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Revista Polis e Psique

versão On-line ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.8 no.1 Porto Alegre jan./abr. 2018

http://dx.doi.org/10.22456/2238-152X.80427 

ARTIGOS

 

A abordagem Open Dialogue: história, princípios e evidências

 

The Open Dialogue approach: history, principles and observations

 

El enfoque Open Dialogue: historia, principios y evidencias

 

 

Ana Carolina FlorenceI

I Universidade Estadual Paulista (UNESP), Assis, São Paulo, Brasil.

 

 


RESUMO

A abordagem Open Dialogue foi desenvolvida na Finlândia na década de 1980, como um conjunto de práticas e princípios que modificou o modelo de atenção aos problemas de saúde mental da região. Através da proposta de reuniões familiares envolvendo a rede social das pessoas em crise em uma perspectiva dialógica, a abordagem Open Dialogue reduziu o número de internações em hospitais psiquiátricos e o tempo não tratado da doença; incorporou o uso seletivo de neurolépticos e promoveu taxas de recuperação de 84% das pessoas tratadas. O objetivo deste artigo é apresentar uma revisão narrativa da literatura sobre a abordagem Open Dialogue trazendo a história de seu desenvolvimento, os sete princípios que orientam suas práticas e estudos de efetividade. Por fim, convidamos o leitor ao debate de estratégias de cuidado aos primeiros episódios psicóticos, contando que a abordagem Open Dialogue possa oferecer pistas para a Atenção Psicossocial brasileira.

Palavras-chave: Saúde Mental; Atenção Psicossocial; Open Dialogue.


ABSTRACT

The Open Dialogue approach was developed in Finland in the 1980’s as a set of practices and principles that changed the model of mental health care delivery in the Western Lapland region. Through family meetings conducted in accordance with a dialogical perspective involving the person in crisis and their social network, the Open Dialogue approach reduced the number of hospitalisations in psychiatric hospitals, diminished the duration of untreated illness, incorporated the selective use of neuroleptics and promoted recovery in 84% of persons treated. This paper presents a literature review of the Open Dialogue approach outlining its history and development, as well as the seven principles that guide clinical practice and effectiveness studies. Finally, we invite the reader to participate in the debate regarding care strategies for first episode psychosis, given to understand that the Open Dialogue approach may provide new paths for Brazilian Psychosocial Care.

Keywords: Mental health; Psychosocial Care; Open Dialogue.


RESUMEN

El enfoque Open Dialogue fue desarrollado en Finlandia en la década de 1980 como un conjunto de prácticas y principios que modificó el modelo de atención a los problemas de salud mental de la región. A través de la propuesta de reuniones familiares incluyendo a la red social de las personas en crisis desde una perspectiva dialógica, el enfoque Open Dialogue redujo el número de internaciones en hospitales psiquiátricos y el tiempo no tratado de la enfermedad; incorporó el uso selectivo de neurolépticos y promovió tasas de recuperación de 84% de las personas tratadas. El objetivo de este artículo es presentar una revisión narrativa de la literatura sobre el enfoque Open Dialogue trayendo la historia de su desarrollo, los siete principios que orientan sus prácticas y estudios de efectividad. Por último, invitamos al lector al debate de estrategias de cuidado a los primeros episodios psicóticos, contando que el abordaje Open Dialogue pueda ofrecer pistas para la Atención Psicosocial brasileña.

Palabras-clave: Salud Mental; Atención Psicosocial; Open Dialogue.


 

 

Introdução

A abordagem Open Dialogue foi desenvolvida na Finlândia nos anos 1980 e se tornou o sistema de saúde mental na região da Lapônia Ocidental. Trata-se de um modo dialógico de conduzir problemas graves de saúde mental que apresenta altos índices de recuperação no tratamento dos primeiros episódios psicóticos. Apesar da abordagem não ter sido desenvolvida para diagnósticos específicos, a possibilidade de recuperação de pessoas com quadros psicóticos é de especial interesse para o campo da Atenção Psicossocial brasileira, visto que a rede substitutiva ao hospital psiquiátrico lida prioritariamente com problemas graves de saúde mental e busca evitar a institucionalização e cronificação dos problemas.

Mesmo reconhecendo os avanços que obtivemos no processo de desinstitucionalização de pessoas com longos períodos de internação em hospitais psiquiátricos com características asilares e na construção de estratégias de cuidado e  tratamento, ainda temos grandes dificuldades em desenvolver uma atenção qualificada e práticas efetivas na primeira crise em jovens  adultos (Jardim, 2014). A principal estratégia terapêutica, e frequentemente a única, no atendimento às crises é a medicação (Jardim, 2014; Lima, 2015).

