, pois que neste paradigma não vemos contemplados os sentidos mais complexos dos processos de saúde e doença.  As condições de saúde e de adoecimento não podem ser apreendidos de maneira objetiva, são experiências singulares, são formas pela qual a vida se manifesta (Czeresnia, 2003). A vivência de cada um é subjetiva e tentar traduzi-la fielmente em um discurso único é impossível, posto que não se pode pôr em palavras experiências tão complexas, não se pode conhecer nos entremeios do discurso as vivências singulares da qual fazem parte a situação de ter saúde e de adoecer.

Tratando-se de crianças e de adolescentes com condições crônicas complexas, isto é, condições que, por definição, (Cohen et al, 2011) englobam um conjunto de malformações associadas ou não às síndromes, marcadas por deficiências variadas, e cuja dependência de tecnologia e de equipes multiprofissionais referem uma complexidade de intervenções que muitas vezes restringem essas crianças aos ambientes hospitalares; coloca-se então o desafio de pensar e poder falar sobre o que é saúde. Neste sentido buscamos então interrogar a própria criança e/ou adolescente sobre o que pensa a respeito dos processos que vivencia.

O objetivo desta investigação foi assim conhecer as interpretações de crianças e adolescentes em condições de adoecimento crônico sobre o que é saúde, identificando os elementos (objetos, pessoas, marcas no corpo) presentes nos seus discursos. Para tal, falas, brincadeiras e desenhos foram aqui tomados como material de expressão do que elas pensam sobre o que é saúde.

O Normal e o Normativo na perspectiva da pesquisa com crianças e adolescentes

A saúde não é uma fórmula abstrata, destituída de relação com os processos sociais, dos lugares onde os sujeitos estão inseridos, das formas de organização e reorganização da experiência de vida com a doença. Deste modo, elegemos a concepção de Georges Canguilhem (1978) quando sustenta que a saúde se realiza no genótipo, na história da vida do sujeito e na relação do indivíduo com o meio. Canguilhem relativiza assim a relação entre o que é normal e o que é patológico.

Em estudos com crianças e adolescentes com condições crônicas (Stewert, 2003; Williams, 2009) o tema da normalização é considerado central para entender a maneira como esses sujeitos lidam com a doença crônica. Normalização, no contexto destes estudos, é entendida como uma estratégia da família e das crianças e adolescentes para incorporar os limites e os tratamentos impostos pela condição crônica como parte da rotina, e assim viver uma vida “normal”. A ideia de que as famílias conscientemente escolhem usar “lentes de normalidade” (Guell, 2007), isto é, decidem ver seus filhos como “normais” também faz parte dessa estratégia, assim como o desejo de minimizar as diferenças entre as crianças e os adolescentes com condições crônicas e seus pares considerados “saudáveis”. É possível que a minimização desta diferença se refira ao fato de que ser percebido como diferente na maioria das vezes traz sofrimento e geralmente se torna motivo de exclusão daquela criança e adolescente por seus pares (Williams, 2009).

Neste sentido, Canguilhem (1978) chama atenção para o fato de que a individualidade, entendida como diferença, singularidade, sempre foi um obstáculo para a medicina e para a ciência, questionando o próprio sentido do conceito de “normal” e de “patológico”. Para ele, ser/estar normal não se determina a partir de uma média obtida estatisticamente, pois a saúde não é algo rígido, é, ao contrário, variável e flexível, de acordo com as especificidades de cada indivíduo. Tais reflexões nos apoiam em análises sobre a capacidade normativa de crianças e adolescentes que vivem intensivamente os cuidados com sua saúde, com o monitoramento de seus sinais de gravidade, e que experimentam as experiências de cronicidade.

Em vez de falar do “homem normal”, Canguilhem (1978) nos convida a falar do “homem normativo”, de normatividade, isto é, da capacidade que cada indivíduo tem de criar novas normas de vida a cada nova situação que se impõe. O normal, para o sujeito, é pensado através da construção de normas a partir das quais a vida daquele sujeito consegue se estabilizar. Sob esta perspectiva, mais do que “mascarar” ou “minimizar” suas diferenças, quando as crianças e os adolescentes nos contam suas rotinas, que vão à escola, que fazem amigos, praticam esportes (Williams, 2009) eles estão falando de uma capacidade normativa que permanentemente instituem para lidar com a doença.

