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Revista Polis e Psique

On-line version ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.11 no.2 Porto Alegre May/Aug. 2021

 

ARTIGOS

 

Problematizando experiências coletivas dos jovens do COLAÍ, movimento de cultura

 

Problematizing the collective experiencies of young people of COLAÍ, moviment of culture

 

Problematizando experiencias colectivas de los jóvenes del COLAÍ, movimiento de cultura

 

 

Bruna Molina Leal; Rosemarie Gartner Tschiedel

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil

 

 


RESUMO

Ao acompanhar as atividades do coletivo juvenil Colaí, adotando uma postura etnográfica e cartográfica na pesquisa, visibilizam-se as lógicas que permeiam as ações na comunidade em que estão inseridos em Porto Alegre - RS. O objetivo deste artigo é discutir as experiências do Colaí enquanto coletivo a fim de problematizar os seus desdobramentos. Ainda, explora-se a concepção de jovens e juventudes, assim como as políticas públicas de cultura e de juventude(s). Essas políticas incidem na produção de subjetividades dos jovens participantes do Colaí a partir das ações e experiências vivenciadas. Percebe-se que discursos individualistas têm predominado e, ao mesmo tempo, vêm se constituindo alternativas coletivas. Logo, é possível visualizar que a construção do Colaí se deu permeada por lógicas conflitantes, tanto individualizadas como democráticas, criando um grupo composto por singularidades que engendram experiências em um plano comum que pode constituir um coletivo.

Palavras-chave: Jovens; juventudes; coletivo; subjetividade.


ABSTRACT

While observing the activities of the Colaí's youth group, and adopting an ethnographic and cartographic posture in the research, it is possible to view the logics that permeate their actions in the community in which they are inserted in Porto Alegre - RS. The objective is to discuss the experiences of Colaí as a collective in order to problematize its developments. The conception of youthfulness, as well as public policies of culture and youth, are explored in this paper. These policies focus on the production of subjectivities of the young participants of Colaí, based on the actions and experiences. It can be seen that individualistic discourses have predominated and, even so, have become collective alternatives. Therefore, it is possible to visualize that the construction of Colaí was permeated by conflicting, individualized and democratic logics, creating a group composed of singularities that engenders experiences in a common plan.

Keywords: Youth; collective; subjectivity.


RESUMEN

Al acompañar las actividades del colectivo juvenil Colaí, adoptando una perspectiva etnográfica y cartográfica en la práctica de la investigación, se visibiliza las lógicas que permean sus acciones en la comunidad en que están insertos en Porto Alegre - RS. El objetivo es discutir las experiencias del Colaí como colectivo a fin de problematizar su desarrollo. Aún, se explora la concepción de jóvenes y juventudes, así como las políticas públicas de cultura y de juventud. Estas políticas inciden en la producción de subjetividades de los jóvenes participantes del Colaí, a partir de las acciones y experiencias. Es posible percibir que discursos individualistas han predominado, sin embargo se vienen constituyendo alternativas colectivas. Por lo tanto, es posible visualizar que la construcción del Colaí ha sido permeada por lógicas conflictivas, individualizadas y democráticas, creando un grupo compuesto por singularidades que engendra experiencias en un plano común.

Palabras clave: Jóvenes; juventud; colectivo; subjetividad.


 

 

Atualmente, tem se estudado muito os movimentos juvenis, sociais e culturais, devido a uma efervescência popular com manifestações que ganharam espaço no cenário político, cujos efeitos ainda estão presentes em nosso cotidiano. Silva e Macedo (2016) ressaltam que as intensas manifestações de movimentos sociais romperam um longo período sem grandes protestos de massas no Brasil, em que se mostrou aparente "a enorme insatisfação do povo com as formas tradicionais de participação política, tornando notável que a população - a jovem em especial - desejava melhorar a qualidade da democracia brasileira" (p.17).