O uso de psicotrópicos, especialmente neurolépticos, tem sido uma estratégia de cuidado amplamente utilizada e precocemente introduzida no tratamento de pessoas que apresentam sintomas psicóticos (Moncrieff, 2008). Todavia, as evidências científicas que sustentam seu uso a longo prazo têm sido questionadas (Breggin, 1993, Healy, 2002, Moncrieff, 2008, Whitaker, 2010) à luz da revisão crítica dos estudos de eficácia, e dos estudos observacionais que comparam – no longo prazo - a recuperação de pessoas medicadas e não medicadas. Estudos têm sugerido que pessoas medicadas com neurolépticos desde o princípio de seus tratamentos se recuperam menos no longo prazo quando comparadas com pessoas que não utilizaram neurolépticos ou tiveram suas doses reduzidas (Harrow, Jobe & Faull, 2014; Nordentoft, e cols., 2016; Wils e cols, 2017; Wunderink e cols., 2015).

No cenário atual de implantação e expansão da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) com seus diversos equipamentos (Centros de Atenção Psicossocial, Centros de Convivência, Unidades Básicas de Saúde, entre outros), parece oportuna a discussão de boas práticas na abordagem dos primeiros episódios psicóticos com ênfase na recuperação das pessoas. Entendemos que a abordagem Open Dialogue oferece boas pistas para a construção de estratégias de cuidado específicas para uma população jovem cujos primeiros sinais de sofrimento estejam despontando. Ressaltamos que a abordagem Open Dialogue não é um modelo de tratamento cuja aplicação possa se dar em distintos contextos, mas sim um conjunto de práticas estabelecidas (Seikkula & Olson, 2003) que podem compor e organizar um sistema de saúde mental sem concorrer com outras ofertas terapêuticas.

Neste sentido, através de uma revisão narrativa da literatura, o presente texto tem por objetivo apresentar uma breve história da abordagem do Open Dialogue, seus princípios e evidências de seus resultados no longo prazo. Por fim, propomos algumas reflexões sobre possíveis conexões com o cenário e as práticas na saúde mental do Brasil.

 

Breve história da abordagem Open Dialogue

No início da década de 1980, no bojo de um projeto nacional de pesquisa e implantação de um modelo denominado Need Adapted ou Adaptado a Necessidades, uma equipe do Hospital Keropoudas na cidade de Tornio, província da Lapônia Ocidental na Finlândia, iniciou o desenvolvimento de uma abordagem clínica para o tratamento de problemas graves de saúde mental: o Open Dialogue (Seikkula & Arnkil, 2006, 2014).

Para superar os constrangimentos das possibilidades terapêuticas no contexto hospitalar, a inclusão da família e a rede social da pessoa em crise se tornou a principal estratégia no atendimento e reuniões familiares passaram a ser realizadas com todos os internos no hospital (Seikkula, 2003). A partir de 1984, as reuniões de admissão no hospital passaram a ser realizadas com a inclusão da rede social do paciente, o que levou a uma rápida redução na necessidade de internações (Seikkula, Arnkil e Erikson, 2003). O espaço reservado para a tomada de decisões entre membros da equipe foi abolido e as decisões passaram a ser tomadas no contexto das reuniões familiares na presença de todos os envolvidos. Para Seikkula e cols. (2003), esta mudança no modo de trabalhar evidenciou que a participação da família e da pessoa em crise em todas as tomadas de decisão promoveu importante deslocamento do tradicional papel do paciente e sua família como objetos de intervenções da equipe. Deste modo, o objetivo terapêutico do atendimento às crises foi reformulado e descrito como a criação de um espaço comum em que os eventos possam ter diferentes sentidos e significados (Seikkula, 2002).

Novos conceitos se fizeram necessários para sistematizar e estudar um diferente modo de se produzir o cuidado com pessoas padecendo de  graves problemas de saúde mental. Além da revisão das práticas tradicionalmente empregadas no contexto hospitalar de atendimento às crises psicóticas, realizou-se uma revisão das compreensões de sofrimento e dos processos de tratamento. As reações psicóticas passaram a ser entendidas como um modo de lidar com experiências assustadoras cuja expressão não foi possível de outra forma senão como alucinações e delírios (Seikkula e cols., 2003).

Para Seikkula (2002), situações de estresse podem produzir reações psicóticas que, quando não tratadas, tendem a se cristalizar como resposta às vivências difíceis da vida. Considerar a experiência psicótica desta forma permite que o tratamento através de reuniões familiares receba a narrativa desorganizada, as alucinações ou outros fenômenos como mais uma voz entre outras vozes presentes na conversa (Seikkula, 2002; Seikkula & Arnkil, 2014). Segundo os autores, os fatores desencadeantes de experiências psicóticas frequentemente aparecem nas reuniões de tratamento. Deste modo, o tratamento está direcionado para a produção de palavras e sentidos para experiências que não puderam ser articuladas na linguagem (Seikkula & Arnkil, 2014).

Foi a partir deste deslocamento que as reuniões familiares se tornaram a principal intervenção terapêutica. As reuniões contavam com três funções principais: 1) reunir informações sobre o problema; 2) construir um plano terapêutico conjuntamente e tomar decisões; 3) gerar um diálogo terapêutico (Seikkula, 2002; Seikkula & Arnkil, 2014).

