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Revista Polis e Psique

versão On-line ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.9 no.2 Porto Alegre maio/ago. 2019

 

ARTIGOS

 

"Manda Nude": jogos de saber-poder e produção de subjetividade

 

"Send Nudes": power-knowledge games and production of subjectivity

 

"Manda Nude": juegos de saber-poder y producción de subjetividad

 

 

Fernanda Nicaretta; Inês Hennigen

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil

 

 


RESUMO

Apresentamos um recorte de nossa pesquisa de mestrado que focalizou a produção de discursos e de subjetividade relacionada à prática de compartilhar nudes através de mídias digitais, e que teve como corpus materiais (textos, música, vídeos, etc.) coletados na internet. Uma leitura inspirada nas teorizações foucaultianas possibilitou-nos tecer problematizações quanto ao enunciado "Manda nude". Neste artigo, damos ênfase à forma como os pedidos de nudes são propostos, compostos e expressos, discutindo aquilo que é acionado no seu entorno. Assim, trazemos a articulação de alguns campos discursivos que operam sobre o corpo/sujeito quando está em questão fazer produzir e circular nudes: relativos à heterossexualidade masculina, à moralidade, ao humor, ao entretenimento e ao status de amador das fotografias. Ressaltamos que tal prática nada tem de neutra, sendo atravessada por saberes e forças que engendram certas posições subjetivas, coloca-se, portanto, enquanto uma temática pertinente a futuros estudos em Psicologia Social.

Palavras-chave: Corpo; nude; discurso; subjetividade.


ABSTRACT

We present an article from our master´s research which focused the production of dissertations and the subjectivity related to the practice of sharing nudes through digital media, and which had as corpus materials (texts, music, videos, etc.) collected from the internet. A reading inspired by the Foucault theorizations made it possible to make problematizations about the statement "Send Nudes". In this article, we emphasize how nude's requests are proposed, composed and expressed, discussing what is triggered in their environment. Consequently, we bring the articulation of some discursive fields that operate on the body/subject when it is in question to produce and circulate nudes: related to masculine heterosexuality, to morality, to humor, to entertainment and the amateur status of photographs. We accentuate that this practice has nothing neutral, being crossed by the knowledge and forces that engender certain subjective positions, therefore, it is placed as a pertinent thematic to future studies in Social Psychology.

Keywords: Body; nude; speech; subjectivity.


RESUMEN

Presentamos un artículo de nuestra pesquisa de maestría que enfocó la producción de discursos y de subjetividad relacionada a la práctica de compartir nudes a través de medios digitales, y que tuvo como corpus materiales (textos, música, videos, etc) recogidos en internet. Una lectura inspirada en las teorizaciones foucaultianas nos posibilitó entrelazar problematizaciones en cuanto al enunciado "Manda nude". En este artículo, ponemos énfasis en la forma en que los pedidos de nudes son propuestos, compuestos y expresados, discutiendo lo que es accionado en su entorno. Así, traemos la articulación de algunos campos discursivos que operan sobre el cuerpo/sujeto cuando está en cuestión hacer producir y circular nudes: relativos a la heterosexualidad masculina, a la moralidad, al humor, al entretenimiento, al estado de devoción de las fotografías. Resaltamos que tal práctica no tiene nada de neutro, atravesada por saberes y fuerzas que engendran ciertas posiciones subjetivas, se sitúa, por tanto, como una temática pertinente a futuros estudios en Psicología Social.

Palabras clave: Cuerpo; nude; discurso; subjetividad.


 

 

Introdução

A prática de divulgação e/ou compartilhamento de nudes em redes sociais digitais ou através de aplicativos de troca de mensagens é, neste escrito, tomada como campo problemático. Apresentaremos um recorte de uma discussão mais ampla, a qual foi construída em nossa pesquisa de mestrado, cuja temática diz respeito à produção de discursos e de subjetividade relacionada a tal prática, que, nos últimos anos, entrou na "ordem discursiva", principalmente nas mídias digitais.

O termo "nudes", mais usado no Brasil atualmente, é uma apropriação da palavra inglesa "nude", a qual refere à imagem de uma pessoa com pouca ou nenhuma roupa (Stevenson & Soanes, 2004). Muitas vezes sem distinção entre plural ou singular entre nós, trata-se de um termo empregado em sentido semelhante ao sexting, expressão composta de duas palavras em inglês: sex (sexo) e texting (mensagem) (Barros, Ribeiro & Quadrado, 2014). Para Primo, Lupinacci, Valiati e Barros (2015), trata-se do ato de enviar mensagens, imagens ou vídeos sexualmente sugestivos, podendo apresentar nudez total ou parcial.

Partindo destas definições, além de outras análogas, cabe dizer que o nude é um fenômeno (do) contemporâneo. Consideramos, entre outros aspectos, a existência de recursos tecnológicos, os quais compõem um campo de condições de emergência para a produção e compartilhamento do nude. A câmera acoplada ao smartphone, a fotografia sempre disponível a poucos cliques, e a conexão móvel à internet abrem possibilidades e parecem fomentar a prática. Associada a esse contexto, a tela sensível ao toque parece inaugurar outro modo de relação com a fotografia, nesse caso, com o nude (Santos, 2016; Pedroza & Nicolau, 2015), uma vez que visual e táctil se mesclam e afetam recursivamente tanto na sua produção quanto no momento do recebimento/visualização.

Percebemo-nos diante de um cenário pertinente não apenas às relações e formas de comunicação no contemporâneo, mas à Psicologia Social. Na busca por acessar e discutir os discursos que circulam acerca dessa prática, fomos direcionados a pensar certos elementos e processos, engrenagens da cultura contemporânea que produzem efeitos sobre nossos modos de ser.

