SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.10 issue2Autonomous Management of Medication (GAM) as a group devide: an intervention-research experienceNotes for a new culture of care in mental health author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista Polis e Psique

On-line version ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.10 no.2 Porto Alegre May/Aug. 2020

http://dx.doi.org/10.22456/2238-152X.103875 

ARTIGOS

 

Uma Composição Experimental do Guia GAM: favorecendo vidas pulsantes

 

An Experimental Composition of the Guide GAM: favoring puisant lives

 

Una Composición Experimental de Guía GAM: favoreciendo las vidas pulsantes

 

 

Ricardo Pimentel Méllo; Juliana Vieira Sampaio; Natalia Sousa Barros; Tárcila Silva de Lima; Carolina Castro e Veras

Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, CE, Brasil

 

 


RESUMO

O Guia de Gestão Autônoma de Medicação (GAM), originalmente canadense e com versão brasileira publicada em 2012, se configura como um dispositivo que visa a contribuir para que sujeitos em tratamento de saúde se responsabilizem pelo seu próprio cuidado singularizado. Este texto narra pesquisa desenvolvida na cidade de Fortaleza (CE) com a GAM. Buscou-se potencializar esse instrumento para ações de saúde, por meio da composição experimental do Guia GAM, nomeado de GAM@. Uma peculiaridade de nossa experimentação é utilizar a GAM no cuidado de pessoas que fazem uso abusivo e/ou compulsivo de substâncias (drogas), em um CAPS-ad. A pesquisa tem quatro etapas e, neste texto, relatamos as duas primeiras: os estudos preliminares e a composição experimental GAM@. Indicamos como o material foi estruturado, quais os pressupostos teóricos orientaram essa produção e seus conteúdos principais.

Palavras-chave: Autonomia; Cuidado; Drogas; GAM; CAPS-ad.


ABSTRACT

The Autonomous Medication Management Guide (GAM) originally Canadian and with Brazilian version published in 2012, is configured as a device that aims to contribute to subjects in health treatment to be responsible for their own unique care. This text narrates research developed in the city of Fortaleza (CE) with GAM. We sought to enhance this instrument for health actions through the experimental composition of the GAM Guide, named GAM@. A peculiarity of our experimentation is to use GAM in the care of people who use substance abuse (or drugs) in a CAPS-ad. The research has four stages and in this text we report on the first two: preliminary studies and the experimental composition GAM@. We indicate how the material was structured, which theoretical assumptions guided this production and its main contents.

Keywords: Autonomy; Caution; Drugs; GAM; CAPS-ad.


RESUMEN

La Guía de Administración de Medicamentos Autónomos (GAM), originalmente canadiense y con versión brasileña publicada en 2012, está configurada como un dispositivo que tiene como objetivo contribuir a los sujetos en el tratamiento de salud para que sean responsables de su propio cuidado único. Este texto narra la investigación desarrollada en la ciudad de Fortaleza (CE) con GAM. Buscamos potenciar este instrumento para acciones de salud a través de la composición experimental de la Guía GAM, llamada GAM@. Una peculiaridad de nuestra experimentación es usar GAM en el cuidado de personas que usan abuso de sustancias (o drogas) en un anuncio de CAPS. La investigación tiene cuatro etapas y en este texto informamos sobre las dos primeras: estudios preliminares y la composición experimental GAM@. Indicamos cómo se estructuró el material, qué supuestos teóricos guiaron esta producción y sus principales contenidos.

Palabras clave: Autonomía; Cuidado; Drogas GAM; CAPS-ad.


 

 

Introdução

A valorização do singular, da autonomia e da liberdade é pressuposto para a construção de estratégias de cuidado em saúde. Desde a Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial, tem-se buscado, no campo da saúde, dar visibilidade às demandas de sujeitos, respeitando seus modos de viver e renunciando a posturas autoritárias, muitas vezes confundidas com práticas de cuidado, compreendendo-se que cada sujeito é livre para realizar escolhas sobre o seu corpo e sobre terapêuticas, em agenciamentos coletivos, em acesso as informações devidas. Para que isso ocorra, é necessário que os profissionais da saúde negociem e alternem seu lugar de saber/poder, tendo como conduta básica uma postura de "estranhamento", condição para o conhecimento científico, a fim de estabelecer controvérsias e se arriscar "em campos de aventura na pesquisa científica fazendo a vida mais criativa" (Méllo, 2018, p. 09). Sob essa ótica, dedicamo-nos à pesquisa de composição de uma versão do Guia de Gestão Autônoma de Medicação (GAM).

O Guia GAM, elaborado na década de 1990, no Canadá, com versão adaptada no Brasil, publicada em 2012 (Onocko-Campos, Passos, Palombini et al., 2012), configura-se como dispositivo que visa a contribuir para que os sujeitos se responsabilizem pelo seu próprio cuidado, sendo autônomos e ativos, destacando a necessidade de que todo acompanhamento em saúde seja singularizado. As noções de autonomia e liberdade que perpassam a GAM se distanciam de uma perspectiva neoliberal, individualista e culpabilizadora, alinhando-se a uma proposta política e ética pautada no cuidado de si como prática coletiva (Foucault, 1985, Méllo, 2018).