Deste modo, ao afirmarmos o normal para uma criança ou um adolescente cuja vida é marcada pela condição crônica, devemos ter como ponto de partida este sujeito em sua singularidade e não uma média. É a partir da norma individual em situações variadas que podemos avaliar o que é normal ou não para um cada um. O normal tem como característica principal a flexibilidade de uma norma que se transforma de acordo com as condições individuais. Pensando desta maneira a fronteira entre o normal e o patológico não pode ser claramente delimitada.

A saúde pode então, na perspectiva de Canguilhem (1978), ser definida como essa capacidade normativa, capacidade de instituição de novas normas biológicas frente a novas situações de perturbação do equilíbrio do organismo. Diante de uma perturbação, seja ela interna ou externa, ser sadio seria então buscar e admitir reparações, já que a vida não conhece a reversibilidade, mesmo que estas gerem impossibilidades de certas realizações que antes eram possíveis. Há também norma na doença, argumenta este autor. Porém esta norma – da doença - é uma norma que não admite desvios, o ser vivo doente não tem, naquele momento, capacidade de instituir normas diferentes em situações diversas. Desta forma o patológico não seria a ausência de normas e sim a presença de outras, e sim a vida sendo regulada por normas “inferiores”, normas que impedem que o organismo enfrente as novas exigências do meio.

Estar doente é restrição da normatividade, quando a vida se encontra em um processo de menor fecundidade, com menos abertura à criatividade, resultando em redução do nível de atividade no meio, interno e/ou externo, e levando à limitação da condição do indivíduo. A doença é um abalo e uma ameaça à existência, representando um estado oscilante de desvios ante a norma estabelecida.

Outro aspecto importante a ser ressaltado é que a doença não é uma variação da saúde; é uma nova dimensão da vida. A doença é uma norma biológica, por isso o anormal não pode ser chamado de patológico sem que se observe sua relação com o meio. Podemos entender porquê crianças quando convidadas a falar sobre si (Stewert, 2003; Williams 2009) não necessariamente trazem elementos ligados diretamente a sua doença.

Foi a partir dessas concepções que, através de entrevistas feitas com crianças e adolescentes com condições crônicas complexas, viemos propor investigar o que seria saúde para estes sujeitos. Ou seja, voltamo-nos para buscar compreender, no grupo investigado, o que entende como saúde aqueles que têm doenças que “não tem cura”; aqueles que nunca vivenciaram uma “normalidade fisiológica”; que vivem seu cotidiano com restrições e com rotinas diferentes de todas   as crianças e adolescentes que não se veem permanentemente adoecidos. Buscamos assim   ampliar nosso olhar para   outras maneiras de viver, distintas talvez daquelas preconizadas como parte de um viver saudável pelos discursos da vida saudável (Szapiro, 2005), de modo a construir suas próprias normas de vida.

Considerando a importância da perspectiva de Canguilhem (1978) sobre o que ele conceituou como   capacidade normativa, tomamos este conceito como condutor para nos ajudar a compreender como estas crianças e adolescentes convivem com as condições crônicas de saúde a que estão submetidas. À perspectiva canguilheminiana associamos então investigações sobre a infância e a juventude na perspectiva de sujeitos nesta pesquisa.

Ao pensarmos no espaço de socialização na infância, a escola costuma ser a instituição privilegiada (Mollo-Bouvier, 2005). Entretanto, quando trabalhamos com crianças e adolescentes com condições crônicas, devemos considerar que o hospital também ocupa, nestes casos, um espaço importante onde ocorrem processos de sociabilidade (Moreira e Macedo, 2009).

O ambiente hospitalar para crianças e adolescentes com condições crônicas de saúde, que o frequentam em intensidade, e que se hospitalizam por períodos prolongados, merece ser compreendido como um lugar de trocas e de formação de vínculos (Moreira e Macedo, 2009). De fato, no caso de crianças com condições crônicas, o hospital pode se tornar uma referência não só para o que diz respeito ao tratamento, mas também no âmbito afetivo, o que o qualifica como um lugar de construção de estratégias de sociabilidade, encontros com pares, trocas afetivas, identificações, construção de conexões formadoras de redes (Moreira e Souza, 2014). Este espaço se torna um local onde diversas redes de suporte são construídas, razão pela qual precisa ser considerado ao fazermos pesquisa na área da saúde da criança e do adolescente.

