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Revista Polis e Psique

On-line version ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.8 no.3 Porto Alegre Sept./Dec. 2018

http://dx.doi.org/10.22456/2238-152X.86349 

ARTIGOS

 

Entre sufocamentos e alguns possíveis: violência urbana e políticas públicas

 

Between suffocations and some possible: urban violence and public policies

 

Entre sofocos y algunos posibles: violencia urbana y políticas públicas

 

 

Luís Fernando de Souza BenicioI, João Paulo Pereira BarrosII, Dagualberto Barboza da SilvaIII

I Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP – CE), Fortaleza, CE, Brasil.

II Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, CE, Brasil.

III Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, CE, Brasil.

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo é problematizar implicações da intensificação da violência letal e desafios frente a isso no cotidiano de trabalhadores sociais que atuam em uma das regiões com maiores taxas de homicídios na cidade de Fortaleza. Trata-se de um desdobramento de uma pesquisa-intervenção, à luz do método da cartografia, que analisou práticas institucionais em torno da problemática dos homicídios de adolescentes e jovens. Os dados foram produzidos por observações, conversas no cotidiano, entrevistas e grupos de discussões. A seção de resultados e discussão destaca: 1) a violência como fortalecedora de barreiras no acesso de profissionais aos territórios e no acesso das juventudes mais estigmatizadas aos serviços existentes; 2) os desafios de profissionais de tomar a violência como objeto de ação-reflexão-ação e 3) a experiência de grupos de discussões intersetoriais na Barra do Ceará como estratégia de coletivização da problemática dos homicídios.

Palavras-chave: violência urbana; homicídios; juventudes; pesquisa-intervenção; psicologia social.


ABSTRACT

The objective of this article is to problematize the implications of the intensification of lethal violence and challenges to this in the daily life of social workers working in one of the regions with the highest homicide rates in the city of Fortaleza. It is a development of an intervention research, in the light of the cartography method, which analyzed institutional practices around the problem of homicides of adolescents and young people. The data were produced by observations, daily conversations, interviews and discussion groups. The results and discussion section highlights: 1) violence as a strengthening of barriers in the access of professionals to the territories and in the access of the most stigmatized youth to existing services; 2) the challenges of professionals to take violence as an object of action-reflection-action; and 3) the experience of intersectorial discussion groups in Barra do Ceará as a strategy for collectivizing the problem of homicides.

Keywords: urban violence; homicide; youths; intervention research; Social Psychology.


RESUMEN

El objetivo de este artículo es problematizar implicaciones de la intensificación de la violencia letal y desafíos frente a eso en el cotidiano de trabajadores sociales que actúan en una de las regiones con mayores tasas de homicidios en la ciudad de Fortaleza. Se trata de un desdoblamiento de una investigación-intervención, a la luz del método de la cartografía, que analizó prácticas institucionales en torno a la problemática de los homicidios de adolescentes y jóvenes. Los datos fueron producidos por observaciones, conversaciones en el cotidiano, entrevistas y grupos de discusiones. La sección de resultados y discusión destaca: 1) la violencia como fortaleciedora de barreras en el acceso de profesionales a los territorios y en el acceso de las juventudes más estigmatizadas a los servicios existentes; 2) los desafíos de profesionales de tomar la violencia como objeto de acción-reflexión-acción y 3) la experiencia de grupos de discusiones intersectoriales en la Barra de Ceará como estrategia de colectivización de la problemática de los homicidios.

Palabras-clave: violencia urbana; homicidio; jóvenes; investigación-intervención; psicología social.


 

 

Introdução

Este artigo objetiva problematizar implicações da intensificação da violência letal e desafios/possibilidades de enfrentamento para tal questão no cotidiano de profissionais de políticas públicas que atuam em uma das regiões com maiores taxas de homicídios na cidade de Fortaleza. Resulta de uma dissertação de mestrado que analisou práticas institucionais tecidas no cotidiano de equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) em torno da problemática dos homicídios de adolescentes e jovens na capital do Ceará. Tal dissertação esteve ligada a uma pesquisa guarda-chuva intitulada “Juventude e Violência Urbana: Cartografia de Processos de Subjetivação na Cidade de Fortaleza”, desenvolvida pelo VIESES: Grupo de Pesquisas e Intervenções sobre Violência, Exclusão Social e Subjetivação, voltada à cartografia dos modos de subjetivação constituídos na articulação de práticas sociais em torno da questão da violência urbana envolvendo jovens em territórios da cidade de Fortaleza reconhecidos por elevados índices de homicídio.

A partir de lentes teóricas oriundas de diálogos da Psicologia Social com os estudos de Foucault, Deleuze, Guattari, Agamben, Butler, bem como com reflexões críticas à colonialidade, a exemplo de Mbembe, dentre outros, e com produções afins sobre violência e juventude, o VIESES, ligado ao Departamento de Psicologia e ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará, vem produzindo diversas reflexões em torno dos aspectos psicossociais concernentes ao problema dos homicídios (Barros, Acioly & Ribeiro, 2016; Barros & Benicio, 2017; Barros, Benício & Pinheiro, 2017; Barros, Benício, Silva, Leonardo & Torres, 2017). Não obstante, este texto singulariza-se por enfocar o assunto sob a perspectiva de profissionais de políticas públicas que atuam em territórios de Fortaleza marcados por uma das principais taxas de violência letal da cidade.

Dados do 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública põem em relevo o caráter ininterrupto das mortes violentas intencionais, sendo notabilizado o ano de 2017 por ter registrado 63.880 homicídios, o que contribuiu com um aumento de 2,9% em relação ao ano anterior. As maiores taxas de letalidade estão concentradas em três estados, sendo dois da região Nordeste, Rio Grande do Norte em primeiro com a taxa de 68,0 por 100 mil habitantes e Ceará com 59,1. Esses dados corroboram com o fenômeno da “Nordestinação” dos homicídios (Barros, Paiva, Rodrigues, Leonardo & Silva, 2018).

Ao mesmo tempo em que os dados apontam um crescimento da violência letal na população geral, constata-se uma acentuação da vitimização de adolescentes e jovens. Segundo Melo e Cano (2017), dos 9 estados com maior Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), 8 são do Nordeste. Nesse panorama, o Ceará é destacado como o estado brasileiro com maior IHA. Em relação às capitais, Fortaleza desponta como a segunda mais violenta do país, ficando atrás apenas de Rio Branco (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2018), além de ser a cidade que apresenta o IHA na adolescência entre as capitais brasileiras (Melo & Cano, 2017).

