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Revista Polis e Psique

versão On-line ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.11 no.1 Porto Alegre jan./abr. 2021

http://dx.doi.org/10.22456/2238-152X.100117 

ARTIGOS

 

Texto das palavras e texto dos corpos (Peçasamba)

 

Text of words and text of bodies (Sambapiece)

 

Texto de palabras y texto de cuerpos (Piezasamba)

 

 

Esperidião Barbosa Barbosa Neto

Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió, AL, Brasil

 

 


RESUMO

A psicologia, pela via da psicanálise, sugere um diálogo com a arte da dança. Pensamos o corpo como instância psíquica, palco do movimento cuja expressão se faz palavra. Nesse cenário o sentido se produz e pode ser ressignificado; dançantes se transformam no enredo de como a vida é. Nosso objetivo é apresentar uma peça teórica (e descrição de uma prática) articulando o corpo à dança, cuja arte é capaz de ressignificação da experiência traumática. O trabalho se compõe de duas partes, o texto das palavras e o texto dos corpos. No primeiro uma peça teórica sobre o corpo e a dança, no outro a prática dançante e o diálogo corporal. Conclui-se que a dança, como arte e objeto de transformação, pode resgatar o sentido perdido pelo sujeito no âmbito individual, coletivo, histórico e sociocultural. O texto, seja ele das palavras ou dos corpos, é efeito do tecimento de algum sentido.

Palavras-chave: Corpo Psíquico; Dança; Samba de Gafieira; Sentido.


ABSTRACT

Psychology, through psychoanalysis, suggests a dialogue with the art of dance. We think of the body as a psychic instance, stage of the movement whose expression becomes word. In this scenario, meaning is produced and can be resignified; dancers become the plot of what life is like. Our aim is to present a theoretical piece (and description of a practice) articulating the body to dance, whose art is able of resignification of traumatic experience. The work consists of two parts, the text of words and the text of bodies. In the first, a theoretical piece about the body and dance, in the other a dancing practice and corporal dialogue. It is concluded that dance, as an art and object of transformation, can rescue the sense lost by the subject in the individual, collective, historical and sociocultural scope. The text, be it of words or bodies, is the effect of weaving some sense.

Keywords: Psychic body; Dance; Samba from gafieira; Sense.


RESUMEN

La psicología, a través del psicoanálisis, sugiere un diálogo con el arte de la danza. Pensamos en el cuerpo como una instancia psíquica, escenario del movimiento cuya expresión se convierte en palabra. En este escenario, el significado se produce y puede ser resignificado; bailarines se convierten en la trama de cómo es la vida. Nuestro objetivo es presentar una pieza teórica (y una descripción de una práctica) que articule el cuerpo con la danza, cuyo arte es capaz de resignificar la experiencia traumática. El trabajo consta de dos partes, el texto de las palabras y el texto de los cuerpos. En el primero, una pieza teórica sobre el cuerpo y la danza, en el otro una práctica bailando y diálogo corporal. Se concluye que la danza, como arte y objeto de transformación, puede rescatar el sentido perdido por el sujeto en el ámbito individual, colectivo, histórico y sociocultural. El texto, ya sea de palabras o cuerpos, es el efecto de tejer algún sentido.

Palabras clave: Cuerpo psíquico; Danza; Samba de gafieira; Sentido.


 

 

Introdução

A vida é uma peça. Ela vai sendo tecida, sobretudo, na medida em que movimentos físicos, aliados à cultura e formação psíquica, constituem uma corporeidade. O corpo se edifica a partir do sentido da vida, passo a passo, no contexto das relações sociais, do outro e dentro de espaço e tempo bem específicos. Ele se torna instância psíquica, reelaborando-se no encontro com outros corpos, porque a imagem de si é construída na relação com o outro, desde o princípio.

O termo peça, aqui utilizado, porta sentidos diversos. Pode ser uma peça forjada a partir de pedaços; ou, ao contrário, partes que compõem um todo, isto é, peça por peça; flexão verbal para solicitar alguma coisa, como pedir um gênero musical, que desperta um pulsar a mais do corpo, e o convida à dança (por que não dizer "peça um samba"?). E ainda, "peça" no sentido de espetáculo. Adotamos a primeira acepção, embora não se excluam as outras.

O vocábulo texto liga-se à ideia de tecido. Fios são alinhavados no campo da linguagem, dão consistência a uma peça tecida; letras, palavras, sintaxes e outros elementos formam um contexto (com-texto). A palavra texto será utilizada na sua acepção mais original possível. Etimologicamente ela vem do latim textum, um entrelaçamento ou tecido, indicando a "textura de uma obra" (Cunha, 1986, p. 768). Diz-se do ato ou efeito do tecimento de sentido, no caso, por exemplo, de narrativa ou escrita de uma história, trama ou explicação científica.

