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Revista Polis e Psique

On-line version ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.8 no.3 Porto Alegre Sept./Dec. 2018

 

EDITORIAL

 

As Políticas Públicas no Brasil atual: diálogos intersetoriais e seus desafios

 

Public Policies in Brazil: Inter-sectorial dialogues and their challenges

 

Las Políticas Públicas en el Brasil actual: diálogos intersectoriales y sus desafios

 

 

Como apresentar um número que tem como foco o trabalho nas políticas públicas, principalmente no campo da Assistência Social? Estamos no final do ano de 2018, imersas/os em um cenário de preocupações com o que há por vir para o Brasil. E como pesquisadoras na área das políticas públicas, entendemos a necessidade de visibilizarmos a produção de conhecimento neste contexto. Pesquisadoras/es, trabalhadoras/es preocupadas/os com o fazer em políticas como a da Assistência Social, saúde, assim como em contextos do Sistema de Garantia de Direitos. Assim, esse número se volta para um posicionamento crítico e propositivo no campo das Políticas Públicas, principalmente no campo da assistência social.

Nas palavras de Foucault (2010, p.342), “a crítica deve ser um instrumento para aqueles que resistem, que não querem as coisas como estão. Ela deve ser utilizada nos processos de conflitos, de enfrentamentos, de tentativas de recusa" (2010, p. 342). Quando questionado quanto ao efeito paralisante que seus trabalhos estariam produzindo em trabalhadores das prisões, Foucault (2010) afirma que é preciso problematizar o que seria  esta paralisia, e o como esta pode visibilizar uma quantidade de problemas que os trabalhadores precisam se ater. Deixando-nos a pista de que entende que a resolução dos problemas não deve partir de um grande reformador, como intitulou, mas "por um longo vaivém, de trocas, de reflexões, de tentativas, de análises diretas" (Foucault, 2010, p. 341). O mesmo afirmará que para que os problemas do cotidiano tomem sua amplidão, não se devem esmagá-las sob falas proféticas e prescritivas determinadas de cima. Para o autor, a aposta é na insubmissão e na radicalidade do exercício da crítica.

A resistência, em contexto como o que estamos vivenciando nos últimos anos no Brasil passa por constituirmos redes que possam fomentar o diálogo e fortalecer a produção de conhecimento em uma área que necessita de constante defesa, devido aos ataques que sofre do avanço neoliberal e desejo de implementação de um Estado cada vez mais mínimo e desigual. Enquanto possibilidade de análise do cenário macropolítico é possível uma aproximação com Löic Wacquant (2009), sociólogo francês que estudou as prisões americanas e a constituição dos guetos negros em Chicago. O autor chama a nova configuração política dos Estados Unidos, nos idos dos anos 90, de Estado Centauro: “uma cabeça liberal, montada num corpo autoritário,  aplica a doutrina do deixar passar, deixar ir a montante, em relação às desigualdades sociais, aos mecanismos que as geram (o livre jogo do capital, desrespeito do direito do trabalho e desregulamentação do emprego, retração ou remoção das proteções coletivas), mas mostra-se “brutalmente paternalista e punitivo quando se trata de administrar suas consequências no nível cotidiano” (p.88/89). Muito parecido com o que estamos vivendo nos últimos meses em nosso país? Ou seria nos últimos anos? Interessante que Wacquant vai pontuar que este projeto de governo liberal encontra adeptos tanto em políticos de direita quanto naqueles identificados com a esquerda. Um dos exemplos que usa são os socialistas franceses que prontamente passaram a copiar o modelo americano.

O risco, em tempos sombrios, é a utilização da produção acadêmica para justificar a extinção de políticas como as de Saúde e Assistência Social, o que faz que precisemos de estratégias para que possamos produzir a crítica e a defesa de direitos sociais e políticas públicas. Cruz e Hillesheim (2013) afirmam que estamos vivendo tempos em que questionar e interrogar são tomados enquanto ameaças... Como se estas posições fossem destruir o trabalho nas políticas públicas. Há uma visão de que estas estão acima de qualquer suspeita, sendo que qualquer tentativa de interrogar suas evidências ou desnaturalizar as maneiras de fazer e pensar, são compreendidas como destrutivas ou pouco propositivas. Alinhadas com Foucault de que a crítica permanente caracteriza-se como instrumento potente, passamos a apresentar os artigos do atual número.