Cada vez mais há indignação contra o uso inapropriado de verbas públicas e inconformidade com uma política representativa que apresenta altos graus de corrupção, promovendo manifestações de organização descentralizada, com autonomia dos participantes e sem seguir, necessariamente, uma liderança formalmente reconhecida (Gohn, 2014). Nessa seara, Scherer-Warren (2014) ressalta que, "como somos herdeiros, no Brasil, tanto de tradições políticas conservadoras, elitistas, como de outras mais progressistas ou emancipatórias, isso se refletiu também na diversidade dos protestos". (p. 429). Enquanto se protesta contra as instituições políticas que não respondem às demandas sociais de forma convincente, ainda se debate sobre o direito de se manifestar em espaços públicos, criando novas maneiras, abrangendo e legitimando diversas formas, ocupando as ruas e assim ressignificando o fazer político.

É preciso contextualizar esse movimento em um panorama mundial desde 2008, ao identificar resistências que têm se posicionado contra o sistema político representativo e partidário vigente. São "as marchas contra o genocídio da população negra, os atos dentro das paradas LGBT, as ocupações de escolas públicas por estudantes secundaristas e as repetidas ações feministas" (Rodrigues & Alvim, 2016, p.103). Nesse sentido, frente à ampla gama de manifestações que têm proliferado, é importante atentar para o contexto social, político, cultural e econômico em que os sujeitos se encontram, de maneira a buscar identificar discursos e práticas comuns. Considerando as organizações juvenis que têm disputado o seu espaço como relevante ator social, os aportes "psi" nos permitem problematizar as ações desses coletivos, assumindo um compromisso "em construir uma prática eticamente relacionada às propostas de transformações sociais" (Costa, Oliveira & Ferrazza, 2014, p. 76).

Enquanto pesquisadoras, aproximamo-nos de um coletivo de jovens que vivem na periferia de Porto Alegre, o Colaí, Movimento de Cultura. A particularidade desse grupo é atuarem em uma das ilhas do município. Esse coletivo emerge de maneira singular em 2012 quando um grupo de amigos propõe se reunir nos domingos à tarde para realizar ações voltadas à juventude da Ilha, ocupando a praça da comunidade, abandonada até então. Criaram um espaço de convivência na comunidade, com shows de música, jogos de vôlei, gincanas e campeonatos de futebol aos finais de semana, como possível alternativa ao consumo de drogas dos jovens da comunidade. Ao desenvolver um projeto social na Ilha, a fim de contribuir com a comunidade em que cresceram, nomeou-se Colaí, aludindo a que todos se colassem e se somassem às ações promovidas.

Desse modo, o Colaí foi agregando mais pessoas interessadas, ocupando o espaço de forma diferenciada do que estava sendo até o momento, passando a reivindicar uma atenção ao local perante as instâncias locais. Utilizando perspectivas metodológicas etnográficas e cartográficas, participamos do coletivo de 2014 ao final de 2015 em suas reuniões semanais e ações mensais nos diversos projetos que desenvolvem e problematizamos a tensão conceitual entre dispositivo grupal e coletivo, oscilando entre as lógicas individualistas e coletivistas. Neste artigo, buscamos acompanhar as suas experiências enquanto sujeitos jovens, no contexto da comunidade e com pontuais participações políticas junto às políticas culturais e de juventude, de maneira a problematizar a dimensão coletiva acionada pelo Colaí. Para isso, destacaremos conceitos chaves com que trabalhamos antes de mergulhar nas experiências do Colaí.

 

Coletivos juvenis

Para a discussão deste artigo, é necessário concebermos a subjetividade em uma perspectiva sensível, quase como um mapa de sensações, não redutível ao indivíduo, mas como uma composição de fluxos, de encontros, envolvendo pessoas, coisas, discursos, ações, experiências, elementos materiais e imateriais, o que "não se situa no campo individual, seu campo é o de todos os processos de produção social e material" (Guattari, 1986, p. 32). Assim, é possível perceber a presença de atores políticos, econômicos, tecnológicos, ecológicos e semióticos nessa dimensão subjetiva, rompendo com a ideia de que a subjetividade é individual, de pessoa a pessoa. Esses processos de subjetivação são marcados pela disputa em uma pluralidade de forças, tornando-se impessoais e coletivos. Tal coletivo situa-se para além da coletividade localizada no agrupamento de pessoas, entendido como uma multiplicidade, para além do indivíduo e aquém da pessoa (Guattari, 1990).