Diante desse cenário, para problematizar implicações da intensificação da violência letal e desafios/possibilidades de enfrentamento para tal questão no cotidiano de profissionais de políticas públicas, este artigo enfocará os seguintes pontos em seus resultados e suas discussões: 1) a violência como fortalecedora de barreiras no acesso de profissionais aos territórios e no acesso das juventudes mais estigmatizadas em relação aos serviços existentes; 2) os desafios de profissionais da saúde da família e da rede socioassistencial de tomar a violência como objeto de ação-reflexão-ação que demanda ações intersetoriais e territorializadas, além de problematizá-la como produtora de agravos à condição de saúde de moradores e trabalhadores sociais e 3) a experiência de grupos de discussões intersetoriais na Barra do Ceará como dispositivo de pesquisa-intervenção voltado à coletivização da problemática dos homicídios, a partir de um paradigma ético-estético-político.

 

2. Percursos metodológicos

 

2.1 Tipo de pesquisa

A pesquisa teve caráter qualitativo e se alinhou à perspectiva da pesquisa-intervenção, que, de acordo com Rocha e Aguiar (2003), é um tipo de pesquisa participativa, teórico-metodologicamente ligada aos movimentos institucionalistas edificados em meados do século XX.

A dimensão interventiva da pesquisa envolveu a criação e potencialização de dispositivos de análise coletiva no cotidiano de profissionais inseridos nas periferias da cidade de Fortaleza, visando mapear, junto a esses profissionais ali inseridos, o plano das forças e os efeitos relacionados à problemática da violência letal, bem como estratégias de enfrentamento, com vistas a transformações micropolíticas.

Ao problematizar os aspectos psicossociais ligados à produção da violência letal contra adolescentes e jovens e seus efeitos nos territórios de atuação dos profissionais que participaram dessa pesquisa, co-engendramos a pesquisa-intervenção a partir de aproximações entre a política do pesquisarCOM (Moraes, 2010) e o método da cartografia, trabalhado em produções como Passos, Kastrup e Escóssia (2009) e Passos, Kastrup e Tedesco (2014), a partir da compreensão de rizoma elaborada por Deleuze e Guattari. Essa política de pesquisa, ao acompanhar processos de produção de subjetividades, aposta em um exercício de atenção à espreita, de inserção em um território existencial, para pôr em análise o plano coletivo de forças que produz o tema enfocado no estudo. A partir dessa perspectiva, cartografamos a processualidade da (re)construção do objeto da pesquisa e das variações das dinâmicas da violência urbana em Fortaleza e suas implicações no cotidiano de profissionais inseridos nos territórios investigados e nos modos de subjetivação de adolescentes e jovens ali atuantes.

 

2.2. Locais e participantes do Estudo

A pesquisa se realizou no território da Barra do Ceará, bairro considerado mais antigo de Fortaleza, localizado na zona oeste da cidade, considerada região periférica, e que figura constantemente entre os bairros com maiores taxas de homicídio e de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Importante ressaltar também que esse território apresenta elevada densidade populacional, contando com um significativo número de assentamentos precários e sofre historicamente com processos de estigmatização provocados pela violência e pela desassistência dos poderes públicos locais.

Os dados da pesquisa-intervenção analisados neste artigo foram produzidos por observações, conversas no cotidiano, entrevistas com profissionais da ESF e dois grupos de discussões com outros profissionais da rede socioassistencial que atuam naquela região. No que se refere às entrevistas, contemplamos sete profissionais atuantes em quatro equipes da ESF. Nas atividades grupais, contamos com a participação de 20 profissionais, dividindo-se entre trabalhadores da saúde, da assistência, do sistema socioeducativo, das políticas de juventude e do conselho tutelar.

A escolha dos participantes se deu por conveniência, com uso da técnica da “bola de neve”, na qual cada participante indicava outro que pudesse colaborar com o estudo. Já o número de participantes foi definido por critério de “saturação teórica”, em que a etapa de produção de informações se encerra quando ao se verificar que o campo não mais oferece, no momento, novos elementos que possam fundamentar a teorização. A fim de garantir o anonimato e a proteção dos participantes do estudo, os profissionais serão identificados apenas por números (Ex: Profissional 1 = P-1).

 

2.3. Ferramentas Metodológicas

Utilizamos uma triangulação de ferramentas metodológicas: observações no cotidiano, entrevistas semi-estruturadas e grupos de discussão, ambas com foco na tematização da violência urbana envolvendo jovens, tendo como um dos destaques o fenômeno dos homicídios no cotidiano de atuação dos profissionais. As entrevistas se deram sob o manejo da cartografia (Tedesco, Sade & Caliman, 2013), privilegiando a polifonia de vozes em jogo, a experiência do dizer e seus processos de criação de si e do mundo. Todas as entrevistas foram audiogravadas.

Já os grupos de discussão se deram na forma de oficinas ou rodas de conversas e foram registrados por diário de campo, assim como as observações no cotidiano. Dada a diversidade de questões sobre conexões entre violência urbana e juventude que compõem o corpus da pesquisa, receberão destaque, neste artigo, somente aqueles trechos que diretamente abordam o tema dos homicídios de adolescentes e jovens, suas implicações no cotidiano de profissionais e seus tensionamentos às políticas públicas.

 

2.4. Análise de dados e aspectos éticos

Os materiais produzidos em campo foram analisados por meio da análise de discurso de inspiração foucaultiana, seguindo perspectiva adotada no estudo de Coimbra (2001), articuladamente à proposta da análise cartográfica (Barros & Barros, 2014). Em vez de estabelecer um direcionamento explicativo, o caminho da análise foi, a partir da construção de “analisadores”, desemaranhar a rede de saber-poder-subjetivação que compõe a problemática dos homicídios de adolescentes e jovens e sua implicação nos territórios de atuação dos profissionais, multiplicando sentidos e possibilidades de formulação de novas perguntas a esse respeito.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFC, com o parecer de número 2.013.892, estando de acordo com a Resolução n° 466 de 2012 do Conselho Nacional de Saúde.