O Núcleo de Estudos sobre Drogas (NUCED), vinculado à Universidade Federal do Ceará (UFC), participando da rede de pesquisadores da GAM existente no Brasil, deu início a uma pesquisa-participativa, com auxílio de duas bolsistas PIBIC e uma estudante voluntária, para construção de uma versão experimental do Guia, em um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPS-ad). Nessa experiência, procuramos dar continuidade ao uso do dispositivo GAM, implicando usuários no cuidado de si relacionado a uso de fármacos prescritos por profissional médico, em função de seu tratamento, como também no cuidado de si em relação ao uso de substâncias psicoativas licitas ou ilícitas que motivaram o seu acompanhamento no CAPS-ad. Com isso, pretendemos nos aliar às propostas de cuidado em saúde que favoreçam a "lógica do cuidado"(Mol, 2008), a qual entende a implicação do paciente em seu próprio tratamento como condição sine qua non para sua melhoria. Ademais, almejamos que nossa criatividade, nos equipamentos de saúde, nos impulsione a construir formas diversas de acolhimento e atendimento, sem que caiamos nas armadilhas universalistas de padronização de modos de viver:

o ideal de um atendimento que seja destinado "para todos" não pode ser confundido com a ideia de um atendimento que pode ser feito de forma "igual para todos". [...] [Devemos] sustentar a diferença de "cada um" na escuta à singularidade que o constitui. Passar do singular, do único, do disjunto que é o "cada um", para o coletivo, o "para todos", não implica uma passagem para o universal. (Cazanatto, Martta & Bisol, 2016, p. 490).

Tendo em vista a força mobilizadora desse dispositivo, o Núcleo de Estudos sobre Drogas (NUCED) da Universidade Federal do Ceará (UFC) buscou potencializar, com esse instrumento, ações de saúde na cidade de Fortaleza (CE). Demos o nome de GAM@ (Gama), para essa construção experimental, pelos seguintes motivos: 1) Gama é letra do alfabeto grego que tem sentido figurado de gradação (seja de sentimentos, seja de pensamentos, tons ou estilísticas), também significando algo em processo progressivo, assim como foi a adaptação da GAM ao Brasil; 2) Usamos, no lugar da letra "a", o sinal gráfico usado nos endereços de correio eletrônico "@" (arroba), que tem o significado de "em" (subordinação de lugar); nesse aspecto, a pesquisa GAM está sempre em referência ou em rede com os pesquisadores que introduziram esse instrumento no Brasil; 3) por fim, "@" é constituído pela letra "a" envolta em um círculo aberto, que, para nós, tem o sentido de estar nessa condição de gradação contínua, abertura para um devir criativo, na direção de uma vontade de potência ou afirmação de expansão da vida (Nietzsche, 2008). Uma peculiaridade de nossa experimentação foi utilizar a GAM para os cuidados de pessoas que fazem uso abusivo/compulsivo de substâncias/drogas. Neste texto, relatamos a experiência de construção da GAM@, indicando como o material foi estruturado e quais pressupostos teóricos orientaram essa produção.

 

GAM como dispositivo de cuidado ético-politico

A reforma psiquiátrica proporcionou a criação de serviços substitutivos às internações em hospitais e clínicas psiquiátricas, tais como Residências Terapêuticas e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), tendo como base a territorialidade (serviços de base comunitária) e o processo de desinstitucionalização3. Mesmo assim, ainda se fazem presentes, nesses equipamentos, práticas moralizantes de tutela, controle e homogeneização de atendimentos (Brasil, 2005). Essas situações avigoraram a proposta de construir práticas de cuidado libertadoras, as quais, em 2009, incitaram alguns pesquisadores a iniciar uma pesquisa colaborativa multicêntrica entre o Brasil e o Canadá, que teve como um de seus produtos a versão GAM brasileira.

A proposta da GAM se delineia inicialmente em meio aos movimentos sociais em defesa de direitos de usuários dos serviços de saúde mental em Quebec, no Canadá. Usuários, profissionais e pesquisadores começaram a elaborar estratégias de cuidado que propiciassem o diálogo dos envolvidos e criasse um instrumento de intervenção pautado na autonomia e informação para as pessoas que empregavam os serviços de saúde (Passos et al., 2013).

O dispositivo GAM busca desencadear o questionamento das relações verticais entre profissionais e usuários, produzindo práticas nas quais estes sejam ativos e protagonistas no processo de decisão sobre o seu tratamento/atendimento, fortalecendo seus laços sociais significativos e aproveitando ao máximo suas potencialidades. A autonomia e o cuidado de si, na arte de viver coletiva, retiram a centralidade dos fármacos nos tratamentos em saúde. Potencializando, na medida em que tornam plausíveis, agenciamentos em rede que constroem linhas de fuga4 e modos de viver mais criativos. Na atual versão brasileira, consiste em um material escrito, sob o formato de cartilha, o qual aborda diferentes temáticas (desde bem-estar geral, à autonomia), ficando de posse de cada usuário, que nele registra todos os aspectos relacionados a sua experiência com o uso de medicamentos. Portanto, a GAM alia-se a uma ética do cuidado a qual afirma a fluidez da vida feita com diferenças e multiplicidades, evitando que ela pareça se estagnarem essencialismos ou fascismos diários, sustentando que ética e política andam juntas, em uma "cosmopolítica", onde "cosmos" se refere a múltiplos e desconhecidos mundos, mas que ainda assim (e até por isso) se articulam em modos de viver, sem a tentação transcendental de encontrar finalmente um programa político universalista, para o mundo da paz, sem divergências (Stengers, 2018). Trata-se de uma ética do cuidado que não desqualifica o outro como "viciado" ou "dependente".

 

O cuidado para além do foco em drogas

Durante o primeiro semestre de 2018, dedicamo-nos ao estudo da GAM e de diversos artigos científicos que se debruçaram na análise desse dispositivo, verificando seu possível emprego em situação específica de uso compulsivo de substâncias psicoativas. É oportuno frisar que a perspectiva adotada é a de que o cuidado em saúde, no caso, não deve se fazer com foco no sintoma de uso compulsivo (como se a substância química se apoderasse do corpo de um "viciado"), mantendo-nos críticos a "olhares normalizadores que levam à patologização e medicalização da vida" (Méllo, 2019, p. 100). Assim, a GAM deveria motivar a busca de iniciativas e práticas capazes de interferir, de modo importante, no uso compulsivo de drogas e na redução do uso de medicamentos.