Muitos estudos se dedicam a grupos de jovens, associando estes às ações coletivas que promovem. Segundo Maheirie, Hinkel, Groff, Muller, Gomes e Gomes (2012), os coletivos podem se configurar tanto por uma unificação transitória e momentânea quanto pela constituição de grupos organizados, afirmando que os coletivos são diferentes entre si devido às diversas possibilidades de constituição. Eles conceituam o coletivo como "configurações reais e/ou virtuais que sujeitos estabelecem em determinado contexto concreto, a partir de tempos e espaços que se definem em torno de um tema ou questão" (Maheirie et al., 2012, p. 152). É preciso, para compreender como se engendram os processos de subjetivação, levar em conta o contexto histórico, cultural, político e econômico.

Os grupos juvenis têm promovido espaços de novas experiências de pertencimento e reconhecimento social. Atuando de forma localizada em comunidades e em bairros da cidade, criam novas maneiras de se organizar politicamente, com a produção de espaços de encontro e de atuação em rede, promovendo variadas atividades culturais. Ao ocupar e transitar pela cidade, os jovens produzem subjetividades de maneira processual, ao buscar algo para si, nas experiências comuns com grupos de semelhantes, tendo o intuito de "vivenciar emoções de forma compartilhada, com o outro e na condição de estar com ele" (Castro, 2016, p.86).

Sposito (2010) discute a composição das ações coletivas dos jovens e sua configuração com os tempos e os espaços das vidas desses. Por ação coletiva, aludimos a mais do que ações realizadas em grupos ou movimentos sociais, compreendendo que nem toda ação coletiva culmina em mobilizações contestatórias, sendo possível uma amplitude de maneiras de engajar-se, mobilizar-se e associar-se a diversas causas.

Neste artigo, utilizamos a noção de coletivo apresentada por Escóssia (2014), que o conceitua como um plano de relações subjetivas, para além de um agrupamento de pessoas, buscando a superação da dicotomia indivíduo e sociedade, sem reduzi-la, a fim de constituir uma rede coletiva. Assim, concebemos o coletivo a partir da possibilidade de coexistência e indissociabilidade entre a dimensão individual e social nos processos de subjetivação. Tal coletivo configura-se em distinção à coletividade e à ação coletiva, assumindo características não redutíveis à dimensão social. Compreender o coletivo como um plano de forças de relações que ocorrem ininterruptamente é perscrutar os movimentos e repousos dentro de uma rede em um plano relacional em que ocorre a produção de subjetividades.

Cabe destacar a opção por abordar o conceito de coletivo junto ao conceito de grupo. Marcados por processos de subjetivação permeados de saberes e poderes, grupos juvenis surgem no espaço entre as dimensões individuais e sociais em processo de construção constante (Barros, 2007). Tendo em vista as contribuições de Barros (2007), que problematiza e expande o grupo para o conceito de dispositivo grupal, o grupo ainda possui outros sentidos, perpassando grupos de escola, grupos de trabalho, grupos terapêuticos, entre tantos outros. Ao mesmo tempo em que o dispositivo grupal busca romper com a unidade/totalidade, compreendemos que o conceito ainda está vinculado com uma prática grupal estabelecida em diferentes espaços. Nesse sentido, consideramos que o coletivo amplia a discussão do dispositivo grupal e a complementa, quando analisamos movimentos sociais e a formação de coletivos políticos. Com isso, a composição teórica coletivo/dispositivo grupal busca abranger as forças que movimentam os encontros de discussão, bem como as conversas em redes sociais ou ainda, nos momentos de representação do grupo em outros espaços.

Logo, neste artigo, ao mencionar o grupo, referimo-nos a agrupamento de pessoas - em que se passam processos diferentes de uma relação bipessoal -, quando ocorrem as conexões entre as pessoas e os seus modos de ser. Assim, compreendemos que grupos de jovens em ação, em determinadas comunidades, podem se tornar coletivo, constituindo e/ou experimentando territórios, posições-composições. Ao mencionar os conceitos de dispositivo grupal e de coletivo problematizamos as forças relacionais que produzem subjetividade, pois como propõe Barros (2007): "Eis a entrada grupal que o paradigma ético-estético-político nos abre: a de uma subjetividade que experimente, se arrisque em outros modos de composição; (...) a de uma subjetividade que esteja comprometida com os processos coletivos que a produzem (p. 325)", articulando-se o dispositivo grupal ao plano coletivo.