A criança é um ator social que participa e modifica as relações, atribuindo um significado aos processos que vivencia (Cohn, 2005; Pires, 2010). E os mecanismos lúdicos - os desenhos, os jogos, as brincadeiras e histórias - oferecem, para a criança, a possibilidade de expressar-se como sujeito (Mello e Moreira, 2010). Partindo desta concepção optamos, nesta pesquisa, por utilizar diversas estratégias lúdicas, escolhidas pelas crianças, para que elas pudessem ter seu lugar de protagonistas assegurado.

Colocou-se em seguida a questão de escolhas metodológicas capazes de ouvir no discurso de cada um deles as múltiplas vozes olhares e percepções dos quais são igualmente porta-vozes, partindo do modo como expressam seu próprio ponto de vista. Este é o desafio para o pesquisador: possibilitar que o discurso da criança faça revelar, a sua percepção, o seu ponto de vista e a percepção do ponto de vista do adulto, do mundo no qual ela vive.

Metodologia

Partindo de uma perspectiva etnográfica (Minayo, 2012; Tornquist, 2007) voltamo-nos a buscar conhecer o que as crianças e adolescentes com condições crônicas entendem como saúde. A pesquisa foi feita em duas enfermarias de um hospital, no período entre julho e outubro de 2015. O projeto foi aprovado pelo comitê de ética (CAAE:30440414.2.0000.5269) em pesquisa da instituição.

Nove crianças e adolescentes¹ participaram da pesquisa. Oito foram entrevistadas e uma teve sua história contada através das informações colhidas no diário de campo. Revistas para recorte, lápis, cola colorida e diversos outros materiais semelhantes eram oferecidos a cada um que, através de símbolos e personagens, contava suas histórias de diferentes maneiras, alguns desenhando, outros falando sobre o que pensavam sobre o que é saúde. As entrevistas foram feitas no leito das enfermarias e não foi uma exigência que os adultos se retirassem ou não entrassem no leito/ box no momento da entrevista, a não ser que as próprias crianças e adolescentes desejassem.

A observação participante no trabalho de campo justificou-se por proporcionar ao pesquisador posição privilegiada para a aproximação com o ambiente das enfermarias do hospital e com o olhar das crianças e adolescentes sobre este ambiente que, nestas circunstâncias, faz parte de suas vidas. Reconhecendo que as crianças e adolescentes têm capacidade de produzir saberes sobre si, o campo da pesquisa apresentava diversas possibilidades de expressões lúdicas para que as crianças e os adolescentes pudessem escolher desenhos, histórias brincadeiras. Estes instrumentos funcionavam como facilitadores e mediadores “na aproximação e acesso aos conteúdos de expressão dos sujeitos na infância, permitindo a representação da sua presença enquanto sujeitos no espaço de socialização” (Mello e Moreira, 2009, p.454).

A observação participante antecedeu a seleção das crianças para entrevistas e contatos mais formais. Nos resultados da pesquisa apresentamos histórias de crianças e adolescentes, com idades entre oito e dezessete anos, que possuem condições crônicas e que fazem tratamento desde antes de dois anos de idade.

O momento interpretativo se apoiou, como dito anteriormente, na teoria de Canguilhem (1978) sobre o que é saúde, nos estudos da sociologia da infância, e na perspectiva de Bakhtin quando afirma que   o discurso é uma expressão simbólica socialmente construída e incessantemente transformada nas relações sociais. Para Bakhtin, o discurso, oral ou escrito, (bem como os gestos, os gritos, etc) são formas de expressão simbólica cuja especificidade decorre da lógica das interrelações sociais (Bakhtin, 2004). Buscamos assim promover um diálogo desse material interpretativo com a perspectiva de Canguilhem, com a Sociologia e Antropologia da criança e da infância e a concepção bakhtiniana quanto à indissociação entre as práticas discursivas e o contexto social do qual emergem e no qual se desenvolvem. Trabalhamos no sentido de procurar identificar no material com as crianças e com os adolescentes suas estratégias de integração do adoecimento à saúde, suas leituras sobre normalização na relação com os personagens, eventos e relações com ambientes institucionais que compunham suas vidas. Foi guardado o anonimato dos participantes com uso de nomes fictícios.