Partimos do uso de substâncias como mote, tendo em vista que, em um equipamento como um CAPS-ad, esse é o foco de entrada, pois as pessoas que lá chegam tentam ajuda para deixarem de usar drogas compulsivamente. Assim, cremos que a GAM deve ir além de uma discussão medicamentosa- embora dela parta, proporcionando acolhida às pessoas com suas demandas-, mas tendo presente sua função clínico-política elementar de favorecer cuidado em saúde que inclua discussões até mesmo sobre a instituição de saúde, na linha proposta por Schmidt e Figueiredo, as quais sugeriram eixos norteadores do trabalho da clínica em saúde mental: acesso, acolhimento e acompanhamento. Assim, a GAM deve favorecer uma discussão sobre:

1) o "aspecto organizacional" e o "desenho do serviço": a estrutura física e o modo como o serviço está organizado facilitam ou dificultam o acesso de quem procura atendimento?

2) a sequência de atendimentos que ocorrem no equipamento, desde o primeiro contato de quem procura o serviço: técnicos são acolhedores e oferecem cuidado singular, com escuta não preconceituosa ou repleta de verdades preliminares?

3) o foco dos atendimentos efetivados pelo serviço no acompanhamento da trajetória de vida dos usuários, para que tenham autonomia: os atendimentos favorecem o autocuidado, efetivando vínculos socioafetivos para além do equipamento?

Portanto, a GAM inclui discussões sobre vínculos familiares, amizades, trabalho, redução de danos, abstinência e autonomia. O uso de uma droga, quando deixa de ser apenas recreativo e passa a ter alguma toxidade (seja pela frequência, seja pela quantidade de uso), expressa como uma mania ou compulsão é efeito de outros aspectos da vida de alguém, ou seja, refere-se a um sintoma social e individual (Alberti, Inem & Rangel, 2003, Melman, 1992, Santiago, 2000, Vorcaro, 2004). Partindo dessa premissa, o foco deve ser no entendimento desse ato como um sintoma que fala sobre o sujeito e sobre a sociedade como um todo. Por outro lado, a importância da GAM se mostra também na assunção, por parte de cada usuário, da responsabilidade por sua situação e possíveis saídas para ela, o que contraria os modos de viver no contemporâneo:

[O ser humano no contemporâneo] quer ser despojado não apenas da angústia de viver, mas também da responsabilidade de arcar com ela; quer delegar à competência médica e às intervenções químicas a questão fundamental dos destinos das pulsões; quer enfim eliminar a inquietação que o habita em vez de indagar o seu sentido. Mas não percebe que é por isso mesmo que a vida lhe parece cada vez mais vazia, mais insignificante (Kehl, 2002, p. 8).

Por outro lado, como foco fundamental, a GAM se faz na assunção de cada usuário à responsabilidade pela gerência de sua vida, resistindo a certos modos contemporâneos de viver que transferem o governo de si para o saber médico e para a pretensa magia das drogas, as quais prometem felicidade e evitação de angústias. A composição da GAM@ se fez, nesses caminhos, de ser um dispositivo que buscasse discutir modos de viver, favorecendo liberdade e autonomia, em equipamentos de saúde que questionem o acesso, o acolhimento e o acompanhamento que fazem, evitando colocar o uso de substâncias como causa de todos os males dos nossos sofrimentos, todavia, entendendo os usos como consequências de modos de vida contemporâneos.

 

Metodologia

A pesquisa que estamos realizando tem como título "Cuidando de si: a Gestão Autônoma da Medicação (GAM) por pessoas que são acompanhadas em CAPS-ad na cidade de Fortaleza (CE) ". Visa afazer uma composição da GAM, em um processo que inclui quatro etapas, para implantação e utilização do guia como ferramenta auxiliar de promoção da autonomia de usuários de um CAPS-ad, a saber: I - Estudo da GAM e textos correlatos; II - Composição de versão para utilizar no CAPS-ad; III - Treinamento e revisão da Gam@ com profissionais do CAPS-ad; IV - Emprego e revisão da Gam@ com usuários do CAPS-ad. No momento da pesquisa, já terminamos as etapas I e II, sendo que, nesta última, além da versão GAM@, preparamos cinco oficinas para o treinamento de profissionais e concomitante revisão do dispositivo. Essa estruturação no formato de oficinas teve por princípio a inclusão e a diversidade dos atores envolvidos no atendimento no equipamento de saúde, procurando "romper com as abordagens verticais e estanques da vida", evidenciando "o desejo de se articular, a potência de agir em favor do diálogo e a interação entre sujeitos" (Mendes, Pezzato & Sacardo, 2016, p. 1743). Esse processo inclui, como atores, usuários do serviço, profissionais de saúde, estudantes de psicologia bolsistas e voluntários, além de professores/pesquisadores articulados à rede de pesquisadores GAM.

A pesquisa se constitui como pesquisa-participativa1, de ação qualitativa de cunho descritivo e compreensivo (Dilthey, 2010), portanto, hierarquizando semelhanças e diferenças na utilização da GAM por usuários e comparando os usos que fazem do instrumento. Constitui-se como participativa (Thiollent, 2005, Brandão, 1981, 1984, Lourau, 1993), caracterizada por: a) capacitação de profissionais dos CAPS-ad para adoção do instrumento; b) uso da GAM@ em grupo com usuários do CAPS-ad, que estejam em acompanhamento terapêutico (AT) efetivado por profissionais dos CAPS-ad ou estudantes de Psicologia em Estágio Obrigatório Supervisionado, sob a supervisão do coordenador da pesquisa. Está sendo realizada em um CAPS-ad, localizado no bairro Sapiranga, na cidade de Fortaleza. Este atende a toda a Regional VI, a qual inclui outros cinco bairros, sendo a área de maior adensamento populacional e a que teve o maior aumento de violência, conforme relatório de 2017, apresentado pela Assembleia Legislativa do Ceará. Nesse momento, finalizamos as oficinas com dez profissionais de saúde voluntários e iniciamos as oficinas com usuários.

