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Revista Polis e Psique

On-line version ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.10 no.1 Porto Alegre Jan./Apr. 2020

 

EDITORIAL

 

Composições da psicologia: estética, política, pesquisa e formação

 

Psychology compositions: aesthetics, politics, research and training

 

Composiciones de la psicología: estética, política, investigación y formación

 

 

Henrique NardiI; Neuza GuareschiII; Aline Kelly da SilvaIII; Luis Henrique da Silva SouzaIV

IEditor Chefe
IIEditora Gerente
IIIEditora Assistente
IVEditor Assistente

 

 

Iniciamos o ano de 2020 com uma conjuntura política e social que coloca desafios para o exercício da psicologia nos mais diversos campos de atuação, com o desmonte sistemático das políticas públicas sob uma gestão de Estado marcada por discursos e estratégias de controle que buscam promover retrocessos no sistema de garantia de direitos, afetando inúmeras populações e coletivos de trabalhadoras/es atuantes nesse contexto. Além disso, nas universidades também temos sido alvo de cortes de verbas, falta de investimentos adequados para manutenção das pesquisas, sucateamento e, até mesmo, desqualificação do conhecimento científico.

Diante deste contexto de tantos desafios, apresentamos o primeiro número do ano de 2020 da Revista Polis e Psique, reafirmando o posicionamento ético e político de fazer reverberar o conhecimento produzido no campo das lutas sociais para enfrentar as questões do nosso presente na busca por melhores condições de existência e de trabalho. Ressaltamos a urgência de mais investimento nas políticas e espaços públicos, reconhecimento político de sujeitos e saberes subalternizados pela violência colonial, bem como o compromisso com a produção de reflexões potentes e críticas para pensar a dimensão coletiva das nossas práticas, na inseparabilidade entre estética e política, ética e epistemologia. O intuito é de difundir uma literatura que não seja produto natural dos saberes dominantes, ornados pelo discurso colonial, mas uma produção que venha de espaços frágeis e provisórios, que tenha vitalidade, liberdade e criatividade (Barthes 2005a).

Em “Somos nada mais que imagens'”, Edio Raniere e Lilian Hack apresentam uma entrevista realizada em junho de 2019 com Anne Sauvagnargues, professora do departamento de filosofia na Université Paris-Nanterre e especialista no pensamento de Gilles Deleuze, que se dedica atualmente ao desenvolvimento de uma Ecologia das Imagens, onde conceitos da filosofia da diferença dialogam com sua poética em pintura, e oferecem novas abordagens ao conceito de imagem.

Ainda seguindo a articulação entre Arte, Psicologia e Filosofia da Diferença, Paulo Roberto de Carvalho e Sonia Regina Vargas Mansano analisam o surgimento da pintura abstrata como um acontecimento que demarca uma ruptura com o projeto comunicacional da arte. Desse modo, o artigo “Da arte figurativa à arte abstrata: uma análise psicológica” realiza uma explanação sobre a passagem da arte figurativa à arte abstrata e as rupturas subjetivas que esta passagem implicou.

Questões relacionadas à construção do feminino também são foco de discussão do artigo “Alinhavos para pensar o presente”, de Catia Paranhos Martins, em que a produção artística de Rosana Paulino e Beth Moysés é utilizada como dispositivo para problematizar o que nos acontece e enxergar o que deveria ser intolerável, bem como procurar as sementes de vida que possam descolonizar o pensamento e o desejo. Tais artistas apontam questões sobre o que é ser/estar mulher e não branca/o ao desnaturalizarem as violências e violações cotidianas e históricas do projeto colonial e patriarcal.

Já o texto “Psicologia e Etologias: algumas contribuições de Deleuze, Haraway e Despret”, de Dolores Galindo e Danielle Milioli, aborda contribuições da Filosofia da Diferença de Gilles Deleuze e Félix Guattari em conjunção com Donna Haraway e Vinciane Despret, sinalizando singularidades, conexões e desdobramentos para pensar um projeto ético não fundado em diferenças categoriais.