Nos anos 1990 todos os serviços ambulatoriais passaram a implementar equipes de crise móveis e a abordagem Open Dialogue se tornou o sistema de saúde mental de toda a região da Lapônia Ocidental. Contrariando expectativas, no período em que a abordagem foi implementada enquanto sistema de saúde mental da região houve uma redução de 33% dos custos de serviço (Seikkula e cols., 2006) e uma redução no número de leitos psiquiátricos de 299 leitos para 55 no período de 1983 a 1992 (Altonen, Seikkula & Lehtinen, 2011).

Na década de 1990 a província da Lapônia Ocidental passou a contar com cinco clínicas de atendimento ambulatorial em Saúde Mental, 30 leitos psiquiátricos em hospital, equipes móveis de atendimento a crise implantadas em todas as clínicas ambulatoriais e no hospital, totalizando aproximadamente 100 profissionais para uma população de 72 mil habitantes (Seikkula e cols., 2003). Ao longo do desenvolvimento deste novo modo de atenção, quase toda equipe de saúde mental da Lapônia Ocidental recebeu treinamento em psicoterapia familiar, redirecionando o trabalho em saúde mental no sentido da colaboração transdisciplinar. O treinamento na abordagem Open Dialogue envolve tornar-se capaz de produzir um diálogo no contexto das reuniões familiares com o objetivo de construir entendimentos comuns e soluções comuns entre as pessoas presentes (Holmesland, Seikkula, Nilsen, Hopfenbeck & Erik,  2010). Com efeito, o Open Dialogue se configura mais como uma atitude que envolve progressiva transparência e abertura por parte dos profissionais do que uma técnica a ser aprendida (Holmesland e cols., 2010). Nesse sentido, todos os profissionais são terapeutas familiares no contexto das reuniões de tratamento.

As fronteiras entre os núcleos profissionais se dissipam e um trabalho conjunto se inaugura. Segundo os autores, a abordagem Open Dialogue convida cada profissional a se colocar no diálogo enquanto outro ser humano e inverte relações de poder consolidadas encarando todos os participantes - inclusive os profissionais – não mais como objetos e sim como pessoas, e entendendo que o conhecimento está do lado do paciente e da família e não no saber técnico de cada profissional (Seikkula & Arnkil, 2006). A relação sujeito-objeto se transforma, assim, numa relação sujeito-sujeito.

Os autores propõem que as reuniões familiares aconteçam em espaços nos quais todos estejam sentados em círculo, podendo haver um planejamento prévio sobre quem conduzirá a reunião; tal providência, porém, não é indispensável (Seikkula & Arnkil, 2006, 2014). As perguntas devem ser abertas e a equipe não deve introduzir temas previamente planejados ou estruturar intervenções. Segundo Seikkula e Arnkil (2014), a proposta é que os passos seguintes do diálogo sejam direcionados pelos presentes na reunião, especialmente pela pessoa em crise e por sua rede de relacionados. Os autores sugerem ainda que as respostas da equipe se dêem em forma de novas perguntas, esperando-se que os profissionais falem sobre o assunto que está sendo abordado ou comentem com seus colegas sobre aquilo que refletiram ao escutar o grupo, fazendo uso de técnicas reflexivas (Seikkula, 2002). Novas palavras podem ser introduzidas para descrever as experiências da pessoa em crise e, ao final da reunião, é desejável que a equipe possa sintetizar o que foi discutido, quais decisões foram tomadas e propor o agendamento de um novo encontro (Seikkula & Arnkil, 2006).

Nas reuniões, todos são convidados a falar sobre o problema em questão, mesmo que em um primeiro momento as falas possam ser monológicas, pois frequentemente o assunto ainda não foi compartilhado. Para Seikkula e Arnkil (2006), este é um primeiro passo para que o diálogo se estabeleça. Os autores consideram desejável repetir o que o paciente ou a família disse fazendo uso das próprias palavras empregadas pelos que o disseram, promovendo, assim, uma área de linguagem compartilhada em que cada um sente como é escutar o que se está dizendo (Seikkula & Arnkil, 2006). Apontam ainda que é desaconselhável interpretar ou confrontar ditos psicóticos com a realidade, visto que a atitude desejada é a de obter informações e descrições detalhadas da experiência da pessoa em crise.

A partir do estudo sistemático da reorganização do sistema de saúde mental da Lapônia Ocidental, sete princípios que orientam o trabalho na abordagem Open Dialogue foram desenvolvidos. Abordaremos cada um individualmente no próximo tópico.

