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Revista Polis e Psique

versión On-line ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.9 no.1 Porto Alegre ene./abr. 2019

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

Grupo de escuta com familiares em centro de atenção psicossocial: um relato de experência

 

Listening group with families in a psychosocial attention center: a report of expertise

 

Grupo de escucha con familiares en centro de atención psicosocial: un relato de experencia

 

 

Antonia Vieira Santos

Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Ipiaú, BA, Brasil

 

 


RESUMO

As transformações na atenção à Saúde Mental no Brasil têm exigido uma nova postura dos familiares de usuários dos serviços substitutivos. Estes familiares são chamados a participarem efetivamente das estratégias de cuidados e inclusão social. No entanto, ainda é ínfima os espaços de diálogos nesses serviços entre familiares e profissionais. Desse modo, esse trabalho tem o objetivo de construir um relato de experiência sobre um grupo de escuta com familiares de usuários em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Os familiares desse grupo de escuta, deu sentido e trajetória aos encontros relatando suas singularidades na convivência com o transtorno mental, apoiados na escuta, no olhar e no entrelaçamento transferencial que sustentava a ética dos ditos. A escuta aponta para a necessidade de oferta de espaços similares ao desse grupo nos serviços de saúde mental, espaços onde familiares possam sentir-se acolhidos. Concluímos, afirmando que ainda se constitui um desafio para os CAPS construir e manter espaços de interação com os familiares, no intuito de fazer escuta às suas angústias e ser facilitador nas relações cotidianas com a loucura.

Palavras chaves: Centro de Atenção Psicossocial; Família; Grupo de escuta; Saúde Mental


ABSTRACT

The transformations in Mental Health care in Brazil have required a new attitude of the relatives of users of the substitutive services. These family members are called to participate effectively in the strategies of care and social inclusion. However, the spaces of dialogues in these services between family and professionals are still very small. Thus, this work aims to build an experience report about a listening group with family members of users in a Psychosocial Care Center (CAPS). The relatives of this listening group gave meaning and trajectory to the encounters, reporting their singularities in the coexistence with the mental disorder, supported in the listening, the look and the transferential interweaving that supported the ethics of the sayings. Listening points to the need to offer similar spaces to this group in mental health services, spaces where family members can feel welcomed. We conclude by stating that it is still a challenge for the CAPS to build and maintain spaces for interaction with family members, in order to listen to their anguish and be a facilitator in everyday relationships with madness.

Keywords: Center for Psychosocial Care; Family; Listening group; Mental healt.


RESUMEN

Las transformaciones en la atención a la Salud Mental en Brasil han exigido una nueva postura de los familiares de usuarios de los servicios sustitutivos. Estos familiares están llamados a participar efectivamente en las estrategias de atención e inclusión social. Sin embargo, aún es ínfima los espacios de diálogos en esos servicios entre familiares y profesionales. De este modo, este trabajo tiene el objetivo de construir un relato de experiencia sobre un grupo de escucha con familiares de usuarios en un Centro de Atención Psicosocial (CAPS). Los familiares de ese grupo de escucha, dio sentido y trayectoria a los encuentros relatando sus singularidades en la convivencia con el trastorno mental, apoyados en la escucha, en la mirada y en el entrelazamiento transferencial que sostenía la ética de los dichos. La escucha apunta a la necesidad de ofrecer espacios similares al de ese grupo en los servicios de salud mental, espacios donde familiares puedan sentirse acogidos. Concluimos, afirmando que aún se constituye un desafío para los CAPS construir y mantener espacios de interacción con los familiares, con el fin de hacer escucha a sus angustias y ser facilitador en las relaciones cotidianas con la locura.

Palabras claves: Centro de Atención Psicosocial; la familia; Grupo de escucha; Salud mental


 

 

Introdução

Toledo (2006); Pegoraro e Caldana (2008) são enfáticos ao correlacionar os avanços nos serviços de saúde mental a investimentos e manutenção no diálogo entre profissionais e familiares, possibilitando a construção de vínculo e a corresponsabilização de ambos em prol do sujeito em sofrimento psíquico. Tendo em vista que o contato entre equipe técnica nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e familiares de usuários potencializa a qualidade da atenção no serviço, assim como reduz o estresse na família frente às crises de seus afeitos.

Colocar a família no centro das discussões sobre a saúde mental é um facilitador também para a inserção social de sujeitos que o estigma da loucura o fez excluído. De acordo com Fonseca (2005, p.51), problematizar o familiar como foco de intervenção no cuidado à saúde mental "exige aprofundar a discussão sobre o que é uma família", ou seja, "lançar um olhar reflexivo" sobre qual conceito de família estamos considerando, pois, a depender da categoria social, família diferencia-se muito, inclusive em relação a quem são os membros que a compõem.

