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Revista Polis e Psique

versión On-line ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.7 no.3 Porto Alegre sept./dic. 2017

 

ARTIGOS

 

Entre Saúde Mental e a Escola: a Gestão Autônoma da Medicação

 

Between Mental Health and the School: The Autonomous Management of Medication

Entre Salud Mental y la Escuela: la Gestión Autónoma de la Medicació

   

 

Felipe Alan Mendes ChavesI e Luciana Vieira CalimanII

I Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES, Brasil.

II Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES, Brasil.

 

 


RESUMO

Quando nos referimos a um trabalho em Saúde Mental com crianças e adolescentes, é quase inevitável nos deparar com os atravessamentos do universo escolar. Não poucas vezes os encaminhamentos de crianças para os serviços de saúde mental envolvem os ditos problemas de aprendizagem e a demanda por medicamentos e laudos, principalmente os relacionados ao Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Neste artigo, esboçamos considerações sobre as práticas produzidas no entrecruzamento da Saúde Mental e a escola resultantes de uma pesquisa-intervenção que objetivou cartografar tais articulações e as pistas para construir um trabalho intersetorial. Para tanto, acompanhamos um grupo de Gestão Autônoma da Medicação (GAM), composto por pesquisadores, familiares de crianças em tratamento com psicotrópicos e trabalhadores do Centro de Atenção Psicossocial para infância e Adolescência de Vitória/ES (CAPSi). No grupo GAM, foi possível colocar em análise um cuidado que se dá cada vez mais desarticulado e, ao mesmo tempo, fortalecer um dispositivo de conversa e produção de práticas e saberes coletivos.

Palavras-chave: Saúde Mental Infanto-Juvenil; Escola; Intersetorialidade; Gestão Autônoma da Medicação; TDAH.


ABSTRACT

When dealing with mental health-work involving children and adolescents, it is almost inevitable to cross paths with the question of schooling. In a number of cases, the referral of children to mental health services derives from learning issues and entails requests for medication and evaluation, especially concerning Attention Deficit/Hyperactivity Disorder (ADHD). This work presents an analysis of practices emerging at the junction of mental health care and education as well as the results of a research-intervention that aims to map the articulation between these two fields in order to collect propositions or suggestions towards the creation of an intersectorial work. We followed an Autonomous Management of Medication (GAM) group composed of researchers, parents of children being treated with psychotropic drugs and workers at Vitória’s Center for Childhood and Adolescence Psychosocial Care (CAPSi). Within the GAM group, it was possible to analyse a care practice that was becoming increasingly disjointed and, at the same time, to strengthen a mechanism for dialogue and producing collective practices and knowledge.

Keywords: Child and Adolescent Mental Health; School; Intersectoriality; Autonomous Management of Medication (GAM); ADHD.


RESUMEN

Cuando nos referimos a un trabajo en Salud Mental con niños y adolescentes, es casi inevitable encontrarnos con los atravesamientos del universo escolar. No pocas veces la remisión de niños y adolescentes para los servicios de salud mental envuelven los renombrados problemas de aprendizaje y la demanda por medicamentos y laudos; principalmente relacionados al Trastorno de Déficit de Atención e Hiperactividad (TDAH). En este artículo esbozamos consideraciones sobre las prácticas producidas en el entrecruzamiento de la Salud Mental y la escuela, resultantes de una investigación-intervención que objetivó cartografiar tales articulaciones y las pistas para construir un trabajo intersectorial. En este sentido, acompañamos a un grupo de Gestión Autónoma de Medicación (GAM), compuesto por investigadores, familiares de niños y adolescentes en tratamiento con psicotrópicos y trabajadores del Centro de Atención Psicosocial para la Infancia y Adolescencia de Vitória/ES (CAPsi). En el grupo GAM, fue posible colocar en análisis un cuidado que se da cada vez más dislocado  y, al mismo tiempo, fortalecer um dispositivo de conversación y producción de prácticas y saberes colectivos.

Palabras-clave: Salud Mental; Infantojuvenil; Escuela; Intersectorialidad; Gestión Autónoma de la Medicación; TDAH.


 

 


Introdução

A atual Política de Saúde Mental de infanto-juvenil (Couto, 2012) vêm desde 2001, com a promulgação da Lei da Saúde Mental, Lei 10.216 (Brasil, 2001) e a realização da III Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM), direcionando diversas ações estratégicas na construção de uma rede de cuidados para crianças e adolescentes com problemas mentais. Antes deste momento, as questões relacionadas à saúde mental desse público ficavam restritas aos setores da educação e assistência social e, não poucas vezes, dispersas em várias instituições disciplinares como abrigos, orfanatos e educandários. Tais práticas eram situadas e desarticuladas. O atual direcionamento da política está voltado para “a construção de redes ampliadas e intersetoriais de atenção, de base comunitária, com ênfase na articulação entre serviços de diferentes níveis de complexidade” (Couto & Delgado, 2015, p. 19) e tem na oferta dos Centros de Atenção Psicossocial infanto-juvenil (CAPSi) e na articulação intersetorial suas ações estratégicas. O CAPSi possui como desafio maior a construção de redes locais, visando tecer a rede de cuidado com outros setores clínicos e não clínicos de determinado território. Esta é uma das condições para que o cuidado se efetive.

A Política de Saúde Mental para Crianças e Adolescentes tem indicado potência no desenvolvimento das ações de cuidado onde tem sido implementadas (Couto & Delgado, 2015). No entanto, há muito que avançar, não só no que incide na abertura de novos CAPSi (o estado do Espírito Santo possui dois dispositivos, localizados na região metropolitana, sendo um desses inaugurado em julho de 2017), como no fortalecimento das estratégias de formação dos trabalhadores para o mandato clínico e gestor que o CAPSi inaugura. A intersetorialidade, princípio estruturante na organização da rede de cuidado em Saúde Mental infanto-juvenil, apresenta-se como um dos grandes desafios dessa política. Articular-se com outros setores historicamente envolvidos com as questões da criança e adolescente com problemas mentais, como assistência social, educação e justiça, exige a criação de mecanismos de conversa e produção de práticas e saberes coletivos.

O CAPSi foi instituído com dispositivo estratégico e agenciador da demanda de saúde mental em um território delimitado, dirigidos prioritariamente para casos de maior gravidade e complexidade (Brasil, 2002). No entanto, ao tratarmos da atenção em saúde mental infanto-juvenil, os chamados “problemas de aprendizagem” e de condutas ou os ditos “casos leves” constituem parte relevante das demandas que chegam até os serviços de saúde mental. Segundo Elia (2013), estima-se que grande parte dos casos atualmente atendidos pelos Centros de Atenção Psicossocial infanto-juvenil estão relacionados ao Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), cuja principal origem de encaminhamento são as escolas. Couto (2012) ressalta que na III CNSM é destacado que as ações de cuidado devem se precaver contra a medicalização, institucionalização e simples finalidade de ajustamento de condutas no trato com crianças e adolescentes.

