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Revista Polis e Psique

versão On-line ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.8 no.2 Porto Alegre maio/ago. 2018

http://dx.doi.org/10.22456/2238-152X.73638 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

O dispositivo das drogas nas políticas públicas

 

The dispositive of drugs in public policies

 

El dispositivo de las drogas en las políticas públicas

   

 

Francisco Valberdan Pinheiro MontenegroI

I Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, CE, Brasil.

 

 


RESUMO

Este artigo aborda a emergência do dispositivo das drogas nas políticas públicas em suas facetas mais contemporâneas no governo da vida e produção de subjetividade. No início desta década observa-se um significativo crescimento do papel do dispositivo das drogas nas políticas públicas. Postas como problema social, as drogas têm sido acionadas sob a forma de ameaça à vida e à sociedade, bem como operacionalizadas enquanto tecnologia de governo. Nesse sentido, depois de uma discussão sobre a produção de conhecimento, o artigo enseja uma problematização sobre o dispositivo das drogas em sua interface com as políticas públicas partindo da análise de documentos, notícias e registros do diário de campo de um estágio em psicologia no Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e outras Drogas (CAPS-AD). Por fim, faz-se apontamentos sobre as formas de disputa e resistência a partir dos jogos de forças que atuam no interior do dispositivo das drogas.

Palavras-chave: drogas; políticas públicas; governamentalidade; biopolítica


ABSTRACT

This article discusses the emergence of the dispositive of drugs in public policies in its most contemporary aspects in the government of life and production of subjectivity. Earlier this decade there has been a significant growth of the dispositive of drugs role in public policies. Put as a social problem, the drugs have been triggered in the form of threat to life and society, as well as operationalized while government technology. This way, after a discussion about the production of knowledge, the article leads to a problematization of the dispositive of drugs in its interface with public policies, starting from the analysis of documents, news and records of the field diary of a psychology internship in the Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e outras Drogas (CAPS-AD). Observations were also made about the forms of dispute and resistance from the mechanisms of power operating inside the dispositive of drugs.

Keywords: drugs; public policies; governmentality; biopolitics.


RESUMEN

Este artículo aborda la emergencia del dispositivo de las drogas en las políticas públicas en sus facetas más contemporáneas en el control de la vida y producción de subjetividad. En esta década se observa un crecimiento  del papel del dispositivo de las drogas en las políticas públicas, las drogas han sido puestas como un problema social que amenaza la vida y la sociedad valiéndose como una tecnología de control.  Después de una discusión sobre la producción de conocimiento, el presente artículo plantea una problematización sobre el dispositivo de las drogas en su interfaz con las políticas públicas partiendo del análisis de documentos, noticias y registros del diario de campo de una pasantía en psicología en el Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e outras Drogas (CAPS-AD). Finalmente, se hace un registro sobre las disputas y resistencias a partir de las fuerzas que actúan en el interior del dispositivo de las drogas.

Palabras-clave: drogas, políticas públicas, gubernamentalidad, biopolítica.


 

 

O presente artigo aborda os agenciamentos do dispositivo das drogas em interface com as políticas públicas em suas facetas mais contemporâneas no governo da vida e produção de subjetividade. No início desta década o Brasil assistiu a um significativo crescimento no papel do dispositivo das drogas nas políticas públicas e no próprio debate social.

Encaradas como problema social, ora de saúde pública, ora de segurança, as drogas têm sido acionadas sob a forma de ameaça à vida e à sociedade, bem como operacionalizadas enquanto tecnologia de governo da vida. Datam de 2010 o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e as medidas de alcance nacional e regional que derivam dele, por exemplo, o documento produzido pelo programa “Pacto pela Vida – Drogas, um caminho para um triste fim” da Assembleia Legislativa do Ceará (ALECE) e o programa “Ceará Acolhe” do Governo do Estado do Ceará analisados neste texto. Iniciativas como essas evidenciam os agenciamentos mais atuais do dispositivo das drogas no âmbito das políticas públicas e as subjetivações que constitui enquanto efeitos das relações de saber-poder que tomam por alvo privilegiado o sujeito usuário de drogas.

O artigo enseja ainda uma reflexão sobre a produção de conhecimento de uma psicologia social que toma por objeto as redes que circunscrevem o dispositivo das drogas em sua interface com as políticas públicas. Utilizando a metáfora da caixa de ferramentas, busca-se forjar uma definição provisória e contingente do que seja o dispositivo das drogas e explorar sua potência no diagnóstico do presente. A experiência do autor em um estágio no Centro de Atenção Psicossocial - Álcool e outras Drogas (CAPS-AD) registrada em diário de campo entra para alinhavar e delinear o conjunto de reflexões a que se propõe esse estudo.