A definição de relação familiar, ou do que seja uma família é relevante para pensar - na perspectiva de desinstitucionalização - a oferta de assistência à família que cuida de uma pessoa em sofrimento psíquico. Desse modo, a definição que se recorre na construção desse trabalho é a de família na perspectiva de Fonseca (2005, p.54).

(...) definimos o laço familiar como uma relação marcada pela identificação estreita e duradoura entre determinadas pessoas que reconhecem entre elas certos direitos e obrigações mútuas. Essa identificação pode ter origem em fatos alheios à vontade da pessoa (laços biológicos, territoriais), em alianças conscientes e desejadas (casamentos, compadrio, adoção) ou em atividades realizadas em comum (...).

Cada família deve ser pensada em sua singularidade, pois são as condições concretas de vida dessas famílias que vão diferenciar as demandas apresentadas ao serviço de saúde e os dispositivos que irá responder a tais demandas. Ao considerar as singularidades apresentadas pelos familiares no serviço de saúde mental o que se procura é "descolonizar o olhar do técnico, propiciando uma interação dialógica" entre familiares e profissionais no intuito deste conseguir realizar um trabalho de escuta e corresponsabilização com outros cuidadores (FONSECA, 2005, p. 54).

No Movimento Antimanicomial, incluir as famílias nas ações desenvolvidas pelos CAPS é necessário pois, promove a percepção da importância do apoio efetivo e afetivo do familiar para o cuidado em liberdade, e, como facilitador no processo de construção de autonomia para o 'livre' circular pela cidade, no misto de companhia, orientação e participação no cuidado e na inserção social. Por sua vez, os profissionais dos serviços de saúde mental devem estar preparados para receber, cuidar e orientar esses familiares, que por vezes sofrem por não saberem como se relacionar com esse parente em sofrimento psíquico que apresenta comportamentos díspares, geradores de angústia para o grupo familiar.

As autoras Navarine e Hirdes (2008, p. 687) afirmam que os profissionais de CAPS: "(...) precisam envolver a família na assistência, compartilhar com ela os objetivos e metas, estabelecendo um diálogo efetivo que possa oferecer dados imprescindíveis ao delineamento de sua assistência". Essas são ações dos profissionais facilitadoras de aproximação com os familiares e de construção de um modo possível de lida com as singularidades em jogo na saúde mental.

A escrita desse relato de experiência tem o objetivo de discutir os significantes que se apresentaram no decorrer dos encontros de um grupo de escuta realizado em um CAPS com familiares de usuários desse serviço. Trazendo a importância de ações com familiares como fortalecedores do movimento pela desinstitucionalização do louco e da loucura na sociedade.

O grupo foi construído no intuito de escutar os familiares, seus amores, dores e saberes sobre a loucura. O grupo aconteceu durante a atuação da autora desse relato como psicóloga no Campo da Saúde Mental em um CAPS constituído na modalidade II localizado no interior da Bahia.

Esse grupo aconteceu quinzenalmente entre os anos 2013 e 2016, sem controle de frequência, o que movia a participação no grupo era o desejo. Não havia um número definido de participante, era variável o número de familiares em cada encontro, mas a cada encontro haviam uma média de 15 familiares presentes. Entre os familiares encontravam-se mães, pais, irmãos, irmãs, filhos, filhas, maridos, esposas, primos, amigos, vizinhos e etc.. Predominando mães e filhas. O que ratifica trabalhos como o das autoras Pegoraro e Caldana (2008) quando diz que "normalmente, são as mulheres do núcleo familiar, mães, irmãs e avós, que cuidam ou se responsabilizam por usuários de serviços psiquiátricos extra-hospitalares".

Uma das características do grupo era ser aberto, contar com um número significativo de familiares em diferentes graus de parentesco e de relações afetivas, outra característica do grupo era usar a escuta como instrumento necessário para advir o sujeito, sua trajetória com o sofrimento psíquico de seu familiar, medos, angústias, encantos e desencantos. A fala livre possibilitava que os familiares dessem o direcionamento das discussões no grupo a cada encontro.

A escuta foi realizada pelo pressuposto teórico da psicanálise, momento em que a função do coordenador do grupo era a de escutar e reconhecer os significantes, respeitando a alteridade de cada sujeito que naquele momento compunha o grupo.