A partir desses elementos pensamos o tecimento, por fios de ideias através de palavras e expressão. No campo da dança dizemos da composição do sentido dela, pelo que representa como narrativa, enredo e expressão, através da palavra e/ou corpo. A letra, como símbolo, compõe a palavra; do mesmo modo, cada movimento do corpo é letra, dela se faz a dança. Texto é o que expressa ou expõe, do modo mais consistente possível, o tecido.

Nosso objetivo é apresentar uma peça articulando o corpo à dança, ele como instância psíquica, ela uma expressão capaz de ressignificar a experiência traumática. O trabalho consiste em dois textos, um teórico (por palavras) e outro prático (por corpos dançantes). O primeiro fundamentado pela psicanálise, de Freud a Lacan, e aspectos históricos da dança: Corpo psíquico - feito de linguagem e da imagem do Outro, tendo se distanciado do puramente biológico para se tornar corpo falante, marcado pelo Outro; Ritmo e palavra - o primeiro, desde o mais primitivo, elevado ao efeito da palavra; Dança de salão - praticada a dois, originada de causas sociais e políticas; Samba de Gafieira - genuinamente brasileira, de raízes africanas. O segundo texto é a descrição de uma peça ritmada por dança de gafieira/samba no pé, criada e praticada pelo autor; foi trabalhada em grupos de estudos acadêmicos, cujo projeto pretende alcançar populações menos assistidas pelo poder público. A peçasamba (como a denominamos) é composta pelos seguintes conjuntos de movimentos: Encontro, Eixo da terra, Laço no enlace e Passeio. Por último, A palavra incorporada, reflexão sobre essa prática descrita, cujo movimento é capaz de elevar a dança à dignidade da arte. A dança, aqui, é (com)textualizada como leitura da vida, enredo que justifica a ideia de palavra incorporada ao movimento, e nesse passo a elaboração de algum sentido.

Dois campos de estudos nos conduziram a este projeto, psicanálise, educação física/dança. Temos longa experiência clínica psicológica e interesse na questão do corpo, do ponto de vista acadêmico profissional; praticamos a dança, a princípio restrito ao interesse pessoal, com aporte de estudos nas áreas de educação física e da dança. Não buscamos provar alguma coisa racional e definitivamente, mas qualificar a investigação, dar vulto às ideias e gerar discussão pelas quais outros possam avançar. Que mais estudos ponham a dança em cena pelo viés textual, distinguindo-se do movimento banalizado. Somente assim o corpo toma vida, e se renova, porque o sujeito fala através dele. Conclui-se: o corpo, como psíquico, faz da dança/arte uma dimensão capaz de elaboração de si mesmo.

 

Corpo psíquico

O corpo é instituído no contexto da cultura, do movimento e no tempo. Ele é feito de palavra, adquire técnicas específicas e sucessivas ressignificações. A dança, como arte, toma-o, ou é tomada por ele.

O corpo não se reduz ao aparato biológico inicial, elementos culturais, sociais e, sobretudo, psíquicos elevaram-no além do somático. A organização psíquica do sujeito atua inconscientemente, principalmente pela via da superfície corpórea tornando-a cenário da confluência entre o somático e o psíquico.

O sujeito é feito de linguagem e do desejo. Isto é, institui-se a partir da sua inserção em um mundo feito de sentido, significado e ressignificado desde tempos remotos e inalcançáveis (Lacan, 1998). Elementos simbólicos e culturais, inclusive equívocos da linguagem (o não dito ou negado por exemplo), permeiam toda expressão humana, cujo desejo ressoa nas gerações posteriores, "embora seus traços e feitos nem sempre apareçam na geração seguinte, e sim bem mais adiante" (Barbosa Neto, 2019).

O vivente, de início, tem todas as condições para se tornar humano, "antes ainda que se estabeleçam relações e que sejam propriamente humanas, certas relações já são determinadas" (Lacan (1964, p. 28). O Outro (materno) está implicado nessa rede de sentidos; ele marca o corpo do vivente, ao nomeá-lo, pelo amor e/ou ódio. Então o bebê se aliena a esse Outro, torna-se parte dele, verdadeira simbiose. As limitações impostas pela cultura separam os corpos e o novo ser tem que construir o seu próprio, passando a vida nessa edificação, cuja imagem vai sendo recomposta porém sem perder o Outro como referência, trabalho que não se completa do ponto de vista físico e simbólico.

A alienação é necessária, ela dá origem às identificações. Havendo falha nesse processo surgem dificuldades para o indivíduo lidar com o corpo, a exemplo do autismo. Certas crianças não atingem maturidade corporal, têm problemas na organização psíquica e são incapazes de manejo da coordenação motora no espaço e no tempo. Falta capacidade de "ensaios" malabaristas ou danças dos primeiros anos da vida, também sutilezas do corpo que impulsionem, por exemplo, o balanço recreativo, de modo a fazê-lo ir e vir sem apoio das mãos ou dos pés. Porque o corpo não apenas é balançado, ele balança o balanço.