 

3. Resultados e discussão

 

3.1. A violência das barreiras: restrições do acesso de profissionais aos territórios e os processos de invisibilização perversa das juventudes marginalizadas

Um dos principais aspectos destacados pelos participantes do estudo é que a dinâmica da violência na cidade de Fortaleza tem agravado a produção de restrições tanto no acesso de profissionais aos territórios em que se fazem necessárias atuações de base territorializada quanto no fortalecimento de barreiras às juventudes mais vulnerabilizadas em relação aos serviços existentes de modo geral e que, em concomitância a isso, têm sido as maiores vítimas de homicídio.

Ao acompanhar profissionais em seus cotidianos e ao colocar a violência urbana como campo de problematização em torno da realização no seu campo de prática, alguns deles, além de considerarem a relevância da prevenção e da promoção de saúde às populações em processo de exclusão social acentuado e que mais têm sofrido com a violência, reconheceram que habitam territórios marcados por uma série de barreiras engendradas nas e pelas dinâmicas de conflitos intensos e letais entre grupos rivais que disputam mercados ilegais de drogas e armas e por um número elevado de homicídios de jovens. Relatam que, devido a isso, “as pessoas estão afastadas, não vêm por questão de território, não podem” (Participante 3). Isso demonstra, quando esse profissional também aponta que está “no olho do furacão”, que as dificuldades geradas por essas dinâmicas tanto restringem, quando não impedem, que o serviço vá às pessoas quanto impossibilitam que as pessoas consigam chegar nos serviços de saúde e em outros, já que essas disputas territoriais têm criado barreiras simbólicas que delimitam até onde é possível ir. A exemplo disso, o participante 4 apresenta como acontece a atualização dessa problemática em seu cotidiano, ao focarmos a intensificação dos homicídios de jovens e suas implicações no trabalho das equipes: “as pessoas, infelizmente, vivem ilhadas, muitas delas precisam vir ao posto mas elas se recusam a vir porque muitas são marcadas pra morrer, porque são mães de filhos que estão envolvidos e não querem correr o risco”. Aqui é necessário observar o seguinte: no Ceará, um dos principais operadores psicossociais da necropolítica (Mbembe, 2017) tem sido a divisão da população entre “cidadão” e “não-cidadão”. O “não-cidadão” é geralmente identificado por meio de termos como “vagabundo”, “bandido”, “de menor”, “traficante”, “pirangueiro” e, principalmente, um que parece condensar todos os outros: “envolvido”.

Assim, nossa pesquisa corrobora que a violência urbana aparece cada vez mais como um elemento limitador da condução do trabalho das equipes de saúde da família em Fortaleza, isto é, como um desafio para a efetivação da dimensão integral e territorializada das políticas públicas. Não obstante, conforme apontam depoimentos de participantes do grupo de discussão intersetorial que realizamos, os impedimentos de acesso deflagrados ou agravados pelas dinâmicas atuais da violência urbana na capital cearense ocorrem em toda a rede, a exemplo dos CUCAS1, CAPS2, CRAS3, CREAS4.

Delgado (2012) explicita que, de fato, a violência pode ser considerada uma barreira de acesso ao atendimento, pois, de acordo com os últimos anos, a experiência da Atenção Primária à Saúde (APS), sendo algumas articuladas com a atenção psicossocial, tem se defrontado, em sua realidade, com os desafios da violência. A criminalização do consumo de determinadas drogas, ainda segundo o autor, corrobora com a manutenção de um mercado clandestino fortalecido pela violência armada e corrupção policial. Nesses cenários, a intervenção psicossocial possui grande relevância, porém apresenta inúmeros desafios que precisam ser compreendidos e enfrentados.

Desse modo, o acesso de juventudes estigmatizadas às políticas públicas em seus territórios fica ainda mais comprometido. Um dos participantes da pesquisa, ao dialogar sobre o acesso das juventudes ao SUS, em específico à APS, afirma a importância de ampliar a discussão sobre acesso especialmente das juventudes mais afetadas pela violência letal. Para ele, essa categoria deve ser pensada em outras âmbitos da sociedade, como, por exemplo, acesso a outros direitos: “tem que pensar no conceito amplo de saúde, no acesso. Saúde é direito à educação, moradia, alimentação, acesso à posse da terra, acesso ao transporte público” (Participante 2). Considerar aqui a saúde mais amplamente faz-se pertinente na medida em que notamos que esses direitos não têm sido garantidos às juventudes mais vulnerabilizadas, seja pela falta de políticas que deem conta disso, seja devido às diversas barreiras que são erigidas, indo desde aquelas construídas pelos conflitos territoriais aos impedimentos produzidos pela lógica de (in)visibilização perversa (Sales, 2007) que faz esses jovens sentirem que os espaços existentes de políticas públicas não lhes cabe, contribuindo com uma condição de cidadania escassa. A fala de outro participante frisa a compreensão de que a vulnerabilização desses jovens, majoritariamente negros, pobres e moradores das margens urbanas, é um processo de abandono institucional: “é uma população que está toda envolta a mecanismos de adoecimento, e aí como é que além de dar conta dessa população a gente vai conseguir dar conta desse jovem, que sequer tem uma política pública pra ele, sequer tem acesso, não tem uma penetração da saúde onde ele sofre a violência inicialmente” (Participante 6).

A partir de nossas investigações e inserções, reconhecemos diversas atividades interessantes desenvolvidas pelos serviços existentes nas margens urbanas, especialmente atividades voltadas à arte, cultura e educação sobre direitos humanos, mas também à profissionalização e prática esportiva para jovens em um equipamento de juventude da cidade. Todavia, questionamo-nos para quais jovens a maioria das ações dos equipamentos sociais e serviços públicos tem se direcionado e quais os processos de (in)visibilização perversa de certas juventudes subjetivadas como metáforas da violência (Sales, 2007) operam a partir de tal direcionamento, já que para participar das atividades era preciso estar matriculado na escola. Esses questionamentos nos ajudam a problematizar o processo de inviabilização de certas juventudes que segue em curso nas políticas públicas inseridas no contexto da cidade de Fortaleza. Afinal, por que essas barreiras são interpostas justamente àqueles que têm sido alvo precípuo da letalidade, já que iniciativas de promoção de direitos têm sido apresentadas como ferramentas importantes no enfrentamento da violência? De acordo com pesquisa realizada pelo Comitê Cearense Pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA, 2016), o afastamento escolar é uma das principais evidências encontradas com relação a processos que aumentam a vulnerabilidade de adolescentes frente aos homicídios. Quando se trata da cidade de Fortaleza, 73% dos adolescentes assassinados estavam fora da escola há pelo menos 6 meses antes de terem sido mortos (CCPHA, 2016).