Ao iniciar a imersão na rede, lócus de circulação discursiva que nos interessava, lançamos, no site de pesquisa online Google, as expressões "nudes", "nude", "sexting" e "autofotografia do corpo nu", o que possibilitou acesso a materiais diversos; apesar de não haver critérios absolutamente fixos de exclusão, não tomamos para análise, por exemplo, páginas que traziam conteúdo pornográfico; realizamos o mesmo procedimento em diferentes tempos e a partir de diferentes contas e equipamentos. A escolha por essa metodologia para composição do corpus deu por inspiração cartográfica, principalmente, pelo entendimento que o nude é um fenômeno em processo na rede/internet, que visávamos discutir, mas sem pretensão de esgotar. Para Kastrup e Barros (2014, p. 53) "a pesquisa cartográfica consiste no acompanhamento de processos e não na representação de objetos". Sendo assim, a posição adotada frente ao nude foi de mapear e acompanhar ele quanto um processo, através de um andar rizomático (Deleuze & Guattari, 2014), despertado pelo percorrer por links e hipertextos. Conexões feitas de um ponto a outro, vindas de múltiplas fontes, possibilitando a abertura de novas janelas, de onde surgiam textos, imagens, músicas, blogs e páginas online.

Diante desses encontros, Diários de Campo foram sendo escritos (quando alguma afetação acontecia em face aos textos e/ou imagens), uma forma de registrar o conteúdo acessado, mas também as questões produzidas a partir deles (Barros & Kastrup, 2014). Foram cerca de 40 diários produzidos nesse processo, o qual não foi limitado a um período de tempo específico, mas que foi acontecendo no andamento do mestrado. Neste artigo, cinco deles serão apresentados, pois são pertinentes às discussões que desejamos tecer: trata-se de dois textos em diferentes sites, um Tumblr, um canal no site Youtube e uma música; em todos eles, o pedido por nudes fica expresso e/ou é tematizado.

A produção de pedido por nudes, e o que é acionado no entorno dele, configura-se como um campo de produção (e circulação) discursiva; em função disso, certos conceitos-ferramenta da perspectiva foucaultiana nos ajudaram a construir o caminho metodológico da pesquisa. Para Foucault (2013a), discurso pode ser definido como um conjunto de enunciados que se apoiem na mesma formação discursiva, construído a partir de um tempo e determinadas condições de existência. Além disso, entendemos que jogos de poder e de saber (Foucault, 2006) perpassam esse campo, produzindo subjetividade.

No decorrer desta pesquisa, no processo de análise dos materiais, a identificação de um enunciado foi feita, o qual se apresentou articulado a diferentes campos discursivos, como os relativos à heterossexualidade masculina, ao corpo sexuado, sua imagem e (certa) moralidade, ao humor e entretenimento, dentre outros. O enunciado "Manda nude" apareceu como um "nó" em uma rede composta por ditos e imagens, a partir de diferentes materialidades que compõe nosso corpus de pesquisa. Uma frase, gramaticalmente um imperativo, como neste caso, mas que não se esgota a ela. O enunciado, segundo Foucault (2013a, p. 34) "é sempre um acontecimento, que nem a língua nem o sentido podem esgotar inteiramente", algo que articula diferentes discursividades, imerso em um campo de verdades.

Para Foucault (2013a, p. 120), não há "enunciado livre, neutro e independente; mas sempre um enunciado fazendo parte de uma série ou de um conjunto, desempenhando um papel no meio dos outros", um campo onde eles se apoiam e se diferem, integrando um jogo enunciativo. Ou seja, não há enunciados que não envolvam outros, não haveria enunciados que não suponham em si um campo de coexistências (Foucault, 2013a). Ainda na sua proposta de análise, Foucault considera "as diferentes maneiras pelas quais o discurso desempenha um papel no interior de um sistema estratégico, em que o poder está implicado, e para qual o poder funciona" (2006, p. 253).

O que se objetiva construir neste artigo são problematizações a partir do enunciado "Manda nude", mais precisamente enfocando como pedidos de nudes são propostos, compostos e/ou "aconselhados", de modo a discutir o que põem em jogo. Acredita-se que discursos são/estão articulados, operando sobre o corpo/sujeito, quando está em questão colocar-se nu diante de um dispositivo capaz de fotografar. Enquanto prática, o pedido por (um) nude(s) e sua circulação, a despeito de ter endereçamento específico ou não, está atravessado por diferentes discursos, assim engendrando a produção de certas verdades e de subjetividade, sobre as quais buscamos aqui alguma compreensão.

Facó (2016) traz as teorizações de Michel Foucault para dizer do desenvolvimento de um campo de experiências histórico, que seria a subjetividade. Para o autor, o sujeito em Foucault é, primeiramente, diferentes sujeitos, os quais seriam resultados de práticas que os constituem, e não realidades que os antecedem. O sujeito é concebido assim como constituído processualmente, e não enquanto um ser pronto ou único em si (Facó, 2016). Para Prado Filho e Martins, vista a partir dessa perspectiva, "a subjetividade é resultado e efeito das relações de saber/poder e remete a sujeitos diversos que não o sujeito universal da razão, da cognição, ou da consciência, nem sujeito autônomo, livre, ator ou agente" (2007, p. 17). Então, neste artigo trata-se de pensar uma faceta da produção de subjetividade no contemporâneo, onde mandar nudes constitui uma prática possível aos sujeitos.