Mauss (2003) pensa o corpo como objeto de técnica desenvolvida no contexto da cultura. Cada povo tem sua técnica e, de forma tradicional, sabe servir-se de seu corpo: "as mulheres indígenas adotam um certo (...) balanceio solto e no entanto articulado dos quadris que nos parece desgracioso, mas que é extremamente admirado pelos Maori. As mães exercitavam (...) suas filhas nessa maneira de andar que é chamada 'onioi'" (p. 405). Pizzinatto (2015), na sua dissertação, escreveu: "andar, sentar, falar e até atividades mais elaboradas, como a prática de esportes, ou os próprios malabares são formas de uso corporal que o homem aprende em meio a um contexto social e o transmite seguindo este mesmo contexto" (p. 13).

Brincadeiras infantis demonstram, desde cedo, a ligação do corpo com objetos, em parâmetros de tempo e espaço. Pula corda, faz girar o bambolê impulsionando a cintura, joga amarelinha e brinca com pequenas pedras (diante de um conjunto delas, joga uma para cima e, antes da sua volta, empurra outra na direção de um espaço delimitado pela outra mão). Ela aprende a dançar logo cedo, através de músicas infantis na escola e muito mais com as exibidas publicamente. O que conta é o sentido, este incorporado (absorvido pelo corpo).

A psicanálise lacaniana, fundada a partir da leitura freudiana, concebe a corporeidade como uma realidade não dada. O corpo é feito de pulsão, distanciando-se da função biológica organizada primordialmente, o sujeito não se reduz ao puramente instintivo.

 

Ritmo e palavra

Cada corpo tem seu ritmo interior. Nosso mundo se organiza conforme o espaço e tempo das coisas, ritmado por sucessão de acontecimentos, com alternância e regularidade, no campo sensorial. E se "nada" acontece, é o silêncio que atua e se pode senti-lo, pois há o barulho interno que não cessa. Alternam-se dias e noites, fome e saciação, movimento e paralisia, atenção e dispersão, dor e bem estar, ser e não ser. Em tudo um ritmo: forte, fraco-ausente-presente, indefinido.

O ritmo biológico é o mais primitivo. O indivíduo, de início, funciona nessa regularidade que se alterna de modo binário: tensão-alívio. A intervenção do Outro (materno) rompe a binaridade e impõe alternância irregular; o vivente é arrebatado do puramente instintivo. Esse Outro, simbólico, humano e, portanto, imperfeito, jamais atende ao bebê na medida e tempo exatos à necessidade, ele chega com atraso ou adianta-se, incapaz de restabelecer o que falta e de forma completa, embora não note. Quer dizer, a mãe aparece diante do choro do bebê, ainda que ela lhe ofereça tudo que lhe é possível e compreenda ser o suficiente, jamais corresponderá ao traço de memória que ele formou. Ocorre, às vezes, de uma criança recusar o seio da mãe mesmo tendo fome.

Esse descompasso rítmico inverte a lógica da regularidade biológica e, no entanto, não lhe imprime um modelo, exigindo do futuro sujeito a criação de ritmo próprio. Melhor ainda: ao ensaiar seu próprio ritmo a criança opera o simbólico e elabora suas experiências traumáticas. A teoria freudiana contempla essa ideia. Um estudo conhecido por Fort-dá (Freud, 1920/1976) revela o drama de uma criança de 18 meses e seu trabalho de superação. Ela brincava de carretel preso a uma linha, porém de modo não convencional: jogava-o para longe, até onde não podia mais ver (enquanto pronunciava Fort = vá); na sequência, puxava a linha até reaparecer o carretel (dizendo, = venha). Para Freud a criança tentava dominar, de forma ativa, a experiência traumática pela ausência da mãe vivida passivamente. Ela executava um ritmo ao reelaborar a perda. Freud realça a ausência da mãe, anteriormente à brincadeira, articula, com clareza, corpo e ritmo:

durante esse longo período de solidão, a criança havia encontrado um método de fazer desaparecer a si própria. Descobrira seu reflexo no espelho de corpo inteiro que não chegava inteiramente até o chão, de maneira que agachando-se, podia fazer sua imagem no espelho "ir embora" (p. 27).

A experiência de movimento, no bebê, introduz ordem no tempo e no espaço, diz Guerra (2017). A comunicação mãe-bebê, no princípio, se faz ritmada; ela canta, toma-o nos braços e o balança até aliviar sua angústia:

um dos primeiros organizadores psíquicos, quando estamos em contato com um bebê, a primeira coisa que fazemos é estabelecer uma comunicação rítmica corporal. Seja com a repetição da palavra ou através do movimento corporal, tanto para brincar como para acalmá-lo (p. 33-34).