Janaína Silva e Maria de Fátima Aranha de Queiroz e Melo, no texto “Um espelho de duas faces: ser ou não ser mãe?”, discutem como a concepção sobre a maternidade foi construída e como as pessoas se manifestam a respeito desse assunto em conteúdos publicados na plataforma Facebook e no Youtube. Adotando a Teoria Ator-Rede, as autoras mapeiam e discutem as translações efetuadas entre diversos actantes envolvidos na controvérsia e apontam a necessidade de sustentar a discussão em torno de uma não maternidade.

No trabalho “A economia 'psíquica' importa? Descolonização e elementos subjetivos de re-inscrição social ”, Lucia Rabello de Castro e Jaileila de Araújo Menezes discutem as relações coloniais estabelecidas entre dominador e dominado, abordando diferentes autores vinculados às reflexões sobre pós e descolonialidade e seus encaminhamentos quanto às possibilidades de resistência à violência da opressão.

O estudo “ Versões de usuários sobre a internação psiquiátrica involuntária ”, de autoria de Nayane Keilla Messias, Mário Henrique da Mata Martins e Cássia Bezerra de Castro, analisa versões de usuários de serviços de saúde mental sobre a internação psiquiátrica involuntária. Em entrevistas realizadas durante o estudo, as/os usuárias/os denunciam práticas manicomiais geradoras de exclusão e violação de direitos, seja nos serviços psiquiátrico-hospitalares ou nos de atenção psicossocial.

Posteriormente, Tayná Ceccon Martins e Rafael Bianchi Silva, em “A Psicologia no CRAS: articulações possíveis para a participação popular ”, colocam em discussão as políticas públicas de assistência social, buscando compreender a percepção de psicólogas de um Centro de Referência em Assistência Social sobre seu trabalho quanto à participação popular e concluem que as psicólogas entrevistadas acreditam poder potencializar o espaço público do CRAS através da acolhida, da escuta qualificada e principalmente a partir dos espaços coletivos.

Partindo da perspectiva construcionista social, O artigo “Pessoas Idosas e sentidos de rural no interior do Rio Grande do Norte”, de Jobson Vital Costa, Jáder Ferreira Leite e Candida Maria Bezerra Dantas, valeu-se de entrevistas semiestruturadas junto a 13 pessoas de uma comunidade rural, com idade entre 60 e 85 anos, para discutir os sentidos de rural e envelhecimento produzidos por essas pessoas, assinalando que os sentidos construídos negociam posições variadas a depender dos modos de inserção dos idosos na relação com a terra e com experiências vividas na cidade.

“Sob a ótica do exame: pesquisas sobre psicopatia e psicopatas no cenário científico brasileiro” de Heriel Adriano Barbosa da Luz, Antônio Carlos do Nascimento Osório e Anita Guazelli Bernardes, discute como a psicopatia e as/os psicopatas são tratadas/os no cenário científico nacional. Para tanto, a autora e os autores recorrem à hermenêutica foucautiana para analisar relatórios de teses e dissertações, colocando em questão a rede de saber-poder que captura e constitui a figura limite do inimigo social.

Além disso, este número compõe-se também por trabalhos mais voltadas às políticas educacionais, discutindo ações afirmativas, internacionalização da pós-graduação e espaços coletivos de formação. O trabalho de Luciana Ferreira Barcellos e Solange Jobim e Souza, “Políticas de ações afirmativas na educação e as contribuições da psicologia Sócio-histórico-cultural” analisa a política de reserva de vagas no ensino superior brasileiro destacando as relações estabelecidas entre Políticas de Estado e Ações da Sociedade Civil e a polêmica gerada em torno dos conceitos de identidade, raça e etnia na definição dos critérios para a reserva de vagas.

“Noções de internacionalização nos debates sobre a pós-graduação em Psicologia”, de Joyce Pereira da Costa, Ana Ludmila Freire Costa e Oswaldo Hajime Yamamoto, objetivou averiguar quais noções de internacionalização perpassam as reflexões empreendidas sobre tal processo no âmbito da Pós-Graduação brasileira em Psicologia, com base na análise de documentos de eventos da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP), nos quais identificaram diferentes noções sobre a internacionalização, sendo que esta ora é entendida como meio para o desenvolvimento científico e social, ora como um fim em si mesmo.