Resultados e Discussão

Pires e Branco (2007) destacam, com uma pergunta, o que está no cerne da guinada de olhar que uma pesquisa com crianças e adolescentes pode promover: “Já que há alguém que sabe tanto sobre ela, para que escutá-la diretamente?” (p.313). Ou seja, é desse lugar, que assume que o sujeito da experiência de viver com a condição crônica como protagonista, que partimos nesse artigo e a ele voltamos. É no corpo delas que se passa a experiência da cronicidade, vivendo e crescendo, criando novas normatividades, interpretando saúde em lugares onde a princípio os adultos só veem dor e sofrimento. Moreira (2015), ao revisitar a literatura internacional sobre pesquisas com crianças e adolescentes vivendo com experiências de adoecimento crônico, destaca aquelas onde esses são sujeitos de pesquisa, protagonistas de suas histórias e atenta para que estejamos:

atentos à necessidade de desnaturalizar a ideia da criança e do adolescente como seres incompletos, e de crianças e jovens com doenças crônicas e/ou deficiências como sujeitos menores, é que podemos nos prevenir de usar nossas pesquisas a favor de processos de assujeitamento, e avançar em prol de um conhecimento sintonizado com as transformações humanas e sociais porque passam as sociedades e culturas (p.150).

O hospital, neste trabalho, é considerado como um espaço que faz parte do contexto de vida real de crianças e adolescentes com condições crônicas e também complexas de adoecimento. É no contexto hospitalar que permanecem grande parte do seu cotidiano, vivem e significam suas experiências e constroem relações. As entrevistas foram feitas nas próprias enfermarias onde os adultos tinham livre acesso ao espaço onde estava ocorrendo a entrevista, tanto os profissionais das diversas áreas que atuam no hospital como os pais e responsáveis das crianças que estavam no leito.

Sophia, uma adolescente de 14 anos foi a primeira a ser entrevistada. Sophia tem fibrose cística, uma doença de origem genética que que atinge 1:2.500 nascidos vivos e que possui como consequências a insuficiência pancreática e a deterioração progressiva da função pulmonar. A fibrose cística possui uma grande variabilidade de sintomas, de gravidade e de progressão, e pode demandar além do uso de remédios, séries de exercícios de fisioterapia respiratória resultando em longas horas diárias dedicadas ao tratamento (Mello e Moreira, 2010).

Antes de iniciarmos a entrevista, sua mãe perguntou se ela se sentiria mais à vontade se ficasse sozinha e Sophia disse que não. Quando foi feita a pergunta: “o que você acha que é saúde para você?”, Sophia hesitou muito para responder, disse que não sabia, muitas vezes demonstrando se sentir desconfortável: “Mas não vai mostrar essa gravação não, né? Pô, mãe! Tá gravando! Tá aparecendo a minha tosse?” (Sophia, 14 anos).

Interessante observar a preocupação em não aparecer a tosse. No caso de crianças e adolescentes com fibrose cística as maiores marcas estão referidas à tosse, à magreza, a um crescimento por vezes aquém do esperado. Neste caso, era preciso não dar destaque à tosse, mas sim ao que Sophia poderia falar e de forma mais espontânea possível. O gravador é um elemento artificial no encontro entre pesquisador e sujeito de pesquisa. A entrevista foi, neste caso, muito mediada pela presença de sua mãe e Sophia falou muito pouco, porém os momentos em que mais falou, quis contar sobre suas amigas, sobre os “ficantes” que tem e sobre os bailes que ela frequenta.

A mãe começou contando sobre a trajetória de Sophia e depois passou a usar esse espaço para falar sobre o tratamento, tomando, de certa forma, o espaço para si:

Sophia - Eu sou normal, mãe.
Mãe - É o que ela diz que é, né? Ela só diz que é doente quando quer ganhar moto. Não pode andar, sente falta de ar. Se ela fizesse tudo direitinho acho que ela internaria muito menos que ela interna, mas ela tem que ter consciência, acho que ela sabe, né? No fim de tudo acho que ela sabe o que é a fibrose cística, ela sabe o que causa a fibrose cística. Ela só não faz tudo direitinho porque ela não quer, mas se ela fizesse eu tenho certeza que ela internaria muito menos (Mãe de Sophia durante a entrevista).