Ao enunciar o coletivo em um plano ético-político, desdobra-se em uma ética e em uma política do comum, do impessoal e das multidões. Aqui assinalamos que o comum não é dado e não está sempre disponível, mas é algo que pertence a todos e se engendra nas relações. Teixeira (2015) volta-se para as contribuições de Spinoza ao pensar o comum como um conjunto de composições de relações para criar um novo corpo singular, o qual se articula pelas relações subordinadas às partes que o compõem, ocasionando a produção de potências. Ao mesmo tempo em que se explica o comum a partir das singularidades que surgem das relações com os outros, a sua constituição articula-se com o reconhecimento do outro.

Afirmando que o coletivo se torna uma política do comum e das multidões, destaca-se uma concepção de constituição de um mundo comum como um processo de composição de relações e de conexões que fazem funcionar a sua potência, constituindo-se pouco a pouco a partir de experiências coletivas (Escóssia, 2014). Aliada às reflexões de Negri (2005), a produção do comum é realizada a partir de uma atividade produtiva de singularidades que compõem um conjunto de singularidades cooperante, definida pela sua multiplicidade de ação com o potencial coletivo.

Ainda, é necessário compreender que o coletivo abrange linhas de força que rompem com o estabelecido, produzindo novas relações imprevisíveis e inventadas. Deleuze e Parnet (1998) conceitualizam essas linhas como linhas de fuga que nos conduzem a novos modos de vida e novas subjetividades, sendo criadoras e criativas. Logo, o coletivo torna-se uma coletividade, não como substantivo, mas como composição entre elementos heterogêneos, encontros entre corpos de natureza diversa, diferentes máquinas de expressão que se agenciam. E nesse sentido, voltamos a problematizar as experiências do Colaí, Movimento de Cultura, em que jovens se jogam na arena da cidade, no diálogo com as políticas públicas de juventude e de cultura, no embate com os modos de fazer política, promovendo uma construção coletiva de experiências singulares em seu território.

 

Jovens e juventudes

Juventude e jovem, por mais que possam figurar como sinônimos, são construtos que apresentam diferentes vertentes teóricas e sentidos distintos. Enquanto o termo "jovens" aponta para a dimensão do sujeito e a condição de ser jovem, o termo "juventude" é concebido sob uma perspectiva sociológica, criada para abarcar a condição e situação juvenil, política, social e cultural. Logo, ao usar o construto juventudes no plural dá-se destaque à multiplicidade de condições em que estes sujeitos se constituem, de modo a não designar uma categoria homogênea (Gil, 2011).

A juventude não é um conceito unívoco, é baseado na construção histórica e social, produzido no espaço e em uma temporalidade. A condição jovem perpassa as condições da sociedade urbana, apresentando-se de variadas maneiras, em diversos grupos sociais ou tribos, expressando uma pluralidade de formas de experimentar as juventudes, não sendo possível fixar os "jovens" em uma única categoria estatística e conceitual. É importante pensar a condição do ser jovem igualmente como construção social e de acordo com as experiências possíveis, em determinado momento histórico, marcado pelos preceitos culturais vigentes. Ainda que seja uma construção social, o conceito de juventude nos permite um olhar ampliado para os encontros a que estes sujeitos estão submetidos, de maneira a concebê-los sob multiplicidades e diferenças, constituído e atravessado por fluxos (Coimbra et al., 2005)

Ao explorar a dimensão social das juventudes, ressalta-se que essa deve ser analisada partindo do princípio de que a própria sociedade é permanentemente constituída, com regras social e culturalmente elaboradas. Bourdieu (1983) ainda nos apresenta que o constructo é apenas uma criação frente à disputa de poder entre os mais velhos e os mais jovens. Além disso, é importante considerar um aspecto histórico quando percebemos que o jovem expressa diversos dilemas presentes na sociedade, gerando conflitos geracionais. Dependendo do tempo e do lugar em que se encontram, os embates juvenis são distintos, assim como as forças sociais em destaque também o são. Torna-se necessário, assim, desnaturalizar a condição jovem, afirmando a sua complexidade e não uma aparente obviedade.