A escolha da psicanálise se deu por entender que esse é um método que prioriza a escuta e ser olhado e ouvido implica um movimento de ir ao encontro do outro, acolher esse outro, dar contorno as suas conversações, significação e sentido a sua fala. Ser ouvido na angústia, num vazio, no desamparo, possibilitou ao grupo de família construir um lugar de encontro no CAPS, um lugar de fala e, portanto, de significações de fatos e atos que compõem suas vivências com a loucura.

Na construção e sustentação desse lugar, do grupo, a escuta se constituiu indispensável para o encontro com o outro em sua alteridade "um chega com as palavras que demandam um desejo de ser compreendido em sua dor, o outro escuta as palavras por ver nestas as vias de acesso ao desconhecido (...)" (MACEDO e FALCÃO, 2005, p. 65). E assim o grupo construía uma trajetória dentro do CAPS.

Nesse relato de experiência vou apresentar alguns dos significantes presentes nas falas dos familiares durante a realização do grupo. Os significantes aparecem na escuta como geradores de angústias, incertezas, desamparo, mas também esperança. Dentre os significantes geradores dessas tensões estão: crise, isolamento social, sobrecarga e acolhimento.

A experiência com o grupo, para além de mostrar as dificuldades enfrentadas pelos familiares nas relações sociais no território - dentro de casa, nos serviços de saúde - e toda a complexidade e dificuldade de organização de sentimentos emergidos nessa relação com o desconhecido e ambíguo, mostrou também, um familiar desejoso de saber, de compartilhar conhecimento, de contato, de fazer do estado de liminariedade que se encontra, um lugar de aprendizagem.

 

A escuta com grupo de famílias

A prática que resultou na escrita desse relato se deu com um grupo de escuta realizado em um CAPS com os familiares de usuários desse serviço. Considerou como essencial para seu manejo o desejo da facilitadora para garantir as condições necessárias para o acolhimento da fala dos participantes e a sustentação da transferência. O grupo possibilitou abrir e manter vias de diálogos entre familiar, profissionais do serviço e usuários ao compartilhar vivências e modos de significar a loucura.

A escuta do psicólogo/psicanalista em grupo, às vezes "pode ser, apenas, circundar de silêncio o dito para que ele ressoe" construindo um lugar para o emergir das singularidades, espaço de subjetividades, onde o que se escuta "traz necessariamente um apelo de escuta-me", sustentando pela transferência em jogo (FIGUEREDO, 1994, p. 130).

O grupo de família se caracteriza como um dispositivo na saúde mental, assim como, um dispositivo transferencial na instituição CAPS. Ao considerar as singularidades apresentadas por cada familiar, o serviço de saúde mental pode construir formas diferentes de articular ações direcionadas às famílias considerando para isso as subjetividades em jogo. O grupo de escuta possibilita aos familiares a escuta do outro e a escuta de si mesmo (FURLAN e RIBEIRO 2011).

Segundo Melman (2002), as percepções a respeito da saúde ou da doença, compartilhadas por familiares, usuários de CAPS e profissionais, sofrem influência de seu contexto cultural, religioso e econômico indicando a necessidade de que a particularidades da vida das famílias sejam, também, consideradas no tratamento.

Para que essas peculiaridades relatadas por Melman (2002) sejam consideradas é necessário que antes sejam escutadas, conhecidas e problematizadas dentro do serviço. A experiência no grupo aqui relatada procurou considerar cada família em seu contexto e alteridade para oferecer uma escuta pautada na ética do desejo.

O grupo não tinha temas pré- definido, o que possibilitava aos familiares falas livres, sem uma sequência definida e sem ordem de fala. As falas que emergiam era o que afligia o familiar naquele momento, ou (f)atos de sua vivência com a loucura e como isso perpassava por suas relações. Percebeu-se no decorrer do grupo a presença de significantes colocados em diversos momentos no grupo e por participantes diferentes, percebeu-se ainda que a medida que esses significantes surgiam nas falas uma cadeia de significantes eram tecidas pelo grupo produzindo redes de leituras.

Crise

O significante crise aparece nas falas dos familiares expressando um dos momentos mais difíceis de manejar dentro do grupo familiar e no CAPS. Na escuta aparece a experiência com os períodos de crise, como sendo o mais estressores, angustiante e por vezes desespera(dor) vivenciados pelos familiares cuidadores. O sofrimento, o não saber fazer na crise, a ausência de espaço e de suporte para acolhimento e orientação nesses momentos, potencializa o desespero dos familiares e o risco de internações desnecessárias. Crise está para grupo como os períodos de maior expressão de alteridade dos sujeitos em sofrimento psíquico, esse significante perpassa por todos os encontros.