Por fim, o artigo ensaia uma reflexão crítica sobre as atuais formas de governo empreendidas por meio do dispositivo das drogas no âmbito das políticas públicas, os agenciamentos biopolíticos atuais e as formas de governamentalidade que o atravessam. Apontamentos sobre as formas de disputa e resistência a partir dos jogos de forças que atuam no interior do dispositivo das drogas em sua interface com as políticas de saúde também são feitos com base na experiência de estágio no CAPS-AD.

 

Vertigens na produção do conhecimento: a caixa de ferramentas

Desde que o mundo é mundo, desde as mais antigas civilizações, tem-se notícia do uso de substâncias/drogas... é assim que poderia começar este parágrafo e é assim que se iniciam boa parte dos estudos que se propõem a discutir de alguma forma o que se conhece como “questão das drogas” (Fiore, 2012) ou “problema das drogas” (Conselho Federal de Psicologia, 2013) e, aqui, é chamado de dispositivo das drogas.

Cada maneira de se referir às drogas (situadas enquanto um problema de pesquisa ou fenômeno estudado) informa uma perspectiva de trabalho e visão sobre o tema. Apostar, por exemplo, na ideia de que as drogas – tal como se as conhece hoje – acompanham a história humana pelos séculos informa uma maneira de objetar as relações que constituem o mundo segundo a qual o “problema das drogas” atravessa os tempos e o que muda são as formas com as quais a sociedade lida com ele. O risco que se corre ao adotar essa perspectiva é ignorar que: a drogadição, a dependência química, o uso problemático de substâncias, etc., a rigor, só existem – tal como a loucura – enquanto correlato de uma prática (Veyne, 1998).

Nesse sentido, as drogas não comportam diferenças intrínsecas ou essenciais, pois são objetos sócio-técnicos que permanecem indeterminados até que sejam remetidos aos agenciamentos que os constituem enquanto tais (Vargas, 2008). As drogas enquanto problema ou questão são o correlato de uma prática ou relação de poder-saber postas a funcionar por regimes de verdade e poder historicamente datados. A chave de leitura naturalizante das drogas como objetos pré-discursivos, por vezes, acompanhada de fatalismos, universalismos e outros tantos “ismos”, abrolha naturalizações e cristalizações de toda sorte. Uma produção desenfreada de verdades que, supõe-se ocultarem-se às investigações de pesquisa, surge a partir daí. Ao contrário de instituir o pensamento como forma acabada ou certeza, interessa a essa pesquisa fazer um exercício de pensar o pensamento pensando (Guareschi e cols., 2014).

As considerações feitas até aqui não desprezam a importância de uma história das drogas. A abordagem histórica das drogas, todavia, tem sido exaustivamente desenvolvida por cientistas sociais, psicólogos, historiadores, antropólogos (Escohodato, 2005) e não é a aposta metodológica deste estudo. Em vez de traçar uma estrutura linear e cronológica, apoia-se em estudos que efetuam uma análise genealógica das drogas interrogando as relações de saber e poder que historicamente constituíram o dispositivo das drogas. O propósito da genealogia é cavoucar as relações de saber-poder, as tecnologias de governo das condutas, na sua historicidade extraindo daí a formação de um diagrama geral de poder; é operar um corte na história.

Uma genealogia das drogas não se propõe a entender os diferentes sentidos que as drogas assumem em diferentes culturas e momentos da história. Mas acompanhar por que meios e tecnologias de governo o tema das drogas foi adensado, se tornando uma realidade, um problema de interesse político, uma questão de ameaça à vida e à ordem pública, em suma um dispositivo de poder: drogas como um dispositivo de fazer ver e fazer falar (Souza, 2013, p. 39).

Nesse sentido, a noção de dispositivo é um instrumento teórico fundamental, uma vez que ela permite reunir a complexa e extensa discussão sobre as drogas num mesmo plano de análise: o dos regimes de poder que põem um dispositivo a funcionar. Um dispositivo de poder é algo histórico que através de certos jogos de forças passa a produzir sujeitos e verdades sobre esses sujeitos (Montenegro, 2014). Em síntese, o dispositivo pode ser explicado como:

um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos (Foucault, 2014, p. 364).

Mais que entender como as drogas têm sido administradas e socialmente lidas, trata-se de entender como se tornaram um instrumento (dispositivo de poder-saber) por meio do qual os homens governam a si mesmos e aos outros. Nas palavras de Souza “propor uma genealogia das drogas é extrair da história das drogas a constituição de um regime de verdade, de práticas e estratégias de governo da conduta dos homens” (2013, p. 38). Por mais que um dispositivo surja em resposta a uma urgência de um regime de poder, ele é uma operação móvel e não está preso ao diagrama de poder em que surge; pode se atualizar conforme as funções que venha a cumprir. Assim, não é de se estranhar que um mesmo dispositivo carregue funções e características de diferentes regimes de poder, aparentemente, contraditórias entre si. Os dispositivos de poder, como o dispositivo da sexualidade, atravessam os diagramas. O mesmo ocorre com o dispositivo das drogas que, atualmente, encontra-se ancorado principalmente – como detalharemos adiante - em dois regimes de poder analisados por Foucault: biopoder e poder pastoral.