O ritmo está na linguagem, no diálogo da mãe com o bebê. Ele há de construir seu ritmo a partir do ritmo do outro, uma "experiência que, partindo do 'caos' inicial, dá forma, organização temporal, e tem como função abrir para a terceiridade, abrir para o outro" (Guerra, 2017, p. 44). Observamos, na sequência desse processo, a função paterna que separa mãe-filho. O vazio de sentido por conta da separação é espaço no qual o sujeito se constrói, permite saber a respeito do tempo e lugar das coisas. A criança que antes sincronizara o olhar dela com o da mãe (por imitação, inclusive) a ponto de se alienar a ela, agora deve encontrar o ritmo próprio através da palavra. Esta, ao nomear, tem função de representar afetos e se tornar lei, organizando o disperso. Assim o bebê adquire coordenação motora, dá sentido à existência corpórea, superfície edificada parte por parte.

 

Dança de salão

Dança é arte de expressão do corpo. O mais comum é se referir a ela como movimento marcado pela cadência de ritmos sonoros, ou memória deles. Em tempos primitivos o dançar se limitava a si mesmo, sem apoio da musicalidade, e expressava rituais, busca de proteção divina, celebração da natureza e de colheitas etc. Com o tempo passou a representar prazer do movimento, ligado à cultura de um povo, saúde, bem estar social e psíquico, performance técnica, atividade profissional, espetáculo. A partir do momento em que a dança é praticada a dois ela agrega mais sentido, o componente afetivo ganha vulto e se expande.

A modalidade dança a dois (de salão) surgiu nos últimos séculos. Associa-se, desde sua origem, às causas sociais, políticas e acontecimentos que se destacam em determinados momentos. Uma dança popular, praticada por casais em comemorações de festejos, eventos comemorativos, bailes, encontros de amizades já constituídas ou novas aproximações. É de salão por se realizar em espaços, de preferência amplos, onde um casal possa rodar, avançar e retroceder em condições de evolução dos seus passos. Começou na Europa, à época do Renascimento, chegou ao Brasil no Século XVI trazida pelos portugueses. Aqui se misturou ao que já existia, tornando-se um lazer apreciado nos salões de palácios da nobreza e povo em geral:

Com a vinda da Corte portuguesa, no início do século XIX, para o Rio de Janeiro, muitos hábitos europeus, como as danças e os bailes, foram trazidos de forma ainda mais forte, pois a música e a dança eram manifestações de lazer preferidas pela Corte e pela sociedade letrada. A partir de então qualquer evento era motivo para um baile, tais como casamentos, formaturas, aniversários etc. (Barbosa, 2010, p. 24).

Aqui ela foi se formando a partir de mistura de raças, confluência da cultura europeia, indígena e negros africanos. Inicialmente, porém, ameaçou à moral vigente, seria absurdo o homem tocar a cintura da dama (Costa, 2013). Contudo, a mulher burguesa, fechada ("impenetrável"), reformulou seus vestidos armados, "começou a mostrar o pé, deu saltos e deixou-se abraçar pelo cavalheiro" (p. 15).

Atualmente o casal se prende pelo olhar, cheiro e, principalmente, o toque corpo-a-corpo. Além das mãos de um que tocam o outro, os corpos se encostam conforme o movimento dos passos, independente do nível de conhecimento entre ambos. A ideia de comando, exercida pelo cavalheiro, adquire sentido de diálogo corporal; com uma mão ele segura a cintura da mulher, com a outra a mão dela, de modo a sinalizar direções e manejo dos corpos na dança. A dama, ao invés de passiva, irradia beleza e, segundo nossa opinião, protagoniza o espetáculo. Apoiada pelo cavalheiro, ela gira, marca seu gingado; o diálogo dos corpos faz tecer o texto corporal.

Além do caráter social, destacamos que a dança não acontece independente de quem assiste. Para a psicanálise a experiência traumática derivada do objeto perdido (imagem) se apresenta na pulsão escópica que atua na cena de quem dança e do espectador. Aparece no jogo entre ver/ser visto. Porge (2014) dá ênfase a essa expressão que se manifesta no corpo; o espaço da interioridade, diz ele, é cruzado pela exterioridade e vice-versa. No sujeito o mais íntimo lhe é exterior, ele é afetado por "uma intrusão do Outro em mim, Outro que (...) pensa em meu lugar. Outro é eu" (p. 30)

Então, o dançante é visto e vê o público. Este, do mesmo modo, vê e é visto. A dança faz laço social na medida em que impele o espectador a produzir alguma coisa externa e/ou internamente. Pensamos o dançante, inclusive, como uma categoria de ator. Quinet (2019) é psicanalista, tornou-se diretor e ator de peças teatrais escritas por ele mesmo; ele corrobora com essa ideia (ator/dançarino). Suas cenas, muitas vezes, envolve o público indo até ele, literalmente, ou vendo-o como personagem do espetáculo. Em O Sintoma o ator mira o público, "olhando para a plateia, como se cada espectador estivesse sonhando" (p. 78); concomitantemente, um vídeo apresenta apenas os olhos do ator e, em dimensão gigante, esse olhar dirigido à plateia.O dançante interage com seu par dançante e com o público. Nossa prática (segunda parte, p. 16) inclui cena pela qual os dançantes vão até aos que assistem, convidando-os à dança.