 

Os sete Princípios da Abordagem Open Dialogue

 

1)Responder imediatamente

Quando um contato é feito com o serviço de crise, seja pelo próprio paciente, por um familiar ou outro serviço de apoio, a equipe deve responder em 24h com a organização de uma primeira reunião com a presença da rede social do paciente (Seikkula & Arnkil, 2014). A rapidez no primeiro atendimento tem como objetivo prevenir o máximo de hospitalizações possível. Para Seikkula e Arnkil (2006) - em contraposição à noção difundida de que o tratamento de pacientes psicóticos deve ser iniciado após a organização do pensamento ou o desaparecimento das alucinações - a abordagem Open Dialogue propõe que quanto mais rápido o atendimento, maiores as chances de expressão de conteúdos frequentemente perturbadores e difíceis. Seikkula e Arnkil (2006) apontam que as experiências psicóticas estão, muitas vezes, relacionadas a incidentes reais, e que durante a crise é possível trazer à tona temas que antes não podiam ser nomeados. O trabalho da equipe é construir possibilidades de nomeação dessas experiências de modo dialógico. O prognóstico melhora quando a equipe é capaz de criar um ambiente seguro para o tratamento de experiências extremas com temas de difícil abordagem.

 

2) Incluir a Rede Social

A abordagem Open Dialogue propõe  que se trabalhe numa perspectiva de rede; deste modo, a família e pessoas próximas de quem está em crise são convidados a participar de todas as reuniões de tratamento. Para Seikkula e Arnkil (2014) é desejável que todas as pessoas que reconhecem a crise enfrentada pelo paciente como um problema participem das reuniões. Deste modo, pode-se incluir amigos, vizinhos, colegas de trabalho, representantes de serviços que acompanham o paciente e outros profissionais que venham a compor o tratamento (Seikkula & Arnkil, 2014). De acordo com os autores, a participação das pessoas próximas ao paciente nas reuniões é importante pois é frequente que seja a rede social do paciente quem primeiro percebe a situação como um problema. Quando estes são envolvidos, tornam-se parte do problema e a resolução das crises é pensada como o momento em que aqueles que avaliaram a situação como problemática não mais a vejam desta forma (Seikkula & Arnkil, 2014).

O processo de tomada de decisão sobre quem deve participar da reunião é conjunto. A equipe consulta a pessoa que realizou o primeiro contato sobre quais são as outras pessoas preocupadas com a situação, quem poderia ajudar e quem seria a melhor pessoa para convidar a todos (Seikkula & Arnkil, 2006). A equipe não propõe os convites de modo muito formal para não criar um clima de suspeitas; ao contrário, consulta os envolvidos e sugere que todas as pessoas próximas do paciente sejam convidadas, incluindo profissionais que atenderam a família ou o paciente em outras ocasiões e pessoas que acompanham a crise, mesmo que não sejam da família.

 

3) Adaptar-se com flexibilidade a diversas necessidades

As reuniões de tratamento devem preferencialmente acontecer na casa do paciente e o tratamento deve ser conduzido de modo que a equipe possa se adaptar às especificidades de linguagem, modo de vida, métodos terapêuticos e ser capaz de adequar a duração do tratamento às necessidades do paciente e sua rede (Seikkula & Arnkil, 2006).

Ao longo do tratamento as propostas terapêuticas podem variar muito, assim, para Seikkula e Arnkil (2014), não é desejável que um plano fixo de tempo ou periodicidade seja estabelecido. Ao contrário, em cada reunião se define quando se dará o próximo encontro com grande flexibilidade por parte da equipe, podendo este ocorrer no dia seguinte, dali uma semana ou no próximo mês. No período inicial da crise, reuniões diárias podem ser necessárias; todavia, após algumas semanas a demanda pode mudar e é fundamental que a equipe seja sensível a essas necessidades.

 

4) Assumir responsabilidades

A abordagem  Open Dialogue prevê a definição de um território adscrito de responsabilidade direta de serviços como um passo fundamental para que a pessoa em crise e sua família não tenham dificuldades de acesso ao tratamento quando este se faz necessário (Seikkula & Arnkil, 2014). Para os autores, é importante que todos os profissionais da rede conheçam o caminho para acessar uma equipe de atendimento em saúde mental que se responsabilizará pelo caso, e, frequentemente, o profissional que encaminha o caso é também convidado a participar das reuniões. A implementação de equipes móveis de crise parece facilitar o acesso aos atendimentos em saúde mental. Assim, qualquer ponto da rede saberá como contatar o serviço de atendimento à crise e o profissional que atender o telefone e escutar a demanda pode se tornar o responsável por organizar a primeira reunião (Seikkula & Arnkil, 2014). Ao receber a ligação e entender em linhas gerais qual é o problema trazido pela pessoa que fez o contato, o profissional pode identificar outros colegas que poderiam ajudar e sugerir a participação destes quando necessário. Segundo Seikkula e Arnkil (2014), todos os recursos necessários para viabilizar o atendimento rápido à crise devem estar disponíveis ao profissional que atende à demanda. Munido das primeiras informações, ele pode tomar decisões iniciais e viabilizar a primeira reunião. Todavia, outras decisões devem ser tomadas conjuntamente na presença de todas as partes interessadas, de modo que a família e o paciente são convidados a fazer parte do tratamento ativamente.