Em suas investigações sobre a formação de regimes de poder/verdade – poder soberano, poder disciplinar, biopoder e poder pastoral - Foucault empreendeu uma noção de dispositivo que compreendia algumas dimensões: saber ou regime de enunciação, relações de poder e subjetivação (Foucault, 2012a); (Foucault, 2013); (Foucault, 2010a); (Foucault, 2010b); (Foucault, 2014); (Foucault, 2012b). Assim, a genealogia se torna uma importante interlocução para o presente estudo na medida em que se ocupa de interrogar como as práticas discursivas e não discursivas se alinham para formar enunciados de saber de modo a sustentar relações de poder – em uma relação circular – atualizando funções de um regime de verdade que conforma e constitui sujeitos (subjetivação); constituem redes de saber-poder-subjetividade.

Como diz Souza, a genealogia opera um “corte diagonal na história sobre o eixo das práticas de normalização da vida” (2013, p. 48), este corte permite uma visão dos vários regimes/diagramas de poder que atravessam o dispositivo das drogas. Cada diagrama/regime constitui uma camada que não está isolada das demais; formam arranjos ou feixes abertos.

A compreensão dos estudos que fazem tal genealogia das drogas permite uma passagem a outro uso do dispositivo: a cartografia. Cunhar uma definição para cartografia é uma tarefa ingrata, tendo em vista esta constituir-se como uma atitude de pesquisa questionadora da identidade monolítica da ciência. Uma definição provisória, contudo, é oferecida por Suely Ronilk

a cartografia - diferentemente do mapa, representação de um todo estático - é um desenho que acompanha e se faz ao mesmo tempo que os movimentos de transformação da paisagem. Paisagens psicossociais também são cartografáveis. A cartografia, nesse caso, acompanha e se faz ao mesmo tempo que o desmanchamento de certos mundos – sua perda de sentido - e a formação de outros: mundos que se criam para expressar afetos contemporâneos, em relação aos quais os universos vigentes tornaram-se obsoletos (2011, p. 23).

Se a genealogia produz uma legibilidade de como se constituíram certos regimes de verdade e poder, certas redes de saber-poder-subjetivação, a cartografia deve acompanhar como essas redes se atualizam e se transformam na existência presente dos sujeitos. No contemporâneo, os diagramas de poder são observados através das linhas de resistência/fuga alvos da análise micropolítica na cartografia (Deleuze, 1993; Deleuze & Guattari, 2009). Genealogia e cartografia se ocupam da análise das redes de poder-saber-subjetivação, portanto criam vizinhanças de fronteiras sempre borradas; híbridas. A análise dos regimes escavados pela genealogia catalisa os esforços para uma análise das lutas-disputas-embates atuais que se ancoram em tais regimes de poder.

Os dispositivos se propõem a objetivos distintos quando operados pela genealogia e quando operados pela cartografia. Enquanto para a genealogia os dispositivos permitem traçar diagramas (de saber-poder-subjetividade), para a cartografia, o estudo de um dispositivo possibilita traçar diagnósticos locais (Deleuze, 1991 e 1996). Abordar as drogas como um dispositivo permite, por um lado, traçar que função as drogas ocupavam em diferentes diagramas de poder e traçar um diagnóstico das funções que este dispositivo passa a assumir nas sociedades atuais (Souza, 2013, p. 49).

Desse modo, este estudo se ocupa de dois conjuntos principais: 1) os documentos oficias das políticas públicas e programas governamentais sobre drogas, matérias/notícias jornalísticas sobre o dispositivo das drogas; 2) os registros do diário de campo do autor, referentes a um estágio curricular em Psicologia em um dos CAPS-AD no interior do Ceará.

Por meio da montagem cartográfica deste texto, busca-se mapear certos territórios de existência, certas linhas de subjetivação contemporâneas. A atitude cartográfica na pesquisa é um contraponto “a uma topologia quantitativa que categoriza o terreno de forma estática e extensa” (Kirst e cols., 2003, p. 92), valorizando uma outra “de cunho dinâmico, que procura capturar intensidades, ou seja, disponível ao registro do acompanhamento das transformações decorridas no terreno percorrido e à implicação do sujeito percebedor no mundo cartografado” (Kirste cols., 2003). Os movimentos cartografados no diário de campo aparecem aqui sob a forma de cenas, de imagens, que não necessariamente buscam descrever com exatidão os espaços percorridos, mas ajudam enquanto disparadores da reflexão a qual o estudo se propõe.