 

Samba de gafieira

E que o Chico Buarque de Holanda
Nos resgate
E (xeque-mate) explique-nos Luanda.

(Caetano Veloso, 1984)

No início do Século XX havia o maxixe, dança criada por negros afrodescendentes, praticada com rapidez e especial habilidade. Também a umbigada, ao som do batuque africano acompanhado por palmas. Delas surgiu o samba de gafieira (ou de salão).

O samba tem compasso binário e sincopado (duas pancadas fortes no mesmo compasso). Semba, termo de origem africana, significa umbigada. Costa (2013) apurou que sua origem foi resgatada fortemente na década de 1920, "o samba tocado pela Turma do Estácio, tinha presente o batuque africano. Como Dança de Salão, surgiu após a década de 1930 quando o maxixe declinou" (p. 19). Predomina como dança popular a partir de 1940, sendo as gafieiras lugares onde se realizavam os bailes das classes menos favorecidas economicamente, cujo termo (pejorativo) indicava lugar onde se cometiam gaffes. Isso contrastava com a dança de origem europeia e praticada nos meios palacianos do Século XX, pertencente à nobreza, fiel aos princípios da etiqueta.

As gafieiras tinham estatuto próprio, normas que garantiam tranquilidade do ambiente; por outro lado, os passos da dança não seguiam uma técnica de escola, eis a gafe. Essa transgressividade dava lugar à criatividade, sobressaindo-se a riqueza dos passos, movimento em função da origem africana de um povo então submetido aos caprichos da aristocracia.

Historicamente, a forma de dançar a gafieira tem elegância própria, conforme apurou Costa (2013): "caracteriza-se por ter uma postura mais ereta, poucas flexões de joelho na realização do passo básico, passos mais deslizados" (p. 22). Atualmente determinados passos da gafieira são utilizados no forró, funk e outros ritmos, mas sua elegância se faz somente na cadência do samba. Este exige técnica, marcação pontual, suavidade e um pouco de malandragem. Carlinhos de Jesus, no final da década de 1980, tornou-se o principal divulgador dessa modalidade dançante.

A música Língua (Veloso, 1984) exalta a língua portuguesa e sugere que não existam fronteiras geográficas e políticas entre povos, pelo menos da mesma língua ("Minha pátria é minha língua"). O autor cita Chico Buarque, cujo texto nos remete à canção "Morena de Angola" (Buarque, 1980), pela qual a cultura angolana é enfatizada, força capaz de conservar o modo de vida, valores, costumes e dignidade na vida do seu povo, longe do individualismo americanizado.

O corpo, na dança de gafieira, se apoia numa identidade, coincide com o próprio sujeito, constituído a partir do outro, mas não é o outro (este apenas como referência). Articulamos, então, o sujeito à dança e destacamos sua criatividade e elaboração psíquica.

 

Texto dos corpos (prática)

A peçasamba é composta por quatro partes. Em cada uma a descrição do sentido e respectiva prática (passo/enredo). Toda a peça é dançada, ininterruptamente, pelo cavalheiro e pela dama, alternando-se entre samba no pé e dança de gafieira. Como em sonho, nossa ideia se expressa em movimento: pessoas, tempo, espaço, liberdade e paixão. No prazer do cotidiano as pessoas se aventuram, encontram-se no passo da vida, pela via do corpo feito de palavra: confluência de raça, cor, religião, distintas opções sexuais, níveis socioeconômico e de escolaridade, idade etc.

Parte 1: Encontro (duração: 3 minutos).

a) Sentido. No cotidiano, as pessoas se cruzam. Vão e vêm; um para lá, outro pra cá. Passos aproximam umas às outras, por acaso ou intencionalmente? Nunca se sabe. Cada uma, mergulhada no seu drama, nem sempre nota o outro a passar, ainda que olhe não o vê. Tem vezes, porém, que alguma coisa acontece, o encontro se torna uma vida. Para isso é necessário o código.

b) Passo/enredo. 1. Sambando no pé (entrada): ele de cá, ela de lá, encontram-se no meio do salão. Ele mira o olhar dela, ela indiferente. Ele sai do caminho, ela se adianta e, ao ultrapassá-lo, para (capricho feminino? Cumplicidade?). Ele cruza para o outro lado passando por trás dela; ela, de costas, retrocede para o lugar de antes. Ele, outra vez, põe-se à frente dela, como anteriormente. Ambos dão meia volta, concomitantemente, pondo-se costa a costa. Sincronizadamente abrem pernas e giram, rapidamente, e mais uma vez se encontram frente a frente. Ele a toma para a dança. 2. Dançando gafieira: abrem uma das pernas, cruzam, entram no passo -básico, frontal, lateral, caminhada, balanço, samba no pé a dois. 3. Sambando no pé (saída): soltam-se as mãos, afastam-se um do outro, de costas, seguindo cada um seu rumo.