Elia (2013) nos alerta que, embora a direção de trabalho seja para “casos graves”, o serviço não pode deixar de se envolver com as outras demandas do território, sob o risco de perder sua função ordenadora da rede. No caso das demandas escolares que chegam até o serviço, torna-se fundamental trabalhar com as escolas, sustentando espaços intersetoriais de conversa que problematizem determinadas práticas, para evitarmos uma rede em saúde mental cada vez mais medicalizada e ambulatorizada.

Neste artigo, analisamos algumas questões em relação à medicalização da infância e as relações tecidas entre escola e saúde mental. Para tanto, tomamos como experiência uma pesquisa-intervenção participativa no Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil de Vitória (CAPSi), com um grupo de Gestão Autônoma da Medicação (GAM).

A metodologia da presente pesquisa tem respaldo nas pistas do método cartográfico, configurando-se como uma pesquisa-intervenção (Passos & Barros, 2012). Sob a perspectiva teórica da cartografia, compreendemos a pesquisa-intervenção como um posicionamento ético-político no campo da experiência, onde sujeito e objeto de pesquisa emerge de sua relação, como processo (Barros & Kastrup, 2012). Assim, não há objeto dado a ser conhecido, isolado de suas relações locais, singulares, ontológicas e mesmo das práticas de pesquisa. Há, diferentemente, processos de coemergência de sujeito e mundo, de pesquisador e objeto pesquisado, assim como do problema de pesquisa resultante.

A “criança anormal” e a medicalização dos processos escolares

Para Caponi (2009), a medicalização é um processo antigo, que tem se estendido a quase todos os domínios da vida e que está intimamente relacionado ao fortalecimento da racionalidade biomédica e da expansão da cultura somática. É no corpo, mais precisamente no cérebro e nas suas conexões sinápticas, que as causas e origens de comportamentos, condutas e trajetos de vida são buscadas. Para a autora, a biologização da vida tem fortalecido a busca pela definição de quase todas as condutas e sofrimentos em termos médicos. O processo de medicalização da vida estabelece uma relação direta com um discurso de normalização da existência que, no seu incisivo investimento na gestão biopolítica dos corpos e das populações (Foucault, 2010), define incessantemente a fronteira do que vem a ser o normal e o patológico. Assim, as classificações e a proliferação de diagnósticos, sobretudo psiquiátricos, advindos desse processo de medicalização, voltam-se prioritariamente aos comportamentos indesejados, desviantes, tidos como anormais. Sentimentos de tristeza, tensões e conflitos do viver, além das experiências escolares distoantes ou a infância problemática constituem o plano em que hoje se situam, por exemplo, o TDAH e o Transtorno Desafiador Opositivo (TOD).

A construção da criança dita problemática se deu, na metade do século XIX, com a aproximação do discurso médico e psiquiátrico do universo infantil. Tal aproximação foi possível com a reelaboração da noção de desenvolvimento e, consequentemente, daquilo que caracterizava a “infância anormal”.  Dessa forma, os trabalhos de Esquirol e Edward Séguin (Lobo, 2008) contribuíram para generalização do saber psiquiátrico ao transformar o desenvolvimento em norma da infância. Todavia, a noção de desenvolvimento que balizava a ideia de criança anormal diferenciava-se entre os dois autores. Para Esquirol, o desenvolvimento patológico estava ligado a uma fatalidade biológica, a uma incurabilidade marcada pela propriedade que uns possuem e outros não. O desenvolvimento patológico se inscrevia na hereditariedade, no biológico e inato. A partir de Séguin, o desenvolvimento não era mais visto como propriedade dos indivíduos, mas como um processo universal, passível de advir variações, sujeito a contingências de velocidade e parada.

Ao universalizar o desenvolvimento, Séguin possibilitou constituir um saber médico-pedagógico de caráter preventivo pra intervir nos desvios e evitar o surgimento de sujeitos “socialmente monstruosos” (Foucault, 2010). A infância, como etapa do desenvolvimento humano, implicava uma noção idealizada de criança, de adulto e da sociedade. Foucault (2010) ressalta que a atuação da psiquiatria no território da infância precisa ser compreendida não como um campo novo que fora anexado. Antes, a infância foi uma das condições de generalização do saber e poder psiquiátricos, objeto de intervenção importante contra os supostos perigos decorrentes dos comportamentos socialmente indesejados e como forma de dar consistência às práticas de normalização do corpo social.

A infância como fase histórica do desenvolvimento, como forma geral de comportamento, se torna o instrumento maior da psiquiatrização. E direi que é pela infância que a psiquiatria veio se apropriar do adulto, e da totalidade do adulto. A infância foi o princípio da generalização da psiquiatria; a infância foi, na psiquiatria como em outros domínios, a armadilha de pegar adultos (Foucault, 2010, p. 266).

Segundo Lobo (2008), com a reelaboração do conceito de idiotia a criança foi então tomada como objeto das práticas de normalização. A figura do idiota que até então estava atrelada a doença foi, com a universalização do desenvolvimento por Séguin, considerada uma variação do desenvolvimento humano e da infância normal.  Assim, entorno da criança anormal, aquela que não avançava no seu desenvolvimento, cresceu a defesa de um tratamento moral e de prevenção dos desvios, facilitando a expansão de estratégias disciplinares da psiquiatria para além dos limites asilares, aproximando-se das famílias e das escolas.

A criança idiota, para a escola, não chegou a ser um grande problema. Ela ocupava instituições de ensinos distintas que se encarregavam de sua educabilidade. Lobo (2008) sinaliza que nas instituições de ensino regulares eram os outros, “aqueles que num primeiro momento poderiam passar despercebidos pelos mestres” (Lobo, 2008, p. 385), que produziam certa apreensão. Essa “perigosa invisibilidade desses seres intermediários que, misturados nas escolas regulares, espalhavam a desordem e a indisciplina e impossibilitavam qualquer trabalho pedagógico” (Lobo, 2008, p.385). Começava a ser apontada uma preocupação com os alunos inquietos e indisciplinados, expandindo a noção de anormalidade para as condutas indesejadas no ambiente pedagógico.

Por força dos critérios de escolarização, tornavam-se indiscerníveis os chamados falsos e verdadeiros anormais e entre estes, os anormais de inteligência e morais. Estes últimos pertenciam a uma categoria difusa, semelhante aos que hoje transitam em fronteiras que facilmente se interpenetram: os problemas de aprendizagem e os de conduta, mais recentemente o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e, de caráter ainda mais atual, algo como um transtorno de obediência (Lobo, 2008, p. 383).