 

5) Garantir continuidade

O trabalho na abordagem Open Dialogue identifica as necessidades de tratamento como extremamente variáveis. Enquanto algumas pessoas podem receber atendimento por duas semanas, outras continuarão um tratamento por um ou dois anos (Seikkula & Arnkil, 2014). É fundamental estabelecer uma equipe que atenderá o paciente e sua rede durante todo o curso do tratamento, independente de sua duração. Seikkula e Arnkil (2014) apontam que referenciar casos para outros serviços é frequentemente uma causa de descontinuidade de tratamento, dificultando o vínculo terapêutico e atrapalhando o processo de recuperação. Na eventual necessidade de outras ofertas terapêuticas, a equipe de saúde mental deve vê-las como complementares às reuniões; deste modo, Seikkula e Arnkil (2014) entendem que a abordagem Open Dialogue não concorre com outras modalidades de atendimento. Se ao longo do tratamento a família, o paciente e a equipe conjuntamente decidirem por uma psicoterapia individual ou outras ofertas, um membro da equipe pode ser destacado para conduzir o trabalho e Seikkula e Arnkil (2014) encorajam que o profissional seja convidado para as reuniões sempre que possível.

 

6) Tolerar Incertezas

Este princípio decorre da compreensão do trabalho dialógico como um esforço de produzir linguagem compartilhada acerca de uma experiência muito difícil, evitando ativamente explicações e interpretações do que está acontecendo, deste modo, é desejável que muito diálogo possa ser produzido em torno do problema antes de tomadas de decisão (Seikkula & Arnkil, 2014). Nos primeiros dias de uma crise pode não ser desejável que grandes decisões sejam tomadas, visto que se espera que uma série de novos sentidos para a experiência de crise possam ser construídos conjuntamente, mudando os entendimentos acerca da situação e, consequentemente, modificando as necessidades da pessoa em crise. Para Seikkula e Arnkil (2014) um dos aspectos fundamentais no início do atendimento às crises é que a equipe seja capaz de garantir que haja segurança no processo terapêutico e proteção das pessoas envolvidas, criando um sentimento de confiança e um bom vínculo que permita que as incertezas possam ser suportadas (Seikkula & Arnkil, 2006).  Conclusões acerca do que está acontecendo são evitadas. O uso de neurolépticos no início do tratamento é desaconselhado e os autores recomendam que se inicie a medicação após três reuniões em que o assunto tenha sido discutido, frequentemente, a introdução de neurolépticos não se faz necessária após intenso diálogo sobre sua indicação (Seikkula & Arnkil, 2014).

Para os autores, nos primeiros momentos da crise há uma janela de acesso a conteúdos que dificilmente se manifestariam em outras ocasiões, conformando uma oportunidade para a mobilização dos recursos psíquicos da pessoa em crise necessários para a recuperação (Seikkula & Arnkil, 2006). As drogas neurolépticas podem atrapalhar ou mesmo impedir que a pessoa acesse recursos importantes para a elaboração psíquica da situação de crise, e a sintomatologia pode se cristalizar (Seikkula & Arnkil, 2006).

Tolerar incertezas não é o mesmo que evitar decisões, mas pretende expandir as possibilidades de diálogo contidas no processo de tomada de decisão. Seikkula e Arnkil (2014) afirmam que ao final da reunião não é necessário tomar decisões. É importante, contudo, estabelecer alguns passos concretos até a reunião seguinte e é possível deixar muitas coisas em aberto até o encontro subsequente.

 

7) Dialogicidade

As reuniões de tratamento tem como primeiro objetivo gerar diálogo (Seikkula & Arnkil, 2006). Através da dialogicidade, novos sentidos podem ser construídos e a capacidade de agenciamento da vida pode ser ampliada. A escuta é mais adequada neste contexto do que o método da entrevista (Seikkula, 2002), possibilitando que todos tenham espaço para falar nas reuniões e que a equipe possa refletir abertamente sobre suas preocupações e impressões com todos presentes (Seikkula & Arnkil, 2006). É sobre o diálogo que todo o tratamento se assenta.

Epistemologicamente, a abordagem Open Dialogue se enquadra na tradição do construtivismo social (Seikkula e cols., 2003) e parte do princípio de que não há separação entre a verdade e as formas de expressão humana. Deste modo o efeito terapêutico está na dialogicidade e sua capacidade de produzir novas palavras e histórias no contexto da rede próxima da pessoa em sofrimento (Seikkula & Olson, 2003). O princípio da dialogicidade estabelece que há muitas visões sobre um mesmo problema e que a construção de sentidos é co-produzida pela linguagem. Este exercício não é meramente cognitivo, mas coloca em cena a subjetividade de cada um e entende a experiência dialógica como encarnada. O processo de diálogo ajuda cada implicado a encontrar seu lugar dentro de um cenário maior.

Dialogicidade é uma postura epistemológica, é um ponto de partida para a compreensão da relação entre as pessoas e das pessoas com o mundo a partir das noções implicadas no conceito de diálogo. Para Seikkula e Arnkil (2014), uma conversa é diferente de um diálogo. Enquanto em uma conversa nos orientamos para um consenso sobre pontos de desacordo, o diálogo tem a função de produzir novos sentidos.