Parte 2: Eixo da Terra - Vira-Girou (duração: 2 minutos).

a) Sentido. A terra gira, as pessoas também. O eixo é o centro. O selo da amizade implica idas e voltas, a existência faz rodopiar, gira-se com a terra: "roda mundo, roda gigante; roda moinho, roda pião; o tempo rodou num instante, nas voltas do meu coração" (Buarque, 1967). Depois do casual há reencontro, é proposital.

b) Passo/enredo. 1. Sambando no pé (entrada): como na parte anterior, um encontra o outro no meio do salão, porém vão direto à dança a dois, deferente da vez passada. 2. Dançando gafieira: abrem e cruzam, entram para o passo básico. Ele a conduz em giro (360°) no próprio eixo enquanto a acompanha com o pé, ora por trás dele mesmo, ora pela frente; continuamente, fazem o mesmo na direção do lado oposto (passo principal). Giros secundários prosseguem. 3. Sambando no pé (saída): ambos abrem/cruzam pernas por dentro, soltam-se um do outro, giram rápido, dão-se às costas, segue cada um na direção do lugar de onde vieram.

Parte 3: Laço no Enlace (duração: 2 minutos).

a) Sentido. O encontro faz laço: liga um ao outro, amarra-desamarra, salva a vida. É o que estrutura, "os laços do eu com o outro, os laços com os sentidos da vida e os laços com o corpo próprio" (Fingermann, 2015, p. 74). Os contornos enlaçam o outro e o eu:no trabalho, lazer, saber, palavra. Tocam-se os corpos, há intimidade.

b) Passo/enredo. 1. Sambando no pé (entrada): como na parte anterior, encontram-se no meio do salão. 2. Dançado gafieira: abrem/cruzam e, soltando a mão esquerda dela ele a faz girar e entram na dança. A dama é levada, sutilmente, a manter o pé direito um pouco recuado, depois o esquerdo; ele levanta a própria mão esquerda no sentido anti-horário até ela ficar de costas para ele; a mão direita dele se apoia nas costas dela; "desenrola-a" e entram em posição de leque, voltando ao básico (passo principal). Seguem-se outros movimentos do gênero contorno. 3. Sambando no pé (saída): Soltam as mãos um do outro, ele gira rápido, põe-se ao lado dela, ambos saem sambando de lado, distanciam-se um do outro. Não desaparecem, dançam para frente, em direção ao público. Cada um toma alguém da plateia, fazem qualquer passo (a dois ou soltos), depois voltam de costas pelo mesmo trajeto até se posicionarem para a última parte.

Parte 4: Passeio (tempo estimado: 5 minutos)

a) Sentido. O passeio é salutar, ir e vir sob o olhar do outro. Andar sem rumo, tal a menina livre: "Magali, Magali, saiu andando por aí, foi passando nos lugares, onde mais gosta de ir" (Sousa, s.a.). Comeu de tudo, inclusive pé-de-moleque (moleque dançante?). Nos contornos dessa vida, enquanto se vai e vem, "o pensamento lá em você, eu sem você não vivo" (Djavan, 1996).

b) Passo/enredo. 1. Sambando no pé (entrada): ambos se encontram, como antes. 2. Dançando gafieira: abrem/cruzam, ele a faz girar sem apoio das mãos, executam passos básicos da gafieira. Na sequência confluem-se samba no pé e gafieira: sambando a dois, abrem/cruzam, saem em passeio, ele sambando no pé e a conduzindo em giros (passo principal). Seguem outros passeios - curtos, longos, com samba no pé e cruzamentos variados, frente, lateral, sincronizado; confluências de dança no pé e gafieira, toque de coxa. 3. Encerramento: ela é impulsionada, pula sobre a coxa inclinada dele, com as pernas cruzadas ("cadeirinha") e descruza-as invertendo a sobreposição.

Retorna os pés ao solo; inclina o corpo sobre a coxa onde havia "sentado", rosto virado para cima e cabeça relaxada, descansa. Ele a acolhe, reconhece seu esforço: com seu chapéu abana-a e cumprimenta a plateia.

 

A palavra incorporada

Nesse passo, isto é, na prática que se apresenta, não há comunicação verbal. Corpos dialogam: técnica das mãos, avanço e recuo de pés, mãos e tronco; jogo de cintura (o requebro da moça, cabelos esvoaçados). Eles se tocam:um cola no outro e o contorna, desloca-se, junta e se afasta, vai e volta; as feições apontam o passo manjado. Eis as palavras. O corpo fala e escuta, vê e é visto. A raça se mostra:pele negra, amarela, branca; suor, deslize com leveza. O movimento se faz palavra na medida em que é falado (dialoga;segue um enredo e faz nova escrita; conta história), resgata origens, autentica identidade, representa realidades socioculturais, faz ver o cotidiano.