Criança hiperativa, inapta, instável. Desde então, as práticas de intervenção sobre a infância desviante têm fortalecido argumentos cientificistas e morais que tornam “as experiências no espaço escolar com as inquietações, os conflitos e as tensões experimentadas no processo de aprender” (Heckert & Rocha, 2012, p. 89) questões médicas e psicológicas. Questões estas que precisarão com frequência ser tratadas ou, ao menos, monitoradas.

Oliveira (2001) e Patto (2002) ressaltam que os conflitos enfrentados nas escolas e o dito fracasso escolar tornaram-se cada vez mais ponto de encontro entre os saberes e práticas psi¹ e pedagógicas. O entrelaçamento dessas práticas com os processos de medicalização e psiquiatrização propaga uma visão de mundo individualizante subsumindo o atravessamento das relações institucionais e sociais na constituição subjetiva, assim como do processo de escolarização. Tal recorte sobre o indivíduo tem fortalecido uma concepção somática, cada vez mais neurobiológica, do dito fracasso escolar. Essa concepção, no processo de medicalização e psiquiatrização, alimenta também a medicamentalização da vida: a prescrição do medicamento que visa atingir um ponto de normalização como foco das ações de cuidado (Caliman, Passos, & Machado, 2016). Da explicação psicológica à explicação biológica, fortalece-se a concepção individualizante apontada por Souza (2004) que, quando atrelada ao uso de medicamentos, dá novos contornos as relações entre práticas psi e escolas, acentuando a simplificação e a captura dos processos inventivos do viver e das práticas de cuidado.

Assim, no que tange a infância medicalizada, torna-se cada vez mais comum que crianças que problematizam a ordem escolar - perturbam seu funcionamento e os planejamentos das aulas com seu comportamento inabitual -, sejam encaminhadas aos serviços de saúde, sobretudo aos serviços de saúde mental, com direcionamentos que priorizem intervenções psicofarmacológicas. Torna-se necessário também dizer daquelas crianças que sempre estiveram excluídas do sistema de ensino regular e que, pelas políticas ditas inclusivas e de educação especial, para garantirem o direito e o dever de estarem na escola, “precisam”, na maioria das vezes, estar medicadas (Caliman, 2016).

Como nos atenta Patto (2002), Souza (2004) e Oliveira (2001) os saberes psis, ao se legitimarem como capazes de explicar, intervir e conduzir a vida do outro podem, em suas práticas, “selar destinos”. O encaminhamento de crianças com os ditos problemas de aprendizagem para atendimentos com profissionais psi e a produção de laudos apartados de estratégias que acompanhem seus efeitos podem produzir verdades e constituir definitivamente modos de ser que reforçam estigmas e culpabilização. Não obstante, tomar medicamentos para poder estar na escola produz efeitos somáticos, performativos e simbólicos (Caliman, 2016). Efeitos diversos que, no encontro com os discursos escolares e médicos que postulam a necessidade do uso de medicamentos, são vividos de maneira ambígua tanto pelos familiares como pelas próprias crianças. A convivência diária dos familiares com seus filhos e netos diagnosticados e/ou medicados sustenta controvérsias: no mínimo, há contrastes entre o potencial das crianças em casa e o que se diz delas a partir da autoridade, dos discursos e saberes da escola, dos professores e profissionais psi (Souza, 2004). E são estas controvérsias que precisam ser sustentadas e coletivamente analisadas quando buscamos direções de cuidado efetivamente coletivas e inclusivas.

O eco das escolas num serviço de Saúde Mental infanto-juvenil: o Grupo de Intervenção da Estratégia da Gestão Autônoma da Medicação (GAM) 

Esse artigo toma como plano de análise uma pesquisa que faz parte de um projeto mais amplo do Grupo de Pesquisa Fractal² da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) que vem de uma trajetória de estudos sobre as práticas farmacológicas³ em torno do metilfenidato4 e sua relação com o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).  Desde 2013, o referido grupo de pesquisa tem se dedicado a trabalhos que visam acompanhar a experiência infantil atravessada pelo uso de medicamentos psiquiátricos em parceria com uma estratégia de pesquisa-intervenção participativa no campo da saúde mental. Essa Estratégia, denominada Gestão Autônoma da Medicação (GAM), tem o intuito de problematizar a relação dos sujeitos com seus tratamentos e medicamentos, considerando seus efeitos sobre os múltiplos aspectos de suas vidas.

A história da construção da GAM tem inicio no Canadá com a elaboração de uma cartilha em formato de guia, organizado em passos, contendo questões relativas às experiências vividas dos usuários, seus direitos em relação ao tratamento, informações técnicas sobre os medicamentos e, entre outras coisas, objetivava enfrentar o uso pouco crítico dos medicamentos psiquiátricos naquele país. No Canadá, o exercício da estratégia GAM buscava maior protagonismo dos usuários de saúde mental em relação aos seus projetos terapêuticos, visando a diminuição e mesmo redução do uso de psicotrópicos.

Em 2010, devido a uma cooperação entre pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade de Campinas (UNICAMP), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade de Montreal, no Canadá (Campos, 2012), a cartilha canadense foi adaptada e validada à realidade brasileira e ganhou uma versão brasileira – o Guia da Gestão Autônoma da Medicação (GGAM-BR). Diferente da versão canadense, o foco do GGAM-BR está no fomento da cogestão do uso de medicamentos, sendo utilizado em um dispositivo grupal.

Vale ressaltar que o formato como a estratégia GAM vem sendo efetivada no Brasil está direcionado principalmente para o público adulto, em dois tipos de grupos de intervenção (GIs): grupo com usuários, profissionais e pesquisadores; grupo com familiares, profissionais e pesquisadores. No final de 2013, a nossa experiência com o CAPSi de Vitória propôs uma nova utilização da estratégia GAM no cenário brasileiro, na medida em que acompanha a experiência do público infanto-juvenil e dos seus familiares com o uso de psicotrópicos. No CAPSi de Vitória, o Grupo GAM era composto por pesquisadores, funcionários da instituição e familiares de crianças que fazem uso de psicotrópicos e, em alguns momentos, as próprias crianças usuárias (Domitrovic, 2014), para compartilhar e analisar coletivamente os efeitos das práticas de acompanhamento, uso e prescrição do metilfenidato. Nos grupos usávamos a Versão Brasileira do Guia da Gestão Autônoma da Medicação (GGAM-BR)5 buscando, através do manejo grupal, acessar a experiência infantil no uso de psicotrópicos.
Como sinaliza Domitrovic (2014), os Grupos GAM no CAPSi constituem-se, em cada encontro, como fortalecimento de um trabalho em rede, possibilitando linhas de comunicação entre os diversos atores envolvidos. Essas linhas de comunicação tangenciam também elementos, pessoas, e instituições ‘exteriores’ ao grupo; dentre elas, a escola. No grupo de intervenção proposto, dentre as muitas experiências partilhadas sobressaiam-se aquelas que, de alguma forma, evocavam a escola e os processos de escolarização. Através de uma direção cogestiva de trabalho, tornava-se possível criar um plano coletivo de experiência, sustentando a polifonia e as controvérsias que atravessam as questões envolvidas no acompanhamento, uso e prescrição dos medicamentos psiquiátricos, sobretudo nas questões que envolviam a experiência escolar.

