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Revista Polis e Psique

versão On-line ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.11 no.1 Porto Alegre jan./abr. 2021

http://dx.doi.org/10.22456/2238-152X.108630 

DOSSIÊ TEMAS EM DEBATE 2019: O QUE PODE A PSICOLOGIA SOCIAL NO PRESENTE?

 

"Não vamos obedecer": o comando do ódio no Brasil de hoje

 

"We will not obey": the hatred command in Brazil today

 

"No obedeceremos": el comando del odio en el Brasil de hoy

 

 

Cristina Thorstenberg Ribas

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil

 

 


RESUMO

O ódio é um gatilho. E ele quer mesmo é separar: classificar, conjurar, controlar, eliminar. Ele cria blocos de bloqueio. O artigo analisa práticas de ódio no Brasil de 2018-2020 procurando "responder" ou pensar o comando do ódio a partir de três perspectivas: a produção cultural anti racista; os feminismos interseccionais e a noção de reprodução social; e a produção do conhecimento situada na universidade. Analisa ainda a linguagem e a criação, a transitividade crítica e a pedagogia "lenta" como forma de alimentar os dissensos necessários para a realização de uma democracia. Compreendendo que não é possível rebater o ódio na sua totalidade, o texto se soma ao enunciado em creole "não vamos obedecer" e propõe a imagem de um emoliente do ódio que possa atuar nos seus desmanchamentos.

Palavras-chave: Ódio; Anti Racismo; Pedagogia; Democracia; Feminismo.


ABSTRACT

Hate is a trigger. What it really wants is to separate: classify, conjure, control, eliminate. It creates blocking blocks. The article analyzes hate practices in Brazil from 2018-2020 seeking to "respond" or think about the command of hate from three perspectives: anti racist cultural production; intersectional feminisms and the notion of social reproduction; and finally the production of knowledge situated in the university. It also analyses language and creativity, critical transitivity and "slow" pedagogy as a way to feed the dissensions necessary for the realization of a democracy. Understanding that it is not possible to rebut hatred in its totality, the text adds to the Creole statement "we will not obey" and proposes the image of an emollient of hatred that can act in its undoings.

Keywords: Hate; Anti Racism; Pedagogy; Democracy; Feminism.


RESUMEN

El odio es un desencadenante. Y realmente quiere separar: clasificar, conjurar, controlar, eliminar. Crea bloques de bloqueo. El artículo analiza las prácticas de odio en Brasil de 2018 a 2020, buscando "responder" o pensar en el comando del odio desde tres perspectivas: la producción cultural antirracista; los feminismos interseccionales y la noción de reproducción social; y la producción de conocimiento situada en la universidad. También analiza el lenguaje y la creación, la transitividad crítica y la pedagogía "lenta" como forma de alimentar las disensiones necesarias para la realización de una democracia. Entendiendo que no es posible refutar el odio en su totalidad, el texto se suma a la afirmación en criollo "no obedeceremos" y propone la imagen de un emoliente del odio que puede actuar en su desmantelamiento.

Palabras clave: Odio; Antirracismo; Pedagogía; Democracia; Feminismo.


 

 

País do Sonho
Elza Soares
Compositores: Carlos Alberto Vasconcelos
Palhano / Jose Marilton Da Cruz

Eu preciso encontrar um país
Ond
e a saúde não esteja doente
E eficiente, uma educação
Que possa formar cidadãos realmente

(...)

Eu preciso encontrar um país
Onde tenha respeito com austero pudor
E qualquer pessoa em pleno direito
Diga: Adeus preconceito de raça e de cor

Eu preciso enc
ontrar um país
Onde ser solidário seja um ato gentil
Eu prometo que vou encontrar
E esse país vai chamar
se Brasil (Planeta
Fome, 2014).

Alguns de nós partilham de uma perplexidade, e podemos mesmo pensar que a perplexidade diante de certas manifestações é o que nos alia, uns aos outros, diante daquilo que se tem chamado de "cultura do ódio". Dureza dos tempos, tempos duros. A perplexidade que nos toma eventualmente reproduz aquela ideia de que há um outro, imediatamente ali, diferente de mim, ou muito diferente de mim, enunciador do ódio. Ódio concretizado contra algumas identidades, contra alguns signos, contra modos de vida. O ódio delimita instantaneamente o outro, e bloqueia certas formas de existência, invalidando-as, enquanto que, por outro lado, parece investido de uma identidade "conservadora", resistente a inventar novos modelos para si. Testemunhamos diagramas de subjetivação deveras repetitivos. Para aqueles que não se identificam com o conservadorismo em ascensão, a "cultura do ódio" redimensiona os possíveis. No texto "O que pode a psicologia social neste presente?" (publicado nesta mesma revista) me sinto convidada a entrar mais (ainda) nesta perplexidade, escutando das diversas formas de manifestação de ódio que emergem. Isso, sem dúvida, pode gerar uma exaustão - mas pode também desmontar os preconceitos do ódio de forma a reorganizar os regimes discursivos - como na pesquisa reveladora de Isabela Kalil1. Sem querer estabilizar essa perplexidade entre esquerda e direita, visto que para todos os lados se catapultam e invalidam identidades, nessa escuta perplexa cabe escutar em detalhe sobre que formas de invalidação, que silenciamentos e que outras forças atuam junto no cultivo do ódio. Se o ódio faz proliferar modos de silenciamento de vidas diferentes da sua, ele trabalha a favor de que modelos de vida? A pesquisa da cultura do ódio, tem que olhar, por isso, para as escolhas éticas, estéticas, e políticas que a cultura do ódio perpetua, de forma que se possa trabalhar, por outro lado, em gestos em favor de fazer ruir a "odiolândia". Gestos que possam dar conta de uma outra lógica, não a do bloqueio total que o ódio provoca, mas gestos de desmanche, de reversão, que anoto por hora: pedagogias lentas, dissensos da democracia.

A inferência de que há uma "cultura do ódio" precisa ser atravessada pela atenção de que não se pode coincidir com a produção de um novo "outro". Ao tentar identificar os mecanismos de produção da cultura do ódio, entendo que esse procedimento não pode bloquear minha ação, e minha capacidade de relação. Permeados por uma perplexidade extasiante diante de expressões de ódio, é preciso encontrar formas de se mover. Para isso, talvez tentar localizar o ódio antes, como uma emoção que é, mas sem deixar de assinalar (e reclamar), por último, seus efeitos nefastos. O que produz o ódio, afinal? E que poderes adquirem aqueles que comandam a reprodução do ódio?