Os relatos apresentados pelas famílias colocam o CAPS, mais especificamente o profissional de referência do usuário como a pessoa mais próxima para informação e orientação. No entanto, ainda é presente a figura do psiquiatra, ou seja, da medicação como uma das intervenções mais procuradas, é nesses momentos também em que a internação aparece como oferta de apaziguamento pela sociedade, setor que não aceita a lida com a loucura em sua maior expressão de alteridade.

Embora abatidos e sobrecarregados as famílias sustentam o cuidar em liberdade e na comunidade com o apoio dos dispositivos substitutivos durante as crises, é presente nas falas dos participantes do grupo de escuta a negação do hospital psiquiátrico como lugar de tratamento.

O grupo ao relatar em diversos momentos a vivência com a crise percorre o caminho apontado por Ribeiro e colaboradores (2009) e Cavalheri (2010) de que a crise traz insegurança e perplexidade, provocam na vida do sujeito e de seu familiar uma nova configuração, que pode ocasionar uma disjunção em que emergem dor, sofrimento, vergonha, culpa, raiva, pena etc., sentimentos que, envoltos no imaginário social sobre a loucura, podem ser possibilitadores de anulação social dessa família e de isolamento.

Isolamento social

O isolamento enquanto significante está sempre atravessando os relatos. As famílias o colocam em diversos contextos, percebem-se isolados dos demais familiares e colegas por terem dentro de seu núcleo alguém em sofrimento psíquico. Os relatos dizem de um duplo isolamento, isolam o sujeito e isolam seu familiar, e, o fator que produz o isolamento é a loucura. Os familiares colocam o medo como principal fator que produz o isolamento. O medo que o outro sente estar ligado ao imaginário da loucura construído sobre o estigma da periculosidade, alguém não confiável, essa é a percepção dos familiares.

O isolamento social afeta os familiares e os sujeitos em sofrimento psíquico, produzindo mal-estar, solidão, tristeza, pouco investimento na construção de vínculos e fragilização nas relações e no suporte social.

Familiares que tiveram alguém de seu grupo em hospital psiquiátrico relatam que a internação é um produtor potencializado de rejeição social, nas descrições das experiências ficam presentes os prejuízos que tal ato traz ao sujeito em sofrimento psíquico e a seus familiares.

O isolamento social também acarreta de acordo com o grupo sobrecarga, pois ficam sozinhos no suporte ao sujeito em sofrimento psíquico, não tendo a quem recorrer para auxilio. Nesse sentido o CAPS aparece como apoiador e facilitador de inserção social e de suporte na sobrecarga, lugar em que encontram pessoas (a equipe) para auxílio.

Melman (2002), usa o termo Rede Social de Sustentação para assim, discutir a soma das relações necessárias que um indivíduo precisa para sair do isolamento social. Para esse autor a rede social coloca o indivíduo em sofrimento psíquico e sua família em lugar social tecido por redes de atenção e cuidado. Esta ação pode ser favorecida quando os serviços de saúde mental ampliam seu território de intervenção e potencializa a inserção social, compondo uma rede social mais rica e atender as demandas das famílias e dos sujeitos em sofrimento psíquico.

Sobrecarga

Os familiares trazem também em suas falas, sobrecarga como significante promotor de mal-estar. São fatores de sobrecarga para os familiares (1) residir com o sujeito com o transtorno mental, (2) perdas financeiras devido ao abandono de emprego para cuidar do familiar (em sua maioria mães), (3) falta de apoio do (a) parceiro (a), (4) percepção familiar negativa sobre o transtorno mental (vergonha, devido a preconceitos presentes no imaginário social sobre a loucura), (5) falta de suporte social e (6) baixo nível de informação dos familiares.

De acordo com Pegoraro e Caldana (2006); Borba e colaboradores (2008) a sobrecarga se apresenta no familiar nas dimensões objetiva e subjetiva. A dimensão objetiva está relacionada as demandas reais que a convivência cotidiana coloca, e a dimensão subjetiva refere-se aos sentimentos e emoções e é menos perceptível socialmente.

Soma-se ainda a esses fatores geradores de sobrecarga no cuidado de um parente com sofrimento psíquico, o contato descontínuo com os profissionais de saúde mental, seja pelas trocas constantes das equipes de saúde mental, seja pelo pouco valor que as equipes dão a interação com a família, somados as dificuldades que os familiares encontram em serem escutados e considerados no direcionamento do cuidado, ou seja, nos projetos terapêuticos singulares.

O cuidar em liberdade exige uma parceria contínua entre equipe e familiares, parceria pensada na corresponsabilização, na construção vínculo transferenciais, na confiança, escuta e acolhimento.