Nesse sentido, o objetivo foi acompanhar os movimentos cotidianos por meio de uma microfísica do poder durante o período de estágio e analisá-los em interface com os enlaces travados entre o dispositivo das drogas e as políticas públicas em suas configurações mais localizadas. Para tanto, usamos o diário de campo como ferramenta essencial na pesquisa, uma vez que, mais que documentar e mapear o cotidiano da instituição, ele permite aos pesquisadores uma reflexão sobre a atividade de pesquisar enquanto prática social ética, estética e política. Na pesquisa social o diário de campo tem sido apresentado como “um documento que apresenta um caráter descritivo –analítico, investigativo e de sínteses cada vez mais provisórias e reflexivas. O diário consiste em uma fonte inesgotável de construção e reconstrução do conhecimento profissional e do agir de registros quantitativos e qualitativos” (Lewgoy & Arruda, 2004, p. 123).

A vertigem, essa sensação de movimento oscilatório ou giratório do próprio corpo ou do entorno com relação ao corpo, bem descreve a atitude e tentativa de mapeamento das multiplicidades que constituem o alvo deste trabalho. Frente a uma realidade mutante onde pululam arranjos transitórios, lida-se aqui mais com uma caixa de ferramentas (Sander, 2010) que com um método fechado e esgotado em si mesmo. A cada lance de vista rumo à paisagem psicossocial do dispositivo das drogas será feito um retorno à caixa de ferramentas de Michel Foucault. Montada a cada vez que se usa, esta caixa emerge a partir da reconstituição do pensamento de Foucault no conjunto de seus textos; não para repeti-lo ou comentá-lo, mas para torná-lo ferramenta no fustigo das questões presentes do tempo em que se vive (Paiva, 2000).

 

Duas linhas no traçado de um dispositivo: saúde e segurança no dispositivo das drogas

Usar droga pode ser uma doença,
Mas, pode sim ser um delito [...]
(RAP do Antes e Depois, 2015)

No Brasil, as discussões teóricas e políticas sobre as drogas se organizam, sobretudo, em pelo menos dois eixos: saúde e segurança. A partir desses dois campos, uma intrincada rede de relações de poder e práticas discursivas trabalham para definir o que são as drogas lícitas e ilícitas, além, é claro, de orientar as políticas públicas sobre drogas. Embora constituam formas de governamentalidade que, aparentemente, operam através do mesmo objeto, saúde e segurança públicas formariam também pontos de disputa ou dilemas (Conselho Federal de Psicologia, 2013; Garcia e cols., 2008).

A política institucional de enfrentamento às drogas no Brasil em seu passado mais recente (pós ditadura militar) pode ser rastreada na política nacional antidrogas regulamentada em 2003 pela Secretaria Nacional Antidrogas por meio da medida provisória nº 1689, de 1998 (modificada posteriormente para “Política Pública Sobre Drogas”) e na Política de Atenção Integral ao Usuário de Álcool e Drogas do Ministério da Saúde (Brasil, 1998; Brasil, 2003 respectivamente). De acordo com o atual debate sobre o dispositivo das drogas, essas políticas entram frequentemente em embate, uma vez que a Política Pública sobre drogas se orienta por uma lógica proibicionista e a Política de Atenção Integral ao Usuário de Álcool desenvolvida pelo SUS é orientada pela estratégia da Redução de Danos (RD) onde a abstinência não é, necessariamente, o destino.

A primeira cena dessa viagem cartográfica ilustra com riqueza essa questão. O primeiro acolhimento acompanhado e registrado no diário de campo tratava-se da familiar de um usuário que procurou o serviço apresentando uma ordem judicial de internação compulsória em uma das Comunidades Terapêuticas do município. No Fórum – três meses antes - ela recebera a ordem para internar o irmão usuário de crack, entretanto, ninguém a informou quem deveria executar o mandado; por quem e como o irmão seria levado à Comunidade. Alguém no Fórum sugeriu que ela fosse ao CAPS-AD onde o irmão era atendido, pois “lá eles têm os profissionais de saúde e o carro”. Chegando ao serviço, no entanto, os profissionais a esclareceram que a execução do mandado cabia à Justiça e o “CAPS não trabalha dessa forma”. Trabalhos como o de Brito Neto e colaboradores (2016); Reis, (2012) e Reis e Guareschi, (2015) chamam a atenção para a complexa rede de relações saber-poder que põem a medicalização em relação com a racionalidade jurídico-penal. Engendra-se a partir daí uma série de procedimentos normalizadores da conduta e governo da vida sobre certos corpos que “furta a autonomia sobre seus modos de vida, dando ensejo, por exemplo, à inquietante política de internação compulsória’’; procedimentos característicos do Racismo de Estado (Brito Neto e cols., 2016).