Seguindo os passos de Buber, Levinas e Bakhtin, a compreensão dos autores acerca da dialogicidade é que há uma assimetria fundante entre o Eu e o Outro, e que as possibilidades de diálogo estão no reconhecimento do Outro como um outro Eu (Seikkula & Arnkil, 2006). Para os autores, a relação entre o Eu e o Outro nunca é de completo entendimento.

É no espaço entre as pessoas que a dialogicidade tem sua contribuição, buscando a co-criação de narrativas no espaço entre participantes (Seikkula e cols., 2003). Mais que uma mera troca de palavras, de perguntas e respostas, cada diálogo vem acompanhado da história de cada sujeito que dele participa, de modo que os sentidos são múltiplos, assim como sua compreensão. Neste espaço entre, não há apenas as palavras e a compreensão inequívoca de enunciados, há uma experiência encarnada que inclui emoções, gestos e percepções. A relação entre o dentro e o fora é de constante troca, de modo que o contexto em que o diálogo acontece pode ser favorável ou desfavorável e é rapidamente sentido e encarnado naqueles que participam dele.

Na abordagem Open Dialogue não há uma explicação uniforme para o que seria a psicose (Seikkula e cols., 2003). Em contraposição ao modelo biomédico que afirma que os sintomas psicóticos são produto de uma doença, a visão dialógica propõe que comportamentos psicóticos são respostas possíveis no contexto do diálogo atual; sendo assim, a proposta terapêutica não se assenta sobre uma explicação dos fenômenos, mas sobre um exame do modo como uma determinada família discute um problema e cria possibilidades para novas respostas neste processo. O elemento terapêutico do diálogo consiste na emergência de novas compreensões compartilhadas sobre uma experiência. Uma vez que a articulação de novos sentidos é possível, novos recursos para lidar com a crise se tornam disponíveis (Seikkula, 2002).

Seikkula e Arnkil (2006) lançam mão dos trabalhos de Vygotsky sobre o desenvolvimento da linguagem para compreender os processos de cura e tratamento promovidos pela perspectiva dialógica. Processos se afetam mutuamente, isto é, o discurso socializado é constantemente modificado pelo discurso interno e vice-versa. É neste exercício de enunciar uma experiência jamais narrada na linguagem com novas palavras, e ser escutado pelos outros, que o processo de cura se localiza. O trabalho dos interlocutores é de aceitar inteiramente o que foi articulado por alguém sem interpretar ou explicar o que está acontecendo (Seikkula & Arnkil, 2006).

O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, descrito por Vygotsky como uma janela no desenvolvimento em que novas habilidades um pouco mais complexas do que aquelas já adquiridas podem ser desenvolvidas com a ajuda de uma pessoa mais experiente, é utilizado para a compreensão das propriedades terapêuticas dos processos dialógicos (Seikkula & Arnkil, 2006) . Trata-se de um processo de cooperação mútua que depende das duas partes para ocorrer. Em reuniões de tratamento dialógicas, o papel da equipe é funcionar como um outro mais experiente que, não estando tão profundamente afetado pelo momento traumático que a família atravessa, e tendo vivido outras situações em que crises puderam ser superadas, se coloca como uma presença calma e reconfortante mostrando que é possível falar sobre assuntos extremamente difíceis e sobreviver (Seikkula & Arnkil, 2014). Os profissionais tentam compreender melhor as circunstâncias que levaram à crise, bem como as emoções que dela advêm. Deste modo, há o trabalho de encontrar as palavras para descrever o que está se passando e também a experiência encarnada de viver junto com o outro essa difícil tarefa de encontrar sentidos compartilhados em situações de muito sofrimento. Deste modo, a experiência de cura é sentida como uma experiência encarnada e não como uma vivência racional.

Com a intenção de cultivar uma “cultura conversacional” (Seikkula & Arnkil, 2006), a equipe pode lançar mão de algumas estratégias: fazer perguntas de um modo que a narrativa das histórias possa ser fácil e pouco estressante; privilegiar o uso da linguagem do dia a dia, tentando gerar uma versão rica e polifônica de um incidente; criar espaço para todos os enunciados, inclusive aqueles que parecem psicóticos, de modo que o discurso que antes se apresentava como sem sentido pode ser “normalizado” e incluído no processo dialógico; lançar mão de práticas reflexivas entre membros da equipe, olhando uns para os outros e enunciando suas preocupações, dificuldades e compreensões da situação (Seikkula & Arnkil, 2006).

Estudos de análise da qualidade dos diálogos em relação a bons e maus desfechos mostraram que bons desfechos estiveram relacionados com 1) sequências mais longas sobre um mesmo tema; 2) dominância da família e paciente na interação dialógica; 3) uso de linguagem simbólica e não indicativa. Nos casos que apresentaram desfechos ruins houve dominância da equipe na interação, dificuldade de desenvolvimento de sequências mais longas sobre um mesmo tema, uso de linguagem indicativa e pouco simbólica e predominância de discurso monológico gerando encontros cuja forma da linguagem se assemelhou mais ao modelo pergunta-resposta sem aprofundamento nos temas discutidos (Seikkula, 2005).