Portando, terminamos a Etapa III, das oficinas com os profissionais de saúde, incorporando as adaptações sugeridas por eles e também as que julgamos necessárias, de sorte que ensejamos a Etapa IV da pesquisa com usuários. Pretendemos realizar essa etapa final com usuários, indicados por seus profissionais de referência, os quais revelem dificuldades importantes no uso compulsivo de substâncias psicoativas e dificuldades com o emprego de medicamentos a eles prescritos. Do mesmo modo que na etapa anterior com os profissionais, faremos as adaptações sugeridas por usuários e as que julgarmos necessárias, na GAM@2.

Esperamos que os resultados finais da pesquisa nos forneçam um instrumento de GAM a ser usado em nova pesquisa, com uso terapêutico, levando-se em consideração: a) relevância dos resultados terapêuticos obtidos; b) vínculos e adesão ao Projeto Terapêutico Singular, construído pela equipe de referência e usuário; c) gestão do cuidado de si e autonomia dos sujeitos, ao longo do tratamento, tendo em vista a melhoria de suas vidas e laços sociais; d) melhoria na qualidade do atendimento prestado no CAPS-ad; e) melhoria na organização do serviço e em sua estrutura. Passaremos à explicação dos caminhos da pesquisa.

Etapa I

Para a construção da GAM@, foi preciso primeiro nos apropriarmos da GAM, lendo e discutindo seu formato, conceitos, figuras, questões e tarefas propostas, a fim de que pudéssemos realizar certa composição, fundamentada teórica e esteticamente, levando em conta seu uso em uma cidade do Nordeste brasileiro e em um CAPS-ad. Além de um pormenorizado estudo da GAM, nas versões para usuários e moderadores (Onocko-Campos, Passos, Palombini et al., 2012, Onocko-Campos, Passos, Palombini, Santos, Stefanello, Gonçalves, Andrade, Borges, 2014),buscamos e lemos vários textos advindos de bases dados sobre GAM e textos sobre metodologia científica. Vale observar que não nos detivemos em uma versão denominada "GAM - Gestão Autônoma de Medicação e Outros Usos de Substâncias (Guia para o Cuidado Compartilhado de Psicofármacos e outras Substâncias Psicoativas Lícitas e Ilícitas) ", por entendermos que está em fase de experimentação e tem conteúdo muito semelhante à GAM, na sua primeira versão brasileira.

Estudamos, ainda, os principais conceitos que circundam a noção de "autonomia", de extrema importância para a GAM. Desta feita, empenhamo-nos em pesquisar na literatura, em especial na Filosofia, autores de referências para essa discussão: Cornelius Castoriadis, John Dewey, Hans Jonas, Markus Schlosser, Willem Haselager, além de autoras brasileiras, como Angela Martins, Marciana Zambillo e Analice Palombini, dentre outros.

Outro conceito sobre o qual nos debruçamos foi o de "cuidado", tendo Michel Foucault e Annemarie Mol como referências principais, juntamente com autores brasileiros, como Daniel Kupermann, Mary Jane Spink, Ricardo Méllo, assim como documentos oficiais do Ministério da Saúde, como o "Projeto Caminhos do Cuidado", dentre outros.

Concomitantemente a todos esses estudos, em função de nossa participação no Núcleo de Estudos sobre Drogas (NUCED) e nossa dedicação ao Acompanhamento Terapêutico (AT) de pessoas que fazem uso compulsivo de substâncias psicoativas (drogas), também nos aplicamos ao estudo da "clínica das toxicomanias" ou "clínica das adicções", tendo, como referências, Charles Melman, Claude Olievenstein, Decio Gurfinkel, Durval Nogueira Filho, Gerard Pirlot, Jesus Santiago, Sylvie Le Poulichet, dentre outros.

Etapa II

Nesse momento, começamos a compor a guia em seus mínimos detalhes, em encontros semanais na Universidade Federal do Ceará, durante o período de março de 2018 a abril de 2019. Participaram da produção da primeira versão da GAM@ três alunas de graduação (duas bolsistas PIBIC e uma voluntária) e o professor coordenador da pesquisa. Diminuímos a quantidade de páginas em relação ao texto original, sem perder a perspectiva da proposta, que é possibilitar a cada usuário a discussão de seu Projeto Terapêutico Singular (PTS). Verificamos e decidimos qual seria a melhor forma de fazer aparecerem os conceitos e discussões sobre autonomia, na GAM@.

Desenvolvemos desenhos, figuras e dinâmicas que estruturaram a proposta. Assim, chegamos à produção da primeira versão experimental impressa da GAM@, cujas principais mudanças em relação a GAM são: arte da capa e de cada tema abordado; alteração da ordem de alguns tópicos de temas; redução do número de páginas; dinâmicas de discussão dos temas; ampliação da discussão dos conceitos autonomia, liberdade e cuidado. A GAM@ apresenta os seguintes tópicos: "Compartilhando Experiências", "Cultivando Cuidados", "Cultivando Autonomia", "Cultivando Informação" e "Colhendo sua Experiência". Tendo em vista que as pessoas atendidas no CAPS-ad onde estamos desenvolvendo a pesquisa e nos CAPS-ad de forma geral, em Fortaleza, estão em situação de rua e/ou lêem pouco ou quase nada, além de terem pouca ou nenhuma familiaridade com textos acadêmicos, a GAM@ é bem interativa e propõe atividades diversas, para serem desenvolvidas em grupo, como, por exemplo, desenhar. Solicitamos a colaboração de uma artista plástica, também estudante de Psicologia, Lara Maria Brito da Costa, que compôs a arte da GAM@.