A Ritalina e o TDAH eram assuntos recorrentes no Grupo GAM. Na fase inicial da pesquisa, anterior a proposição do grupo, profissionais já ressaltavam que este medicamento e o diagnóstico de TDAH impunham alguns desafios para a equipe do serviço. De fato, quando fizemos um levantamento dos prontuários do CAPSi para contactar familiares de crianças que faziam uso do metilfenidato para participar do Grupo, eram evidentes referências ao TDAH, a hiperatividade e a desatenção, assim como relatos de dificuldades escolares, problemas de aprendizagem e comportamentos que provocam desordem em sala de aula. Era nítida a aproximação do diagnóstico de TDAH e o uso de psicotrópicos, sobretudo da Ritalina, como forma de tratar crianças com os ditos problemas de comportamento associados ao contexto escolar. As crianças, na maioria das vezes, já chegavam ao CAPSi com algum diagnóstico relacionado a um problema escolar, seja de aprendizagem ou indisciplina, e, não raro, com expectativas em relação ao medicamento. Assim, como observa Domitrovic (2014), a articulação com as escolas, desde os primeiros momentos da pesquisa, foi apontada como um grande desafio pela equipe do CAPSi.

Tais desafios tangenciam a intensificação da racionalidade biomédica na intervenção e explicação dos comportamentos infantis vistos como problemáticos e o tratamento medicamentoso que, cada vez mais, deixa de ser auxílio ao tratamento para tornar-se central e, muitas vezes, a única tecnologia de cuidado. Para Caliman, Passos e Machado (2016), está em voga um processo de medicamentalização quando o medicamento é visto como a solução mais rápida para conquistar certo ponto de normalização que, no contexto infantil, está muito associado ao processo de escolarização. No CAPSi, havia na equipe um posicionamento forte frente aos encaminhamentos de crianças pelas escolas e uma necessidade constante de problematizar o que muitas vezes é tido como banalização do diagnóstico de TDAH e o aumento da procura pelo metilfenidato. Não poucas vezes era dito pela equipe: “Não damos laudos aqui, não prescrevemos Ritalina!”; fala que performava certa relação com a escola: “a escola só quer laudo e Ritalina” e também com os familiares: “só querem laudos, só querem medicamentos!”. Ao mesmo tempo, os familiares buscavam outros serviços e profissionais que prescrevessem o medicamento. Em ambos os casos, a posição imperativa frente aos desafios das demandas escolares dificultava produzir uma conversa entre serviço, escolas e familiares.

Habitando as controvérsias de um medicamento

A discussão sobre a Ritalina muitas vezes aquecia as tardes no Grupo GAM e, ao longo dos encontros, fomos juntos construindo condições para habitarmos as fronteiras entre saúde mental e escola. Ao propor semanalmente um espaço de conversa em relação a um medicamento que o serviço não prescrevia e um diagnóstico que o mesmo considera controverso, fomos transformando situações de “desentendimento” em mal entendidos promissores (MEP) (Moraes, 2010). Pensando com Moraes (2010), podemos dizer que ao sustentar coletivamente um MEP foi possível criar novas versões para as práticas farmacológicas com o metilfenidato que atravessavam o CAPSi de um canto a outro, mesmo quando deslegitimadas. Nessas novas versões, que bifurcavam as versões anteriores, o CAPSi e o grupo foram experimentando os MEP e toda a variação, instabilidade e desorganização que eles produziam. Habitar a controvérsia que os MEPs engendram produz a redistribuição das capacidades de agir; logo, é legitimar o outro como participante ativo do processo de intervenção (Moraes, 2010).

Assim, o mal entendido promissor, longe de ser um parasita no dispositivo de intervenção, é aquilo mesmo que o move, é aquilo que nos coloca diante do fato de que a experiência de interrogar o outro envolve um processo de transformação que não se passa apenas para o interrogado, senão também para aquele que interroga (Moraes, 2010, p. 17).

O manejo do Grupo não era fácil, pois as experiências que atravessavam o uso do medicamento eram inúmeras, os pontos de vista eram pouco flexíveis e, por vezes, surgiam polarizados, impossibilitando a conversa, principalmente entre familiares e profissionais do CAPSi ou entre familiares e escola. No grupo, semanalmente, íamos sustentando espaços de conversa, buscando dar espaço para que desentendimentos fossem vividos como promissores.

A centralidade do medicamento como melhor maneira de tratar era, na maioria dos encontros, um discurso forte entre os familiares. A postura do CAPSi em não prescrever a Ritalina produzia estranhamento em algumas mães. Todavia, para o serviço, acesso e excesso do medicamento pareciam estar automaticamente vinculados (Caliman, 2016). No grupo, abrimos espaço para que tais “desentendimentos” fossem partilhados.

(...) e aí você entra na sala do médico e, depois você volta na sala do médico [referindo-se ao psiquiatra do CAPSi]: Dr., por que disso? Por que não a Ritalina? E ele responde a mãe: “Eu não passo Ritalina. Volta na doutora que te passou.” [..] “Eles falam que ficamos atrás de medicamento, mas só a gente que é pai e mãe sabe o que realmente está acontecendo dentro da nossa casa. A gente sofre e a criança sofre. E a gente quer um alívio não só pra gente, mas pra eles também". E a mãe P. continua narrando suas vivências: "Dr, qual é o remédio, realmente, para imperatividade (sic), existe?” (trecho da memória6 do Grupo GAM 11/09/2014).