Uma leitura mínima pode ser feita, aqui bastante reduzida e pontual, outras cada um fará. Na primeira parte o cavalheiro entra por um lado do palco, a dama pelo outro. Depois, cada um continua seu percurso saindo pelo lado oposto ao que chegou (encontro foi casual). Eles saem de costas, mantendo os olhares um para o outro enquanto se distanciam (olhares presos - ver/ser visto). Na segunda parte da peça cada um surge do lado por onde havia desaparecido na primeira, mas, diferentemente da vez anterior, voltam pelo mesmo caminho (encontro calculado, um se destina ao outro). Na terceira parte, ao invés de ir embora, procuram outros olhares, o público. E assim por diante, sem falar do sentido nos passos que compõem a dança, parte por parte:cada movimento, cada gesto etc. tem um dizer.

Nesse trabalho criativo e minucioso, e na medida em que os gestos irão sendo representados, cada movimento deixa de ser, apenas, aleatório, determinado unicamente pela técnica e/ou força ("forçado"), deslizamento disperso e gravitacional. A ideia amarra o passo, dando-lhe consistência de sentido; o sujeito domina o movimento impulsionado pela gana a ponto de elaborar alguma coisa em si mesmo, como faz um artista. É assim que o corpo textualiza, isto é, tece algum sentido, elabora texto. Daí se dizer que a palavra toma (o) corpo, ou este é tomado por ela -palavra incorporada.

É assim que a dança forma texto, tece-o na medida em que expressa ideias. Tecer, então, pode ser um trabalho de organização psíquica, argumentos, pesquisa e escrita a respeito da ideia em curso. O texto dos corpos tem sintaxe pela qual os movimentos formam um contexto; a unidade é a letra, como afirma Almeida (2005): "as palavras são formadas por letras, os movimentos são formados por elementos, a expressão estimula e desenvolve as atividades psíquicas de acordo com os seus conteúdos e forma de ser vivida, tanto quanto a palavra" (p. 130).

Para atingir esse efeito, no entanto, não se pode reduzir dança à expressão do corpo, ele tem que representar. Expressar é mostrar, projetar afetos quase sempre desagregados de sentido (processo inconsciente), enquanto que representar é dar sentido ao que não tem representação. Neste último caso estamos atribuindo à representação uma categoria de palavra, porque ela porta sentido. Em síntese, o ato de projetar pode levar o sujeito ao estranhamento em si mesmo (estranho/familiar), cujos afetos se mostram e, desse modo, podendo ser representados.

Concebemos a dança nesta perspectiva, quando se eleva o movimento da banalidade à dignidade de sentido. Ela não se reduz ao unicamente utilitário, método para gasto de energia ou disciplina oficial de uma instituição. Isso parece ser uma preocupação das professoras Batalha e Cruz (2019) que entrevistaram professores de dança. Elas constataram: "o docente se vê, em geral, conduzido a exercer seu ofício em abordagem polivante (sic), ou mesmo, reduz sua atuação a visões utilitárias da Dança, em momentos pontuais, para que 'as pessoas vejam que estamos produzindo alguma coisa artística na escola'" (p. 93). Por outro lado, a arte do corpo, na dança, segundo o que pensamos, tenta romper essa "camisa de força" em benefício do sujeito como um todo, e que as pesquisadoras reconhecem como promoção da circularidade de conhecimento entre as pessoas, porque "fomenta o diálogo entre o sujeito, seu corpo e o movimento; incentiva o conhecimento corporal; estimula a percepção e a sensibilidade" (p. 94). Quer dizer, o corpo, em dança, numa perspectiva artística, é muito mais que um simples mover-se.

Assim, o sujeito precisa encher a vida de dança, dando vida a ela. Dar vida à dança é ceder-lhe alguma coisa do corpo (de si), fazê-la viver através do texto de palavras, do sentido ao (e do) movimento. Com isso ela é incorporada, torna-se corpo. E acontece o pertencimento, isto é, a dança se torna algo do sujeito na medida em que ele resgate aquilo que se perdeu quando deixou de ser criança (objeto perdido, prazer primitivo cerceado pela censura da vida adulta segundo as normas culturais; também resquícios de época mais primitiva do homem). Essas coisas vêm com novas feições, elaboradas segundo o presente (e pela própria dança). É importante assim se pensar, sobretudo, em relação aos nossos encoraçamentos, vindos de gerações que nos antecederam e das nossas próprias vidas (experiências traumáticas mais remotas).

No artigo Trauma e arte: do vazio à constituição do sujeito (Barbosa Neto, no prelo), lê-se: "arte (...) é uma modalidade da palavra. Ela tenta expressar o indizível, representar afetos, (re)configurar a vida psíquica. A vida é uma arte para todo aquele que dela assim o faz". A arte, para nós, encontra-se no contexto do prazer e trabalho psíquico, passando pelo corpo. Prazer que afrouxa tensões, mas não desmedido; trabalho que canaliza pulsões não representadas. Isto é, há soltura da tensão e amarração de um sentido, pelo qual o sujeito assimila seu mundo e se responsabiliza por ele dentro de parâmetros das suas circunstâncias, entre alegria e dor. Tudo isso no contexto do laço social, o que a psicanálise, de Freud a Lacan, tem demonstrado. Na dança, por exemplo, o ódio do racismo pode se tornar outra coisa, sua energia ser canalizada para funções de vida.Sendo o preconceito condição do humano, ele não é dissipado, porém o sujeito encontra um jeito de lidar com essa força de modo não destrutivo, tornando-se capaz de respeitar o outro nas suas diferenças; isto é, conviver e viver na diferença, fazendo laço.