A cena descrita anteriormente ilustra, mais que a contradição entre as duas políticas do governo federal, a contradição envolvida no governo das drogas. O paradoxo de uma sociedade que celebra as liberdades individuais por um lado – legalizando certos tipos de drogas através de um complexo conjunto de interesses – e, por outro lado, restringe e constrange objetando o uso de outras substâncias como ameaça à vida e à sociedade. Trata-se do engodo engendrado pelo exercício de poder entre forças ditas democráticas e as forças totalitárias: a Constituição Brasileira de 1988 e o Código Penal. “A contradição do próprio arcabouço jurídico remete, antes de tudo, à conciliação sinistra entre democracia e totalitarismo sobre o eixo das drogas” (Passos & Souza, 2011, p. 155).

Para compreender o atual cenário político que delineia o campo das políticas públicas brasileiras sobre drogas, parte-se da compreensão de que estas estão inseridas no contexto ocidental e, talvez mundial, da “política global de guerra às drogas” (Passos & Souza, 2011, p. 155). Sendo assim, as atuais políticas públicas brasileiras sobre drogas - e aí inclusos os programas regionais - se constituem historicamente e devem ser analisadas em interface com a política global de “guerra às drogas” ou “antidrogas”.

Um documento produzido pela Assembleia Legislativa do Ceará (ALECE) denominado “Drogas eixos de abordagens: pacto pela vida” ajuda a entender os paradigmas da abstinência e de guerra às drogas privilegiados nos discursos que circulam no interior do dispositivo das drogas. O documento elenca quatro eixos em torno dos quais o fórum “Pacto pela Vida – Drogas, um caminho para um triste fim”, da ALECE, deve trabalhar: prevenção, tratamento, repressão e reinserção social [CITATION Ass10 \l 1046]. Os eixos em destaque evocam figuras já bastante conhecidas e caricaturais no traçado do biopoder, das técnicas disciplinares e, no limite de seus desdobramentos, do poder pastoral.

 

Acolhe Ceará: as Comunidades Terapêuticas no enlace entre o dispositivo das drogas e as políticas públicas

A Redução de Danos emerge no Brasil em um cenário de guerra às drogas. No ano de 1989 no interior de São Paulo, na cidade de Santos, ocorre a primeira ação de RD. O país, a essa altura, ensaiava sua transição para o regime democrático e aí despontavam também as práticas de saúde – então consideradas progressistas - que viriam a constituir o SUS o que, no entanto, não impediu uma reação repressiva à RD. Por essa época, uma ação na justiça acusava as ações em RD de estimular o uso de drogas (Passos & Souza, 2011). Em meio a tudo isso se desenrolavam também a reforma sanitária e a consolidação da luta antimanicomial, ambos movimentos que vieram a dar suporte para a RD no país. Atualmente, a RD vive uma fase de institucionalização no Brasil, resultando em diversos desafios para a sua efetivação. Coloca-se, portanto, como uma estratégia do SUS e, ao mesmo tempo, como uma coleção de compromissos éticos e intelectuais contraposta ao paradigma da abstinência no qual os modos de vida são separados entre abstinentes e não abstinentes.

Embora a Redução de Danos tenha sido instituída como estratégia do Ministério da Saúde para atenção integral a Usuários de Álcool e ouras drogas desde 2003, figuras da lógica medicalizante e até manicomial não cessam de emergir na paisagem que se propõe cartografar aqui. Assim, o documento da ALECE elenca entre as possibilidades de “tratamento”, além dos demais dispositivos da rede de saúde mental, os Hospitais Psiquiátricos e as Comunidades Terapêuticas.

Sobre os Hospitais Psiquiátricos o documento aponta que:

Unidades de internação integral, com leitos para atenção a quadros psiquiátricos graves e/ou agudos. Criticados, entre outras coisas, por não oferecerem projetos terapêuticos comprometidos com as necessidades específicas dos usuários de álcool e outras drogas e por estarem associados com um modelo de atenção considerado, pela legislação atual, como ultrapassado e não comprometido com os direitos do cidadão. Ainda representam o maior número de leitos de internação integral no campo da saúde mental em nosso estado. O Ceará conta com 953 leitos conveniados com o SUS, distribuídos em 07 estabelecimentos, sendo 01 no Crato e os demais em Fortaleza (ALECE, 2010, p. 42).

Na cidade onde o CAPS-AD aqui referido está situado não existem mais hospitais psiquiátricos. Contudo, usuários e profissionais mais antigos no serviço relataram os horrores vividos num antigo manicômio que existira na cidade até meados dos anos 2000. Episódios de fome, agressões físicas/psicológicas e, consequentemente, óbitos eram corriqueiros. Além disso, a internação em alas psiquiátricas num dos hospitais do município não era algo incomum nos prontuários, nas conversas entre os usuários e nos acolhimentos acompanhados durante o estágio.