Lembremos com Couto (2012), em sua análise sobre a Política de Saúde Mental de Crianças e Adolescentes (SMCA), que uma das funções do CAPSi é promover ações de cuidado que devem se precaver contra a medicalização e as práticas que contribuem para o ajustamento de condutas no trato com crianças e adolescentes. Para isso, torna-se necessário colocar em análise tal demanda, acolhendo-a sem de imediato tomá-la como equivocada. A mãe P., ao questionar o Dr. “Por que não a Ritalina?”, fala de um sentimento muito comum nos familiares de não perceberem suas demandas legitimadas. É importante frisar que considerar uma demanda legítima é diferente de acatá-la. Não se trata de atender a todos os pedidos feitos pelos pacientes e seus familiares, mas de compreender que o que eles trazem com suas perguntas ou histórias está relacionado às experiências, muitas vezes de sofrimento, que estão vivendo. No grupo GAM, familiares, profissionais e pesquisadores buscavam juntos acolher e escutar as experiências partilhadas. Fomos percebendo que poucos ou raros eram os espaços nos quais, como disse um familiar, “a gente pode falar sem ser julgado”. No grupo fomos aos poucos construindo essa possibilidade e percebendo que a experiência dos familiares fala de um isolamento, de uma vida onde o cuidado é raramente compartilhado, muitas vezes nem com os companheiros em casa. A partilha dessas experiências complexifica um discurso presente em muitos serviços de saúde mental que afirma que a escola e o familiar querem laudos e medicamentos para se desresponsabilizarem do cuidado com as crianças. No grupo, diferentemente, ouvimos histórias nas quais os familiares precisam frequentar mais de um serviço na busca de respostas, de um cuidado que amenize tanto o sofrimento dos filhos quanto daqueles que os acompanham. Há também histórias de avós que frequentavam diariamente as escolas regulares dos seus filhos para garantir aos mesmos o direito a educação. Assim como a mãe P., outros familiares falam do sofrimento de serem constantemente responsabilizados e culpabilizados pelo suposto fracasso escolar dos filhos, pelas faltas e pela dificuldade de adaptação a certas normas (Caliman, 2016).

É duro demais ouvir que você não sabe educar, que a culpa é sua, quando já tentei de tudo. É duro. A gente sofre demais. Até o médico já disse isso, que o meu filho não tem nada. Como assim não tem nada? Na escola eles dizem que meu filho tem um problema e que eu preciso cuidar disso, é minha responsabilidade levar pro médico, mas o médico diz que ele não tem um problema de saúde e que a escola é que tem que resolver. E a gente vai de lá pra cá, que nem barata tonta, fica assim, sem saber o que fazer e a criança sofrendo...é um equilíbrio desiquilibrado. (trecho de memória do Grupo GAM, 18/11/2014).

É nesse “equilíbrio desiquilibrado”, onde se produz uma demanda sem lugar (DOMITROVIC, 2012), que o fortalecimento do medicamento como a maneira mais legítima de cuidar ganha contornos mais precisos. Mas, como já falamos, o maior problema é quando a terapêutica medicamentosa visa a normalização da vida. Normalização esta que está quase sempre atrelada a vida escolar. O discurso de algumas mães fala da importância da Ritalina na vida dos seus filhos. Uma delas, por exemplo, conta de como, do ponto de vista da escola, o filho se tornou aluno exemplar7. Havia, muitas vezes, a descrição de uma criança antes e depois da Ritalina, com os efeitos da mesma vistos como “termômetro” da qualidade na escola. “Com a medicação ele melhorou 100%8”, uma mãe afirma, convicta de que as mudanças se deram por conta da Ritalina.

“Eu acho que sem a Ritalina, Deus me livre! Você não consegue nem conversar com ele [com o filho]”, diz a mãe B. [...] “E o que ele [o filho] acha do remédio?”, o pesquisador pergunta. “Ele me perguntava por que ele toma remédio. Ele fala que toma remédio descontrolado e, que toma remédio pra não ter crise de nervoso e não ficar agressivo” (Trecho da memória do Grupo GAM, 21/08/2014).

Experiências como estas eram partilhadas no grupo e se muitas vezes eram ratificadas por outros familiares, eram também tensionadas pela polifonia de outras experiências. Entre os familiares, a necessidade do medicamento não era unânime. Houve um dia que a mãe L. levou seu filho ao neurologista, devido a dores de cabeça. Na consulta, o médico perguntou ao menino como ele era na escola e ele, orgulhosamente, respondeu ao médico que fazia bagunça em todas as matérias. O médico, então, prescreveu Ritalina. A mãe chegou a ir à farmácia, mas não comprou o medicamento, pois um conhecido lhe disse que era um medicamento muito forte. A mãe L., intrigada, levou o medicamento até o CAPSi para tirar a dúvida, e descobre que o medicamento era similar a Ritalina, optando por não medicar.

“Eu pensei assim: mas ele não é menino de Ritalina! Porque ele é assim, ele é bagunceiro, mas é uma bagunça normal para uma criança de onze anos. Ele presta atenção, ele tira nota boa, ele nunca tirou nota baixa, nunca reprovou, ele tá na quinta-série. Ele é até prestativo! Ele é muito curioso, futuca tudo ... não consegue ver uma coisa sem mexer. C. [o filho] conserta os aparelhos eletrônicos da casa. Às vezes ele ‘estraga’ as coisas para consertar depois” – Fala de uma mãe. (Trecho da memória do Grupo GAM, 02/10/2014).

Já A., outra mãe do grupo GAM, num certo momento, decide parar de dar o remédio. Para ela, a Ritalina não estava fazendo efeito e ela associava a melhora de D., sua filha, ao acompanhamento psicológico no CAPSi. Mas o médico insistiu para que ela continuasse com o medicamento.

“Aí ele [o médico] falou ‘não, mas nos dias de escola eu quero que você dê. Pelo menos uma vez por dia. (...) no mês que vem você vai dar sábado e domingo também’”, disse-nos a mãe A. Outra mãe interrompe e diz que com ela “o médico disse que era para estimular o cérebro do menino. Ele não tinha atenção de nada, agora ele já tem.” […] “Por isso que eu acho que Ritalina não faz efeito para D. Ela sempre foi inteligente. Ela é a primeira a terminar as atividades na escola”, comenta a mãe A. (trecho da memória do Grupo GAM, 21/08/2014)

As histórias partilhadas colocavam em análise a necessidade incontestável do medicamento, ampliando e por vezes alterando as experiências de sua prescrição, consumo e acompanhamento. Percebíamos que o grupo se constituía como um espaço que tornava possível que a decisão de dar ou não a Ritalina para a criança fosse partilhada e coletivamente acompanhada.

Não poucas vezes o uso do remédio está relacionado à ida da criança à escola. Algumas mães tem o costume de dar Ritalina para seus filhos apenas no período letivo, não medicando aos finais de semana e nas férias escolares. Tais hábitos, de certa forma, corroboram a opinião de Caliman (2016) de que, a prescrição e o consumo da Ritalina por crianças e adolescentes denunciam, dentre outras coisas, um certo modelo de escola e educação (um certo modelo de vida!), assim como uma forma de pensar a aprendizagem que silencia e aprisiona as infâncias desviantes.  Histórias que sinalizam um processo de subjetivação em voga altamente individualizante que produz relações cada vez mais mediadas pelos medicamentos.