 

Discussão

De Homem para Homem: Posições de Poder-Saber na Produção de "Dicas"

Tomando os materiais em análise nesta seção, os quais serão apresentados um pouco mais adiante, a palavra "pedido" ganha certo destaque, sendo a mais usada para referir a solicitação de uma pessoa pela fotografia da outra nua ou seminua: uma das forma de expressão do "diz-se" (Foucault, 2013a, p. 141) em discussão, o enunciado "Manda nude". Assim, buscamos problematizar a ação de pedir e/ou o que se colocam como "dicas" para fazê-la com "sucesso", pois podem acontecer de determinados modos e não de outros, o que entendemos compor um campo de forças, onde diversos elementos estão atravessados e discursos produzidos.

O poder em Foucault (2015b) pode ser compreendido não como uma dominação, nem como um processo global exercido por algumas pessoas, que ocupam determinados espaços, mas sim como um constante embate de forças, um composto de estratégias que atravessam as relações, em relações de poder. Para Foucault (2015b, p.101) "o poder não é uma instituição nem uma estrutura, não é uma certa potência de que alguns sejam dotados: é o nome dado a uma situação estratégica complexa numa sociedade determinada".

Perpassando as mais diferentes relações, o poder, nessa perspectiva, não é algo derivado de uma superioridade, mas sim acontece, enquanto exercício, no plano das relações, sendo ação sobre ações possíveis de sujeitos livres. Considerando o corpo, que nesta prática é fotografado nu, cabe pontuar que se trata de "objeto de investimentos tão imperiosos e urgentes; em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõe limitações, proibições ou obrigações" (Foucault, 2013b, p. 132). Um campo ainda cheio de paredes que separam aquilo que é tido ou dito como privado e como público, em espaços digitais ou não; portanto, que envolve certos pudores que ainda circunscrevem as aparições dos corpos nus em diferentes espaços (Sibilia, 2015).

Há demandas produzidas e que operam sobre nós, constituindo formas e ações acerca desse corpo. "Manda nude", um imperativo que, ao fazer circular (incitar "genericamente") a ideia da prática ou ao tecer um pedido em caráter relacional ou interpessoal, traça um campo imerso em jogos de forças e de saberes, os quais operam sobre a nudez e o corpo, sobre a prática e sobre o próprio sujeito. Para Foucault (2015a) o poder é em si próprio a ativação e o desdobramento de relações de força - por exemplo, forças que atuam na relação estabelecida entre o destinatário e o remetente do nudes -, as quais compõem um campo de negociação, permeado não só por vontades, mas por verdades estabelecidas. Neste sentido, é fundamental atentar para as condições e jogos tramados para além da expressão do que constitui um pedido em particular, condições essas que se atualizam cada vez que ele acontece; bem como para a produção de subjetividade relacionada às práticas que permeiam o enunciado "manda nudes".

No site "Seja Macho alfa" (Seja Macho Alfa, 2015), cujo nome já sugere um caráter dominador e sedutor aos homens que o acessam, há um texto orientado homens heterossexuais (algo não explicitado, mas que fica "dado") a conseguir nudes. A primeira pergunta feita é: "Por que um homem quer um nude antes de comer a gata?" Em uma tentativa de resposta, o autor destaca que não é pedindo, mendigando, que um nude será alcançado, esse é referido como o resultado da confiança que deverá ser conquistada. Ele complementa dizendo que, inicialmente, é preciso estabelecer certo tipo de contato físico para depois pedir o nude, sendo essa a forma mais indicada e mais provável de sucesso.

Quanto à ideia defendida de que a confiança é base para a obtenção de um nude, cabe focalizar o que é e de que forma se estabelece: "trocar muita ideia" (Seja Macho Alfa, 2015) ocupa um lugar central nessa conquista. As conversas, um investimento de tempo e palavras é, para o autor, uma maneira para construir um caminho, uma ponte entre a vontade de receber um nude e sua realização, sendo que a conversação deve ser aberta com cuidado. Ainda no mesmo texto, há a afirmação de que existem mulheres que não enviam nudes de modo algum, independente da forma que o pedido for feito, enquanto outras estariam "loucas para mandar" (Seja Macho Alfa, 2015); o que implicaria, para aquele que pede o nude, ter também a habilidade de identificar de qual dessas categorias é a destinatária do pedido, uma vez que tal informação influenciaria na abordagem assumida no pedido.

O nome do site é um marcador identitário importante. A possibilidade de ser um macho alpha parece estar colocada para que o leitor perceba que ele não é um, mas que, se seguir as dicas descritas no site, poderá vir a ser. Pode-se pensar tais dicas e incitamentos enquanto um processo que produz modos de existência, ao definir posições para os sujeitos. Para Foucault (2006, p. 238), as práticas são "concebidas ao mesmo tempo como modo de agir e de pensar que dão a chave da inteligibilidade para a construção correlativa do sujeito e do objeto". Práticas sobre as quais são constituídas verdades na forma de "modos de fazer"; as dicas para conseguir nudes parecem indicar esse processo, pois sugerem um modo certo, espécie de "receita de sucesso" frente ao nude, assumindo-se enquanto um campo de produção de subjetividade.

Foucault, ao falar sobre verdade, traça algumas proposições: "por 'verdade', entender um conjunto de procedimentos regulados pela produção, a lei, a repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados" (2015a, p. 14); e também: "a 'verdade' está circularmente ligada a sistemas de poder, que a produzem e apoiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem" (2015a, p. 14). Uma forma tida como correta de proceder é apresentada no site, atravessada por discurso que (re)afirma a heterossexualidade masculina, colocando aquele que está nessa posição e age em sintonia com as "dicas" como capaz de convencer outrem a lhe atender em suas vontades. Uma trama que aciona e atualiza verdades sobre certo modo de ser homem heterossexual.