Ao enfatizar a formação das juventudes, refletida pelos contrastes presentes na realidade social, considera-se o jovem a partir de suas características, sem reduzi-las - levando em conta as dimensões de gênero, etnia, raça, classe, território, geração, cotidianos e projetos de futuro -, entendendo que essas acabam por expressar a pluralidade, a diversidade e a desigualdade de vivências dos jovens no Brasil. Há uma discussão dinâmica quanto às juventudes, em ampliação e constante mutação diante dos aspectos históricos, econômicos, sociais e culturais, sem haver uma definição conceitual única, sendo, portanto, um construto formado e transformado dependendo dos processos nos quais está inserido. O conceito de juventude, então, surge como um conceito relativo a "uma categoria e grupo social e historicamente localizados, em que o corpo, a forma de estar no mundo e a relação com o tempo delineiam concretamente os sujeitos jovens" (Trancoso & Oliveira, 2015, p. 254).

Amaral (2015) expõe quatro discursos atuais referentes à juventude: como problema social, como modelo cultural, como símbolo de consumo e como agente político. Entre as produções observadas, destacam-se duas posições que compõem a noção de juventude, entendida por um lado como revolucionária, transformadora e, por outro, como geradora de problemas, um período da vida que exige cuidados. É, ao mesmo tempo, uma potência e um problema social. O jovem tem se evidenciado enquanto sujeito em construção, ainda passivo diante dos interesses dominantes. As juventudes têm se tornado um período ditado pelos discursos das políticas públicas, que acabam definindo as circunstâncias e os modos de viver dos jovens.

Neste artigo, refletimos sobre a experiência juvenil do Colaí, um coletivo formado por jovens de 15 a 30 anos, em sua maioria do sexo masculino, tendo membros de origem negra e branca, devido a características da comunidade da Ilha da Pintada, localizada na periferia da cidade de Porto Alegre. Todos haviam completado o ensino médio, alguns o ensino técnico, ou cursando ensino superior. Moradores da comunidade, nenhum participara de projeto social anteriormente. A composição do grupo alterou-se durante a pesquisa, porém o forte vínculo com a comunidade permaneceu. Reuniam-se semanalmente, de maneira a organizar e planejar as suas ações, em ambiente bem descontraído, regado a piadas, "fofocas" da comunidade e conversas sobre as suas vidas. Quando um membro saía, convidavam novos jovens para participar, e muitos afirmavam que não sabiam o que o Colaí fazia antes de ingressarem. Isso chama a atenção, tendo em vista que todos compartilhavam momentos na praça e se conheciam anteriormente. No entanto, depois se espantavam com a burocracia e quantidade de trabalho envolvido para a realização dos projetos. Os membros do grupo foram assumindo novos subprojetos, ampliando as ações do Colaí, cabendo aos mais antigos uma dedicação à formação da liderança dos novos membros, para que "vestissem a camiseta do grupo" e assumissem a responsabilidade das atribuições. Na formação do grupo, foi possível perceber a valorização de cada integrante, partindo do ponto de vista de que cada jovem tem suas potencialidades e suas experiências somavam-se às do grupo. Nesse sentido, propõe-se pensar nas experiências juvenis no contexto da cidade.

 

Jovens na cidade e na política

A cidade deve ser concebida como um território sob diferentes olhares, um lugar de inúmeros conflitos, tanto concretos como simbólicos, além de um palco em que as trajetórias de vida dos indivíduos se conectam de formas múltiplas. Assim, ao experimentar a vida na pólis, o jovem reconstrói o tecido social, atribuindo novos sentidos aos espaços das cidades e promovendo uma juvenização dessas. É possível compreender o processo de formação de modos de ser juvenil ao refletir sobre os sentidos sociais e culturais das relações em que o sujeito está imerso (Carrano, 2003). Os jovens vivem sociabilidades em um contexto de experimentação intensa, o que engendra a produção de subjetividades através de um convívio com as esferas públicas, entendendo a cidade como uma arena cultural, um lócus privilegiado para a prática da cidadania, composta por diálogos multiculturais entre sujeitos heterogêneos. Sua complexidade deverá ser compreendida por sua dimensão comunicacional dialógica, tendo em vista que é no espaço público que se fazem experimentações e se constroem sentidos sociais e culturais, configurando linhas de subjetivação.