Uma passagem de setembro no diário de campo recorda o episódio de um usuário que chegou ao serviço após uma tentativa de suicídio. Pressionado pelos familiares, ele solicitava uma internação. No momento de ser transferido para o hospital ele saiu correndo repentinamente do serviço gerando à equipe uma demanda de “busca ativa”. A busca ativa consiste num procedimento técnico aplicado principalmente às políticas de saúde e assistência social. A busca ativa objetiva identificar e intervir em situações de vulnerabilidade. Opera fortemente atrelada à noção de território e é muito usada em ações de RD (Lemke & Silva, 2010). Como ele, outros usuários chegavam ao serviço ansiando um encaminhamento para uma internação hospitalar e, algumas vezes, para a internação em Comunidades Terapêuticas.

As Comunidades Terapêuticas constituem um complexo e suspeito capítulo na história passada e contemporânea do dispositivo das drogas. O modelo de tratamento da Comunidade Terapêutica surgiu na Grã-Bretanha nos anos 1940, inicialmente eram usadas para o tratamento psiquiátrico de pacientes crônicos (Jones, 1972). Em 1953, nos EUA, ocorreu um deslocamento da Comunidade Terapêutica para o tratamento de usuários de substâncias psicoativas. Membros do recém criado Alcoólicos Anônimos (AA) fundaram a comunidade Synanom, regida pelos princípios do grupo que, embora se pretendesse laico, sempre incorporou princípios morais e religiosos de diversas instituições refletidos nas práticas de Synanom e demais comunidades que surgiram baseadas nesta experiência.

No Brasil, as comunidades terapêuticas estão vinculadas, principalmente, às igrejas evangélicas e católicas. Em 1968, na cidade de Goiânia, surge no Brasil a primeira Comunidade Terapêutica denominada Desafio Jovem, oriunda de um movimento religioso evangélico (Fossi & Guareschi, 2015, p. 99).

Conforme cartografa o diário, as comunidades também invadem o cotidiano do CAPS-AD. Elas estão presentes no discurso e história de vida dos usuários, nos encaminhamentos que fazem ao CAPS-AD, no Conselho Municipal de Políticas Sobre Drogas (COMAD) e até no orçamento do Governo Federal. Nos registros do diário de campo elas aparecem como uma preocupação para a equipe durante uma reunião geral e também em uma supervisão da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Nesses momentos se discutia se os profissionais do CAPS-AD deveriam incluir a Comunidade Terapêutica como uma alternativa aos usuários que chegavam ao acolhimento em busca de internação, pois muitos já chegavam mencionando as comunidades da região. Além disso, essas comunidades entravam em constante atrito com as propostas do CAPS-AD nas reuniões do COMAD onde possuíam mais assentos que a própria RAPS. Por fim, embora o SUS sofra constantes ameaças de corte orçamentário e contingenciamentos de toda sorte, as Comunidades Terapêuticas continuam recebendo verba, o que é motivo de inquietação entre os profissionais da RAPS, conforme observou-se durante o período de estágio.

De acordo com uma matéria do jornal O Diário do Nordeste, em 2013 havia no Ceará cerca de 150 Comunidades Terapêuticas das quais apenas 30 eram credenciadas, sendo assim, 80% dessas comunidades funcionavam de forma irregular. Irregularidades também foram encontradas nas comunidades visitadas no estado pela IV Inspeção Nacional de Direitos Humanos em locais de internação para usuários de drogas conforme aponta o relatório de 2011 produzido pelo CFP.

Entre as possíveis irregularidades encontradas nas propostas de cuidado dessas comunidades, o relatório enfatiza restrição de liberdade, o uso de grades e trancas, a adoção de medidas punitivas, a existência de espaços de isolamento e a presença de adolescentes no mesmo espaço de adultos. Embora declarem não impor nenhuma religião, parte dessas comunidades é financiada por igrejas e usam a oração como recurso terapêutico. Sobre a comunidade “Peniel resgatando para Deus”, por exemplo, o relatório narra o seguinte episódio: “Durante a entrevista, um interno chamou o menino de 12 anos ‘para ir para a tranca’. Não foram disponibilizadas informações ou detalhes sobre ‘a tranca” (Conselho Federal de Psicologia, 2011). Diante desses registros – salvo as generalizações selvagens – não é equivocada a conclusão de que lugares como esses têm constituído uma reedição dos manicômios, tendo em vista que:

As comunidades terapêuticas são instituições privadas e, muitas vezes, de caráter confessional, em que a religião é imposta como a principal estratégia de tratamento, independentemente das convicções religiosas do indivíduo anteriores ao ingresso nela. Elas possuem um programa específico de tratamento, que dura de seis a doze meses, conforme a instituição, regras rígidas e atividades obrigatórias, que devem ser seguidas por todos que ingressam na instituição. As visitas dos familiares são parcas e restritas e o contato com o mundo externo é inexistente, inclusive, no que diz respeito às atividades escolares e profissionais (Fossi & Guareschi, 2015, pp. 95-96).