Em outro site, nomeado Instinto de Homem, também com direcionamento ao mesmo público, um texto é publicado com o título "Como conseguir uma tonelada de nudes sem parecer um idiota" (Instinto de Homem, 2016). A postagem apresenta dicas da maneira mais apropriada de conseguir nudes, sem sugerir falta de habilidade e sem cometer erros. Como no texto já referido, novamente fica evidenciada a importância de uma aproximação e a construção de uma via para que o nude possa ser pedido e, principalmente, recebido.

Conjecturamos se a "tonelada" seria um montante constantemente construído e descartado, em movimentos que obedeceriam a uma lógica de "fast view", ou seja, cada nude como algo instantaneamente visto, consumido e que tem seu valor dissolvido? Trazemos tal questão porque, em uma espécie de cruzamento e atualização dos discursos do risco e do "politicamente correto", o texto refere que após visto, é indicado que o nude seja apagado do dispositivo, para que não fique armazenado e exposto a algum tipo de vazamento ou desvio do lugar determinado para ele. O nude, então, é solicitado para que seja visto e descartado, talvez a indicar que muito de seu valor está na produção, no fazer com que ele aconteça.

Para Deleuze (2013), as formas do saber e as estratégias de poder se articulam entre si em suas diferenças, suscitando assim a produção de outras forças e outros discursos. Sempre o campo das relações: "não há relações de poder sem constituição de um campo de saber, e, reciprocamente, todo saber constitui novas relações de poder" (Machado, 2015, p. 28). O nude é produzido por quem o operacionaliza, mas também a partir de embates de forças, de jogos de poder-saber que envolvem certa expertise; nos materiais em análise, homens que "sabem" o que se deve fazer e abastecem a rede com dicas, e seus leitores/seguidores, que buscariam (trans)formar sua conduta para obter sucesso na forma do nude almejado.

"Um processo de subjetivação traduz, portanto, o modo singular pelo qual se produz a flexão ou a curvatura de um certo tipo de relações de força" (Silva, 2005, p. 28). A partir desse entrelaçado de forças, engendra-se um modo de ser homem heterossexual e, correlativamente, de relação com mulheres. Um determinado tipo de comportamento para o homem passa a ser verdade, o qual é apresentado como forma de acesso ao nude de uma mulher. Um campo que posiciona: o homem como capaz de convencer, mas também à mulher, suscetível de ser convencida, ou seja, onde cada envolvido é colocado em um lugar suposto.

Perpassando o que está sendo enunciado, há uma regulação das ações e dos corpos. Verdades expressas através de "formas de fazer"; no entanto, não qualquer forma de fazer, mas sim aquela correta, mais inteligente, mais adequada - que afastaria o risco do homem fazer papel de idiota, no material discutido acima. Há um "ensinar fazer" colocado, a produção de um saber que deve ser tomado como base para as ações. Do mesmo modo, há um investimento, tanto no corpo daquele que pede, já que ele deve ter suas ações adequadas a um determinado jeito e certa temporalidade, quanto de quem produz e envia o nude. De acordo com Foucault, "o domínio e a consciência do próprio corpo só puderam ser adquiridos pelo efeito do investimento do corpo pelo poder" (2015a, p. 235).

Há um investimento, certo empenho de técnicas para que um objetivo seja alcançado. O investimento e a sugestão de abordagens a adotar compõem um jogo que envolve não apenas habilidade e aptidão para conquista, mas certa meritocracia. Aquele que consegue o nude, através de todo este processo de solicitação, negociação, abertura de frentes estratégicas e de estabelecimento de relações, parece ser visto como alguém que aprendeu as regras, as formas indicadas de fazer. Como troféu pelo empenho e vitória: o próprio nude. A fotografia que ora faz parte de um acervo digital, ora se perde na timeline, ora é deletada após ser vista, parece estar sob controle, é o alvo e o prêmio daquele que participa do jogo.

Há um corpo que dispara à produção de "dicas". O gatilho para a ação de operar o "Manda nude" implica elementos que dizem de uma dimensão outra, embora relacionada, talvez de ordem sexual, para sanar curiosidades, para expressar a capacidade de convencimento ou de conquista. Ou, ainda, apenas para divertir, como mais uma forma de interação entre duas pessoas, mediada não apenas por dispositivos e recursos tecnológicos, mas por um pedido. Considerando os textos nos sites citados, além dessas mediações, haveria igualmente o atravessamento de experts, de pessoas que se colocam diante da temática como portadores de algo a ser transmitido, ensinado. Um campo onde cada envolvido parece ocupar lugares (pre)estabelecidos por jogos de verdade e poder, sendo produzidos a partir deles.

"Nude-Entretenimento"? Composições Entre o Humor e a Nudez

O discurso humorístico figura em alguns materiais como elemento estratégico na produção de pedidos de nudes. O humor - da graça, da piada, algumas vezes do deboche, da tirada que provoca o riso fácil ou, eventualmente, daquela que também faz refletir -, é agregado a um ato associado a outros prazeres (estético, sexual, etc.). Neste sentido, é pertinente pensar que o pedido e a visualização de nudes podem configurar-se como mais uma forma de entretenimento, um conteúdo possível de ser acessado meramente para distração e que "esfumaça-se" depois de ser visto. Mas será que a colocação (reiterada) em cena da ideia de pedidos e da circulação de nudes - se servindo da "leveza" que o humor pode legar -, também não poderia, de algum modo, deslocar sentires, pensares e fazeres quanto à nossa relação com o corpo e com a nudez?