As entrevistas se iniciavam sempre com a pergunta: “O que é saúde para você?” e, mesmo havendo uma hesitação inicial, todos   respondiam    mostrando-se sempre muito cuidadosos, fosse fazendo um desenho minucioso, ou escrevendo um longo texto. Percebemos que, garantindo o tempo que precisassem e afirmando que tudo que   quisessem fazer ou dizer seria valioso, cada um foi encontrando sua maneira de expressar-se.

Em algumas entrevistas, os responsáveis tentavam “ajudar”, interferindo na maneira escolhida pela criança de se expressar. Essa interferência dos adultos, sobretudo no espaço hospitalar, é um aspecto que iremos discutir adiante.

Felipe, um menino de 13 anos que também faz tratamento devido à Fibrose Cística no hospital desde a idade de dois anos, procurou uma figura em uma das revistas que estava disponível na pasta e escolheu um menino dentro de um avião. Disse que pensou em escolhê-la, pois a criança que estava no avião parecia estar se divertindo.

Saúde para mim é diversão. Diversão, se você se diverte você tem saúde, quando você está no hospital está doente, você não tem muita saúde, é claro, mas no hospital a tendência é melhorar e ir pra casa, e quando você vai pra casa é sinal que você está melhor, com saúde e vai poder se divertir (Felipe, 13 anos. Texto escrito transcrito de seu desenho).

Ele localiza nas atividades de lazer, no brincar marcas do que é ser saudável, assim como Luciana, uma menina de nove anos que mora no interior do estado e que tem Osteogênese Imperfeita (OI). A OI é causada por mutações nos genes causando baixa densidade óssea e aumento de sua fragilidade, levando a alta prevalência de fraturas, principalmente nos membros inferiores. Por isso algumas crianças com essa condição, como Luciana, não conseguem andar (Mello e Moreira, 2010).

Quando foi perguntado à Luciana o que é saúde, sem falar nada, ela pediu para fazer um desenho com cola colorida. Desenhou uma casa, uma árvore, sol, nuvens e uma bandeira do Brasil. Quando terminou de desenhar, Luciana sentiu dificuldade em explicar   porque   tinha feito aquele desenho, parecia que ela não tinha entendido o pedido que havia sido feito para ela.  Ao ser indagada sobre o que pensou quando lhe foi perguntado o que é saúde, Luciana disse que   pensou em quando brinca de casinha em seu quintal junto com seu irmão. Em seguida desenhou a si mesma sentada na grama.

Novamente o espaço da rua, de fora do hospital em que as atividades comuns à infância são feitas, é trazido como referência do que é saúde. Mello e Moreira (2010) também trazem em seu estudo crianças e adolescentes com fibrose cística e osteogênese imperfeita, porém as produções das crianças sobre escola ou sobre o hospital remetiam muitas vezes às dificuldades que elas encontravam ao realizar algumas atividades comuns a crianças ou adolescentes da sua idade. Nas produções das crianças com OI apareciam o medo das fraturas e o sentimento de exclusão por não poderem realizar as mesmas atividades que seus pares. Entretanto, quando as crianças e adolescentes que participaram dessa pesquisa expressam o que é saúde para elas, elas também se remetem aos ambientes de lazer, mas escolhem falar de suas possibilidades, do que elas podem brincar. Luciana não pode correr, mas é a cena de sua brincadeira sentada ao lado da casinha de bonecas que lhe faz pensar em saúde, é essa a saúde que não pode ser medida através da curva normal e que só pode ser descrita a partir história da vida do sujeito.

Suellen de 15 anos, uma paciente que foi internada diversas vezes durante o ano em que a pesquisa foi feita e com um histórico de internações frequentes devido à gravidade de seu quadro gerado pela Fibrose Cística, faleceu poucos meses após a entrevista. Ela escolheu desenhar, e o fez por cerca de 40 minutos. Suellen, sempre muito agitada e falante, não falou quase nada durante a entrevista, inclusive não respondendo a quem entrasse no box durante aquele momento.

Ela começou seu desenho com um velho sentado em um banco segurando um cachorro que estava com a pata quebrada. Ao lado havia uma menina pulando corda e uma borboleta voando.

Saúde pra mim é ver as pessoas brincando se alegrando, zoando, assim que nem eu desenhei aqui, o velho, o cachorro, o cachorro correndo no meio da praça, sei lá o que que é isso, a menina pulando corda e a borboleta voando e a natureza, pra mim isso que é saúde (Suellen, 15 anos).