A inserção das comunidades terapêuticas tem se dado de forma sorrateira e sistemática. A partir de 2010 o Governo Federal passou a investir mais na problemática das drogas, o documento da ALECE analisado aqui, por exemplo, data dessa época. É nesse momento que as comunidades terapêuticas passaram a integrar a rede de saúde pública por meio do financiamento estatal (Fossi & Guareschi, 2015). É de 2010 o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack que conveniou as comunidades com o SUS através do Decreto 7179 de 2010. Este decreto junto ao Edital 001/2010 do Comitê Gestor do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras drogas, SENAD e Ministério da Saúde para a contratação de leitos em comunidades terapêuticas determinam a inserção das comunidades na atenção à saúde de usuários de drogas.

No Ceará, as Comunidades Terapêuticas têm se integrado cada vez mais aos programas governamentais sobre drogas; em 2014, por exemplo, o jornal Tribuna do Ceará anunciava a disponibilização de 266 vagas de acolhimento em regime de residência em 15 instituições conveniadas à Secretaria de Saúde do Estado espalhadas em diversas cidades. Mais que isso o crescimento das vagas e a criação de novas estratégias de cuidado têm mostrado um avanço na consolidação e cristalização das comunidades como política pública de atenção à saúde dos usuários de drogas no Estado. As internações involuntárias têm crescido em velocidade e proporção dignas de nota: em 2013, por exemplo, uma reportagem do jornal O Povo já alertava para um crescimento de 132% desse tipo de internação em Fortaleza no período de 2006 a 2012.

Atualmente as Comunidades Terapêuticas parecem ter encontrado um espaço mais sólido e definitivo nos programas governamentais do Ceará sobre drogas, o que desperta as interrogações e problematizações do presente estudo. O “Acolhe Ceará” se apresenta no site da Secretaria Especial de Políticas sobre Drogas do Governo do Estado como uma “estratégia de monitoramento e avaliação do acolhimento e tratamento de pessoas encaminhadas pela RAPS que sofrem com o uso problemático de drogas”. No entanto, no decorrer do texto esclarecem que, na realidade, o Acolhe é responsável pela regulação das vagas em Comunidades Terapêuticas financiadas pela SENAD e o Governo do Ceará. O Acolhe Ceará possui também um sistema de informações sobre as vagas contratadas, o “SISacolhe” ao qual têm acesso tanto os profissionais do SUS quanto as Comunidades Terapêuticas; nele os procedimentos são integrados como parte de uma mesma estratégia de cuidado. Embora atuem baseados em pressupostos completamente distintos do SUS, que prioriza a Redução de Danos, as comunidades são apresentadas como um recurso da atenção em saúde de instituições como o CAPS-AD:

É um local dedicado a acolher pessoas, em caráter Voluntário, com problemas relacionados ao uso nocivo ou dependência de substância psicoativa, álcool e outras drogas. Os encaminhamentos são realizados pela RAPS para qualquer pessoa que apresente o desejo de se recuperar e que tenha condições de saúde que permitam o seu acolhimento em comunidade terapêutica. Para conseguir o acolhimento, inicialmente, a pessoa deve se dirigir a um serviço de Rede de Atenção Psicossocial (Caps, Unidade Básica de Saúde da Família, Hospital, etc.) para realizar uma avaliação diagnóstica e receber o encaminhamento. Outra alternativa é o atendimento realizado pelo Centro de Referência sobre Drogas (CRD), que acolhe pessoas e seus familiares com necessidades relacionadas ao tema drogas. (Secretaria Especial de Políticas Sobre Drogas).

De modo acrítico e até positivado, as comunidades têm sido integradas ao sistema de saúde sem que haja qualquer adequação do plano de cuidado, mesmo que os projetos terapêuticos das comunidades se diferenciem radicalmente do Projeto Terapêutico Singular, orientado pela Redução de Danos adotado nos dispositivos de saúde. Entre os deveres que o Acolhe Ceará impõe ao “acolhido”, por exemplo, está o de “Acatar normas e rotinas definidas no regimento da Comunidade Terapêutica” (Secretaria Especial de Políticas Sobre Drogas). Estas normas, por sua vez, geralmente são códigos de conduta, não raro, orientados por princípios religiosos. Nessas circunstâncias, apesar de receber financiamento do Estado, as comunidades não são submetidas a adequações que as ponham em consonância com o respeito aos direitos humanos que costumam violar em suas práticas confessionais e disciplinares de docilização dos corpos. Observa-se aí, portanto, um flerte entre as políticas públicas sobre drogas e as práticas asilares.