“Não precisaria medicar, dar Ritalina se vivêssemos só eu e ele, se ele estivesse só em casa, porque em casa a gente entende o jeito dele ser. Se estivesse em uma ilha deserta, não precisaria de medicamentos (...), mas para estar na escola e aprender, ele precisa. Às vezes, ele não quer tomar o medicamento, mas explico que ele precisa para fazer amigos e ficar na escola. Então ele toma”, relata uma mãe no Grupo. (trecho da memória do Grupo GAM, 28/08/2014).

A cada encontro com o Grupo GAM, ficava mais claro que ao acompanhar e tecer a atenção à saúde mental de crianças e adolescentes necessariamente deparamos com os atravessamentos das experiências e questões escolares. No grupo GAM, ao buscarmos acessar a experiência infantil de uso de psicotrópicos, percebemos que a vida escolar é parte fundamental da vida da criança e de seus familiares. Podemos até mesmo dizer que a escola surgia como seu centro de irradiação. A escola se faz presente na maneira como as crianças dizem de si, de seus gostos, nas amizades que tecem, nas profissões que vislumbram e também nas questões que as levam ao CAPSi. A demanda por um tratamento, medicamento ou laudo surge quase sempre na escola. Os problemas e conflitos que envolvem as crianças possuem a escola como cenário de expressão. A vida escolar torna-se um termômetro importante, que sinaliza quando a criança está bem ou não. A escola, tanto para os familiares como para as crianças, é espaço de alegrias e tristezas; amizades e desavenças; confiança e desconfiança. No GAM, apesar de não estarmos na escola e não incluir no grupo nenhum profissional da educação, buscávamos cuidar da experiência partilhada permitindo, inclusive, que ela pudesse ressignificar as direções de tratamento e intervenção vislumbradas pelo CAPSi e pelos familiares. A vida escolar surgi, portanto, como plano fundamental de intervenção e conversa quando objetiva-se o cuidado e a atenção da criança e do adolescente que acessam os serviços de saúde mental.

O rótulo dói9: a vivência escolar atravessada por diagnósticos e medicamentos

Para muitas mães, estar no CAPSi parecia não ser suficiente. Não poucas vezes, elas escutam de algum profissional da educação que, para estarem na escola, seus filhos precisam de tratamento. No entanto, ir semanalmente – algumas vezes mais de uma vez por semana ao CAPSi e em outras instituições – não reduzia as cobranças e indagações da escola sobre a busca de tratamento para as dificuldades dos filhos em sala de aula. Cuidar, na maioria das vezes, parecia ser sinônimo de receber um diagnóstico e usar medicação. Apenas quando um dos dois entrava em cena é que parecia ser possível alguma coisa acontecer na escola.

(...) a escola, segundo a mãe P., só considera legítimo o discurso das mães quando é respaldado num laudo ou numa medicação: “Aí vem os planejamentos que já eram pra ter sido feitos antes. Mas que só fazem depois que tem aquele lindo diagnóstico. É muito complicado tanto pra nós, quanto pra eles [as crianças]”, diz a mãe. (Trecho da memória do Grupo GAM, 25/09/2014).

A mãe P. certa vez disse que, mesmo com as idas de profissionais do CAPSi à escola, o laudo é demandado como condição para que se crie estratégias de cuidado, que ajudem as crianças na aprendizagem. E a demanda por laudo e um diagnóstico que afirme “o que a criança tem” é, por vezes, produtora de sofrimento para as crianças e para os familiares que as acompanham nas atividades escolares. Como lembra Renault (2015), a afirmação do diagnóstico, ou a necessidade do mesmo, também se sustenta a partir da não-creditação na capacidade do outro. Por seu caráter discriminatório, o diagnóstico deixa pouca ou nenhuma possibilidade de abertura à conversa: “a operação de diagnóstico individualiza, reforçando o isolamento e a impotência do usuário de medicamentos” (Renault, 2015, p.191). Por outro lado, percebíamos no grupo que a presença de um laudo médico por vezes provocava uma mudança de postura da escola em relação a criança, que deixava de ser vista como preguiçosa ou mal educada para ser considerada portadora de um transtorno.

“Levar ele [o filho] para a escola era uma tortura mais para mim do que para ele, pois só sabiam reclamar, a escola não tinha estrutura para lidar com ele, e não acreditavam no diagnóstico dele, diziam que ele era assim [bagunceiro] porque era mimado, e a escola só foi acreditar quando chegou o laudo” – relato de uma mãe no Grupo. (Trecho da memória do Grupo GAM, 25/09/2014).

C. partilha que, na escola, deixaram de passar dever de casa para o filho depois que o mesmo foi diagnosticado. A mãe percebe que as aulas de educação física deixaram de ser obrigatórias. No grupo GAM, ela partilha os efeitos paradoxais do diagnóstico “deixaram de chamar ele de apelido e de dizer que eu é que sou culpada pelo comportamento dele, mas quero que ele continue tendo o direito de aprender e ter dever de casa...” (Trecho da memória do Grupo GAM, 25/09/2014).

As histórias dos familiares falam de uma dificuldade de acesso ao cuidado na rede pública de saúde, saúde mental e educação. Dificuldade que produz uma forma de cuidar na qual cada vez mais se cuida só. “Atendimentos que acontecem aqui e ali. Atendimentos que não são conectados, não sendo possível funcionar uma rede sem conexão”, dizia uma mãe. O cuidado, quando não exercitado de forma coletiva (Mol, 2008), individualiza os problemas e reforça o medicamento como requisito para ser assistido.

“A escola do filho “acolhe”, mas é um ambiente que acredita muito na medicação. Não aceita facilmente a decisão da mãe em não dar o medicamento ou relutar, pressiona para que seja medicado. Produz-se um constrangimento: a escola acolhe, mas na medida em que a prescrição medicamentosa é aceita. Seria isso um acolhimento?”, questiona uma pesquisadora. “É desse jeito”, concorda a mãe P. A escola cobra o laudo e se não der a medicação o filho não terá atendimento. Como se o medicamento fosse também a condição de acesso a outros tratamentos. Se ele não estiver medicado as outras redes não querem atender e outros profissionais também não. Só o CAPSi acolhe que, no entanto, não tem estrutura para lidar com a criança o dia todo. P. diz que quer ter o filho “normal”, alegre, conversando, mas se ele não estiver medicado não é acolhido nos outros lugares, esse é o grande entrave (Trecho da memória do Grupo GAM, 02/10/2014).