Esse cenário evidencia, portanto, um projeto de desmonte das políticas sociais e, consequentemente, o agravamento dos homicídios, como analisa um dos participantes: “isso porque as políticas compensatórias foram sendo reduzidas através dos cortes do governo pra justificar os déficits que supostamente existem”. Presenciamos, dialogando com essa afirmação, uma redução do estado social e aumento do estado penal. No início de dezembro de 2017, o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA)5 lançou uma análise orçamentária do município de Fortaleza no quadriênio 2013-2016, em que se evidenciou a baixíssima execução orçamentária dos recursos em programas e políticas para crianças e adolescentes. Os dados analisados apresentaram um grande contraste entre o aumento de receitas próprias municipais e a falta de investimento ou baixa execução nas políticas infantojuvenis locais.

Ao resgatar a importância da dimensão territorial da rede socioassistencial, reconhece-se um cenário de disputas em torno da sua efetivação. Ao mesmo tempo, no cenário local, considerando os indicadores elevados de homicídios de jovens na cidade de Fortaleza, tem-se o recrudescimento de lógicas punitivo-penais em torno dos segmentos juvenis dos territórios de atuação das equipes e, ainda, processos de invisibilização certas juventudes, socialmente tratadas como indesejadas, no cenário da prática comunitária.

 

3.2. Ações intersetoriais e territorializadas: o desafio de tomar a violência como objeto de ação-reflexão-ação no cotidiano de trabalhadores sociais

Apesar da violência urbana se configurar como um tema crescente de debates no Brasil, sua tematização, de modo mais corriqueiro, costuma ser atrelada mais diretamente ao campo da Segurança Pública e da Justiça, o que constitui um equívoco, conforme discutido por Benício e Barros (2017). No que se refere ao debate das práticas de enfrentamento à violência no cotidiano das políticas públicas, especificamente no âmbito da saúde, Minayo e Souza (1998) já relataram ser um desafio no âmbito da formação, especialmente por ser pouco debatido nas disciplinas. A relação entre violência e saúde, problematizadas pelas autoras, tomam a violência como um objeto de investigação e ação, compreendendo-a como transversal a todos os níveis de atenção à saúde. Tal problematização pode ser encontrada em discursos dos participantes da nossa pesquisa, apontando-nos o não reconhecimento da violência como objeto de ação-reflexão-ação no cotidiano dos trabalhadores sociais, fornecendo-nos algumas pistas para entender isso: medo, problemas de formação e modelos de gestão que vulnerabilizam processos de trabalho e limitam possibilidades de ação profissional no âmbito dos direitos humanos.

Ao lançarmos nosso olhar cartográfico, no processo de entrevistas, observações participantes e grupos de discussão, acompanhamos algumas pistas importantes para pensar as implicações da violência letal no cotidiano de trabalhadores sociais da rede socioassistencial. A fala do participante 1, quando perguntado sobre possíveis experimentações no território, afirma que o primeiro passo seria se apropriar da realidade epidemiológica da cidade: [...] acredito que a análise desses dados, mostrar essa realidade pra tentar criar uma consciência talvez seja o primeiro passo, já que nós não conseguimos atuar na prevenção (Participante 1). Chama-nos atenção, além da necessidade de contextualização do cenário, a relevância de colocar essas mortes em análise no cotidiano de atuação desses profissionais. A violência seria tomada como objeto de ação-reflexão-ação, e não apenas um entrave ao trabalho, algo externo aos profissionais que atrapalha sua agenda.

Diante dessa problematização, que corrobora com discussões levantadas por Minayo e Souza (1988), perguntamos-nos o motivo da violência não aparecer como objeto de ação no cotidiano de profissionais inseridos em tal dinâmica. O que se encontra em jogo? O que faz sustentar uma certa inviabilização desse fenômeno presente em cenário de práticas, mas ausente no processo de formação?

Dentro da realidade local, pode-se destacar iniciativas oriundas de inquietações profissionais, como, por exemplo, o trabalho de Fiúza, Miranda, Ribeiro, Pequeno e Oliveira (2011). Existem, portanto, iniciativas de alguns profissionais, mas esse contexto não é colocado, institucionalmente, como uma diretriz para uma agenda política, de modo a envolver mais profissionais e a dar maior consistência e abrangência a ações que alguns, por conta própria, realizam, ainda que incipientemente. Em nossa pesquisa-intervenção, ao focarmos a intensificação dos homicídios de jovens e suas implicações no trabalho das equipes da ESF, deparamo-nos com a atualização desse cotidiano das equipes, especialmente no que se refere à restrição de acesso da população ao serviço e das equipes à população, como mencionado no subtópico anterior.

Outro aspecto sobre as implicações da violência no cotidiano das equipes de ESF refere-se à violência como dimensão negativa para a saúde mental dos profissionais, pois tais dinâmicas não só afetam usuários da APS, mas, também, profissionais que trabalham nesses territórios, produzindo medo, insegurança, sensação de impotência e processos de adoecimento. O medo, como fenômeno psicossocial, passa a operar distanciando os profissionais dos territórios, reforçando preconceitos, não reconhecendo a problemática dos homicídios como objeto de ação-reflexão-ação, como afirma uma de nossas participantes “é difícil viu, porque a gente se sente de mãos atadas porque a gente também se torna vítima disso, como eu falei assim, de tá inserida mesmo, de ter que tomar atitude, de ter que priorizar o que não é prioridade por medo, por conta da violência, por ameaçarem”. Ao operar politicamente, o medo atuando no enfraquecimento de ações de promoção e prevenção, despotencializando ações intersetoriais, promovendo rotatividades, desimplicações e enrijecimento das práticas (Benício & Barros, 2017). Diante de uma realidade bélica, na qual a maioria dos trabalhadores atua e adoece, não tem sido construída uma agenda institucional em torno dessa problemática.