Contudo, o agenciamento de práticas de sequestro e asilares na atenção à saúde dos usuários de drogas não é prerrogativa dos programas regionais anteriormente analisados. Em 2017, por exemplo, tem-se a ação orquestrada pela prefeitura da cidade de São Paulo em parceria com as polícias civil e militar que somavam 900 policiais na operação. Nas palavras do Conselho Federal de Psicologia, a “barbárie” que deixou três pessoas feridas na região conhecida como cracolândia, representa “uma afronta aos direitos humanos e à luta antimanicomial” (2017). Através da violência policial, as pessoas foram retiradas do local e enviadas para a internação em Comunidades Terapêuticas conveniadas ao novo programa municipal sobre drogas, o Redenção. Episódios como este evidenciam não apenas o acionamento das práticas asilares, mas também a reedição de práticas higienistas no gerenciamento do sujeito usuário de drogas.

Com efeito, são agenciados saberes e práticas distintos nas políticas de saúde e nas políticas de segurança pública sobre drogas. São acionadas e instauradas diferentes práticas de individuação e governo dos corpos atinentes ao dispositivo das drogas. Os efeitos de tais relações saber-poder resvalam também em diferentes modos de produção de subjetividade. As políticas de saúde e RD inventam o Homo Psicoativus (Prestes, 2017) e, consequentemente, se voltam para o usuário a ser tratado/medicalizado. As figuras do traficante e usuário traficante, do criminoso enfim, aparecem como signatárias das políticas de segurança e sua partilha geopolítica do lícito/ilícito. No entanto, apesar das aparentes fronteiras bem demarcadas entre o par saúde/segurança, percebe-se que o dispositivo das drogas opera de modo fluido nas práticas do SUS e no campo das instituições jurídicas, a despeito dos enunciados e práticas que emergem em contraposição. Sendo assim, não há uma equivalência imediata entre as práticas das políticas públicas e um determinado diagrama de poder. Portanto, conforme procurou demonstrar esse estudo, a análise das práticas mais locais é que permitirá identificar que dispositivo é posto em ação.

 

Considerações finais

No arquipélago aqui desenhado buscou-se dar visibilidade ao conjunto de procedimentos de um poder que tem por foco o investimento na vida, que opera por estratégias que se endereçam à multiplicidade dos homens, agindo para proteger a sociedade sob o eixo das drogas. Essa biopolítica que se dirige à população acopla-se no eixo das drogas a um poder do um a um, uma forma de condução da conduta humana gestada no poder pastoral e reconfigurada no governo da vida pelos Estados modernos. Por meio de uma complexa trama, esses diagramas de poder atuam alinhavados por formações de saber produzindo o sujeito conhecido nos espaços sobre os quais versa esse estudo por vários nomes mas, principalmente, como usuário de drogas.

Viu-se ainda, que no solo da politização do campo da saúde no Brasil, representada pelos movimentos da reforma sanitária e psiquiátrica, emergem tecnologias e saberes divergentes do proibicionismo a fim de informar o governo da vida através das drogas. A Redução de Danos, contudo, apenas engatinha na consolidação do seu processo de institucionalização e já é obrigada a se ver às voltas com a lógica proibicionista, asilar e de abstinência na atenção em saúde ao usuário de drogas.

Nesse complexo cenário, as Comunidades Terapêuticas entram pelas frestas abertas pelos discursos agenciados pela lógica da abstinência como única solução possível, cooptando e até obliterando a política de saúde do SUS. O diário de campo desse estudo mostra, todavia, que o campo de atenção ao usuário drogas não é um rio de águas tranquilas; está mais para um campo de batalha. A inquietação e inconformidade dos profissionais do CAPS-AD frente aos encaminhamentos para comunidades clarificam a existência de um campo em disputa. Também estudos como esse que buscam “interrogar o presente e criar estratégias que visam constituir campos de possibilidades, os quais possam se efetivar outras formas de lidar com a vida e com a morte em nossas sociedades” (Silva & Hüning, 2017, p. 2) atuam na invenção de linhas outras.

Além disso, as palavras de um usuário, ditas durante uma visita de matriciamento, disparam interrogações sobre os escusos interesses da lógica de cuidado asilar. Nesse dia, o usuário encontrava-se no Centro de Saúde da Família (CSF) de seu bairro para uma consulta odontológica. Lá se deparou com os técnicos do CAPS-AD e, de acordo com o agente de saúde, ele fazia uso de crack e estava em “surto”. De pronto os profissionais o chamaram para uma conversa, consideraram seu discurso desorganizado e acharam uma internação hospitalar voluntária indicada. Diante da insistência dos profissionais para entrar na ambulância que diziam querer ajudá-lo ele pergunta: “Por que você quer tanto me ajudar?”

 

 

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Data de submissão: 24/05/2017
Data de aceite: 30/11/2017

 

 

I Francisco Valberdan Pinheiro Montenegro: Graduando em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET. E-mail: tenegrodan@gmail.com

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