A velhice é em geral identificada na nossa sociedade com o final de vida, a perda de possibilidades e até mesmo com cronicidade. Talvez tenha sido aqui identificada por Suellen na figura do velho, aquele que viveu muito, como um sinal de saúde.

Paula, com dez anos, também com Fibrose Cística e com internações muito frequentes, foi a única que não participou das entrevistas formais, pois faleceu no mês de julho, período em que a pesquisa estava na fase da observação participante. Após uma conversa na primeira fase da pesquisa, Paula pediu para ver no celular da pesquisadora imagens de bonecas com oxigênio portátil, igual ao que ela usava mesmo quando estava em casa, pois havia se tornado dependente de O2. A busca resultou em imagens de bonecas mergulhadoras ou astronautas e Paula falou: “eles não sabem de nada” e propôs que montássemos uma boneca com oxigênio portátil.

Paula então montou e organizou uma brincadeira com sua boneca. Ela, Paula, era a boneca dependente de O2 com a mesma patologia que ela mesma apresentava, e amiga da boneca era uma boneca cadeirante, que ela também produziu. Ao longo da brincadeira, ela falou sobre o desejo de ir à Disney, de ter um namorado... Paula, em uma situação de agravamento da sua doença, escolheu falar de saúde sem negar ou esconder as marcas oriundas da mesma, que se mostravam na brincadeira através do corpo das bonecas.
Esses elementos do dia a dia - fora do hospital - foram encontrados em sete das nove histórias, em algumas entrevistas a ideia de que estar fora do hospital é estar com saúde aparece explicitamente.   E estar internado aparece em algumas entrevistas como oposto de saúde: “Quando eu estiver fora daqui vou estar cheio de saúde” (Lucas, 16 anos).

As falas das crianças e adolescentes sobre o que é saúde nos revelam uma concepção que vai muito além da ideia de saúde como ausência de doença; ao trazer a perspectiva de Canguilhem de saúde como capacidade normativa, queremos mostrar o quanto essa ideia é circunscrita de outra maneira para os sujeitos que já nasceram com algum tipo de condição crônica. Artigos que também tomam crianças e adolescentes como sujeitos da pesquisa (Stewert 2003; Williams, 2009) identificam esses mesmos elementos nas falas e nas explicações que os sujeitos dão sobre si, sobre seu tratamento ou sobre sua doença. Estes autores interpretam esses dados como estratégias de normalização, isto é, como uma tentativa de incorporar tratamento, diagnóstico e suas implicações como algo “normal” (Stewert,2003), mascarando assim as diferenças que se colocam de acordo com as circunstâncias de vida trazidas pelas condições crônicas (Williams, 2009).

Nossos sujeitos nos falam sobre suas possibilidades, nas suas condições de elaboração do que sentem que são, de se afirmarem numa dimensão de sujeitos e de identificarem a saúde em suas vidas. Vemos nos seus discursos que saúde é, então, entendida como uma capacidade normativa, uma capacidade de criação e construção de novas normas de vida em relação ao meio, como diz Canguilhem (1978). Capacidade inventiva, ativa e singular em relação a sua vida e ao seu meio. A singularidade é aqui, a nosso ver, o ponto de partida para se falar de saúde e doença.

Felipe, 13 anos, disse que saúde era diversão, era fazer coisas legais, e que doente era quem estava no hospital, pois depois que o médico dizia que a pessoa “ia de alta” a pessoa estava com saúde, porque não estava mais no hospital. Depois, ele perguntou se não iria “ficar ruim” (sic.) falar isso, e explicou que se preocupava em saber se o fato de falar isso “pegaria mal” (sic.) diante do restante da equipe que trabalha no hospital. Ele nos revelava o quanto falar de saúde dentro do hospital não é comum, e que, quem sabe, pode até mesmo desagradar aqueles que trabalham somente “com as doenças”.

Camile, uma adolescente de 16 anos com Osteogênese Imperfeita, foi a única entrevistada que afirmou que não tem saúde dando mesmo um caráter positivo à saúde, mas considerando-a como algo externo, algo que ela não possui por ter uma doença.

Quando Camile foi entrevistada, havia acabado de ler um livro voltado para o público adolescente sobre uma jovem com uma doença terminal, e combinou com a professora da classe hospitalar de fazer um resumo deste livro. Para a pesquisa ela escolheu escrever sobre o que é saúde e pudemos observar que diversos elementos do texto escrito por ela estavam em consonância com o que foi trazido pelo livro.