Ao participar do cotidiano de profissionais da rede socioassistencial, e não somente da ESF, percebemos também algumas implicações da violência letal no cotidiano de tais profissionais. Da mesma forma da ESF, a violência não costuma ser abordada como algo que concerne ao seu trabalho, de modo que eles percebessem que também têm algo a fazer no enfrentamento desse cenário, juntamente com outros setores. Isto é, muitos profissionais entendem a violência urbana como um problema de polícia, exigindo respostas em termos de maximização de lógicas punitivo-penais.

Dar visibilidade ao fenômeno da violência urbana, especialmente aos homicídios de jovens nos territórios de atuação das equipes, é assumir a necessidade de uma nova agenda no cotidiano das políticas públicas. Com isso, podemos desenhar pistas para tomar a violência como objeto de ação-reflexão-ação por parte dos profissionais, entendo-a como determinante em saúde, produzindo por sua vez, um conjunto de ações comunitárias e intersetoriais alinhadas com a perspectiva dos direitos humanos.

 

3.3. Horizontes possíveis: dispositivos grupais na Barra do Ceará e experiências intersetoriais de coletivização da problemática dos homicídios

A fim de apontar também “um pouco de possível” em meios aos aparentes sufocamentos suscitados pela problemática da violência e os impasses das políticas públicas em tempos neoliberais de desmonte, abordaremos aqui a experiência de duas atividades grupais experimentadas em pesquisa-intervenção, na Barra do Ceará, como principal estratégia de coletivização da problemática dos homicídios, a partir de um paradigma ético-estético-político que toma os processos grupais como dispositivos de problematização, desindividualização e experimentação. Durante essa pesquisa-intervenção, além da dimensão investigativa, interessamo-nos também em compor com profissionais da rede socioassistencial outros possíveis. Tal atitude só se tornou viável devido à política do pesquisarCOM, em que os interlocutores foram interpelados como capazes de formular conosco questões para a/na pesquisa (Moraes, 2010). Criamos, assim, em parceria com tais profissionais, alguns dispositivos de intervenção que ativaram outros em um processo de engajamento e transformação da realidade dos homicídios naquele cotidiano de atuação - aproximando-nos de um deslocamento epistemológico que passa a reconhecer e situar um saber localizado, performativo e não neutro (Moraes, 2010).

No que se refere às experiências intersetoriais, destacam-se: a sala de espera no ambulatório do adolescente e o Encontro Interinstitucional da Rede de Políticas Sociais. A primeira, conhecida como atividade da sala de espera, deu-se em dois encontros com profissionais da ESF e profissionais do CUCA, dentre eles educadores sociais, técnicos (psicóloga, enfermeira, assistente social e médico) e profissionais da biblioteca. Utilizamos do dispositivo “fanzine”6 para problematizar os homicídios, a mídia, a questão dos direitos humanos e as estratégias de enfrentamento a esses homicídios nessa atividade. Dentre as intervenções que construímos, em parceria com a ESF e o CUCA, destacamos a discussão sobre juventudes e violência (a problemática dos homicídios de jovens na cidade de Fortaleza) e a discussão sobre violência, mídia e juventudes. Essas atividades de sala de espera, foram tentativas de ampliação das ações de prevenção de homicídios a partir da articulação entre nossa pesquisa, a ESF e o CUCA..

A segunda, intitulada de “Encontro Interinstitucional da Rede de Políticas Sociais: a problemática dos homicídios envolvendo jovens na cidade de Fortaleza”, foi uma iniciativa produzida em parceria com a Rede CUCA e profissionais da ESF. Na ocasião, a supervisão da equipe psicossocial do CUCA se responsabilizou em articular trabalhadores sociais do território. O encontro foi dividido em dois momentos: análise coletiva da problemática dos homicídios na cidade na Barra do Ceará e produção coletiva de estratégias locais de enfrentamento. Participaram, além de profissionais da saúde (ESF e CAPS), profissionais da assistência (CRAS); profissionais que executam medidas socioeducativas de meio fechado (Sistema de Atendimento Socioeducativo); profissionais das políticas de juventude (Rede CUCA); integrantes do sistema de garantia de direitos (Conselho Tutelar) e estudantes dos cursos de Psicologia e Enfermagem.

A partir desses dispositivos, problematizamos os desafios apresentados pelos profissionais e os efeitos da pesquisa-intervenção nessas experiências, não somente por sua dimensão investigativa, mas também por sua perspectiva de potencialização/composição no enfrentamento da violência letal, pois, como nos lembram Passos e Barros (2009), ao apontarem a inseparabilidade entre conhecer e fazer e entre pesquisar e intervir. Nesse sentido, para experimentar a dimensão interventiva da pesquisa-intervenção, foi imprescindível mergulhar no plano da experiência que agencia sujeito, objeto, teoria e prática em um só plano de coemergência.

Ao falar de enfrentamento, também fomos perpassados pela noção de resistência, que não diz somente de formas de sobrevivência ou uma ação reativa, mas diz de uma vontade ativa de de compor linhas de fuga e de ser afetado pela intensidade dos encontros que produzem outros possíveis (Oneto, 2006).

Ao superar o desafio de trazer a violência para o cotidiano do trabalho, os profissionais podem experimentar um processo de politização do debate resistindo a um prisma moralizante que coloca a culpa no jovem ou na sua família, individualizando o problema. Faz-se necessário pensar a dinâmica da violência de forma complexa, como afirma o participante 2:

[...] uma das práticas que a gente utiliza justamente abordando durante a consulta e muitas vezes de forma positiva, além de trazer a violência em si que acontece hoje contra o jovem, mas explicar as causas pra ele, quem é realmente violento, então entender a estrutura social, da sociedade capitalista pra poder compreender que isso é curso do modelo de desenvolvimento marcado pelo capitalismo, que provoca desigualdade, que provoca diversos problemas sociais estruturantes e além disso a gente faz atividade no território também onde a gente tenta junto com eles nas nossas atividades, seja na escola, tenta ajudar com o próprio Cuca fortalecendo a luta do jovem pela sociedade mais justa né, mais digno pra própria juventude [...]

O exercício dessa politização pode ser experimentado no âmbito da participação popular na construção das políticas públicas, que está garantido na Constituição de 1988 e regulamentado em leis específicas, como a Lei Orgânica da Saúde (LOS); o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e o Estatuto das Cidades.