Além disso, a cidade tem se tornado um "campo de batalha", com ocupações e eventos que reivindicam o seu uso coletivo. O Colaí inicia as suas atividades propondo a ocupação da praça da comunidade que se encontrava abandonada pela população, pelo medo do tráfico de drogas e ocorrências de crimes em suas redondezas. Ao propor atividades nos finais de semana, ocupam o espaço, demonstrando usos e propondo atividades diferenciadas das quais a comunidade estava acostumada e reafirmando a importância do lugar junto à população jovem. Nesse sentido, as suas ações como oficinas de futebol e de violão, jogos de vôlei, sessões de cinema na praça e shows de músicas, trazem para o cenário da comunidade discussões sobre o uso do espaço público, a participação nos fóruns da comunidade, além da tentativa de promover um "exemplo" de cidadão jovem e participativo na comunidade.

Ao considerar a cidadania como um conceito que vai além da dimensão política presente no relacionamento com o território, Boghossian e Minayo (2009) constatam uma participação efetiva de jovens em diversos grupos, como instituições de trabalho voluntário, entidades estudantis, Organizações Não Governamentais (ONGs), mobilizações de contestação e redes de solidariedade que promovem manifestações e novos acontecimentos políticos-culturais. Expressando atenção às questões sociais, os jovens têm agido de forma localizada apresentando aversão à política tradicional, produzindo uma possível repolitização ao agregar a dimensão cultural à política e sendo esta última sentida como um modo de vida e maneira de compreensão das relações sociais. Assim, a participação política dos jovens tem emergido como uma demanda subjetiva e conectada ao pertencimento à comunidade, o que permite uma reinvenção da própria política e da convivência em sociedade. Adotando princípios de cooperação, colaboração, autonomia e organização em redes, pode-se considerar o fenômeno de proliferação de coletivos políticos "como 'malhas subterrâneas', pouco visíveis, de agenciamentos juvenis" (Oliveira, 2014, p.24), que produzem espaços de sociabilidade atuando na resistência.

Nesse sentido, acompanhou-se esse debate também nas ações do Colaí. Ao mesmo tempo em que consideram atuarem politicamente na comunidade, em parceria com secretarias municipais e com atuação nos fóruns regionais do orçamento participativo, defendem uma posição apolítica, no sentido de não apoiarem e não aceitarem apoio de partidos políticos. Durante a pesquisa, acompanhamos a eleição para conselheiro tutelar na comunidade e um dos antigos membros do Colaí estava concorrendo. Assim, um dos maiores tópicos de discussão era desvincular o Colaí do pleito. Sabia-se que toda ação do Colaí tinha um fundo político, mas a intenção desses jovens não era disputar esse poder na comunidade e sim fazer as suas ações para se tornarem referência sem entrar no jogo político partidário.

Tem-se percebido uma crise de representatividade nos partidos políticos, e muitos grupos e movimentos juvenis vêm adotando discursos e posturas apartidárias em suas demandas. Esses novos movimentos têm sido inspirados em práticas libertárias como as preconizadas em "Maio de 68", destacando uma posição que não tenha partido e convidando a revoluções do cotidiano em ações contrainstituintes. A dimensão política vai sendo definida a partir das estratégias adotadas, cujos grupos vão assumindo-se como "... uma militância contemporânea (...) com base na independência política e econômica dos jovens, ou seja, sua total independência das organizações partidárias" (Sousa, 2005, p.7). Ainda, por mais que assuma uma posição apartidária, o Colaí demonstra uma habilidade de articular-se com as políticas municipais de juventude e de cultura.