Criado pelo brasileiro Vinicius Curi, o Tumblr nomeado "Manda Nude" (Curi, 2015) expõe composições de pedidos feitos de diferentes formas, todas com apelo criativo e de humor. Lançado em 2015, foi abastecido com publicações de março a outubro daquele ano, deixando de receber atualizações depois desse período. O autor tratou de editar, principalmente, imagens conhecidas em mídia aberta, como layout de portal jornalístico, de vinhetas de programas televisivos e aberturas de novelas, e transformá-las na expressão Manda Nudes. Assim, de imagem da vinheta do programa Fantástico, da Rede Globo, à suposta fachada de estabelecimento comercial entre duas igrejas evangélicas, esse pedido é mostrado em todos os lugares, convidando não para a leitura de notícias, a novela ou a igreja, mas para o envio/compartilhamento de nudes.

O que acontece no Tumblr "Manda Nude" parece ser a construção de um campo de criação e circulação de imagens que incitam à sátira não, necessariamente, do pedido de nude, mas dos espaços e imagens midiáticas que são usadas para isso. Como uma busca pela disseminação da prática, a proposta do autor parece ser sua popularização e naturalização, pelo destaque e "onipresença" do pedido de nude. Constitui-se um jogo que tem como base as imagens já conhecidas por qualquer pessoa que assiste televisão, tem acesso ao jornal ou outro tipo de mídia. Nesse jogo há uma tentativa de descontração, mas sem perder aquilo que parece ser seu foco: o pedido de nudes.

Há um pedido expresso, elementos imagéticos e discursivos que o apresentam claramente, não há rodeios, talvez alguns recursos caros à publicidade e marketing, mas que não exigem interpretações. "Não procuro encontrar, por trás do discurso, alguma coisa que seria o poder e sua fonte, tal como em uma descrição de tipo fenomenológico, ou como qualquer outro método interpretativo. Eu parto do discurso tal qual ele é" (Foucault, 2006, p. 253). O pedido por nude não está como algo a ser descoberto ou interpretado, mas sim vem carregado por um jogo de associação a imagens familiares, atravessado por elementos que supõem uma aproximação com o engraçado, mas chega claro, direto. Um pedido que se coloca, estrategicamente, como algo tão natural quanto ler uma placa na fachada de uma empresa ou ver um filme na "Manda Nude/Sessão da Tarde".

Ainda quanto ao humor perpassando o pedido de nude, ele aparece também na composição de música, onde é embalado pelo arranjo das notas e das frases rimadas. A música que discutimos aqui é intitulada "Manda Nudes", do cantor e compositor Thiago Brava; lançada em 2015 (mesmo ano do Tumblr "Manda Nude", mostrando que a prática ganhava ali maior visibilidade midiática), é facilmente acessada no Youtube ou em sites semelhantes. Um conjunto dançante que deixa explícito tal pedido; na letra há a descrição de uma cena onde acontece a solicitação de nudes a uma mulher - cujo nome é Amanda, que soa idêntico à expressão "ah, manda" no refrão "Amanda manda nudes"- para atender a uma "vontade de fazer besteira" de quem pede (Brava, 2015).

A música, ao mesmo tempo em que sugere um cunho sexual, agrega o teor tolo e engraçado que o nude pode ter quando é tomado como um ato de transgressão, a ser feito a "portas fechadas", mas que pode ser/é cantado para/por grandes públicos. Trata-se de uma composição inserida na cena sertaneja, dançada e entoada por diferentes pessoas, com o propósito de descontrair, de entreter. Há a constituição de um cenário de brincadeira, de tornar este pedido não apenas expresso, mas fazê-lo a partir da composição de uma música e com isso envolver as pessoas pela melodia, ritmo, algo sonoramente agradável e, várias vezes, repetido.

Nos primeiros versos da música, o autor descreve que "Tava de boa no snapchat de bobeira" quando lhe "bateu uma vontade de fazer besteira"; tal vontade lhe levou a trancar a porta do quarto "pra ninguém perceber" (Brava, 2015), deixando em suspenso o que faria. A relação com a masturbação, não dita diretamente, se infere logo, pois na sequência, ele afirma que não aguentava mais assistir "x vídeos" (site de compartilhamento de vídeos pornográficos). "Amor em tempo real" se mostra possível quando ele encontra Amanda online e lhe diz: "Amanda manda nudes que eu quero ver" (Brava, 2015). Tais trechos da música acabam aproximando discursivamente o nude e a masturbação: ambas se inscreveriam no rol das práticas (até) permitidas "a portas fechadas", mas que, por isto mesmo, ainda seriam moralmente censuradas.

A forma de exposição do pedido, o processo de convencimento harmônico e ritmado, o ar de sedução, a masturbação que fica subentendida: uma mescla de elementos que, combinados, originam um ato (a ser) feito a portas fechadas. O componente "graça" da música - que, talvez, possa desestabilizar verdades moralizantes - se faz na possibilidade de trazer para a festa, para a dança, para a cena da diversão algo que parece não ser autorizado, que não pode ser explicitado, mas que mesmo assim é dito.

Cabe lembrar, com Sibilia (2014), que a nudez foi, em meados do século XV, colocada enquanto algo indecente, tendo sido expulsa da arte religiosa pelo seu caráter pecaminoso. O fato de não ter desaparecido do campo das artes - pinturas, esculturas e, posteriormente, fotografias, cinema, performances seguiram tomando o corpo nu para exercício expressivo - não quer dizer que a pecha da indecência tenha se esvanecido (ao menos significativamente).