Outro importante conceito para a abordagem Open Dialogue é a polifonia. Originalmente introduzido por Bakhtin em seus estudos sobre Dostoiévski, consiste em compreender que a realidade é construída socialmente através de múltiplas vozes, de maneira que seu objetivo é não encontrar uma voz dominante. O conceito de vozes, por sua vez, se refere tanto àquilo que é falado quanto à consciência. A polifonia parte do pressuposto de que as mensagens não estão prontas no emissor para serem recebidas pelo outro, mas se constroem no espaço entre sujeitos e adquirem novos e diferentes sentidos a cada nova situação (Seikkula & Arnkil, 2006). Assim, de acordo com os autores, um mesmo tema pode ser discutido duas vezes e não produzir os mesmos sentidos, de modo que novas linguagens são construídas nas diversas situações em um processo que é coletivo.

Enquanto algumas vozes serão enunciadas, outras ficarão encarnadas em ações e nos contextos social e físico. As experiências internas também são vistas como vozes. Diferentemente do discurso monológico, em que diferentes vozes se colocam hierarquicamente e alguns ditos são mais importantes do que outros, na visão dialógica prevalece a noção de que todas as vozes são importantes e não há interesse direto em estabelecer quais vozes são mais verdadeiras do que outras. Quanto mais vozes se apresentam, mais rico o diálogo se torna e mais sentidos podem ser produzidos conjuntamente (Seikkula & Arnkil, 2006).

Seikkula e Arnkil (2006) ainda apontam para o fato de que na compreensão polifônica dos diálogos não há papéis estanques e pré estabelecidos quando as pessoas passam a se relacionar. Os profissionais também são familiares, pais, esposos e todas essas vozes comparecem no diálogo. O diálogo constrói novos sentidos e novas compreensões numa realidade compartilhada também produzindo respostas. Diferentemente do monologismo - cujas respostas vêm para concordar ou discordar de uma verdade enunciada numa relação de poder - na postura dialógica, novos sentidos emergem infinitamente e as respostas compõem uma realidade compartilhada em constante mudança. Competição, tentativas de definição de um problema comum e repetição dos padrões de interação dos pacientes pela equipe são alguns fatores que dificultam o trabalho dialógico (Seikkula & Arnkil, 2006).

Apresentamos a seguir as principais evidências de efetividade do modelo dialógico de atendimento a crises psicóticas, com ênfase nos estudos de desfecho.

 

Evidências de Efetividade

A abordagem Open Dialogue mantém-se viva e atual em grande medida devido ao estudo sistemático de sua efetividade. Enquanto pesquisas destinadas a avaliar a redução de sintomas em cenários controlados têm produzido evidências para os tratamentos em saúde mental, a questão da recuperação das pessoas a longo prazo tem sido largamente desconsiderada (Davidson, 2003), reiterando a importância de pesquisas cujos resultados sejam mais generalizáveis e cujas aplicações se traduzam concretamente em práticas.

Uma meta-análise revisou 37 artigos e livros compreendendo dados de 8994 sujeitos e avaliou índices de recuperação nas dimensões social e clínica por pelo menos dois anos. O estudo mostrou que a média de recuperação ao ano de pessoas com diagnóstico de esquizofrenia é de 13%. A pesquisa sugere que a cada 100 pessoas diagnosticadas com esquizofrenia apenas 1 ou 2 se recuperam ao ano, considerando as duas dimensões de análise (sintomatologia psicótica e funcionalidade). Surpreendentemente, o estudo revela que, a despeito das novas tecnologias de cuidado, incluindo as drogas neurolépticas e abordagem psicossociais, os índices de recuperação de pessoas diagnosticadas com esquizofrenia não melhoraram ao longo do tempo (Jääskeläinen e cols., 2013).

Desde o desenvolvimento e implantação da abordagem Open Dialogue na região da Lapônia Ocidental, foi observada uma redução significativa na incidência de esquizofrenia. De acordo com Altonen e cols. (2011), nas cidades de Kemi e Tornio entre 1985-1989 e 1990-1994, a incidência anual média de transtornos esquizofrênicos foi reduzida de 30.3 para 17.1 (x2 = 7.44, d.f. = 1, p < 0.01). No mesmo período, houve um aumento no número de pessoas atendidas nos hospitais e serviços ambulatoriais, excluindo a possibilidade de a redução de incidência estar relacionada a uma redução no número total de atendimentos (Altonen e cols., 2011).

Tal impacto na incidência de esquizofrenia na região parece estar diretamente relacionado ao estabelecimento da abordagem Open Dialogue enquanto sistema de saúde mental na Lapônia Ocidental, visto que o mesmo não ocorreu em outras regiões da Finlândia. A redução na incidência de esquizofrenia não veio acompanhada de redução na incidência de outros transtornos psicóticos, sugerindo mais fortemente que estes resultados estão ligados ao modo de atendimento das crises psicóticas, visto que o critério que diferencia a esquizofrenia de outros transtornos psicóticos não afetivos no Diagnostic and Statistical Manual III-R (DSM-III-R, Americacn Psychiatric Association, 1987) é a presença de sintomas por períodos iguais ou superiores a 6 meses (Altonen e cols., 2011). Deste modo, parece evidente que os novos casos de transtornos psicóticos se mantenham estáveis na população; todavia, sua evolução favorável com o tratamento reduz o número de pessoas que apresentam sintomas por mais de 6 meses.