Esses espaços poderiam funcionar como ferramentas potentes para a coletivização da problemática dos homicídios como um desafio de agenda para todas as políticas públicas, como sugere o participante 5: [...] acho que a gente poderia influenciar bastante, por exemplo, estimular as participações nos Conselhos, estimular a participação nos equipamentos políticos, sociais, civis na comunidade, estimular outros espaços que já existem na comunidade [...]. Ainda, como resposta ao enfrentamento por parte dos profissionais da rede socioassistencial, destaca-se o envolvimento da comunidade na pauta dos homicídios, conforme observa a participante 3:

[...] acho que as práticas poderiam ser principalmente envolvendo a comunidade, acho que a participação popular tem que tá no meio disso tudo aí, a gente tem que mobilizar a comunidade a fazer o debate dos principais problemas que ela tá emergida, seja violência contra a juventude, no caso é o tema né, relacionado a drogas, então todos os temas, a comunidade tem que se apropriar, aí com um conceito, com uma visão holística desse processo. Então acho assim, deve haver um trabalho político, ideológico a partir da própria comunidade [...] (Participante 3).

Experimentar um pouco dessa participação popular/coletivização, nos territórios de atuação das diversas políticas públicas, aparece como uma importante pista para o enfrentamento da violência. Isso porque, dentro desse fenômeno, multifacetado e complexo, a comunidade pode ser estratégica na produção de análises e enfrentamentos coletivos. Tentamos, ao longo do processo de pesquisa-intervenção, experimentar um pouco do fortalecimento dessa participação social em nossas atividades grupais.

Nesses espaços, algo presente foi a necessidade de efetivação da dimensão intersetorial, podendo ser potencializador para o trabalho em rede, como demarca um dos participantes:

[...] Esse diálogo tem que ser feito de modo que você saia da caixa, saia do conceito bruto e que você possa realmente inovar, criar oportunidade, criar espaços pra que os jovens se identifiquem, se sintam aceitos, confortáveis. E aí a gente consegue trabalhar a questão do acesso, a questão da porta aberta, e permitir que esse jovem, através da criação de vínculo, também possa contribuir com seus pares, transformar aquilo que ele vivencia, e possa levar isso pros amigos, pras outras pessoas do seu convívio[...] (participante 1).

“Saindo da caixa”, expressão utilizada por um dos participantes, torna-se um desafio presente para as equipes. Apresenta-se, com isso, a necessidade de fortalecimento dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), uma vez que tal iniciativa pode contribuir para o suporte, qualificação e comunicação das equipes em diversos espaços de atuação.

A discussão coletiva sobre homicídios, desde o início, produziu em nós o desafio de pensar dispositivos estratégicos para a constituição de um plano comum, especialmente pela diversidade de participantes. Acompanhar a processualidade das atividades foi de grande importância, visto a necessidade de experimentar outras formas de falar sobre uma problemática complexa envolvendo, de alguma forma, pessoas que estão ligadas diretamente a ela – como familiares, amigos, vizinhos e profissionais.

Na sala de espera, iniciamos o espaçoapresentando nossa proposta que, por meio do fanzine, seria realizar uma discussão coletiva sobre juventude, violência e saúde a partir de dados referentes à cidade de Fortaleza. Na ocasião, usamos, também, um slide com fotos do fanzine para facilitar o acompanhamento, dividindo as informações em blocos para que tivéssemos tempo para falar sobre todos os pontos do fanzine e abrir para discussão. Apresentamos, depois, alguns dados da situação dos homicídios de jovens no estado do Ceará e na cidade de Fortaleza. Destarte, nesse espaço, produziu-se uma discussão tomando como analisador as políticas públicas dos territórios, especialmente as implicações da ESF como possível articuladora das redes. Os familiares, jovens e profissionais colocaram alguns pontos: 1) a rede de proteção da infância e adolescência é quase inexistente naquele território e, também, na cidade como um todo; 2) faz-se necessário fortalecer e construir outros equipamentos de juventudes; 3) re-inventar práticas que consigam alcançar as juventudes que não chegam até as políticas públicas existentes; 4) proporcionar, dentro das políticas públicas, espaços de acompanhamento psicossocial dos familiares que perderam seus parentes e 5) fortalecer a ESF, como aquela que pode produzir articulações intersetoriais, para que consiga promover saúde dentro de uma perspectiva de atenção psicossocial.

Em outro bloco, discutimos sobre o perfil das vítimas de homicídios. Nele, para ampliar a participação dos demais participantes, lançamos duas perguntas: 1) vocês observam isso no cotidiano de vocês? e 2) por que têm crescido os números de homicídios de jovens na cidade? Tentamos criar um espaço potente para intensificar nossa crítica aos principais meios de comunicação, ilustrando dados de um mapeamento sobre violações de direitos do Intervozes7, tomando como analisador tais programas como um gênero atravessado pela espetacularização, estigmatização e análises simplificadoras. Ao colocar a questão: “Como vocês acham que os bairros de vocês são retratados ?”, muitos participantes pautaram a indignação de como a mídia colocam determinados locais como perigosos. Os bairros pobres, segundo a fala de uma jovem, são colocados como lugares que o Estado deve ocupar e controlar. O debate sobre criminalização da pobreza, mais uma vez, ganhou fôlego. A mesma jovem afirmou que é necessário rever a concepção de bairros pobres para que se produzam políticas públicas condizentes com a real necessidade da população. Finalizamos o espaço com um debate sobre as estratégias de resistência à comunicação hegemônica, especialmente com a participação das juventudes. Falamos um pouco dos espaços do CUCA na oferta de dispositivos de comunicação sobre as juventudes inseridas nas comunidades.

O paradigma ético-estético-político sobre o processo grupal, abordado por Regina Benevides de Barros (1997), permite-nos entender a potência da atividade de sala de espera como dispositivo de problematização, desindividualização e experimentação nos territórios da Barra do Ceará. Dispositivo de problematização, porque teve a proposta de desnaturalizar o cotidiano da Barra do Ceará, marcado pela violência e pelos signos da periculosidade e da pobreza, estranhando e colocando em análise a naturalização das mortes de adolescentes/jovens. Foi dispositivo de desindividualização por tensionar práticas instituídas, identificando e dando passagem/visibilidade a resistências que produzem os agenciamentos coletivos. Desindividualizar implicou, portanto, em devolver ao coletivo o que é do coletivo: a problemática dos homicídios e os desafios de fazer frente a ela. Por fim, foi dispositivo de experimentação por convocar diversas pessoas (jovens, familiares, trabalhadores sociais e etc) a problematizar as atuais políticas públicas. Intervir, por meio desses espaços, foi construir dispositivos de análise coletiva e desnaturalização da violência letal e de alguns estigmas que recaem sobre o território e os jovens que são assassinados, como sujeitos matáveis.