O humor, para Slavutzky (2014, p. 82), "não nega a realidade, ele cria outra, a partir da primeira, como se fosse uma ficção, e assim facilita a vida diante da realidade". A partir desta música, cria-se um cenário, talvez uma realidade outra, onde é possível a circulação de elementos da ordem do engraçado acerca de uma prática, a masturbação "embalada" por nudes, que parece não ter deixado o lugar de tabu por completo.

Inventam-se, assim, brincadeiras, sátiras, piadas feitas para que a barreira da vergonha, dos julgamentos morais, do medo da exposição e outros tantos elementos que podem compô-la, seja rompida. Em um "cenário de brincadeiras", a afirmar práticas de caráter transgressor, o que parece atuar em materiais em análise nesta seção são forças que buscam deslocar aquilo que impede a "passagem" do nudes, provocando fissuras e possibilitando a circulação dessas fotografias.

Neste sentido, é possível perceber uma variação ampla na forma como o recurso ao humor aparece. Espécie de "carta na manga", a abordagem jocosa do pedido de um nude é aplicada em intensidade e configurações singulares ao espaço onde acontece, seja quando circunscrito à conversa entre duas pessoas, no caso de pedido direcionado a alguém em específico, ou nas exposições em espaços de grande visibilidade midiática, uma via de colocar a prática de pedir/receber nude em evidência.

Há um campo de constantes flertes com algo - a nudez - que é interditado publicamente. Para Bataille (2014), a transgressão é justamente o que vai caracterizar o universo da experiência erótica. Para o autor, a potência dessa vivência está em infringir e ultrapassar os interditos culturais, muito mais do que separar as barreiras do permitido. Acompanhado do pedido, da produção, do envio do nudes, certo prazer embutido no ato de convencer, de violar barreiras morais. Fischer (1999) aponta que "o problema das sociedades modernas não é terem condenado o sexo à obscuridade, e sim terem dedicado todos os esforços para falar sem cessar dele, valorizando-o como 'o' segredo" (p. 48). Então, lugar paradoxal que o corpo nu, sexualizado, ocupa.

Outra expressão do humor neste âmbito é encontrada no site YouTube, onde existem canais específicos dedicados ao compartilhamento de vídeos com pedidos de nudes que mantêm certo padrão: vídeos curtos, com frases que visam chamar a atenção do expectador; como título, a repetição da frase "Pedindo Nudes e olha no que deu..." (Narrador sem limites, 2017); as postagens apresentam (supostas) conversas, na maioria das vezes, entre homens adolescentes com certas mulheres de seu contexto (sogras, professoras, tias, primas; em geral, aquelas sobre as quais recai um interdito), pedindo a elas que enviem nudes; os vídeos não exibem as fotografias "conquistadas", apenas prints das telas de dispositivos munidos com aplicativos de conversa.

Há fantasias, desejos sexuais que rodeiam e atravessam o pedido e a visualização do nu nesses materiais. Fabulações (d)e negociações que envolvem a ação de pedir: algo que se atualiza, assim como a graça, a diversão, o desafio, aquilo que desperta o querer. As piadas e o caráter humorístico das expressões usadas enquanto um recurso para desviar da - e/ou marcar a - "lei" que impõe a inacessibilidade ao corpo nu das destinatárias. Uma negociação que parece aquém e além da conquista da fotografia em si. Estabelece-se um campo de forças que constitui todo um modo de relação com o nudes; onde não se trata de um nude qualquer, mas sim daquele "proibido".

Independentemente da veracidade e da efetivação dos pedidos ou não, importante considerar o prazer na produção de um pedido. Tanto os autores dos canais de vídeos quanto da música operam alguma forma de transgressão, expressando através de rimas e cenas aquilo que não deveria ser dito, põem a circular aquilo que "não é" para circular. Nosso objetivo aqui, longe de versar sobre o caráter simulado ou não do que quer que seja, é discutir toda uma discursividade que vem se constituindo acerca do nudes, eventualmente associada a outras práticas que envolvem o corpo nu, como a masturbação, no caso da música. Nos materiais em análise nesta seção, apontando como estes jogos que compõem os pedidos podem ser vistos e tomados como entretenimento, enquanto conteúdo para um canal de vídeos, para uma música, fazendo rir e provocando comentários.

Para Sibilia (2014), os modos de olhar são historicamente construídos e se desenvolvem dentro de determinados "regimes de visibilidade", portanto, alteram-se no tempo. "Os corpos humanos constituem elementos chave nessas mutações, sobretudo quando eles se apresentam parcial ou totalmente nus, devido à intensa radiação simbólica e emotiva que tais visões costumam expelir" (2014, p. 39). Ao ver o corpo nu, algo é acionado no corpo daquele que o vê, seja de ordem sexual como uma excitação ou desejo, seja repúdio, indiferença, vergonha ou inúmeros outros. Imensurável e indescritível é o sentimento despertado porque se trata de algo da ordem do encontro, o sempre singular encontro entre o corpo nu e aquele que o vê.

O humor, neste contexto, parece ser tomado como um recurso para superar a timidez ou as resistências dos envolvidos, mas também se torna uma forma de desviar - ou, paradoxalmente, também recolocar/atualizar? - do caráter "interdito" da prática, fazendo do proibido um fonte ou modo de entretenimento: a masturbação vai para o meio da festa, as mulheres interditadas vão para as telas dos dispositivos portados por adolescentes. Atravessam-se as barreiras que limitam a circulação do nude, atualizando nesse processo as possibilidades do corpo nu se tornar elemento para outras construções. Veiga-Neto (2007) evoca Foucault para dizer que as forças atuam no que de mais concreto e material temos, o nosso corpo. Um campo que "convida" o corpo à conquista de um registro, e que se articula de diversas formas para isso.