No segundo semestre de 2019 desenvolvemos a Etapa II, por meio de oficinas com profissionais do CAPS-ad, utilizando a GAM@ que elaboramos até então, discutindo o guia na íntegra. Organizaremos momentos para que os/as participantes fossem provocados/as a conversar sobre os seguintes assuntos: autonomia, medicalização, políticas sobre drogas e redução de danos. Realizamos cinco oficinas, com duração de uma hora e meia, assim divididas: primeira: apresentação dos participantes; apresentação da história da GAM; apresentação da pesquisa; segunda: atividades relacionadas à capa e ao item "Compartilhando Experiências"; terceira: atividades sobreo item Cultivando Cuidados"; Quarta: atividades sobreo item "Cultivando Autonomia"; quinta: atividades sobre os itens "Cultivando Informação" e "Colhendo Experiência". Também elencamos pontos para se levar em conta, nas oficinas: a) Desconhecimento de profissionais (que não médicos) e usuários sobre os motivos, tempo de duração das prescrições medicamentosa e efeitos colaterais; b) Privilégio dado ao tratamento por fármacos pelos profissionais e usuários; c) Baixo nível de autonomia para o usuário decidir sobre seu próprio tratamento; d) Risco de colocar os equipamentos de saúde à mercê das indústrias farmacêuticas; e) Desinformação sobre a possibilidade de diminuição progressiva do medicamento; f) Desconhecimento do próprio corpo e infrequência de auto-observação, por conseguinte, não estímulo a esse conhecimento, por parte dos profissionais; g) Importância da identificação de redes singulares significativas dos usuários; h) Relevância de se entender que saúde é mais que tratar sintomas; j) Relevância de se entender que cuidado é mais que uso de medicamentos; i) Necessidade de atentar para a cronicidade do tratamento centrado no uso de medicamentos.

 

Discutindo a experimentação da versão GAM@

Tendo realizado diversos estudos (Etapa I) e construído a primeira versão do GAM@ e oficinas para sua experimentação (Etapa II), capacitado uma equipe do CAPS-ad da cidade Fortaleza para o uso desse material (Etapa III), resta utilizar a GAM@ junto aos usuários (Etapa IV).

Daremos dois exemplos das composições que fizemos, as quais podem ser constatadas visualmente nas Figuras 1(Capa) e 2 (Sumário), ambas em anexo. A capa tem, ao lado da identificação do livreto com a nomeação do Guia, o desenho de um pássaro típico da caatinga nordestina, cardeal-do-Nordeste (Paroaria dominicana), também conhecido como galo-da-campina, cabeça-vermelha ou simplesmente cardeal.5 A intenção foi aproximar a GAM@ de peculiaridade nordestina que não fosse chavão turístico (jangada, sol e mar, por exemplo), mas que remetesse ao fundamental da Guia, que é o favorecimento da autonomia, portanto, que as pessoas atendidas pelo CAPS-ad dele se desliguem e voem com suas próprias asas (entendendo que o CAPS-ad será um abrigo, em momentos de dificuldades).Seguindo a GAM, na capa, reservamos um espaço para que a pessoa insira seu nome, mas introduzindo, de modo explícito, que se trata de um investimento no cuidado de si. Ao mesmo tempo, a GAM@ propõe que cada pessoa invente sua capa, como um ato de criação que precisa permear sua vida (criar-se e recriar-se). A proposta do Guia deve levar a discussões sobre cuidado, no contemporâneo, que questionem modelos de consumo de prazer rápido e volátil, especialmente advindos das promessas de felicidade pelo uso de medicamentos/drogas (Méllo, 2016).

Tendo em vista, à pouca ou nenhuma familiaridade com textos acadêmicos, desejamos que as pessoas, ao abrirem as primeiras páginas da GAM@, encontrassem imediatamente seu conteúdo. Assim, ao invés de sumário ou índice, ele abre com o título "Temas deste Guia" (Figura 2), elencando os quatro itens que o compõem, com as respectivas questões para dialogar, nesse caso, seguindo a troca de experiências propostas na GAM. Ficou assim composto: 1) Compartilhando Experiências - propomos que as pessoas falem de experiências de que gostam e de que não gostam; 2) Cultivando Autonomia - começamos a discussão acerca da autonomia, com o intuito que ela permeie todas as outras conversas, inclusive em relação à legislação em saúde que pode proteger as pessoas as quais fazem uso do serviço; 3) Cultivando Cuidado - inicialmente, propomos um conversa mais ampla sobre cuidado, afunilando-a até que chegue ao uso de medicamentos/drogas e seus efeitos específicos; 4) Cultivando Informação - momento em que as pessoas se envolvem na pesquisa sobre o(s) medicamento(s) /droga(s) que utilizam. Com isso, deixamos de fora da GAM@ toda a parte extensa de informação sobre diversos tipos de medicamentos; 5) Colhendo sua Experiência - item final avaliativo da experiência com o Guia, indicando que cuidado em saúde é mais amplo que uso prescrito de medicamentos/drogas.