Iniciamos este número com o artigo “Problematizando a Política de Assistência Social brasileira”, das autoras Suzanir Fernanda Maia, Anita Guazzelli Bernardes e Júlia Arruda da Fonseca Palmiere. Este trabalho problematiza a Política de Assistência Social a partir de articulações entre diferentes linhas de subjetivação. O foco é colocar em análise as figuras do beneficiário/demandatário. As autoras discutem a articulação de uma Política Social com o Neoliberalismo no Brasil, o que criará contornos singulares nos modos de subjetivação das figuras do beneficiário/demandatário das Políticas, produzindo um jogo entre acesso e inclusão que precisa ser problematizado para pensarmos a política de Assistência Social.

Na sequência, Betina Hillesheim e Letícia Lorenzoni Lasta discutem a articulação entre as políticas públicas de assistência social e a educação, no artigo intitulado “A Política de Assistência Social e a Educacionalização do Social”. Para isso, parte-se do pressuposto de que, em nosso tempo, existe uma associação entre o fenômeno denominado educacionalização do social, a partir do qual a educação passa a ser recorrentemente citada como causa ou solução de uma variedade de problemas sociais, e uma racionalidade governamental neoliberal que opera em uma lógica concorrencial.

No artigo “Nas margens: Psicologia, política de Assistência Social e territorialidades”, as autoras Simone Maria Hüning, Rosângela Jacinto Cabral e Maria Auxiliadora Teixeira Ribeiro colocam em análise, por um lado, o distanciamento e, por outro, a inserção da psicologia em territórios considerados vulneráveis - base para a organização, no Brasil, dos serviços da Política Nacional de Assistência Social (PNAS). As autoras intentam refletir sobre as práticas, os saberes, a formação e as territorialidades constituídas por este campo disciplinar na interface com a PNAS.

Logo em seguida, o trabalho de Leticia Lorenzoni Lasta e Neuza Maria de Fátima Guareschi, “Políticas de assistência social: entre a produção/governo da vida”. Para mostrar como a vida humana, em tempos de neoliberalismo, se tornou recurso importante que afeta os interesses e interfere na eficiência das instituições sociais tomamos como pano de fundo desta discussão as classificações da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, proteção social básica, proteção social média e alta complexidade. Para realizar esta análise se fundamentantam no conceito de classes interativas de Ian Hacking e da noção de governamento dos estudos foucaultianos.

Bruna Moraes Battistelli, Luciana Rodrigues e Lílian Rodrigues da Cruz no artigo “A Política de Assistência Social: relações entre vulnerabilidade, risco e autonomia” apresentam os resultados da análise documental realizada a partir dos documentos que legislam e orientam a Política de Assistência Social. A análise pautou-se no rastreio de como as expressões ‘vulnerabilidade’, ‘risco’ e ‘autonomia’ emergem e são operados na política em questão. Ao longo do artigo, as autoras problematizama homogeneização da população pobre, bem como com a possibilidade da universalidade nas políticas públicas sustentar as desigualdades sociais que deveria combater.

No artigo “Vinculação e Trabalho na Assistência Social: vivenciando um CRAS”, as autoras Abigail Marinho da Silva, Gilead Marchezi Tavares e Júlia Flávia Gomes Pereira propõem discutir a atuação profissional do psicólogo no SUAS. Através da extensão universitária em um CRAS do Município de Cariacica/ES – tendo os registros de diário de campo como material de análise –, constata-se a potência do trabalho na formação de rede, na formação continuada, que comparecem como modos de resistência capazes de fomentar espaços públicos de luta por direitos. A aposta nos encontros e nos afetos oriundos dos mesmos surge enquanto possibilidade neste trabalho.