Talvez uma das coisas que o ódio produz são espaços de afirmação das próprias identidades que expressam... o ódio. Um loop de reatividade, bem analisado por Márcia Tiburi (2015) quando ela escreve sobre a "máquina de produzir facistas". Limites entre eu e o outro que se tornam deveras explícitos, limites que reproduzem julgamentos e em seguida, também políticas (e associações ilegais entre poderes instituídos e paralelos). "Odiolândia", de Giselle Beiguelman (2018), é um texto que reúne expressões de ódio filtradas das redes sociais do Brasil. As publicações foram coletadas na circunstância de três acontecimentos doloridos e trágicos: o assassinato de Marielle Franco no Rio de Janeiro em 2018 (sua cidade natal, e onde realizava seu mandato como vereadora), a invasão da Cracolândia em São Paulo e o incêndio seguido de desabamento de um edifício ocupado para moradia no largo do Paissandu, também em São Paulo. Publicado em 2018, este texto-cordel me foi presenteado junto de outro texto: "O que pode a psicologia social neste presente?"2, escrito a quatro mãos e texto ao qual respondo com esse texto-artigo.

"O que pode a psicologia social neste presente?" é uma análise acurada do estado do ódio não só nas redes sociais, como faz o texto-cordel de Gisele, mas do dia a dia das vidas daqueles que se posicionam no mundo a partir da prática, dos pensares e dos devires da psicologia social. Nas palavras dos autores: "Nosso 'nó' problemático é compreender em que medida temos sido capazes de produzir resistências às práticas de ódio tão presentes em nossos cotidianos". Para pensar esse problema, o grupo parte de um pressuposto que reorganiza a relação entre psicologia e sociedade: o social "não é o campo de aplicação de uma psicologia", mas "aquilo que torna possível" essa prática e esse saber (Silva, 2004), um artigo de Rosane Neves da Silva que desloca a atenção para o "social" que constitui a psicologia social e analisa como esse saber e prática se atualiza, olhando antes para a psicologia social como um problema. Naquele presente - localizado entre 2018-2019 -, os autores se perguntam como seria possível produzir gestos, ou "levantes", de forma que a psicologia social possa constituir uma forma de levante (junto a outros levantes), algo "que sempre se produz numa aventura coletiva", e afirmam: "Psicologia. Levante. Resistência". Eles tomam o desafio proposto por Rosane, de forma que a psicologia social possa não apenas ser informada por aquilo que se manifesta socialmente, mas que possa se somar como força compositiva, na constituição desse social. Trata-se, pode-se pensar, de processos instituintes, que possam sinalizar como as manifestações de ódio, de controle e criminalização de determinadas vidas são destrutivas de uma composição social e instituem, por sua vez, uma desagregação destrutiva.

Enquanto eu escrevo eu analiso meu posicionamento (linhas que desaparecem), e refaço minhas composições políticas. De forma a responder à inquietação que se instala, aprendendo da análise que me foi ofertada, que nos foi ofertada, procuro um lugar de fala que assuma meus inacabamentos, meus medos, e uma certa ira - como defende meu amigo e filósofo Jorge Vasconcellos (2015), uma ira como forma de recuperar fôlego, acordando uma expressividade estético-política de forma a organizar as forças que possam desmanchar a cultura do ódio.

Mas como foi, afinal, que chegamos nesse estado de ódio, que culmina também num Estado do ódio? Sem dúvida, para persistir nesses tempos de ódio é preciso produzir diagnósticos do presente, que se projetam, por sua vez, aos nossos passados e germinam futuros (ou encontram bloqueios, niilismos, impossíveis). Nossos tempos "sombrios", "de chumbo" são tempos de bala (e de fogo). De assombro, diz Peter Pál Pelbart (2019). Tempo de algo que corre rápido e tem alvo certeiro: corpas3 racializadas, pretas, indígenas, exploradas. Corpas militantes, corpas feitas criminalizadas.

Na paulatina destituição da política representativa como espaço de afirmação de direitos, vemos que realidades antes territorializadas a alguns lugares do Brasil, agora parecem mais distribuídas, tais como a militarização da vida, antes mais restrita ao contexto carioca, o genocídio indígena, a destruição de ecossistemas em prol da reprodução de formas capitalistas da vida (o Pantanal inteiro, uma Amazônia aos pedaços, ecossistemas cheios de diversidade de vida virando pó de fumaça nos incêndios perpetrados pelo agronegócio), e o jogo cada vez mais evidente das formas corruptíveis das interações da política representativa com o enriquecimento ilícito e com as máfias organizadas. Qual a relação disso com a cultura do ódio?

Desde a deposição de Dilma Roussef em um golpe orquestrado que a acusava de ter tomado decisões ilegais, e que depois foram comprovadas não culpabilizáveis, o país vive uma condução política que se beneficia da produção e reprodução do ódio como forma de governo, alimentando não apenas o descrédito na democracia, mas desmontando-a paulatinamente. Acompanha isso o desenho das subjetividades e das ideologias políticas manipuladas por redes sociais, de mídia, religiosas e mafiosas. A cultura do ódio gera uma espécie de sufocamento coletivo, restando pouco ou quase nenhum espaço para o questionamento dos mecanismos pelos quais institucionalmente se instala e se replica essa cultura do ódio. Como dito mais acima, estamos num diagrama fechado de subjetivação e de reatividade... O ódio parece que gruda, e é como se precisássemos nos defender, rapidamente, dessa dinâmica, expelindo também de si que modo é esse de estar em coletividade, e de fazer política. Evidentemente não é só na macropolítica e nas suas versões fantasmáticas que se concretizam expressões da cultura do ódio. A cultura do ódio, afinal, vai e vem de esferas e planos de enunciação, aparecendo também "lá" no lugar de enunciação dos engravatados que ocupam o governo desavergonhados de atos espúrios de julgamento, desvalorização, ofensa. E é lá no governo que as práticas do ódio tem mais poder, porque na forma institucional de controle e de poder sobre a vida que assume aniquilam-se a vida biológica e a vida política. E também a vida psíquica, conectiva, inventiva, de forma que não seja possível inventar possíveis.

Ao passo que o neoliberalismo e o capital financeiro arruinam mais ainda a democracia, o espalhamento de uma cultura do ódio e seus efeitos mais duros não ocorre sem enraizar cada vez mais um poder militarizado, paralelo: grileiros, milicianos, funcionários fantasmas, laranjas, capitães. "Destruidores", diz David Kopenawa, líder e xamã Yanomami. A "máquina de produzir facistas" tem sucesso, em consequência, como máquina de produção de mortes. Testemunhamos há alguns anos no Brasil um regime que destitui qualquer relação entre o poder público e seus públicos a serem escutados, respeitados, acolhidos, validados, por fim! Deixando cada vez mais fraca a concepção respeitosa entre política pública e seu povo. A letra da música cantada por Elza Soares ("País do Sonho") assumindo um projeto de nação sempre incompleto, fala de um Brasil que seja possível, como território, como coletividade. Um lugar onde se possa sonhar! Mas não aquele sonho colonizado, o sonho de poder comprar um carro, uma vidinha ... sempre em débito! Mas será que esse sonho cabe num projeto de nação? O sonho, o outro sonho aquele de inventar uma vida, se tornou, por sua vez, coisa ocupada por assombro, pela imagem concreta dos fins de mundo aos quais "uma" humanidade levou-se... Na produção incessante da imagem de "um" Brasil, aparece por isso uma defasagem constante entre a o território controlado pelo estado - a geografia política - e as forças e a riqueza das vidas desse território. Nas bordas dessa defasagem, habitam resquícios de questionamento, de abertura de espaço para que, por um lado, sobrevivam as forças de diversificação da própria vida, e por outro, se possa resignificar a demanda por democracia que alimenta dissensos, o valor maior ou agregante das lutas, algo que discuto mais adiante.