Não sou uma pessoa saudável, tenho meus problemas e tals (sic.). Mas sou uma pessoa alegre e sonhadora cheia de manias. Fico feliz vendo pessoas com saúde que aproveitam a vida. Não que eu não possa aproveitar a minha vida ao máximo, com um pouco de medo em relação a minha doença (convivo com ela sem problemas) sabendo que existem pessoas à beira da morte.

Helena, a mais velha de todas as entrevistadas, com 17 anos, HIV positivo por transmissão vertical, tinha acabado de passar por uma série de complicações, o que a levou a fazer seis episódios de convulsões. Ela nos relatou que só soube sobre seu diagnóstico aos 14 anos de idade e desde então não fazia o tratamento regularmente. Ao responder à pergunta, disse que, para ela, saúde era algo muito importante, saúde era fazer o tratamento direito e tomar os remédios. Helena usou muito o espaço da entrevista para contar sua história e falar sobre o momento da descoberta do diagnóstico.

Podemos encontrar no discurso dessas duas adolescentes tanto um discurso trazido pelo livro, quanto o discurso biomédico predominante no hospital, discursos que podem ter se tornado predominantes para elas no momento de maior fragilidade, isto é, o momento da internação, em que elas não localizaram saúde na sua experiência individual.

Assim, quando propomos abrir espaço para que a voz das crianças e dos adolescentes fosse ouvida, nos deparamos com a multiplicidade de vozes trazidas nesses enunciados e que neles se articulam (Bakthin, 2009). A presença dos adultos com suas vozes buscando sobressair-se às vozes das crianças e dos adolescentes comparece todo o tempo, mesmo quando não relacionada diretamente à entrevista.

No momento em que Luciana fazia seu desenho, um médico estava conversando com sua mãe e perguntou se Luciana ainda estava escutando bem. A mãe de Luciana respondeu que ela estava escutando mais ou menos, e que, em alguns momentos, “ficava difícil” (sic.). Luciana parou de desenhar e perguntou aos dois: “Cês tão falando que eu sou surda? Eu ouvi tudinho” (sic.).

Do mesmo modo, quando a avó de Felipe disse a ele: “ela (referindo-se à pesquisadora) está querendo saber como seria se você tivesse saúde”, ela demonstra estranhar a pergunta feita ao seu neto. Entretanto, Felipe a surpreende e traz elementos de seu dia a dia para falar de saúde referindo-se a algo sobre o qual ele pode falar, que ele pode localizar na sua própria experiência.

Quanto ao olhar do adulto, um episódio se destaca e nos ajuda a compreender as diferentes concepções sobre o que é saúde presentes no contexto do hospital: Paula montava sua boneca, a boneca que usava oxigênio portátil.  Uma profissional da limpeza que passava naquele momento, vendo a construção de Paula, exclamou rindo com outras mães que também passavam, mostrando-se todas curiosas: “Coitada da boneca! Paula está botando a boneca doente!”. Paula não respondeu.

Um dos paradigmas que funda a Pediatria no Brasil no início do século XX (Reis, 2000; Sanglard e Ferreira, 2010; Martins, 2008; Freire e Leony, 2011) é a construção de alianças entre o corpo de especialistas que produz teorias e técnicas para lidar com as crianças (Pires e Branco, 2007) e os cuidadores - principalmente as mães. Esta aliança, que por um lado é fundamental, pois são esses adultos que vão cuidar destas crianças e também destes adolescentes; por outro lado muitas vezes tende a excluir o que estes têm a dizer sobre sua própria condição.

Em uma instituição como o hospital - onde a palavra do especialista tem uma força muito grande diante das famílias- espaços criados para as crianças e adolescentes para que possam expressar-se sobre eles próprios são raros e são, a nosso ver, muito preciosos. É importante que, mais do que espaços para que falem, as crianças e os adolescentes possam ser ouvidos.