Neste ponto, cabe referir que, para Foucault (2013a), há limites ou ausências quanto às regularidades enunciativas, o que não pode ser tomado com algo da ordem de um "não-dito", pois trata-se de "uma ausência, que, ao invés de ser interior, seria correlativa a esse campo e teria um papel na determinação de sua própria existência" (p. 125). Nos materiais analisados até aqui - e, igualmente, nos que tivemos acesso - apenas os homens pedem nudes para as mulheres, ocupando um lugar de agente do pedido, enquanto às mulheres caberiam as posições de aquiescência ou resistência/negação. Existem materiais que trazem mulheres tomando a iniciativa de enviar nudes (por exemplo, para homens ou para amigas), mas chama à atenção a ausência da mulher enquanto agente do pedido. "Ação" de pedir, "reação" de responder: relações de gênero estereotipadas se reiterando.

Assim, o nude não emerge enquanto prática neutra ou desprovida de saberes, mas sim enquanto uma força, composta por outras, que operam em um campo produtor de subjetividade. Um campo onde atualizações são feitas, possibilitando a construção de outras práticas e formas de relação com o nu (ou ao menos com a fotografia dele), mas também a reprodução de modos de ser já "dados". Uma costura feita através de recursos atravessados pelo humor, pela produção de expertise, promotora de novos acessos e formas de relação com outros corpos e com os recursos tecnológicos disponíveis. Os sujeitos, imersos nesse contexto fértil de produção de verdades, constituem-se "atendendo às sugestões" amplamente divulgadas.

O Nude Amador: Sobre um Produto "Sob Encomenda"

Vinculado ao ato de pedir um nude, o qual poderia ser tomado como início do processo de produção e envio de uma foto específica, acredita-se na existência de elementos que disparam algo da ordem da vontade e de um imaginário acerca da fotografia do outro com pouca ou nenhuma roupa. Sabemos da facilidade de acesso a fotografias de corpos nus, seja através de mídias mais tradicionais como revistas, seja através de espaços virtuais onde a pornografia e o uso sexual do corpo proliferam. No entanto, com a prática do nudes, mas não só, cria-se um campo, sustentado ora por certa promessa de realismo, ora por doses de amadorismo, onde fotografias de corpos nus produzidas, em sua maioria, pelo próprio fotografado passam a circular.

Uma espécie de supervalorização do nu amador é percebida, algo que envolve a fotografia produzida "em casa", com o recurso de uma câmera qualquer. Mas, para além do seu caráter amador, o que parece receber (igual ou maior) destaque é certa personalização na produção do nude, uma fotografia que é feita "sob encomenda", que atende a um pedido em específico. Quem recebe, dessa forma, tem a vantagem de (ob)ter algo, supostamente, único, feito especialmente para aquela situação, podendo até ser de acordo com suas preferências.

O diferencial parece residir em algo da ordem do espontâneo e da "realidade mesma", daquilo que é feito, a princípio, baseado em um desejo do momento. O realismo daria cores e formas aos registros, que seriam poupados de artificialidades, como estúdios e câmeras profissionais, roteiros e cenários tradicionalmente usados em produções pornográficas. Como refere o autor da música analisada acima: "Já me cansei dos x vídeos não aguento mais vê", sendo o nude o "amor em tempo real" que ele busca (Brava, 2015).

Assim, o nude a ser enviado/recebido seria um produto com gosto caseiro, de "feito na hora", que não sofreu a ação de um processamento. No entanto, um paradoxo: logo após o ritual de pedido, preparação, execução, envio de uma fotografia exclusiva, produzida para atender a um desejo, essa tenderia a cair no "abismo" de um álbum digital de fotografias, uma de "uma tonelada", ou talvez ser logo descartada. Obtida, já não sustentaria o mesmo valor de temporalidade imediata, perdendo espaço ou sendo "vencida" pelo pedido de outra fotografia.

Por outro lado, já há uma captura mercadológica dos nomeados nudes amadores, como, por exemplo, no site de financiamento coletivo Nudestarter (Solari, 2017). Nele há a possibilidade de publicar "ensaios sensuais" já realizados ou projetos/propostas para sua realização e definir um valor a ser arrecadado. Os "compradores" escolhem os/as modelos e oferecem o pagamento de uma cota para financiar os projetos e/ou pelo acesso às fotografias. Uma composição que desperta ao investimento daquilo que parece dar ao nude "amador" uma potência maior de comercialização: a edição, o uso de câmeras fotográficas profissionais e cenários, aliado ao sabor de eleger quem se quer ver nu/nua.

Para Brasil e Migliorin (2010, p. 90), "as imagens amadoras não estão fora, nem mesmo são periféricas ao circuito de produção midiática dito profissional, mas, efetivamente, o constituem e formam o núcleo de seus investimentos". Ou seja, o nude produzido "em casa", com o dispositivo que se tem, sob encomenda ou não, é foco de investimento e de valorização de um campo de produção de fotografias porque diz de outra forma de registro e de ambiência. Ainda, segundo os autores, há um "apelo realista", o qual busca desviar dos parâmetros e da expertise dos profissionais, valorizando aquilo que é produzido desprovido do conhecimento visto como técnico.