Não é possível, parece, estabelecer pontos de início de certas práticas, mas sua intensificação. Assinalar essa intensificação, aliás, depende de uma partilha, visto que a percepção desses pontos de intensificação requer uma situacionalidade, enuncia posicionamentos. Ao passo em que percebemos hoje uma sociedade em projeto ainda mais colapsada, a forma e o lugar de onde percebemos e nosso grau de intimidade com a cultura do ódio anuncia nosso posicionamento. O ódio é um gatilho. E ele quer mesmo é separar: classificar, conjurar, controlar, eliminar. Ele cria blocos de bloqueio. Se alguns de nós se preocupam, perplexos, diante da cultura do ódio, com aquilo que ela bloqueia, pode ser que estejamos já procurando os ingredientes para produzir desmanches que deixem emergir questionamentos e formas possíveis de tocar, acessar, conhecer, relacionar-se. No levante de um ferramental que dê conta de debater as formas e modos da cultura do ódio me vem a imagem de "emolientes" - emolientes do ódio, formulados capturando essências, artes e forças daquilo que resiste. Isso porque rebater o ódio não é algo duro, dual. Para estabelecer um lugar de ação diante da cultura do ódio parece ser necessário assentar aquela situacionalidade, afinal, é dessa forma que estabelecemos nossos pares, alinhavamos parcerias, atamos nós. De forma a desmontar essa emoção e seus gatilhos vários, e os blocos de bloqueio queela gera, para produzir emolientes partilhamos ferramentas, restabelecemos valores, nos movemos. Ou, paramos tudo: negamos uma possível captura, revertemos sentidos que nos foram surrupiados, simplesmente não obedecemos. O que acontece se não obedecemos ao comando do ódio?

Nou Pap Obeyi / Não vamos obedecer

I Wish I Knew How It Would Feel to Be
Fre e, Nina Simone

I wish I knew how
It would feel to be free
I wish I could break
All the chains holding me
I wish I could say
All the things that I should say
Say 'em loud, say 'em clear

For the whole round world to hear

Um desses lugares situados - ou assentados - para responder a um presente perpetrado de ódio pode ser a arte. Junto dele, a negritude. Frente 3 de Fevereiro é um coletivo de artistas de São Paulo que trabalha há mais de quinze anos abordando diretamente racismo e resistência anti-racista. Muitos de seus trabalhos de arte tomam proporções midiáticas, realizando intervenções na mídia de massa, como a abertura de bandeiras monumentais em parceria com torcidas organizadas de futebol e a sucessiva exposição ao vivo disso em televisão aberta. "Onde estão os negros?" e "Zumbi somos todos nós" foram ações que marcaram, mais uma vez, a luta antirracista e quebraram a falácia de uma democracia racial no Brasil. Em um vídeo realizado anos depois dessas ações com bandeiras, dois integrantes do grupo viajaram para o Haiti para conhecer o país e analisar a ocupação militar do Brasil que se estendia desde 2004 (esse modelo de militarização seria implementado posteriormente nas favelas cariocas, com as UPPs - Unidades de Polícia Pacificadora). Na viagem para o Haiti, diferente das bandeiras nos estádios de futebol em São Paulo, cujas frases foram propostas pelos artistas, o enunciado era ofertado pela multidão que os rodeava. Podemos mesmo pensar que foi atrás desse enunciado que se moveram Daniel Lima e Felipe Ferreira - visto que o enunciado é marca de uma história de luta. Em 2016 Daniel e Felipe conheceram a realidade da militarização e também acompanharam o levante da população pobre do Haiti no momento de mais uma eleição que se anunciava corrupta, sob a intervenção de países estrangeiros, inclusive França e Estados Unidos. Os artistas testemunharam um protesto sem começo nem fim: milhares de pessoas caminhando incessantemente pelas ruas da cidade de Port-au-Prince, capital do Haiti, enquanto gritavam "Nou Pap Obeyi", "Não vamos obedecer".4 Mas a quê?

 


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Como escreve Daniel "Nou Pap Obeyi", a frase em haitiano creole, remonta à revolta escrava do Haiti que culminou na sua independência, em 1804, liderados por Jean-Jacques Dessalines, que era ex-escravizado natural da Guiné (Lima, 2019). O enunciado "é uma referência histórica de resistência da luta quilombola transcontinental", escreve Daniel. E pergunta: "como podemos criar uma narrativa que una as potências destas histórias de resistência? Como é possível revelar estes diagramas de desenvolvimento de tecnologias do controle sobre populações afrobrasileiras na América?". Escutar esse enunciado no contexto da militarização do país relaciona a várias questões que o grupo e Daniel têm trabalhado em relação à produção do sujeito racializado como criminoso e a produção do racismo sistematicamente na sociedade. A produção do sujeito do ódio.

Nos três dias que acompanharam o levante no Haiti eles acompanharam a caminhada incessante dessa multidão sempre em movimento, que se deslocava dos bairros mais pobres para os bairros mais ricos da cidade de Port au Prince. Uma multidão negra, nas palavras de Daniel, apenas ao mover-se já constitui um levante. Poucos cartazes circulavam, mais as pessoas, e esse enunciado que os constituía multidão. Uma multidão que se negava literalmente a obedecer. A caminhada incessante, e em direção aos bairros ricos, era uma afirmação de sua existência, massiva, presente, viva. Daniel conta como a imagem de uma multidão negra é inconcebível pelo poder representado, e é sem dúvida um atestado da branquitude dos sujeitos que se ocupam da posição macropolítica - o medo da população negra. Essa força, essa imagem de uma multidão negra que se move sem parar contrabalança o poder. Faz tremer as suas bases, é um emoliente antirracismo "Como podemos estabelecer um paralelo entre as realidades e lutas pela democracia no Brasil e Haiti?" Os artistas entrevistam o embaixador que diz: "O Haiti se tornou um laboratório para o Brasil", um laboratório irregular, contudo, de testagem da ocupação militar das favelas (idem). Seria esse laboratório uma instituição da política do ódio racista contra a população negra e pobre? Daniel e Felipe pouco a pouco vão observando as tensões e chamando a um posicionamento que expõe as forças em jogo em operações militares como essa. O filme produzido faz parte de uma pesquisa militante, pela qual o grupo quer poder interferir nas condições de possibilidade daquele acontecimento. Similar a este projeto, o grupo Frente 3 de Fevereiro havia realizado um longo projeto no Rio de Janeiro em 2010 investigando os prós e contras da implementação das UPPs nas favelas, rasgando depoimentos pessoais de policiais e provocando dissonâncias nas posições institucionais às quais deveriam estar fidelizados. O interesse do grupo era, naquela ocasião, expor não só a violência do projeto das UPPs mas as contradições internas à polícia como instituição.