Carla Garcia Botega, Rosane Machado Rollo, Adriana Roese Ramos e Cristianne Famer Rocha, por sua vez, apresentam o ensaio “Produções coletivas e leituras compartilhadas: encontro como dispositivo de criação” sobre a experiência de construção, realização e participação no Grupo Aberto de Orientação (GAO), criado em 2013 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e caracterizado como dispositivo de criação, encontros e atividades de leitura e escrita coletivas e solidárias.

A arte não pensa menos que a filosofia, mas pensa por afectos e perceptos (Deleuze e Guattari, 1993). Seguindo este princípio, os textos aqui reunidos agregam discussões em torno do campo do sensível e da arte como ferramentas para potencializar a afirmação da vida em suas diferenças e não hierarquizações. Coloca-se em questão a produção de discursos em torno da colonialidade e do feminino, apontando não somente para as violências, mas também para as vias de escape a partir da construção de estéticas e saberes feministas e descoloniais. Destacamos a importância das análises interseccionais que fujam do simplismo para romper com a universalidade excludente (Ribeiro, 2019), pois é necessário problematizar o racismo e o impacto que este causa nas relações de gênero, já que ele determina a hierarquia de gênero da nossa sociedade (Carneiro, 2003).

Há também uma análise crítica dos dispositivos de controle e vigilância atualizados em certos discursos científicos. Ao mesmo tempo, busca-se dar lugar à escuta e valorização dos sujeitos e de sua produção de sentidos em situações de vulnerabilização e exclusão social. Além disto, discutem-se alguns desdobramentos das políticas educacionais no contemporâneo, apontando tensionamentos e possibilidades de ampliação.

A tessitura desta edição da Revista Polis e Psique é marcada, portanto, por uma aposta na singularidade, na diversidade teórico-epistemológica da Psicologia e na criação de estratégias necessárias para um exercício crítico e político constantemente situado em nossa produção. Barthes (2005b) discute como as/os escritoras/es entram nas discussões sobre política. Uma das formas é apenas a escolha de conceitos e teorias políticas, trazendo algo raso para a escrita; o outro modo, ou a “portinha” que o autor coloca, é a que leva muito mais longe, pois capta os modos que os sujeitos falam e fazem políticas, propiciando a emergência de conjuntos de discursos que alimentam a própria escrita. É nosso trabalho fazer reflexões teóricas e históricas no campo da psicologia social, compreendendo que a pesquisa e a academia são espaços para problematizar e criar possíveis discursos que mudem o pensamento (Foucault, 2017). Assim, desejamos a todas e todos uma proveitosa leitura!

Henrique Nardi - Editor Chefe Neuza Guareschi - Editora Gerente Aline Kelly da Silva - Editora Assistente Luis Henrique da Silva Souza - Editor Assistente

 

REFERÊNCIAS

Barthes, R. (2005a) As minorias das minorias. In Inéditos, vol 4: política. 1ª ed. Tradução de Ivone Castilho Benedetti, São Paulo: Martins Fontes        [ Links ]

Barthes, R. (2005b) Resposta a uma pergunta sobre os artistas e a política. In Inéditos, vol 4: política. 1ª ed. Tradução de Ivone Castilho Benedetti, São Paulo: Martins Fontes        [ Links ]

Carneiro, S. (2003) Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In Ashoka Empreendedores Sociais; Takano Cidadania (Orgs). Racismos Contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano Editora        [ Links ]

Deleuze, G. & Guattari, F. (1993). O que é a Filosofia? (2. ed) São Paulo: Editora 34.         [ Links ]

Foucault, M. (2017) Polêmica, política e problematizações. In Ditos e escritos, volume V: Ética, sexualidade, política. M. B. da Motta (Org.). Tradução de Elisa Monteiro e Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária.         [ Links ]

Ribeiro, D. (2017) O que é lugar de fala? Belo Horizonte (MG): Letramento, 112 páginas, 2017. (Coleção: Feminismos Plurais)

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