Acolhimento

O acolhimento se constitui em uma estratégia nos dispositivos de saúde mental produtor de encontros entre familiares e familiares e equipe. A escuta ofertada no serviço de saúde mental faz desse espaço um lugar apaziguador para familiares que sofrem na lida com a loucura (FIGUEREDO, 1994).

No grupo de escuta o acolhimento estava para os participantes, como estava o ser escutado, ser olhado em silêncio por olhos atentos de interesse e afetos enquanto as palavras jorravam sedentas de serem ouvidas, acreditadas, validadas pelos demais que ali se faziam presentes.

As falas ao serem publicizadas no coletivo do grupo permitia que os familiares (re)construíssem seus relatos de testemunhos, suas vivências mais singulares. O grupo era movido pela ética do desejo, espaço em que tudo podia ser dito e nessa mesma medida acolhido, com a garantia que nada sairia daquele espaço.

As falas traziam a importância do acolhimento, do acolher o familiar em suas dores, dúvidas, pedidos de ajuda e etc. mas, para isso era importante lê suas cicatrizes como se ler um livro que traz uma história, que só conheceremos ao abri-lo e se sustentarmos sua leitura que dificilmente irá até as últimas páginas, pois será necessário muitas e muitas voltas à páginas anteriores, páginas já lidas, até que possam ser significadas.

Para os participantes do grupo o acolhimento trazia alívio, percepção de estarem sendo vistos, ouvidos e que o suporte que precisavam poderia ser construído naquele espaço. Era presente nas falas dos familiares a importância do acolhimento se expandir para além de um grupo, ganhar o serviço, a rede e a sociedade para que eles se sentissem acolhidos também em outros espaços.

Esse grupo de escuta foi referência para os familiares, fica registado em suas falas, a importância da existência do grupo, uma presença marcada muitas vezes pela dor do relato, mas também pelo prazer do acolhimento, os familiares se acolhiam mutualmente.

 

Considerações finais

O grupo de escuta para a família pode ser um facilitador na construção de redes de experiências e de afetos cruzados, isso se faz possível com a validação de falas, o que possibilita que o familiar também valide a fala de seu membro, construindo com esse uma nova trajetória tecendo fazeres e dizeres em casa e pela cidade. Ser acolhido, escutado segundo Borba e colaboradores (2008), favorece ao familiar/cuidador se mostrar mais zeloso, atento aos cuidados, atencioso e presente no tratamento de seu ente e em condições de solicitar mais informações sobre o cuidado nos serviços de saúde mental.

Os conhecimentos que os familiares vão adquirindo mediante interação com profissionais e outros familiares no grupo são construtores de uma nova visão sobre a loucura e de modos diferenciados de lidar com esse contexto. A interação e o suporte trazem alívio aos familiares ao perceber que não existem culpados no transtorno mental, que não estão sozinhos e que sabem onde procurar e encontrar suporte quando julgarem necessário.

A experiência com esse grupo de escuta firma o relato de Spadini e Souza (2006) quando dizem que a experiência com grupo para informação e orientação a familiares, apresentam resultados positivos, sendo que em experiências com esse tipo de grupo foram constatadas melhoras no relacionamento entre familiares e pacientes, melhor adesão ao tratamento e atitudes mais positivas perante a complexidade do cotidiano.

A inserção do familiar ainda é considerada um desafio para a saúde mental, no entanto, alguns CAPS já abraçam esta causa e tem conseguido bons resultados no acolhimento de familiares como facilitador na atenção ao sujeito em sofrimento psíquico. A corresponsabilização entre familiares e CAPS tem possibilitado a construção de olhares atentos, construindo coletivamente atenção à crise no território, ocasionando assim, a redução da busca por intervenções violentas.

No decorrer dos encontros com o grupo de escuta em questão, estava a cada encontro perceptível nas falas e na escuta que esse lugar trazia amparo para as aflições dos familiares, o familiar tinha a necessidade de falar sobre a loucura, sobre a experiência de conviver diariamente com um sujeito em sofrimento psíquico e sobre o que isso significava nas suas relações familiares e sociais. No grupo foi construído espaço para esse acontecer.

A experiência com esse grupo de escuta confirma a necessidade da construção e manutenção desses dispositivos nos serviços de saúde mental, oferecendo acolhimento e escuta para familiares, sendo facilitadores de diálogo e corresponsabilização no cuidado dirigido a sujeitos com transtorno mental.

 

Referências

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Enviado em: 06/08/17
Aceito em: 23/08/18

 

 

Antonia Vieira Santos é psicóloga com especialização em Saúde Mental e Psicologia Social; mestre em Ciências Sociais. Atualmente professora na Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
E-mail: avieira@uneb.com

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