 


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Navegando nesse Atlântico Negro, a população haitiana negra que insurge incansável, e produz um levante, é como a multidão que sai da favela no Rio de Janeiro em 2013 e reclama o corpo de Amarildo (e que, no contexto carioca, angaria a população do asfalto que, num raro ato de solidariedade, incorpora nas suas demandas o reclame pela vida de um homem da favela). A população haitiana, a multidão negra, seus rituais e suas demandas extrapolam a determinação identitária dos corpos negros, transversalizando essa presença multitudinária com corpas instituintes que também são criminalizadas ao serem congeladas em um aspecto identitário: indígenas, trans, migrantes. E, para derruir esse diagrama, precisamos olhar com a força emoliente do conceito de interseccionalidade, para inaugurar um outro diagrama de subjetivação, não o da produção do ódio.

Mas há outro elemento no componente dessa força de resistência, nesse levante. As manifestações por lá sempre começam com um ritual de vodu - invocando as forças de ancestralidade, de proteção, e de projeção para esse futuro. Nas imagens do vídeo "Não vamos obedecer" vemos, no meio das ruas, manifestantes desenhando pontos-riscado, invocando os orixás. O vodu apresenta "um ritual de empoderamento, um ritual para uma população 'sem medo'." E, o "que pode uma população sem medo?", Daniel Lima pergunta. A linhagem com uma força, com um modo, com uma presença maior que aquela de opressão (o sistema econômico-político, o controle estatal, a pobreza induzida). O ritual é uma força instituinte dessa força que se levanta. Espiritualidade e energia. O povo que, sem medo, se reúne e conjura suas forças me leva a um cartaz de manifestações anti-racismo recentemente no Brasil: um jovem negro segura o papel com a frase "liberdade é se mover sem medo" - o que não deixa de ser também uma marca de uma democracia. Para mover-se contra o ódio é preciso poder se mover sem medo.

Olhando um pouco mais atrás no tempo (500 anos talvez?), vemos a produção do ódio ao outro que surge no colonialismo, na exploração primeira de Pindorama, depois segue com a escravidão e o sequestro de povos africanos para servirem à reprodução do capital no mundo ocidental. É sabido e cada vez mais demandado pela teoria decolonial que se explicite que a produção do sujeito criminal e portanto da categoria de "outro" surgem historicamente aí, apresentando as marcas desse passado colonial que não se esvai, muito pelo contrário, se re-cristaliza no presente do Brasil com a invalidação de práticas afro-religiosas. A destruição dos terreiros é mais uma das marcas severas do preconceito contra a matriz africana e, não se pode esquecer, contra o povo negro. A raiz da palavra tolerância diz que uma pessoa admite a existência de algo, mas não interfere. Porque não é possível tolerar a vida do outro, se ela não interfere na minha? (Estou falando portanto, de uma vida não-fascista). Na produção do sujeito racializado do ódio parece que se quer aniquilar não apenas sua individualidade (a vida biológica, a vida política) mas também a matriz ética que sustenta essas vidas. Porque são ameaçadores os modelos de religiosidade e comunalidade de matriz africana? E, por sua vez, na maratona do ódio, quais são os modelos de sociabilidade, comunidade e coletividade que se replicam?

Na pedagogia dos rituais de ancestralidade africana o ritual, que é também arte e é protesto, respeita as forças da vida - e não as invalida, diferente da destruição dos terreiros e o ataque agressivo aos praticantes do candomblé. Encontramos pistas pretas o suficiente para refutar aquele diagrama do gatilho do ódio. O mesmo acontece com as etnias indígenas, suas realidades situacionais, suas cosmopolíticas, sua relação vital com o território. Alianças, novas marcas, velhas marcas.

A forma majoritariamente distribuída pela branquitude é, contudo, a da competitividade, e de uma relação de exploração... Essa é também sua forma destrutiva de comunalidade! E ela depende, tristemente, da produção de corpos e corpas marcados, que se tornam sujeitos do ódio. O conceito de interseccionalidade nos fala muito da produção desses corpos marcados. Aprendo com Carla Akotirene, assistente social e pesquisadora bahiana, que ressitua a interseccionalidade e os feminismos negros. Carla sinaliza, primeiro, que nunca se pode sobrepor a marca negra e feminista da invenção e intervenção do conceito de interseccionalidade. E eu, como pesquisadora de fenótipo branco, tenho que entender e ressituar de que forma posso abordar a interseccionalidade de forma que isso não seja, antes de qualquer coisa, efeito de acúmulo de privilégios. O conceito de interseccionalidade é esticado para vários lados, e numa das suas piores distorções é entendido como representatividade. A interseccionalidade é, antes, interseccionalidade de opressões, mas ela não serve se reifica as identidades em uma sujeita isolada. Carla analisa, junto a outras autoras de referência como Kimberlé Crenshaw e Lélia Gonzalez, a relação estrutural inseparável dada entre racismo, capitalismo e patriarcado. Em como incidem as opressões acumulando raça, gênero, sexualidade, idade, classe. A mulher negra "acumula" nesse sentido uma sobreposição de opressões - mas o conceito não quer "somar" opressões, mas

analisar quais condições culturais atravessam os corpos, quais posicionalidades reorientam significados subjetivos desses corpos por serem experiências modeladas por e durante a interação das estruturas, repetidas vezes colonialistas, estabilizadas pela matriz de opressão, sob a forma de identidade. (p. 39)

Revisitando aquela imagem do vodu que abandonei ali em cima no texto, e retecendo o junto da energia de Daniel e Felipe, de escutar o enunciado "Nou Pap Obeyi", Carla afirma que "a diáspora negra deve buscar caminhos discursivos em atenção aos acordos estabelecidos com os antepassados". Invocando Exu, a divindade da comunicação, da encruzilhada e, portanto, da interseccionalidade (2018, p. 15). Exu é força nesse levante da língua escravizada que foi amordaçada politicamente (idem). Carla fala aos brancos, como eu, que a interseccionalidade é uma oferenda - elencando para o conceito e para a prática do conhecimento outro status, outro lugar decolonial e antirracista, e explicitando a inseparabilidade dessa intervenção - ela não existe enquanto conceito separado da pragmática afro-diaspórica, de seus valores, de sua cultura. A interseccionalidade surge, diz Carla, do coração da mulher negra (p. 19). Surge, portanto de sua vivência e das feridas que se produzem nesse corpo. Quando ela diz que a interseccionalidade é uma "oferenda analítica" (p. 18) me emociono e intuo: honrar essa oferenda, honrar e honrar as energias que a sustentam, para dela aprender (não responder da mesma forma que me foi ensinada, que se eu encontrasse um ebó (uma oferenda) eu deveria destruir). As forças do ebó, da oferenda, operam, também, num outro plano, ... afinal.