Para a avó V. não é diferente, a ausência da medicação e do laudo/diagnóstico impossibilita a inserção em outras atividades que poderiam ser importantes no desenvolvimento do neto, dificultando as relações dele com amigos e comunidade.

“Sim, é claro que eu também acho que é bom pra ele praticar esporte, fazer outros tratamentos, mas na escolinha de futebol e na APAE só aceitam se ele estiver medicado. E em muitos casos, pouca coisa se tenta na escola antes que a gente tenha um laudo, antes que ele esteja medicado”, relata a avó. (Trecho da memória do Grupo GAM, 18/09/2014).

Basaglia (1985) interroga-se acerca do valor técnico ou científico que o diagnóstico clínico pode ter. Estaríamos falando de um diagnóstico científico com objetivos clínicos? Ou diria se tratar de uma simples etiqueta que esconde profundamente seu real significado, a discriminação? Ressaltemos que, no Grupo GAM, ao abrirmos espaço para a partilha de experiências de ter um diagnóstico ou acompanhar/cuidar de uma criança diagnosticada – incluindo as encomendas da escola, a procura por respostas, a prescrição indiscriminada ou recusada – não tínhamos o objetivo de recusá-la ou afrontá-la, nem aceitá-la inteiramente. No grupo, o trabalho é de composição: cabe analisar a demanda, ligando-a a outras experiências e multiplicando os sentidos (Renault, 2015). Com o Grupo, aos poucos fomos percebendo que, independente do “real significado” do diagnóstico, ele produz realidades. “O rótulo dói”, como afirmou uma mãe. Ao mesmo tempo, para as mães do grupo, o diagnóstico possui uma função social muito importante, pois é o diagnóstico que retira a família do lugar de quem “não sabe educar”, do “menino malcriado”, da “falta de limites”. Isso não quer dizer que elas “desejam” os diagnósticos para se desresponsabilizarem dos cuidados dos filhos, mas que, na luta diária de tecer uma rede que cuide, os mesmos produzem alívio numa vida cansada.

Então, comenta a mãe P: “eu me sentia obrigada a falar […] lógico que ninguém quer falar que seu filho tem alguma coisa, mas no meu caso […] ele tava num CMEI […] batia, mordia […] todo mundo já olhava para ele com aquela cara horrível […] para mim era preferível que eles soubessem que ele tinha alguma coisa do que continuar tratando como elas estavam tratando […]. Acho que a pior coisa é você ver seu filho sendo mal tratado, com apelido [...] para mim [o diagnóstico] era melhor do que o apelido, já que a doutora tinha passado o papel falando: ‘olha ele é uma criança normal, ele só é hiperativo e isso tem tratamento’[…]. Aí quando os pais vinham falar alguma coisa, eu falava que ele é uma criança hiperativa, que ele está em tratamento […] e que ele é igual ao dela, xinga, bate e fala palavrão [...] (Trecho da memória do Grupo GAM, 28/08/2014).

O diagnóstico produz alívio, mas também um incômodo tanto nos pais como nas crianças. A mãe B. relata da dificuldade de mudar R., seu filho, de escola pelo “histórico ruim”. Diz ainda que ele é sempre mal visto pelos colegas, se sente muito só. Uma vez, ele pediu cem reais para dar a um garoto para ser amigo dele. “Ele se sente muito só”, comenta a mãe B.

Outra mãe, P., fala que seu filho, S., com frequência afirmava, muitas vezes aos gritos: “eu não tenho problema não mãe, eu sou uma pessoa normal”. Uma outra criança, a sorridente D., filha de A., certo dia chegou ao pai, depois que saiu de um consultório médico e exclamou: “pai, o neurologista falou que vou parar de tomar remédio! Eu não sou doente não!”.

Um dos pontos que o Guia GAM toca é na noção de anormalidade/normalidade atrelada à doença. Tal questão reverbera com intensidade no Grupo, pois os efeitos do diagnóstico, atrelados ao contexto escolar, marcam a experiência infantil. O direito de aprender, o direito da criança e a obrigação dos pais em mantê-las na escola atravessam diretamente a relação das crianças com o diagnóstico e o medicamento. Muitas mães falam da educação especial como possibilidade de garantir que as crianças com determinadas necessidades tenham acesso à educação, uma certa educação, que às vezes é uma sala com recursos, uma profissional da educação especial ou um estagiário. Todavia, quando se trata de crianças com problemas de aprendizagem diagnosticadas com TDAH, os familiares relatam não ser fácil garantir um estagiário ou outra forma de cuidado que auxilie os professores em sala de aula. Tais crianças parecem situar-se no perigoso limbo dos “casos leves”, que habitam a fronteira nebulosa entre o normal e o “anormal”, cujas demandas de cuidado são quase sempre deslegitimadas e que são cada vez mais numerosas na medida em que o cerco da normalidade estreita-se mais e mais.

O CAPSi, embora tenha uma postura diferenciada com relação a prescrição de alguns medicamentos e resistência a determinados diagnósticos, é considerado como um apoio importante para os familiares no trato com a escola. “É Deus no céu e o CAPSi na terra. Muita coisa mudou depois que o CAPSi entrou na conversa, eles agora entendem melhor que o meu filho tem”, relata uma mãe. Ainda que o serviço tenha dificuldades no diálogo com a escola, é um espaço de cuidado com o qual os familiares e as crianças podem contar. Quando o CAPSi questiona a demanda por diagnósticos, também está pondo em análise suas práticas e, no grupo GAM, foi possível sustentar essa conversa e ampliar as versões a respeito do uso de medicamentos e do diagnóstico.

A mãe P. fala que percebeu que o CAPSi também mudou com o GAM: “Porque passamos a falar algumas coisas que vemos e sentimos no GAM. A nossa possibilidade foi o GAM. Quando eu ia ter possibilidade de falar com o Dr. [psiquiatra] que eu não concordava com o que ele falava??! Foi no GAM!”. Outra mãe, Z., fala que também é uma oportunidade de conhecermos melhor como o CAPSi trabalha. P. concorda e continua: “Lá no comecinho quando a gente lutava muito pelo diagnóstico, pelo diagnóstico [risos] e o CAPSi ficava ‘não, não é assim, não podemos por um rótulo...’ [uma outra mãe, fala junto com P. a frase] mas porque meu filho está vindo aqui então? Ele não tem nada? Vamos ficar em casa?! Então mudou um pouco isso, percebemos que até no conversar isso mudou” (Trecho da memória do Grupo GAM, 02/10/2014).