Mesmo com a presença das vozes dos adultos, cada um dos entrevistados pode trazer elementos construídos a partir de seu contexto e de sua perspectiva de vida. Se, a partir de uma leitura estrita no paradigma biomédico, pode-se muitas vezes considerar que ter saúde equivaleria simplesmente à ausência de doença, o que ouvimos destas crianças foi: saúde é brincar, é se divertir. Essas falas afirmam um lugar, um lugar de uma alteridade que comparece através da   compreensão da saúde não como um conceito em uníssono, mas como uma ideia aberta à esta experiência radical de alteridade. E aqui se afirma algo mais do que a diferença, que corresponderia ao oposto de uma desejada igualdade: não sou como você, que tem saúde, sou doente. O que estas crianças nos dizem tem a ver com suas capacidades criativas de se constituírem de outro modo que não a oposição saúde-doença.

Considerações finais

A intenção deste estudo foi buscar compreender as diferentes visões destas crianças e destes adolescentes sobre o que é saúde estando eles em um ambiente de internação, onde os discursos sobre doença predominam.

Esta particularidade fundamentou-se na posição que a investigação assumiu de afirmar o lugar das crianças e dos adolescentes como atores sociais plenos. Compreendemos nossos sujeitos como construtores de suas próprias narrativas e, mais do que interpretá-los, precisamos ouvi-los. A concepção de criança como apenas um ser inocente que, ao longo de sua vida, será moldado para poder se inserir na sociedade é aqui refutada quando a escolhemos como sujeito da pesquisa. Vimos nos discursos das crianças que estas não são   porta-vozes de uma visão “menos contaminada pela visão dos adultos”. Elas, ao contrário, afirmam seu lugar de protagonistas   frente às questões de suas vidas.

Através de estratégias lúdicas como desenhos, brincadeiras e histórias, cada um identificou diversos elementos para falar sobre o tema proposto, a maioria deles trazendo elementos de suas próprias experiências. Ainda que os encontros tenham se dado no ambiente hospitalar da internação, observamos muito frequentemente na resposta das crianças elementos que não fazem parte da rotina hospitalar, elementos que são identificados culturalmente como marcas identitárias do que é ser criança ou adolescente; como brincar, ir à escola, sair com os amigos, namorar.

As crianças e os adolescentes nos disseram que saúde é brincar, que saúde é se divertir, é estar longe do hospital; mesmo sentadas ou dependentes das máscaras de oxigênio, não mascaram suas marcas trazidas pelas doenças. A doença não parece ter instaurado na vida delas uma ruptura que pudesse determinar um antes e depois da doença. Assim, foi possível a elas falar em saúde mesmo tendo uma doença.

Esses elementos dos discursos podem, a nosso ver, ser compreendidos à luz do que Canguilhem (1978) propôs   quando supera a distinção entre saúde e doença como afirmada através de uma explicação fisiológica apenas. Instituir novas normas de vida só é possível a partir da experiência própria de cada um.  Foi a partir desta perspectiva que procuramos, neste trabalho, abrir espaço para que cada uma destas criança e adolescentes pudesse se expressar sobre o que é saúde. Esta perspectiva é imprescindível para nos fazer buscar outros modos de olhar   as condições crônicas complexas.

A presença constante da fala dos adultos no contexto tão específico do ambiente da enfermaria, muitas vezes entrecortando a fala das crianças e dos adolescentes, foi identificada na maioria dos encontros. Pais, avós ou profissionais do hospital em alguns momentos tentavam interpretar o sentido da nossa pergunta, em outros momentos se mostravam preocupados e pediam que as crianças ou os adolescentes nos respondesse algo que pudesse “colaborar com a pesquisa”.   Às vezes, achavam engraçado ou faziam algum comentário um pouco surpresos sobre o que a criança ou o adolescente estava produzindo para a pesquisa.

Finalmente, esperamos modestamente que esta pesquisa possa contribuir com os estudos sobre crianças e adolescentes com condições crônicas complexas, buscando afirmá-los no lugar de sujeitos e protagonistas de suas próprias histórias de vida.




Referências

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Data de submissão: 06/09/2017
Data de aceite: 27/11/2017


1 Utilizamo-nos nesta pesquisa de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para os pais/responsáveis e um termo de assentimento previamente lido para cada criança ou adolescente (após a assinatura do termo de consentimento pelos pais).

I Barbara da Silveira Madeira de Castro: Psicóloga pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Saúde da Criança e da Mulher / Saúde Coletiva pelo Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira, IFF/Fiocruz.

II Martha Cristina Nunes Moreira: Vice-diretora de Ensino do IFF/Fiocruz.

III Ana Maria Szapiro: Professora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no Instituto de Psicologia.

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