 

Sentido das coisas, Estado, democracia

O protesto haitiano e a presença das pessoas negras nas ruas, mais do que de enunciados, não esvaziam o poder da palavra, mas reorganizam aquilo mesmo que está em crise - a guerra sobre o sentido das coisas, sobre os usos da política. Nos mandos e comandos da cultura do ódio a potência do protesto conectada com a produção da democracia se esvai (talvez seja a redução extrema da variabilidade... as manifestações conservadoras que testemunhamos são visualmente homogêneas, e seus enunciados nada derivativos). A crise da produção do sentido não é, portanto só de representação, mas também da capacidade de produção de dissenso, crucial para sustentar uma democracia ativa. Vivemos uma possível saturação dos enunciados, que, apenas repetidos já não mobilizam. Para quebrar a cultura do ódio é preciso estar atento aos fluxos entre uma dimensão criativa das lutas e valores que não se pode perder de vista. Se o enunciado é apenas de mando, não se alimenta aquela variabilidade necessária à democracia. Mas como estamos num regime não dialógico, como assinala Márcia Tiburi (2015), e a palavra é esvaziada de sentido, de efetividade como parte de uma relação transformativa, a política é levada embora com ela. No regime do não diálogo se intensifica o contraste entre as formas: quanto mais a política se identifica com o regime hegemônico menos ela está rica de poesia e vontade de vida.

Jeremy Gilbert, pesquisador inglês interessado em expor os mecanismos sempre instáveis de uma democracia radical, comenta sobre a hegemonia política e econômica produzida pelo capital. Ele cita Laclau e Mouffe (2014, p. 118), quando dizem que "a estabilização é precisamente o trabalho da hegemonia, e isso sempre vai depender de um mecanismo arbitrário pelo qual uma particularidade é elevada ao status simbólico do universal", como quando nacionalidade e classe se tornam a base singular sobre a qual a "unidade" de uma coletividade é definida. A totalização dos fatores conectivos arruina a democracia. Vão embora também um potencial de dissenso, e portanto, de criação. Ao passo que o atual governo brasileiro ataca diretamente a democracia e as formas instituídas (o congresso, a constituição, a produção de conhecimento nas universidades públicas, entre outros), a forma como a democracia reaparece nos enunciados da esquerda precisa, por sua vez, dar conta da diversidade das vidas que alimentam a democracia ela mesma. Não podemos cair no lugar perigoso que sobrepõe toda vida política a uma vida mediada pelo estado (ainda que o estado seja onipresente!). O Estado deve ser pensado, sem dúvida, na sua dimensão de direitos, a garantia da realização de direitos comuns, mas ele sempre será, a mão pesada do poder.

Não há um grau homogêneo de participação na vida democrática, visto que a democracia é constante realização e defasagem. A participação das mulheres é um exemplo disso.5 Chama-se "relacionalidade infinita", assim nomeada por Gilbert (2014) aquilo que faz viver uma democracia, e exatamente o que é difícil de manejar na forma estado. A relacionalidade infinita seria a própria criatividade social, aquilo que explicita as mutabilidades constantes das conexões da vida, e, no caso da democracia, de uma democracia constantemente contestada (p. 118-119). Diante da complexidade que acata a produção de sentido, os mecanismos de opressão que se apresentam esgotam até mesmo nossos vocabulários, e os novos vocabulários de um neo-fascismo vão arrancando nossas palavras e a capacidade mesma de defesa (ou de diferenciação), ao que, na forma de um levante, respondemos diversificando nossas pedagogias de resistência. Intencionando manter a atenção na instabilidade dos sistemas, e não nas formas de congelamento e, para ir além do pensamento da democracia como aquilo que elege a representatividade política, me agarro temporariamente a uma concepção de democracia que precisa deixar disponível a pragmática de uma "transitividade crítica" e não "domesticada", como conceituou Paulo Freire (1992), contra a estabilização dos sistemas significada na forma da exploração. Essa transitividade seria uma capacidade adquirida por uma pedagogia crítica de analisar as contradições que cerceiam uma pessoa, nos impasses da vida sob regimes de exploração como colonialismo e o capitalismo. A proposta de uma transitividade crítica freiriana seria garantir a vida desse indivíduo não na sua condição de alienação (resposta maquinal ao sistema produtivo), mas na capacidade de adquirir um potencial transformativo para seu grupo social. Uma pedagogia ativa de suas próprias relações.

A captura da vida nos modelos de consumo, a cultura de exploração e esgotamento dos territórios e dos ecossistemas, o trabalho como selo da exploração da força humana e a meritocracia como (des)medida são também a vitória da guerra sobre o sentido das coisas. Os diagramas de subjetivação oferecidos pela esquerda radical - o trabalho como eixo da luta - colapsaram com a crise da forma trabalho nas mutações dos sistemas produtivos (trabalho imaterial, capitalismo cognitivo, feminilização do trabalho6), assim como a contínua demanda de corpos invisibilizados e realidades situadas diversificaram as lutas e as forças contra as opressões sistemáticas desse sistema (por exemplo, as trabalhadoras domésticas e os corpos subalternos que não tinham lugar nas lutas operaístas7). Nessa análise, podemos perguntar, nos impasses de uma vida permeada pelo capitalismo, o modelo da militância é um modelo de vida? Que outras economias e formas de vida comunitária são necessárias para que se possa viver a vida militante, cuja luta é imediatamente instituir-se contra a opressão insistente de um modelo de produção? Como se pode rebater aquilo que é oferecido pelos modelos de subjetivação capitalista? O capitalismo financeiro e todas as formas de contínua expropriação da força criativa e conectiva (Gilbert), geram um constante esvaziamento do próprio sentido de vida comum, visto que as demandas que se colocam sobre um sujeito aos modelos de subjetivação capitalista são absolutamente dissonantes e ao mesmo tempo tão distantes das necessidades situadas, da vida da gente em seus territórios. O capitalismo, atento a essas singularidades, não cessa contudo de segregar e fazer conflitar umas contra as outras as identidades - reificando-as. Desde antes de que autores como Deleuze e Guattari apresentarem o axioma capitalista e o desajuste que ele provoca, sabemos que é esse próprio desajuste que os modelos de subjetivação vão querer cunhar. O desajuste do indivíduo, desterritorializado - a mão pesada do capitalismo -, cava um buraco que parece que só pode ser preenchido com uma emoção rancorosa e imobilizante - a contínua sensação de falha. Nesse diagrama de subjetivação se encaixa também o ódio - contra aquele "militante", contra todo aquele e aquela que duvidam das condições de subjetivação de um sistema absolutamente desigual e opressor. Nesse diagrama complexo, cabe situar, por exemplo, como o feminismo negro expõe o privilégio das mulheres brancas, cuja "independência" molar só foi construída mediante a subalternização de mulheres negras e de cor. Interseccionalidades...