Assim como as oficinas da sala de espera do ambulatório do adolescente, os grupos de discussão foram dispositivos importantes na pesquisa-intervenção. Neles, também foi possível produzir problematização, desindividualização e experimentação. No que se refere ao primeiro encontro, ao introduzir a discussão dos homicídios com os trabalhadores sociais, pensamos em algumas perguntas norteadoras com o objetivo de construir uma análise coletiva sobre a elevação do número de mortes de jovens na capital cearense a partir do ano de 2012. Tal proposta metodológica se desdobrou em cinco blocos. Logo no primeiro bloco, perguntamos os motivos da elevação das mortes do segmento juvenil, no ano de 2006, frente aos demais segmentos. Algumas pistas cartografadas nas falas dos participantes, apontaram que tal crescimento pode ser pensado a partir da transição da gestão municipal, que, antes da atual, priorizava um orçamento para o campo dos direitos da criança/adolescente; para outros participantes, tanto na gestão municipal como na gestão estadual, ocorreu um investimento maior em políticas de caráter militarizado e, ao mesmo tempo, houve um desinvestimento na educação. Chamou-nos atenção, ainda, falas que sinalizam o desafio das políticas sociais no alcance das juventudes que são exterminadas que, na maioria das vezes, não acessam direitos básicos, não conhecem os dispositivos da rede de proteção e não acessam a escola, discussão levantada em subtópicos anteriores.

O segundo bloco, deu-se a partir do questionamento: como explicar o maior número de adolescentes/jovens do sexo masculino envolvidos em homicídios? Para boa parte dos participantes, a atuação de jovens homens no contexto da violência acontece devido a uma cultura machista - elegendo o “homem” como detentor de força, virilidade, dominação e protagonismo. Também, com base nas vivências de alguns trabalhadores, boa parte das mulheres jovens atua “no crime” de forma secundária - exercendo funções de manuseio e transporte de substâncias. Porém, apesar das mulheres não entrarem nos indicadores de homicídios, destaca-se a leitura de boa partes dos profissionais em entender que cotidianamente a presença das mulheres nas dinâmicas de violência tem se acentuado. O terceiro bloco foi norteado pela problematização acerca do suporte institucional dado aos jovens ameaçados de homicídios e suas famílias (antes e depois dos homicídios de adolescentes/jovens). O desmonte das políticas sociais com ênfase na educação, saúde e assistência social foi colocado como acontecimento problemático para os arranjos institucionais atuais para/na prevenção de mortes de jovens e no cuidado de familiares. Ao mesmo tempo desse diagnóstico, os profissionais apontaram a importância do CREAS e do CUCA na prevenção das mortes, especialmente por seu trabalho psicossocial e territorial. No que se refere aos suportes que são dados aos adolescentes/jovens, destaca-se a relevância de fortalecimento do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAM), uma vez que sua cobertura é muito restrita para a demanda atual.

O quarto bloco trouxe para análise dados sobre o abandono escolar e o não acesso a projetos sociais. Discutimos coletivamente as principais causas. As falas apontaram que a escola não desperta um atrativo nas juventudes de hoje, principalmente por seu caráter verticalizado/impositivo. Nesse sentido, a escola não consegue dialogar com as reais necessidades da comunidade. O abandono escolar é parte, também, de um processo de educação normatizadora e homogeneizante. Falta-nos, segundo a fala de uma das participantes, uma educação que reconheça/potencialize as singularidades. Finaliza dizendo: “não é porque é jovem pobre que não tem subjetividade”. O bloco termina com uma discussão de não alternativas para jovens que fogem das “normas”. O inimigo é produzido, nesse sentido, onde ele não deveria ser produzido. A escola, como reflexo da sociedade, precisa ser transformada para que se produza acesso de quem não chega até ela.

O último bloco iniciou as sugestões coletivas de enfrentamento, baseando-se nas experiências dos trabalhadores nos seus territórios de atuação. Quando perguntados sobre possíveis práticas para promoção do acesso às políticas sociais, os trabalhadores apontaram que o trabalho de base territorial é um começo promissor na identificação de necessidades e produção de respostas com as juventudes. Outra contribuição seria pensar pactuações intersetoriais, fortalecendo, ao mesmo tempo, a perspectiva comunitária e o fortalecimento de vínculos com adolescentes/jovens.

O segundo encontro, marcado por discussões sobre experiências de prevenção e enfrentamento dos homicídios juvenis no território, trouxe pistas significativas que corroboram com outras experimentações apresentadas nas entrevistas e nas oficinas. O primeiro bloco foi conduzido pela seguinte questão norteadora: que ações podem ser pensadas/criadas ou fortalecidas para enfrentar o problema de homicídios de jovens em Fortaleza? Os participantes apontaram: a) ações promovidas pelo CUCA em territórios da comunidade, visto seu trabalho territorial com as juventudes; b) escuta das demandas propostas pelos próprios jovens e construção de projetos coletivos, reconhecendo e dialogando com os coletivos de juventudes existentes nos territórios; c) integração dos diversos serviços ofertados pelas redes (educação, saúde, assistência, trabalho, entre outros) em um portal unificado (online), favorecendo o acesso dos profissionais a esses serviços; d) divulgação de ações em tempo real, por meio desse portal unificado, potencializando a comunicação; e) construção de espaços de integração das distintas redes a fim de qualificar uma agenda coletiva; f) elaborar um programa nos moldes do Plano Operativo Local (POL) que seja voltado para o enfrentamento dos homicídios de jovens na cidade de Fortaleza; g) construção e fortalecimento de CUCA´s; h) ocupar os espaços de controle social para que os recursos direcionados a políticas públicas para a juventude sejam garantidos por lei; i) dialogar sobre novas propostas de reformulação do ensino médio pensando em torná-lo atrativo; j) fortalecer atividades esportivas, culturais e econômicas da periferia pensadas e criadas pelos jovens do território.