Em "Temas deste Guia" (Figura 2), seguimos a proposta estética de inserir, ao pé das páginas, o desenho de um tronco aparentemente morto (significando uma árvore golpeada, abatida, cortada), mas que, a cada página virada, volta à vida (florescendo e potencializando-se). Certamente o processo de cada pessoa, no CAPS-ad, é clinicamente delicado, por isso, evitamos articular a posição comum de que, nos usos de drogas, só há morte; ao contrário, não poucas vezes, é esse uso que ainda mantém a pessoa viva, investindo em algum prazer. Seguindo Green, na clínica, percebemos que é difícil e doloroso favorecer que alguém admita "que ele tira prazer de sua destrutividade ou que utiliza essa destrutividade nas suas relações de amor com o seu entorno" (Green & Urribarri, 2019, p. 116). Portanto, autonomia e cuidado andam juntos, produzindo potências, seja nas dores, seja nos prazeres.

Seguindo a ideia de um tronco se revitalizando, iniciamos a GAM@ com o item "Compartilhando Experiências", explorando aquilo de que os usuários gostam e de que não gostam, em trocas amplas de aspectos de suas vidas, fazendo isso sob a forma de desenhos no próprio Guia, em partilha coletiva, observando e ouvindo o comentário de outras pessoas presentes. Tem o objetivo de gerar e abrir potências de experiência no plano singular, para que cada participante leve adiante o cuidar-se, em composições que o façam pensar suas dores e alegrias. Isso permite o exercício de pensar-se, nem sempre simples para essas pessoas que fazem uso compulsivo de substâncias capturadas pelo prazer que se tornou "obrigatório" em nossos dias atuais, levando a certa intolerância aos mal-estares sofridos no curso da vida e na perda da capacidade de aguardar algo maturar-se, porque submergidos em um regime de tempo, com ritmo de movimentos apressadamente mecânicos, bem como na intensificação do individualismo que nega partilha e vida solidária. O recurso ao uso compulsivo de drogas como resposta a nossas dores exclui a possibilidade de elaboração por meio da linguagem, por isso, nossa proposta de começar pelo desenho, depois, pela fala partilhada.

Já no item "Cultivando Autonomia", entendendo que algo só vai florescer se for cultivado, iniciamos as conversas sobre a autonomia tão importanteàs pessoas que fazem uso compulsivo de certas substâncias, consideradas doentes e sem capacidade de se cuidar, portanto, tomadas a priori como derrotadas. Terão voz para opinar sobre seu tratamento livremente e fazer sugestões, pensando a si e também avaliando as ações propostas pelo CAPS-ad. Também se principiam conversas sobre a legislação relacionada à políticade saúde, favorecendo um dos pressupostos advindos do Sistema Único de Saúde (SUS): o Controle Social, o qual visa a avaliar os atendimentos oferecidos, omissões e algum descumprimento do que já fora planejado nas Assembleias de Usuários e pelo próprio SUS. A autonomia deve se fazer em rede, porque se trata de um exercício político.

Em seguida, propomos o item "Cultivando Cuidados". Nele, entramos mais especificamente não apenas na discussão sobre o uso de medicamentos, mas também na da cartografia das Redes singulares significativas de cada usuário. Sabemos que essas redes provocam fechamentos em adoecimentos, tanto quanto indicam saídas. Nelas, podemos encontrar pessoa se atividades que podem ser apoio aos usuários para além dos profissionais do CAPS-ad e, por isso, precisam ser compreendias, cartografadas e visibilizadas. Isso inclui o favorecimento do conhecimento da Rede de Atenção à Saúde (RAS), onde os serviços deveriam se estruturar em rede de pontos de atenção à saúde, em diversidade de equipamentos de diferentes funções e densidades tecnológicas e distribuídos, espacialmente, de forma ótima. O item inclui ainda discussões sobre Redução de Danos. Observamos que o tema do cuidado será retomado no último item, no intuito de expandir-se para além do uso de medicamentos.

Chegamos ao item "Cultivando Informação", momento em que propomos que cada usuário se lance à pesquisa sobre os medicamentos/drogas que usa. Aqui, atrelamos as duas discussões anteriores sobre autonomia e cuidado, pois se pressupõe que há um sujeito a ser cuidado por si, investido em si mesmo; por conseguinte, deve aventurar-se na pesquisa, estimulado pela curiosidade. Para tal, criamos possibilidades que vão desde a leitura das bulas dos remédios até o uso de computadores e da Internet (tudo com ajuda das monitoras das oficinas). Torna-se uma oportunidade para a discussão do abrandamento de nossas dores pela via química, iludindo-nos e sabotando o enfrentamento de nossas dificuldades, fazendo com que o uso de medicamentos/drogas proporcione prazer, porém, nos levando à compulsão de repetir seu emprego em uso ritualizado, a fim de "diminuir" angústias (Santiago, 2000).

O último item da GAM@ é "Colhendo sua Experiência". Após termos compartilhado experiências, cultivado autonomia e cuidado de si e de outros, pesquisado sobre os medicamentos e outras drogas, devemos "colher", no sentido de apreciar, os frutos de tudo isso que foi vivido. É momento de retomarmos os conceitos principais do dispositivo GAM e Gam@ (cuidado e autonomia) e momento de nos surpreendermos com a vida pulsante nos corpos de cada um dos participantes do grupo. Ocasião de avaliar o próprio instrumento usado, as oficinas e o modo como as conversas foram conduzidas; identificar os acertos e erros das atividades realizadas no CAPS-ad. Trata-se de ocasião importante também para entender que só há cuidado em saúde, quando "há uma abertura a si e ao outro", quando se aprecia "o conhecimento singular (seja do técnico seja do "paciente") ", quando se impõem "a solidariedade e a dedicação ao bem viver de si e do outro" (Méllo, 2018, p. 100).