Pensando a interlocução entre o tema da violência e as políticas públicas, o artigo “Entre sufocamentos e alguns possíveis: violência urbana e políticas públicas” de Luis Fernando de Souza Benicio, João Paulo Pereira Barros e Dagualberto Barboza da Silva têm como objetivo problematizar implicações da intensificação da violência letal e desafios frente a isso no cotidiano de trabalhadores sociais que atuam em uma das regiões com maiores taxas de homicídios na cidade de Fortaleza. Trata-se de um desdobramento de uma pesquisa-intervenção à luz do método da cartografia, que analisou práticas institucionais em torno da problemática dos homicídios de adolescentes e jovens.

Já em “Uma discussão sobre disciplina: juventude em conflito com a lei e cárcere”, de Andrea Scisleski, Ana Ligia Saab Vitta, Luis Henrique da Silva Sousa, Maria Eduarda Parizan Checa e Maria Júlia Dias, o objetivo é investigar a articulação entre as práticas psicológicas e jurídicas, problematizando seus efeitos na construção de um campo de saber sobre a população infanto-juvenil em conflito com a lei. Apontam que o encarceramento, a partir da segurança, opera como uma intervenção proposta para tratar de questões sociais, mas que, contudo, acaba subordinando-as a lógicas individualizantes.

Priscilla Costa Correia, no artigo “Em nome da proteção: crianças, adolescentes e seus direitos violados” coloca em análise as práticas e discursos que atravessam o fazer dos profissionais do sistema de justiça que, em nome da proteção e do cuidado, governam e culpabilizam a vida das crianças, dos adolescentes e de suas famílias empobrecidas.

Seguindo na interface com o sistema de garantia de direitos, Cristiana de França Chiaradia e Maria Lívia do Nascimento visam mostrar modos de judicialização da sexualidade infantil, principalmente através da negação desta sexualidade como um direito, restringindo-a apenas à contravenção e suas punições, no texto “Sexualidade infantil e judicialização”.

No artigo “Entre medicalização e recusas: crianças e adolescentes nos circuitos socioassistenciais-sanitários”, os autores Adriano de Oliveira, Maria Cristina Gonçalves Vicentin e Marina Galacini Massari examinam duas situações que concorrem para fazer funcionar os circuitos expulsivos/seletivos nos serviços assistenciais ou especializados: a medicalização de crianças e adolescentes como um modus operandi dos serviços de acolhimento institucional e a seletividade na porta de entrada desses serviços, principalmente os dirigidos à crianças e adolescentes em situação de rua e/ou que fazem uso de drogas, ocasionando a emergência de serviços híbridos entre Saúde e Assistência Social.

E, por fim, o relato de experiência “O fazer profissional no CREAS: ilhas, travessias e descaminhos possíveis” escrito por Claudia Winter da Silveira, Daniela da Silva Champe, Luciane Chiapinotto, Rosângela Machado Moreira, Suellen Santos Silva, Vitória Magalhães Guasque e Vinicius Tonollier Pereira, problematiza o fazer cotidiano dos profissionais no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), além de discutir o trabalho ofertado por este serviço e a sua interação com as demais políticas sociais, bem como as repercussões da atual conjuntura socioeconômica no atendimento à violação de direitos, no contexto do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

 

Lílian Rodrigues da Cruz – Editora Convidada
Neuza Maria de Fátima Guareschi – Editora Associada
Bruna Moraes Battistelli – Editora Assistente

 

 

Referências

Cruz, Lílian Rodrigues da; Hillesheim, Betina (2013). Por uma crítica das práticas psicológicas na assistência social: tantas coisas podem ser mudadas. In: Brizola, Ana Lídia; Zanella, Andrea; Gesser, Marivete. (Org.). Práticas Sociais, Políticas Públicas e Direitos Humanos. (pp. 181-193). Florianópolis: Edições Bosque.         [ Links ]

Foucault, Michel (2010). É importante pensar? In: Ditos e escritos: repensar a política (vol. VI, pp. 338-358). Rio de Janeiro: Forense Universitária.         [ Links ]

Wacquant, Loïc: (2009) Punir os pobres - A nova gestão da miséria nos Estados Unidos. 3ª edição. Rio de Janeiro: Revan.         [ Links ]

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