No segundo bloco, ao perguntar como as estratégias de prevenção e enfrentamento podem ser experimentadas, os profissionais apontaram: a) através de diálogo e constituição de vínculo com os jovens; b) construção de agendas que pautem a questão da violência nos diversos serviços, dando ênfase naqueles que não trabalham com juventude diretamente; c) localizar os equipamentos dentro da comunidade e os profissionais que devem se inserir no território para estabelecer vínculos e convidar os jovens a construírem as atividades; d) desenvolvimento de ações em consonância com as necessidades dos territórios; e) ações governamentais de caráter preventivo da violação de direitos direcionadas para o público infantil; f) revitalização de espaços públicos das comunidades; g) fortalecimento/estímulo da economia local, a fim de valorizar o microempreendedorismo dos jovens que habitam territórios; h) divulgação de projetos desenvolvidos pelo CUCA dentro da comunidade e i) implementação de programa de bolsas remuneradas a fim de garantir a permanência dos jovens dentro das políticas de juventudes, contemplando atividades no âmbito do trabalho, do esporte e da cultura.

No último bloco debateu-se como instituições/políticas/serviços podem contribuir para esse enfrentamento. Dentre os principais apontamentos se destaca que a ESF poderia facilitar o acesso às outras políticas, considerando sua atuação nos territórios (a ESF consegue acessar determinados territórios que as políticas em geral não conseguem); a abordagem de atenção psicossocial proposta pelo CUCA poderia servir como referência para outras políticas; considerar as potencialidades dos jovens e não promover práticas de assistencialismo; apropriar-se do contexto dos jovens e entender as dificuldades pelas quais eles passam a partir da realidade deles; promover espaços formativos a fim de qualificar o trabalho dos técnicos que trabalham nos territórios com distintas demandas; maior integração das redes e aproximação das instituições (CRAS, CREAS, escolas, CAPS, segurança pública, etc) da população para que entendam e atendam suas necessidades.

Essas experimentações, apresentadas ao longo deste capítulo, apresentam-se como invenções de possíveis para enfrentar a problemática dos homicídios. Elas nos permitem organizar algumas pistas para o trabalho cotidiano das políticas públicas como, por exemplo, 1) olhar o jovem numa perspectiva integral; 2) colaborar no suporte à assistência às famílias de jovens mortos; 3) contribuir com a desnaturalização dos homicídios e de suas condições de produção a partir de ações coletivas com a comunidade; 4) construir linhas de cuidado, a partir do Projeto Terapêutico Saúde (PTS), acolhimento e matriciamento, que contemple a violência como processo de adoecimento; 5) atuar, a partir de suas práticas de promoção de saúde e prevenção de doenças, na desnaturalização da violência, entendendo-a como uma das crônicas questões envolvidas nas determinações sociais dos processos de saúde-doença; 6) fortalecer práticas intersetoriais e coletivas em seus territórios de responsabilização sanitária e 7) intensificar o diálogo com jovens e seus familiares a partir de rodas de discussão.

 

4. Considerações finais

Ao problematizar as implicações da intensificação da violência letal e os desafios/possibilidades de enfrentamento experimentados no cotidiano dos trabalhadores sociais, notamos que a violência produz barreiras no acesso de profissionais aos territórios e o acesso de juventudes vulnerabilizadas aos serviços existentes. Tal fenômeno acontece a partir de algumas pistas, como os processos de invisibilização perversa de juventudes marginalizadas nos territórios de abrangência das políticas públicas, que operam psicossocialmente relegando a essas uma condição de cidadania escassa. Atrelados a isso, chamamos atenção para um projeto preocupante de desmonte das políticas sociais, incidindo, consequentemente, na intensificação da violência. Nessa esfera, constatamos que há um cenário de disputas em torno da promoção de direitos básicos.

Para enfrentar a complexa problemática da violência letal e suas implicações psicossociais no cotidiano dos trabalhadores, surge, em no processo de cartografia, o desafio de tomar a violência como objeto de ação-reflexão-ação. Esse entrave, experimentado pela maioria dos profissionais, dá-se pelo medo; problemas na formação; modelos de gestão, que incidem sobre os processos de trabalho das equipes, limitando possibilidades de enfrentamento no âmbito dos direitos humanos. Importante destacar que a violência produz consequências negativas para a saúde mental desses profissionais, metaforicamente falando, um processo de sufocamentos em contextos bélicos, nos quais a maioria atua e adoece sem nenhum respaldo institucional capaz de acolher e cuidar. Visibilizar, então, esses processos, que atravessam o cotidiano do cuidado, é assumir a necessidade urgente da construção de uma agenda que coloque a violência como pauta permanente no trabalho psicossocial.

Por fim, ao experimentar outros horizontes possíveis junto a profissionais da rede socioassistencial, tomando os dispositivos grupais como estratégia de coletivização dentro de um paradigma ético-estético-político, cartografamos algumas possibilidades: construção de agendas que pautem a questão da violência nos diversos serviços, dando ênfase naqueles que não trabalham com juventude diretamente; desenvolvimento de ações em consonância com as necessidades dos territórios; ações governamentais de caráter preventivo da violação de direitos direcionadas para o público infanto-juvenil; revitalização de espaços públicos das comunidades; fortalecimento/estímulo da economia local, a fim de valorizar o microempreendedorismo dos jovens que habitam territórios; e implementação de programa de bolsas remuneradas a fim de garantir a permanência dos jovens dentro das políticas de juventudes, contemplando atividades no âmbito do trabalho, do esporte e da cultura.

 

 

Referências

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Data de submissão: 31/08/2018
Data de aceite: 06/09/2018

 

 

1 Centro Urbano de Cultura, Arte, Ciência e Esporte

2 Centro de Atenção Psicossocial

3 Centro de Referência de Assistência Social

4 Centro de Referência Especializado de Assistência Social

5 http://www.cedecaceara.org.br/wp-content/uploads/2013/12/relatorio_CEDECA_2013-2016.pdf

6 Ferramenta pedagógica produzida coletivamente sobre as mais diversas temáticas

7 Coletivo Brasil de Comunicação Social

 

 

I Luís Fernando de Souza Benicio é psicólogo pela UNIFANOR e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Atualmente é professor da Escola de Saúde Pública do Ceará. E-mail: luisf.benicio@gmail.com

II João Paulo Pereira Barros é Professor Adjunto do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail: joaopaulobarros07@gmail.com

III Dagualberto Barboza da Silva é  graduando em Psicologia na Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail: dalgobarboza92@gmail.com

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