Quando o artista produz um objeto, ele está representando alguma coisa (de si mesmo) que não tem nome. Ainda que a obra não seja nomeada, ela foi representada de alguma forma (porque representa algo do sujeito). O objeto da arte é sua palavra. Ela organiza o artista, sustenta-o apesar do seu drama existencial, como se ele pudesse dizer: "isto sou eu, isto é o que eu sei dizer, isto é o que é possível representar". Articulamos o malabarismo à dança. Nele, desde que o objeto seja uma bola, o corpo cria (e desfaz) posições e pontos de gravidade (em si) pelos quais o objeto percorra sua superfície no tempo-espaço desejado. Corpo e objeto não se desprendem um do outro. Na dança, de modo similar, a música é o objeto. O corpo trabalha a cadência sonora para não se descolar dela. Em ambas as práticas, corpo-tempo-espaço-ritmo coadunam, permeados pela palavra.

A dança-arte proporciona não apenas organização de si mesmo, no sentido de elaboração simbólica, mas, ao mesmo tempo, leva o sujeito à criação do seu espaço na vida, no tempo-ritmo do seu corpo (espaço-corpo-tempo). Ela permite autoconhecimento, e, praticada com outra pessoa, pode haver transformação pelo laço, pois é do outro que se originou nossa própria imagem. Em outras palavras, a dança conduz à felicidade.

A psicanálise não oferece ou promete felicidade. Ela propõe o trabalho psíquico sobre a pulsão não representada, poupando o sujeito, por exemplo, do discurso odioso, e da sua própria morte. O afeto pode ser elaborado de modo que a diferença se torne vantajosa para cada lado (como já dito). Sendo a dança uma prática integradora, nela é possível o encontro das diferenças. Representar afetos, de modo a ressignificar a experiência traumática, não quer dizer, necessariamente, felicidade do ponto vista comum. Significa mobilização do desejo. O sujeito desejante se posiciona na medida em que se situa nas marcas do seu trauma, faz dele impulsão na luta para transformação de si e do seu mundo. No caso da dança, revigoram-se aspectos históricos e pessoais, entraves sócio-culturais e da vida do sujeito; o corpo se torna via de mudança. O problema não são as diferenças, mas o saber conviver na diversidade.

O trabalho do corpo, capaz de incorporar a palavra e dar vida ao movimento, pode elevar a dança à dignidade da arte. Qual sua dignidade? Aquela possível de organizar o vazio do sujeito, produzindo algum sentido. Mas não só isso, a arte acende o desejo em função de sucessivas ressignificações.

O movimento dançante se confunde com o do cotidiano; dança-se com a alegria de cada um, apesar das dores diante de empecilhos e júbilos, prisão e liberdade. A luta do sujeito é para se posicionar no mundo, e há quem o faça, por exemplo, ainda que seu corpo - debilitado e sob limite por qualquer infortúnio (idade, censura externa e/ou interna) - já não dê conta. Ele pode fazer da vida arte: "Enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não eu canto [danço]" (Belchior, 1992).

 

Considerações Finais

A história de cada um é fragmentada por eventos traumáticos desde o começo. Ainda que o sujeito se supere, sobram restos, aquilo que não pôde ser elaborado, gerando um vazio impreenchível. Na medida em que se produz algum sentido para preencher esse vazio, os resíduos são retomados e, desse modo, partes da história individual é resgatada. Na dança o sujeito agrega a si o que, por falta de representação, mantinha-se como negação da sua história. A dança a dois transforma enquanto constrói laços visíveis e invisíveis (individual e coletivamente, no contexto histórico e cultural).

O que é a letra? Símbolo alfabético (a, b, c etc.). Segundo nossa articulação, pode ser a tinta utilizada pelo artista, o pincel; o pedaço de tronco, a madeira, o escopro; o plástico, pedaço de objeto; o fragmento sonoro. A letra pode ser a unidade de movimento do corpo. A palavra, a partir desses elementos todos, tece um sentido enquanto simboliza. Texto é o conjunto de palavras, desde que produza sentido; uma obra de arte é texto. Dança é texto.

 

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Submissão: 31/01/2020
1° avaliação: 28/09/2020
Aceite: 21/10/2020

 

 

Esperidião Barbosa Barbosa Neto é professor da Universidade Federal de Alagoas e doutor em Psicologia Clínica (Universidade Católica de Pernambuco). É também mestre em Psicologia Clínica e especialista em Psicologia Social, Psicopedagogia e Filosofia Política.
E-mail: esperidiaobneto@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8676-1166

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