A experiência com o grupo GAM possibilitou não somente que os pontos de vista dos familiares fossem recolocados e ampliados, como também as decisões e práticas institucionais do CAPSi. Tornou-se evidente para o CAPSi que era necessário ampliar (e muitas vezes criar) uma conversa com a escola, na mesma medida em que fazia-se pungente sustentar um espaço de partilha com os familiares, considerando que a família é a rede mínima que precisa ser cultivada no cuidado com crianças e adolescentes. Juntos, no GAM, buscamos sustentar as indagações de algumas mães quando, ao irem aos médicos, ouvem dizer que seus filhos não têm nada e que não precisam de remédio - “Mas, então, o que fazer quando as coisas não vão bem? Não é o remédio, mas é o quê? Como lidar?”. É também esta indagação que deve ser cotidianamente recolocada pelo CAPSi: Como construir saídas junto com a escola e com os familiares, num diálogo nascente que não se dê apenas pela existência de um laudo/diagnóstico/medicamento ou pela não legitimação da demanda de cuidado?

Considerações finais

As demandas escolares que não poucas vezes inundam os serviços de saúde mental infanto-juvenil evidenciam que há em curso uma relação, ou melhor, um modo de fazer entre saúde, escola e familiar. Quase sempre tais relações se dão de forma endurecida e com desconfiança. A relação histórica estabelecida entre “problemas de aprendizagem” e “problemas de saúde” reforça um processo de “cuidado” que se dá cada vez mais de forma fragmentada e isolada. Além disso, o medicamento quando visto como a única saída pode isolar, desconectar e desarticular uma vida que se faz em relações. Uma criança, sua forma de ser e estar no mundo, surge junto com uma escola, com uma família, com uma vizinhança, com um serviço de saúde mental. Torna-se necessário, portanto, criar estratégias de cuidado que possam acessar a constelação de relações das quais as demandas escolares emergem para, a partir delas e com elas, inventar novos possíveis na saúde e na educação. Como entrelaçar os fios da saúde mental infanto-juvenil, as famílias e as escolas para produzir conversas outras que escapam dos processos medicalizantes e individualizantes?

No Grupo GAM, ficava cada vez mais evidente que as demandas sobre os “ditos” problemas de aprendizagem fazem parte de uma direção política que fragmenta e individualiza, simplificando as demandas de cuidado. Nesta direção, cuida-se cada vez mais só. A centralidade do medicamento como a única terapêutica nos aponta a fragilidade de lidarmos coletivamente com as aflições contemporâneas. Couto (2010) afirma que a Política de Saúde Mental Infanto-Juvenil apresenta como desafio central a necessidade de integrar e articular efetivamente os diferentes serviços e programas existentes que atendem as crianças e adolescentes às ações de saúde mental. Na GAM, a necessidade de uma articulação mais efetiva entre os setores que assistem à infância tornava-se mais proeminente visto a constante relação entre a demanda de laudos e uso de psicotrópicos e a experiência de estar na escola. Ao sustentarmos as controvérsias em torno da prescrição, consumo, e acompanhamento de um medicamento, foi possível construir outra postura frente aos acontecimentos escolares e tecer novas conversas entre a escola, o CAPSi, familiares e crianças. O que a escola quer ao demandar Ritalina? O que o diagnóstico de TDAH produz na vida das crianças e seus familiares? Por quê não receitar a Ritalina? Por que solicitar a Ritalina como única via de tratamento? Aos poucos, a posição dura e inflexível entorno da Ritalina e do diagnóstico de TDAH foi deslocada para a análise coletiva da demanda de cuidado, possibilitando ressignificar a escola como uma parceira no cuidado. O grupo GAM, ao cultivar a cogestão do uso do medicamento e da terapêutica do usuário, efetiva-se como uma estratégia potente, possibilitando coletivizar as questões, incluindo cada vez mais atores no processo de cuidado.




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Data de submissão: 30/07/2017
Data de aceite: 02/10/2017


1 De acordo com Oliveira (2001), a denominação “práticas psi” reporta às produções das psiquiatrias, psicologias e das psicanálises. A autora faz uma ressalva que o plural realçado dessas práticas marca uma regularidade que aponta para diversas abordagens psi que, embora antagônicas e com metodologias e objetos diferentes, estão em sua maioria submetidas ao campo representativo.

2 Grupo de pesquisa vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional (PPGPSI-UFES), composto por estudantes mestrandos e graduandos desta universidade. Tem-se dedicado aos estudos dos processos de medicalização e medicamentalização da vida, no âmbito das Políticas Públicas de Saúde Mental. 

3 Por práticas farmacológicas compreendemos as práticas em torno da medicação, tais como a prescrição, a dispensa e o consumo de medicamentos. Para saber mais, ler Domitrovic (2014).  

4 O metilfenidato é um derivado da anfetamina, indicado principalmente para o tratamento de TDAH e da Narcolepsia. É o principal ativo do medicamento Ritalina, produzido e comercializado mundialmente pelo laboratório Novartis Biociência (DOMITROVIC, 2014, p. 23).  

5 O Guia GAM-BR é divido em duas partes contendo seis passos. Na pesquisa no CAPSi, usávamos o guia com freqüência, experimentando também outros dispositivos como leitura de textos, do protocolo de dispensação da Ritalina (São Paulo), poesias, etc. Como forma de registro dos encontros, tivemos como estratégia o uso de memórias feita pelos pesquisadores e, posteriormente, a construção de narrativas coletivas que foram partilhadas em reuniões de equipe e com outros grupos. Guia disponível em: http://www.fcm.unicamp.br/interfaces/arquivo/ggamBr.pdf 

6 Por memória nos referimos aos registros de cada Grupo GAM feitos pelos pesquisadores-manejadores.  Cada encontro era gravado em áudio e um pesquisador registrava os acontecimentos intensivos, tentando descrever as nuances em diversos momentos do Grupo. Cada memória busca tornar a experiência do grupo acessível, relatando o que ocorreu de intenso em cada encontro, incluindo as vozes dos diferentes participantes e articulando as falas às temáticas lidas no Guia Gam-br. 

7 Trecho da memória GGAM do dia 25/09/2014.

8 Trecho da memória GGAM do dia 18/09/2014.

9 Fala de uma mãe no Grupo GAM de 12/02/2015.

I Felipe Alan Mendes Chaves: Mestre em Psicologia Institucional pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). E-mail: felipealanmendes@gmail.com

II Luciana Vieira Caliman: Professora de Psicologia da Universidade Federal do Espirito Santo (UFES) e do Programa de Pós-graduação em Psicologia Institucional do Departamento de Psicologia da UFES. E-mail: calimanluciana@gmail.com

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