 

Considerações Finais

A par dos resultados advindos dessas oficinas com profissionais da saúde do CAPS-ad, nesse momento, nos detemos preparar a segunda versão da GAM@, para que possamos dar continuidade à quarta etapa da pesquisa, nesse caso, com usuários. De todo modo, o que não deve mudar são os parâmetros éticos da experiência de cuidado proposta a partir do dispositivo GAM@: 1) Cuidados múltiplos e singulares; 2) Cuidado que valoriza saberes localizados, 3) Cuidado em amizade, 4) Cuidado que evita posturas virtuosas; 5) Cuidado que inclui não-humanos e humanos como atuantes (Méllo, 2018, p. 119 - 127).

A GAM@ vai sendo modificada a cada uso, nas etapas da pesquisa, a fim de que seus objetivos e função possam ser renovados, sob uma perspectiva na qual a vida de um sujeito não se restrinja a um corpo-droga. A GAM@ parte do objeto droga para ir além dele, não se fixando no objeto droga, de modo a se dedicar à singular relação que um sujeito estabelece com a mesma, melhor dizendo, buscando cartografar o que favorece que tal sujeito acabe se enlaçando em uso compulsivo (Faria, 2016).

Como o cardeal, que alça voos sabendo que precisará, em algum momento, pousar em segurança, como o tronco da árvore que se refaz em potência criativa, temos as pessoas que são atendidas no CAPS-ad (e o próprio equipamento),em contínuo constituir-se. Que o dispositivo GAM, em qualquer composição, se afirme como possibilidade de acolhimento da dor do outro, atento às estratégias de construção de territórios existenciais que deixem o corpo "vibrar em todas as frequências possíveis", "inventando posições a partir das quais essas vibrações encontrem sons, canais de passagem, carona para a existencialização" mais fluida (Rolnik 2006, p. 66). É essa nossa intenção, somando-nos à rede de pesquisadores GAM e deles recebendo as devidas críticas, as quais nos estimulem a pensar e problematizar ainda mais esse dispositivo, para que nunca passe a existir como estável e definitivo, sem vibração, como um morto-vivo. E que a GAM seja motor para que pessoas a quem dedicamos cuidados em saúde - como canta o rapper brasileiro Emicida (2015) - possam, ainda que "despencados de voos cansativos, complicados e pensativos, machucados após tantos crivos", "amuados, reflexivos", apostando só em antidepressivos, possam crer que têm potencialidades múltiplas para alçar voos como "passarinhos soltos a voar dispostos"

 

Notas

1 Em um momento político no Brasil em que a palavra "intervenção" está atrelada a movimentos neofascistas, que popularizam o termo defendo intervenções militares, racismos e outras formas de políticas neocoloniais, preferimos retomar o termo "participativa", relacionado a projetos emancipatórios e autogestionários.

2 Nesse momento, em função da pandemia advinda do novo coronavírus, as atividades de pesquisa estão suspensas. Conseguimos realizar quatro oficinas como usuários e iremos nos deter na análise desse material produzido.

3 Entendemos desinstitucionalização como um processo contínuo, desencadeado pela chamada psiquiatria democrática italiana de Franco Basaglia, de oposição a dispositivos científicos, legislativos, administrativos e culturais, em geral, que se estruturam em torno da patologização da vida: rompe-se com "a rigidez mecanicista constitutiva do processo de 'doença'" e a ênfase do cuidado em saúde, "não é mais colocada no processo de 'cura', mas no projeto de 'invenção de saúde'" (Rotelli et al.,2001, p. 30).

4 "Esses vetores de desorganização ou de 'desterritorialização' são precisamente designados como linhas de fuga. Compreendemos agora a dupla igualdade que constitui essa expressão complexa. Fugir é entendido nos dois sentidos da palavra: perder sua estanquidade ou sua clausura; esquivar, escapar. Se fugir é fazer fugir, é porque a fuga não consiste em sair da situação para ir embora, mudar de vida, evadir-se pelo sonho ou ainda transformar a situação (este último caso é mais complexo, pois fazer a situação fugir implica obrigatoriamente uma redistribuição dos possíveis que desemboca - salvo repressão obtusa - numa transformação ao menos parcial, perfeitamente improgramável, ligada à imprevisível criação de novos espaços-tempos, de agenciamentos institucionais inéditos; em todo caso, o problema está na fuga, no percurso de um processo desejante, não na transformação cujo resultado só valerá, por sua vez, por suas linhas de fuga, e assim por diante)" (Zourabichvili, 2004, p. 30).

5 Sugerimos que se ouça seu lindo cantar em https://www.youtube.com/watch?v=xcu2BETEYM.

 

REFERÊNCIAS

Alberti, S., Inem, C. L. & Rangel, F. C. (2003). Fenômeno, estrutura, sintoma e clínica: a droga. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, VI(3),11-29. Recuperado de http://www.redalyc.org/pdf/2330/233018065002.pdf        [ Links ]

Brandão, C. R. (Org.). (1981). Pesquisa Participante. São Paulo: Brasiliense.         [ Links ]

Brandão, C. R. (Org.). (1984). Repensando a Pesquisa Participante. São Paulo: Brasiliense.         [ Links ]

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde.DAPE. Coordenação Geral de Saúde Mental. (2005). Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. OPAS. Brasília: Ministério da Saúde.         [ Links ]

Cazanatto, E., Martta, M. K. & Bisol, C. A. (2016). Escuta Psicanalítica em Instituição: construindo espaços. Psicologia: Ciência e Profissão, 36(2),486-496.Recuperado de https://www.scielo.br/pdf/pcp/v36n2/1982-3703-pcp-36-2-0486.pdf.         [ Links ]

Dilthey, W. (2010). Introdução às ciências humanas - tentativa de uma fundamentação para o estudo da sociedade e da história. Marco Antônio Casanova (Trad.). Rio de Janeiro: Forense Universitária.         [ Links ]