A forma de dominação hegemônica de expropriação (do trabalho) incidindo em raça, classe, gênero, sexualidade e geração produz gradientes de exploração diferentes, se adapta e se modula, em relação a todas as realidades sociais e se instala como sistema indelével. Nos perguntamos então: como agir? Mas para responder de outra forma, e para retomar aquela força haitiana, preta, vodu: como não obedecer? Como não obedecer aos regimentos que se projetam sobre as corpas que diferem, corpas em trajetórias múltiplas, não hegemônicas, singulares em suas formas de composição e associação?... Como não obedecer ao escrutínio autoritário e neofascista daquele que ocupa o lugar do poder e redefine, longe de um processo democrático de fato, as regras de convivência da sociedade? Na produção de um gradiente infinitivo de formas de vida somos nutridos, na contramão do comando do ódio, de aldeias multiétnicas urbanas, aquilombamentos, espaços seguros, lutas de suporte, de solidariedade, ocupações estudantis, creches parentais, partidAs feministas, black blocs defendendo professores, retomadas de território indígenas, coletividades territorializadas, éticas estético-políticas...

 

Reprodução social, numa perspectiva feminista

O texto "O que pode a Psicologia social neste presente?" fala que o ódio "pesa nos nossos ombros". Mas também vem diante de nós, cai no nosso colo, atravessa nossas corpas e nosso cotidiano. Incapaz de pensar em profundidade com a constituição da Psicologia Social volto a atenção para o termo "social" e da relação sempre tensa e compositiva entre psicologia e sociedade. A partilha que esse social tem com tantos rincões do pensamento e das práticas me leva para as teorias da reprodução social que pensam à sua forma como sociedades se reproduzem - basicamente de como nossos "hábitos" são forçosamente produzidos e regulados. A reprodução social foi conceitualizada por diversos autores, mas aqui quero abordá-la ao rés do chão, em como ela dá conta de pensar como nos fazemos gente, e como sua forma majoritária programa a invisibilização de alguns. Cheguei no pensamento sobre reprodução social a partir de leituras feministas, cujos textos têm apresentado uma virada feminista das teorias da reprodução social. Este seria então mais um lugar situado para pensar as práticas do ódio.

A reprodução social nos faz pensar em relação nossas necessidades e desejos diários. As condições de convivialidade, nossos aspectos culturais, nossas raízes e ancestralidades (se é que as conhecemos!) dizem das formas de reprodução social. Se temos instituições de controle, se as abolimos, se temos instituições punitivas (e seletivas na punição) isso nos fala das leis de reprodução social que nos condicionam. Esmiuçando um pouco mais, a comida que comemos, se compramos ou plantamos, o tempo que temos para comer (e a aprovação de 410 novos produtos agrotóxicos desde janeiro 2019 pelo governo Bolsonaro) são indicativos das relações de reprodução social em meio a qual nossa vida se produz, e reproduz. Podemos classificar, portanto, nossa forma de reprodução social como demasiado androcêntrica, colonialista e extrativista, como dito acima.8 Na recusa das formas de subsunção da vida que a reprodutibilidade imprime, as mulheres campesinas latinas dizem há muito tempo: "nem nossos corpos nem nossa terra são território de conquista", e, em consequência, nem a vida de seus filhos. E como disse Daiara Tikuna "tratar a terra como filhos, não como donos".

Gilbert (2014), preocupado com as formas comunitárias e agregantes, aborda a destruição das comunidades por parte do sistema neoliberal, aquilo que a feminista italiana Maria Rosa Dallacosta (1971), analisava já nos anos 70, sob a perspectiva das mulheres. Ela explicitou como o capitalismo destruiu a capacidade de auto-organização das mulheres e de "fazer comunidade", sendo o cuidado uma das tarefas antes distribuídas e então inviabilizadas na sua forma comunitária com a imposição da aposta no núcleo familiar como núcleo produtivo. Sempre complicado falar assim genericamente, mas na análise de Maria, no contexto italiano, espirrando para outras partes do globo, o matriarcado teria sido destruído na substituição por um sistema falsamente "igualitário", no qual as mulheres tomariam possivelmente o mesmo posto que os homens. Essa se construiria como uma das falácias do sistema capitalista que, conforme expõe ambos autores, absorvem culturas e outros modos de reprodução a seu modo de reprodução, ao ponto de fazer algumas formas de organização social desaparecerem. A equação "que não fecha", reificou, portanto a forma machista da exploração laboral e a produção do gênero feminino como gênero a ser explorado, cujo trabalho doméstico dificilmente entrou na conta dos trabalhos pagos. A exploração do corpo das mulheres, atentos à interseccionalidade apresentada acima, apresenta então a trama complexa de abusos: sexuais, econômicos, políticos. A misoginia e o feminicídio expõe em suas estatísticas assustadoras as vias de fato de uma centenária prática de ódio que começa, contudo, muito antes da revolução industrial - mas está lá, também na raiz dos colonialismos.

Como responder criticamente às formas vigentes de reprodução social de forma que se possa intervir nessa macroestrutura de reprodução? Que contribuição os feminismos transversais e antirracistas vêm fazer em relação a isso? Com o embate que se coloca sobre o conceito de produção, e de reprodução Silvia Federici nos orienta a perguntar-nos "como nos reproduzimos?", e também aos movimentos feministas. Colocar isso "na agenda do movimento feminista" é trazer a atenção não apenas para as formas de atenção mútua (entre mulheres), mas evidentemente para tudo aquilo que deve ser reconfigurado (Federici, 2018). Dentre vários aspectos da reprodução social mais distribuída, a exploração dos trabalhos reprodutivos é um dos elementos centrais. Trabalho reprodutivo, falando de uma forma genérica, é o trabalho que sustenta a multiplicação ou manutenção da vida ela mesma. A pandemia de 2020 amplifica gigantescamente esse problema, e podemos mesmo relacionar como os demais trabalhos, que também são reprodutivos - como saúde, limpeza, educação, a produção e o comércio de alimento, entre outros - são os mais desvalorizados e também são realizados por mulheres. (Consequentemente, são elas que mais se contaminam com o corona vírus). Se torna crucial pensar junto a isso o adoecimento psíquico que decorre dessas formas de trabalho, exploração e invisibilização.