Um estudo que comparou o a abordagem Open Dialogue na Finlândia com tratamento tradicional empregado em Estocolmo na Suécia, mostrou que pessoas diagnosticadas com esquizofrenia cuidadas na Finlândia (n=72) tiveram uma média de 31 dias de hospitalização, em contraste com 110 dias para os pacientes suecos (n=75). Entre os primeiros, 33% fizeram uso de algum neuroléptico e 17% mantiveram seu uso continuamente, enquanto entre os suecos 93% dos sujeitos usaram algum tipo de neuroléptico e 75% seguiram usando-os continuamente. Diante destes dados observou-se que em Estocolmo, 62% dos pacientes estudados estavam incapacitados para o trabalho e recebendo auxílio doença cinco anos depois, em comparação com apenas 19% daqueles tratados pela abordagem Open Dialogue (Seikkula &Arnkil, 2014).

Em um período de 10 anos, compreendendo dados de indivíduos diferentes, 84% dos pacientes tratados com a abordagem Open Dialogue retornaram ao mundo do trabalho, se encontravam empregados ou buscando empregos dois anos depois da primeira crise. O período de doença não tratada foi reduzido para 3 semanas entre 2003-2005, e a média de idade do primeiro episódio psicótico era de 20 anos. Seikkula e cols. (2011), concluem que os resultados obtidos no longo prazo com a abordagem Open Dialogue permaneceram estáveis ao longo de 10 anos, sugerindo que esta abordagem possui grande efetividade na recuperação de pessoas que apresentam um primeiro episódio psicótico, reduzindo tanto o uso de medicação neuroléptica, quanto os períodos de internação e as recaídas (70% da amostra não apresentou retorno dos sintomas).

Finalmente, na avaliação de desfecho em período de 20 anos de abordagem Open Dialogue, Bergström e cols. (2017) mostram que a maior parte dos sujeitos do estudo receberam tratamento domiciliar e tiveram apenas uma ou nenhuma internação hospitalar no período. Entre 1992 e 2015, 26% dos sujeitos fizeram uso de neurolépticos no início do tratamento e apenas 15% fizeram uso contínuo da medicação (Bergström e cols., 2017). De acordo com o estudo, a duração média dos tratamentos no período foi de 4 anos, indicando que os índices de recuperação são duradouros, replicando achados em estudos prévios de desfecho (Seikkula e cols., 2006, 2011).

 

Conclusões

O conjunto de práticas e princípios propostos pela abordagem Open Dialogue não constituem um modelo a ser aplicado, e sim uma experiência bem sucedida de tratamento em um contexto específico. Sua adaptação em diferentes contextos tem sido estudada (Kantorski & Cardano, 2017) e parece indicar que a adoção de uma atitude dialógica e dos princípios da abordagem tem levado a experiências exitosas em diversos países do mundo.

No cenário brasileiro, a política pública que organizou a RAPS centrou esforços na redução de leitos psiquiátricos em hospitais psiquiátricos no país, na criação de serviços e estratégias de cuidado territorializados e na reinserção psicossocial dos sujeitos com históricos de longos períodos de internação. A Atenção Primária, que compõe a RAPS e tem responsabilidade no atendimento integral ao sofrimento psíquico leve, ou os chamados transtornos mentais comuns, tem poucos recursos para ampliar a resolutividade de problemas de saúde mental, empregando a medicação na maior parte dos casos. Neste sentido, um conjunto de práticas e princípios cuja efetividade está bem estabelecida pode apontar caminhos principalmente no cuidado de jovens com primeiro episódio psicótico, evitando hospitalizações, apostando no uso seletivo de neurolépticos e produzindo boas possibilidades de recuperação.

Considerando que a abordagem Open Dialogue não concorre com outras ofertas terapêuticas mas compõe com uma rede de serviços, sua adaptação ao contexto brasileiro - que já conta com uma riqueza de ofertas - poderia se consolidar principalmente no atendimento ao primeiro episódio psicótico. Tendo em vista nosso cenário, o conjunto de práticas proposto pela abordagem Open Dialogue e sua efetividade no longo prazo na recuperação de pessoas com problemas graves de saúde mental têm o potencial de inserir-se entre as diversas influências que a Atenção Psicossocial brasileira recebeu ao longo dos anos.

 

 

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Data de submissão: 15/10/2017
Data de aceite: 20/12/2017

 

 

I Ana Caroline Florence: Psicóloga, especialista em Saúde Mental na Saúde Coletiva (UNICAMP), Mestra em Psicologia Social (USP), Doutoranda em Psicologia e Sociedade (UNESP). E-mail: anacarolinaflorence@yahoo.com

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