Emicida (Leandro Roque de Oliveira). (2015). Passarinhos. Em Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa... [CD, lojas digitais e serviços de streaming]. São Paulo: Sony Music Entertainment.         [ Links ]

Kehl, M. R. (2002). Sobre Ética e Psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras.         [ Links ]

Lourau, R. (1993). Análise institucional e práticas de pesquisa. Rio de Janeiro: UERJ.         [ Links ]

Melman, C. (1992). Alcoolismo, delinquência, toxicomania: uma outra forma de gozar. São Paulo: Escuta.         [ Links ]

Méllo, R.P. (2016). As drogas cotidianas emtemposdesobrevivência. In L. L. F. Vieira, L. F. Rios, & T. T.Queiroz (Orgs.). A problemática das drogas: contextos e dispositivos de enfrentamento (pp. 20 - 53). Recife: Editora UFPE.         [ Links ]

Méllo, R. P. (2018) Cuidar? De quem? De quê? A ética que nos conduz. Curitiba: Appris.         [ Links ]

Mol, A. (2008). The logic of care: health and the problem of patient choice. London/New York: Routledge.         [ Links ]

Nietzsche, F. (2008). A Vontade de Poder. Rio de Janeiro: Contraponto.         [ Links ]

Onocko-Campos R., Palombini, A. de L., Passos E., Leal, E. M., Serpa Jr, O. D. de, Emerich, B. F., Marques, C. de C. e, Santos, D. V. D. dos, Melo, J., Gonçalves, L. L. M., Surjus, L. T. de L. e S., Silveira, M., Arantes, R. L., Rodrigues, S., Otanari, T. M. de C.& Carvalho, J. (2012). Guia da Gestão Autônoma da Medicação -GAM.Porto Alegre: DSC/FCM/UNICAMP, AFLORE, IPUB/UFRJ, DP/UFF, DPP/UFRGS.         [ Links ]

Onocko-Campos, R. S., Passos, E., Palombini, A. de L., Santos, D. V. D. dos, Stefanello, S., Gonçalves, L. L. M. , Andrade, P. M. de, & Borges, L. R. (2014). Gestão Autônoma da Medicação - Guia de Apoio a Moderadores. Porto Alegre: DSC/FCM/UNICAMP, AFLORE, DP/UFF, DPP/UFRGS.         [ Links ]

Passos, E., Palombini, A. de L., Campos, R. O., Rodrigues, S. E., Melo, J., Maggi, P. M., Marques, C. de C. E.,Zanchet, L., Cervo, M. da R., & Emerich, B. (2013, maio-agosto). Autonomia e cogestão na prática em saúde mental: o dispositivo da gestão autônoma da medicação (GAM). Aletheia, 41,24-38.Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/aletheia/n41/n41a03.pdf.         [ Links ]

Poulichet, S. (1987). Toxicomanies et psychanalyse - les narcoses du désir. Paris: PUF.         [ Links ]

Rolnik, S. (2006). Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina, Editora da UFRGS.         [ Links ]

Rotelli F., Leonardis, O. de, & Mauri, D. (2001). Desinstitucionalização, uma outra via. In F. Rotelli, O. de Leonardis, D. Mauri, & C. de Risio, C. (Orgs.). Desinstitucionalização (pp. 17 - 59). São Paulo: Hucitec.         [ Links ]

Santiago, J. (2000). A droga do toxicômano - uma parceria cínica na era da ciência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.         [ Links ]

Stengers, I. (2018, abril). A proposição cosmopolítica. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, 69,442-464. Recuperado de http://www.revistas.usp.br/rieb/article/view/145663/139603.         [ Links ]

Thiollent. M. (2005). Metodologia da pesquisa-ação. (14a. ed.) São Paulo (SP): Cortez.

Vorcaro, A. (2004). Seria a toxicomania um sintoma social? Mental, ano II, 3,61-73. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/mental/v2n3/v2n3a06.pdf. Acesso em: 13 de junho de 2012.         [ Links ]

Zambillo, M. & Palombini, A. L. (2017, janeiro-março). Autonomias errantes: processos de autonomização em saúde mental. Estudos de Psicologia, 22(1),78-88. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/epsic/v22nUa09v22n1.pdf        [ Links ]

Zourabichvili, F. (2004). O vocabulário de Deleuze. Rio de Janeiro: Relume-Dumará         [ Links ].

 

 

Enviado em: 30/07/19
Aceito em: 02/01/20

 

 

Ricardo Pimentel Méllo é professor titular do Departamento de Psicologia e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da Universidade Federal do Ceará e coordenador do Núcleo de Estudos sobre drogas.
E-mail: ricardopmello@gmail.com
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-9990-3837
Juliana Vieira Sampaio é doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco e graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará. É também docente da Universidade Estadual do Ceará e pesquisadora da Escola de Saúde Pública do Ceará.
E-mail: julianavsampaio@hotmail.com
ORCID: http://orcid.org/0000-0001-5770-244X
Natalia Sousa Barros é graduanda do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará e integrante do Núcleo de Estudos sobre Drogas.
E-mail: nataliasbarros5@gmail.com
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-3774-9555
Tárcila Silva de Lima é graduanda do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará e integrante do Núcleo de Estudos sobre Drogas
E-mail: tarcilaabrante@gmail.com
ORCID: http://orcid.org/0000-0001-5230-7838
Carolina Castro e Veras é graduanda do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará e integrante do Núcleo de Estudos sobre Drogas.
E-mail: carolinacastroufc@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3311-7873

 

 

ANEXO

 

 

 


Clique para ampliar

Creative Commons License