A reprodução social em geral, amplamente distribuída pelo sistema capitalista está, portanto, pautada não apenas na invisibilização e não remuneração dos trabalhos reprodutivos, portanto na sua exploração, mas na exploração direta, violenta, abusiva de corpos marcados e da (re)produção de gênero que aí incorre. Uma quebra no ciclo de reprodução, dessa reprodução desobedece a reprodutibilidade do comando do ódio. A interseccionalidade de opressões faz incidir esses efeitos mais ainda sobre o corpo das mulheres negras, indígenas e de cor, agarrando a mulher a funcionalidades reprodutivas e subalternas. Cys-tema que comanda a produção do ódio sobre os corpos derivativos de uma única identidade universal de mulher, validada e submetida a várias hierarquias, sendo a família devota de uma superestrutura reguladora... Forças conservadoras a serviço de que?

Feminismos respondem a isso na emergência da constituição de estratégias que não essencializam nem homogeneízam o gênero. Surgem projetos, redes, e diversos modos de organização social autônoma que vem tanto se ocupar das novas formas de reprodução social, assim como problematizar e re compor lacunas deixadas pelo recuo do estado - a "crise econômica" que sabemos na verdade induzida e fruto uma opção ideológica e econômica. A falência induzida do estado e de várias instituições associadas fazem parte dos problemas que afligem os praticantes da Psicologia Social no presente, cujo fôlego é encontrado na produção de estratégias de fortalecimento de grupos como formas de reversão das generalidades massificantes da reprodução social hegemônica, e exercício de novas formas de clínica social - não classistas, não racistas, não fascistas. Clínicas públicas - muitas vezes por fora do público (estatal), em desmonte.

A emergência do tema da reprodução social a partir de uma perspectiva feminista transversal, atenta portanto para raça, geração, sexualidade, gênero, e as relações ecológicas (a co-dependência entre vida e meio ambiente). se amarra com as políticas que revertem os privilégios retirando a garantia de localização dos mesmos corpos sempre nos mesmos lugares (os homens engravatados no comando da esfera pública). A população negra e indígena segue sendo excluída, invalidada, periferizada das mais diversas formas, e precisa provar sua dignidade contra o efeito de invalidação que se lhes impõe, tal como relata Talíria Petrone, Deputada Federal pelo Rio de Janeiro, que continuamente tinha que provar que era deputada na portaria da Assembleia Legislativa.9 Para rebater institucionalmente de várias formas, e construir novas políticas, Carla Akotirene fala que a interseccionalidade é "a autoridade intelectual de todas as mulheres que um dia foram interrompidas" (p. 109), cena que nos leva a Marielle Franco no púlpito da Câmara de Vereadores da cidade do Rio de Janeiro, dias antes de ser assassinada. Repensar a reprodução social, reinscrevendo-a antirracista e feminista, interrompe aquela reprodução patriarcal e estatal, reorganizando as noções mesmas de produção e reprodução por meio de práticas mais intermediárias, infraestruturais e desestabilizantes capazes de recompor aquela desagregação violenta.

 

Por fim, desobedecer como ciência

A ciência, também julgada nesse cultivo do ódio, tem sofrido com distorções descabidas e uma invalidação atroz da produção científica, acompanhada, muito infelizmente, pelas políticas institucionais de desmonte da educação. Como estamos situados também na universidade, lugar de escuta dos saberes e de produção do conhecimento, acredito que esse seria um último lugar, neste texto, para situar um posicionamento em relação à cultura do ódio. Fico pensando que não se produz conhecimento sem se aproximar, sem conhecer, e sem desconhecer-se, também afirmando aquele estranho em nós. Pergunto então, com o comando do ódio contra a ciência, como podemos como produtores de ciência, desobedecer?

Como relatei na introdução, responder a um texto sobre as práticas do ódio me faz encontrar com meus próprios medos, e rever os limites de minhas práticas. Um desafio imenso, também crítico-clínico. A prática da escrita me faz assumir (e experimentar) aqueles saberes que me constituem - a saber, as artes, o "jeito", o modo e o desejo de fazer algo ao redor e junto dos territórios e corpos de criação - mas também numa escuta dos saberes e práticas da Psicologia Social. Foi preciso deixar-se atravessar, apostando no encontro, um pouco imaginando e lentamente formando o que de começo eu não sabia o que poderia ser. Ainda não tenho respostas, mas vim coletando pistas de um desmanche. Emolientes do ódio, talvez.

Anne Querrien, socióloga francesa, ajuda a pensar que quando não estamos nos encontrando nos caminhos, quando não é possível derivar ou quando perdemos de vista os porvires da nossa pesquisa, "uma mão amiga, um viajante passando por uma linha de fuga próxima pode ser útil" produzindo-se "uma variação contínua a cruzar a linha de fuga", pois para poder "sair do confinamento da repetição, para fazer a diferença relevante, é preciso um caminho, um caminho que pode vir a desaparecer nesse emaranhado" (1999). Anne nos fala a partir de um saber que constrói as cartografias de nossas vidas e pesquisas, tramadas umas nas outras (Kastrup & Passos, 2013). Essa metodologia valoriza a criatividade inerente a um processo de pesquisa e por isso deixa emergir os afetos "indisciplinados", literalmente por fora das disciplinas que os significam, ou seja, abrindo espaço e destruindo as barreiras... A cartografia também evidencia, sem dúvida, aquilo que constrói o privilégio de um espaço de fala, e por isso mesmo minha trajetória não vale se não assumir um lugar e se não encontrar as encruzilhadas que lhe desafiam, desafiando as energias de conservação. E desafiando as energias ao redor do comando do ódio, que sequestram nossas capacidades inventivas. As cartografias, ferramenta que partilho com muitos que me lêem agora, compõe com um espaço de pesquisa onde cabe rever, como faz Rosane Neves da Silva (2004) o social da psicologia social como problema (não como um conjunto de condições estabelecidas por um senso comum). Pensando uma atualização constante da Psicologia Social, Rosane analisa como "estratégias de poder" e "técnicas de subjetivação" "atravessam uma formação histórica em um determinado momento, atualizando sistemas de referência distintos quanto ao modo de organização do tecido social (p. 15). Os saberes e práticas do largo escopo da saúde, e também daquilo que deve ser transversal a esses saberes, adicionam-se nas urgências do presente que nos tem à decolonialidade do saber e às epistemologias afetivas e territorializadas, historicamente periferizadas como "outras". Com elas podemos coletar forças e parcerias no desmanchamento do ódio, na busca de desobedecer.