De acordo com Feldman (2008, p. 3), as produções amadoras tratam de "simular um espetáculo que não mais simule", oferecendo certa promessa de algo da ordem da experiência real, não mediada. Para a autora, produzir fotografias de forma amadora estaria relacionado a "estratégias biopolíticas de legitimação, naturalização e desresponsabilização" (Feldman, 2008, p. 3), pois se inscrevem no envolvimento do próprio sujeito fotografado que narra, através desse registro, sua experiência, algo que foi, de fato, vivido e operado por ele. Há a ação dele sobre o próprio corpo, o qual passa a ser visualizado, assistido e tocado por outros, a partir do seu oferecimento à rede.

 

Considerações finais

Neste artigo, analisar como acontecem e circulam pedidos de nudes - as formas de sua proposição e composição, as orientações a fim de obtê-los, enfim, o que é acionado no entorno deles - foi a estratégia adotada para a problematização de alguns dos discursos que se constituem e operam acerca desta prática contemporânea. Um campo de produção de verdades e subjetividade, transversalizada por jogos de poder-saber que constroem formas de fazer, o que e como (se pode) dizer algo, por quem, traçando assim posições (prescrições e/ou possibilidades) para cada envolvido no processo e a relação entre eles.

Trabalhar multiplicando o enunciado "Manda nude", espécie de "nó" em meio a uma rede composta por ditos e imagens, que identificamos ao analisar nosso corpus, possibilitou trazer a articulação de diferentes campos discursivos: relativos à heterossexualidade masculina, à moralidade, ao humor, ao entretenimento, ao status de amador, entre outros.

Dentre os pontos discutidos, destacamos nesta retomada final a nossa análise ou compreensão do nude enquanto uma forma ligada ao entretenimento. Em composições atravessadas pelo humor, o incitamento e/ou a prática de fotografar o corpo nu parece ser tecida e operada por/para distração, propiciando diversão. E, brincando com as palavras, não estaria aí também para divergir? Há um movimento de busca pela "leveza" do humor, talvez como ferramenta capaz de "fazer falar", permitindo que o nude circule de forma menos "séria"; ao mesmo tempo, pode-se pensar que há um processo de controle sobre o corpo, com normas e princípios que o enquadram em formas ditas como corretas de acontecer e aparecer. Um campo paradoxal em seus movimentos de resistência e captura, onde o corpo é colocado em lugares e potências distintas em suas permanências e permissões. Segundo Foucault (2015a, p.236), há um processo de "controle-estimulação", que permite que o corpo apareça, mas que essa aparição se dê de uma determinada forma. Poder e resistência, conforme definiu Foucault (2015b), coexistem em toda a extensão do campo, operando sobre o corpo.

Neste sentido, consideramos importante pontuar que os materiais acessados no âmbito desta pesquisa, majoritariamente diziam respeito à prática de compartilhar nudes entre, a princípio, homens e mulheres heterossexuais (em um amálgama estereotipado e naturalizado de posições de gênero e sexualidade); só em duas enquetes (sobre melhores nudes do ano) ou nos comentários feitos por internautas acerca de certas publicações havia menção a posições e/ou contextos homossexuais. Tal especificidade não foi buscada propositalmente, mas acabou constituindo um recorte, que entendemos ser um limite desta pesquisa.

Outro aspecto a destacar nestas considerações é que, a partir da discursividade presente nos materiais acessados, as mulheres heterossexuais podem não se sentir "convidadas" a pedir nudes, pois figuram nestes materiais apenas como aquelas que mandam, com uma margem de escolha pelo sim ou pelo não, mas nunca enquanto agente, quem toma a iniciativa de fazer tal solicitação a outrem. Se o pedido por nude (e sua visualização) pode configurar-se como forma de entretenimento, por que seria uma "prerrogativa" masculina? O nude é uma prática possível a quem? Uma questão que também merece ser mais discutida, em especial à luz dos estudos de gênero, algo que não ganhou fôlego nesta pesquisa pelos focos analíticos a que se propôs.

Uma vez que o "objeto da psicologia social são os modos de produção da experiência subjetiva, ou seja, o modo pelo qual um determinado conjunto de práticas sociais produz uma certa forma de relação consigo e com o mundo" (Silva, 2008, p. 39), entendemos que se evidencia a pertinência de tomar esta prática - produzir e compartilhar nudes, que adquire contornos novos em tempos de profusão de dispositivos com câmeras conectados à internet - como campo problemático, a fim de pensar a constituição dos sujeitos contemporâneos, operantes da prática ou não, mutáveis no tempo e no espaço, constituídos no encontro com discursos que se produzem e atualizam constantemente. Um contexto e uma prática que sinalizam à Psicologia Social a importância de sua articulação com o campo das tecnologias e da comunicação, considerando os efeitos desses nos modos de relação com o corpo e com a imagem, que atravessam o cotidiano dos sujeitos contemporâneos.

 

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Enviado em: 16/11/2017
Aceito em: 09/05/19

 

 

Fernanda Nicaretta é psicóloga pela Universidade do Vale do Taquari - UNIVATES. Mestre em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Atua como psicóloga na Fundação de Reabilitação de Deformidades Crânio-Faciais - FUNDEF, na cidade de Lajeado/RS.
E-mail:nicarettaf@gmail.com
Inês Hennigen é doutora em Psicologia pela PUCRS, docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social e Institucional do Instituto de Psicologia da UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, coordenadora do Grupo de Pesquisa LECOPSU - Leituras do Contemporâneo & Processos de Subjetivação.
E-mail:ineshennigen@gmail.com

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