Félix Guattari, motivado sempre a colocar o pensamento em movimento, pesquisador e agenciador de redes de pesquisa falava da importância de que, no acompanhamento de processos de pesquisa se possam observar "as bifurcações que caracterizam a formação de agenciamentos coletivos de enunciação" e que possam incluir também uma "análise dos fracassos" (1962, p. 24), visto que os "fracassos" não deixam de ser "capital de potencialidade", pois também marcam aspectos e caminhos da pesquisa, e a produção de novos agenciamentos - ainda que, como disse Anne, essas linhas "desapareçam", na resistência que elas oferecem, negando que tudo se pode representar. Guattari era muito atento às segregações que o ambiente universitário pode acarretar.

Podemos pensar que essa cartografia dos fracassos não é só constitutiva dos processos de pesquisa, mas também da institucionalidade como tal, naquilo que a instituições fomentam e abrem caminho - e nas condições que elas devem continuamente transformar, de forma a fazer sumir a desagregação (que pode ter alianças, de várias formas, talvez sub-reptícias, com a cultura do ódio). Junto daquele pensamento sobre a escala (e as formas de reprodução social), um movimento duplo deriva dessa análise: uma transformação molar (em quantidade) é necessária para permitir uma intervenção finalmente profunda e uma aposta real na transformatividade dos estudos da ciência. Provas disso são as políticas de ações afirmativas e como elas vem criando condições para alunos e pesquisadores se situarem a partir de seus próprios vocabulários (e de suas memórias, ... e de suas feridas), assim como se tornarem parte dos corpos institucionais, ocupando posições de intervenção vertical e duradoura.

As trocas de olhares na partilha de percursos que se inauguram nas políticas afetivas construídas em coletividade, e suas alianças e vínculos singulares, podem refutar o comando do ódio, mas é preciso não apenas narrar esses vínculos que resgatam os espaços de afeto nos espaços institucionais, de forma a assegurar o espaço para a construção de conhecimento a partir desses vínculos (isto se ancora, sem dúvida, nas histórias da análise institucional na universidade brasileira). É preciso desobedecer... Desobedecer pode ser estar atento às formas que se repetem, e que reinscrevem gestos de normatização institucional, e encorajar as mudanças de direção, as invenções, os novos encontros. Desobedecer como ciência neste lugar pode ser refutar os marcadores hegemônicos que regimentam a produtividade, e validar as posições situadas que emergem e transformam esses espaços. É preciso poder produzir conhecimento sem medo - relembrando aquele aluno negro com o cartaz na manifestação. Os processos de pesquisa, no campo da subjetividade, se tornam, me parece, o lugar privilegiado onde narrativas de fracasso (institucional) e aquilo que é irrepresentável tome lugar.

Sabemos, contudo, que no cultivo do ódio a ciência passa por um descrédito tão grande que sufoca qualquer existência singular. O jogo molar da meritocracia parece duro demais, mas ele quebra tão logo se expõe os esquemas que o sustentam. O alimento de uma transitividade crítica (Paulo Freire) desobedece não só o mando da produtividade, mas escuta as violências, negando a segmentação dos espaços que constantemente se reinstituem. Trabalho incansável de desdobre entre subjetividade situada, identidade e devir "afinal, o conhecimento deve ir além das marcações fixadas por linhas imaginárias do horizonte, e finalmente, valer-se de raça, classe, território e gênero, mas enlanguescendo-se" (Akotirene, 2018, p. 108). Enlanguescer se torna possível com a ação desse emoliente que desfaz tais determinantes, emoliente que eu acho que pode ser feito também de "águas étnicas, memórias índicas, culturas polissêmicas e posicionalidades transatlânticas", como poética e politicamente descreve Carla Akotirene.

Resta um último desejo, um novo respiro: uma tentativa de capturar a manifestação do ódio antes mesmo de ele se manifestar como energia de estagnação. Tentativa de acompanhamento de trajetórias micro-mutantes de forma que se possa colocar em estado de performance os devires destrutivos antes mesmo de seu congelamento, antes da produção do ódio como bloqueio, e dos bloqueios do ódio. Ficamos atentos a essas cartografias possíveis, querendo nutrir passagens nos espaços de sufoco onde se quer incutir que nada mais é necessário, e tampouco possível. Esse levante é, por isso, um "gesto sem fim", é força, energia e memória corporal - ao mesmo tempo incorpórea. É pedagogia lenta, que pode até ralentar, mas que se anima naquela ira de recuperar fôlego.

 

Notas

1 Isabela Kalil é antropóloga, docente na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e coordenadora do Núcleo de Etnografia Urbana e Audiovisual (NEU). Seu trabalho tem "mergulhado" nas ruas do Brasil, de forma a entender a constituição política de sujeitos e movimentos, desde Junho de 2013 (www.fespsp.org.br/neu).

2 Como parte do seminário Temas em Debate (2019) meu texto responde ao texto de Helena Soares, Paula Flores, Giovana Barbieri Galeano e Robert Filipe dos Passos, que gentilmente me convidaram para dialogar. Publicado nesta mesma edição de Polis & Psiquê.

3 Uso o conceito de corpas sem situar autores. Corpas emerge na multiplicidade de formas de manifestação nos últimos anos nos contextos que tenho habitado. O conceito procura negar a objetificação das vidas em corpos genéricos, negando o gênero masculino como gênero universal e afirmando existências, por sua vez, a partir das trajetórias, das feridas, das marcas, e de sua experiência política.

4 Site do artista http://www.danielcflima.com/Haiti---Nou-Pap-Obeyi

5 Alguns anos atrás escrevi o texto "A vida pública de uma mulher" analisando o golpe que retirou Dilma Rousseff e como essa retirada de Dilma é um gesto que distancia as mulheres da vida pública que ela vinha conquistando nos últimos anos na macropolítica brasileira. Retomei este texto após o assassinato de Marielle Franco e publiquei com nova introdução. Porque autoras mulheres, pensadoras, filósofas, sociólogas que produzem as mais importantes análises de conjuntura política ainda não são consideradas páreo para a análise macropolítica conduzida por homens? (Ribas, 2018)

6 Autoras como Cristina Morini (2014) analisam como a precarização do trabalho tal como estavam submetidas as mulheres, se torna uma condição amplamente distribuída, não só às mulheres.

7 Carla Lonzi e Silvia Federici são autoras de referência para analisar esse momento.

8 A perda 60% de animais selvagens nos últimos 44 anos, é mais um dado do impacto da forma da vida humana.

9 Sobre as candidaturas das mulheres negras, indígenas e trans escrevi "Feminismos Bastardos, feminismos tardios: abortar o Estado heteropatriarcal" (2019), publicado pela Editora n-1 (São Paulo).

 

Referências

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Submissão: 23/10/2020
Aceite: 20/11/2020

 

 

Cristina Thorstenberg Ribas é bolsista Capes PNPD no Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da UFRGS. É também PhD no Godmishts College University.
E-mail: crislaranjaribas@gmail.com
ORCID: http://orcid.org/0000-0001-6856-1937

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