 

Políticas culturais e de juventude(s)

Abramo (2001) destacou que é a temática da cultura e do lazer que motiva os jovens a se colocarem no espaço público, participando do debate público e político. Mesmo que as políticas culturais estejam desprestigiadas, com poucos investimentos, é nesse espaço que se articulam os grupos de jovens, buscando novos meios de se expressar, inventar, intervir e participar da dinâmica social. Cabe aqui realçar que há, muitas vezes, um uso populista das políticas culturais, entendidas como medidas compensatórias a serviço das estratégias governamentais (Barbalho, 2012). No entanto, um papel importante delas está ligado ao processo de democratização da cultura, tornando-a acessível à população.

Vêm-se conquistando espaços de participação popular, a fim de "reconhecer a diversidade de interesses (...) fazendo circularem discursos e ações dos diferentes segmentos e atores, visando ao enriquecimento cultural por meio da afirmação das diferenças" (Barbalho, 2012, p.161). Contudo, uma das principais dificuldades está no planejamento orçamentário para as políticas culturais para a implementação de uma democracia cultural. Em alguns municípios, o Orçamento Participativo (OP) tem se configurado como principal ferramenta de gestão que beneficia a cultura de acordo com o interesse da população. Com participação das comunidades, recursos disponíveis para as suas deliberações e com controle social sobre as demandas realizadas, o OP tem atuado na linha de frente entre políticas democratizantes e lógicas neoliberais. Enquanto a primeira é pautada pela participação das comunidades no desenvolvimento de políticas culturais, a segunda é marcada pela transformação do cidadão em consumidor de cultura, estabelecendo um mercado que busca lucrar a partir das expressões culturais.

Bezerra e Weyne (2013) percebem o desafio da construção de uma nova política cultural democrática que assegure liberdade para as diferenças, os dissensos, os conflitos e até os antagonismos, estimulando a cultura da diferença, a convivência com a diversidade e o desenvolvimento de novas éticas. É necessária, assim, uma mudança de foco das políticas públicas de cultura, aproximando-as de ações realizadas por movimentos sociais, que produzem práticas culturais que repercutem politicamente e que atuam em defesa do direto à diferença, vinculando dimensões culturais às dimensões políticas.

Participando das reuniões locais do OP, o Colaí apresenta-se na comunidade como uma organização interessada nas políticas culturais e para a juventude. Ao promover ações culturais, ocupam o espaço público da comunidade, criando um bloco de carnaval, desenvolvendo oficinas musicais, de violão e de percussão e oferecendo à comunidade outras atividades no tempo livre. Percebeu-se a ambição do Colaí em se tornar uma referência para os jovens da comunidade, estimulando os participantes do Colaí em profissionalizar as suas ações, desejando tornar-se uma organização não governamental (ONG) com sede própria e aberta à comunidade para ações educativas, culturais e esportivas, aproximando-se das discussões voltadas às políticas para/de/com juventudes.

Conforme Alviarez (2016), os jovens assumem um protagonismo que retoma a concepção de uma participação ativa, com iniciativa. No entanto, associado a esse ideal de participação juvenil, esse protagonismo tem se tornado exercício de empreendedorismo, tornando o jovem empreendedor de si mesmo (Goulart & Santos, 2014). Ainda, percebe diferentes modos de participação no que concerne ao protagonismo juvenil. Ora inspirados em movimentos sociais democráticos, que concebem propósitos coletivos e confrontativos à lógica dominante, ora inspirados no projeto neoliberal de associações, de fundações ou de ONGs, que possuem uma perspectiva individualizada e moralista sustentada pelo ideal do voluntariado, responsabilidade social e participação solidária (Barbalho, s/d, arquivo digital).

É neste embate que muitas discussões e ponderações do Colaí se baseiam: visando a ser um movimento social e, ao mesmo tempo, uma organização. Uma característica encontrada foi a maneira como o coletivo se produz a todo o momento, organizando ações e promovendo experiências na Ilha da Pintada, de maneira a habitar espaços até então esquecidos, trabalhando para a promoção de espaços de lazer, esporte e cultura na comunidade. Ao almejar ser "exemplo" para a população jovem, buscando reconhecimento pelas suas ações e trabalhando para se tornar uma ONG, os jovens que participam do coletivo vão experimentando uma prática mais cidadã e democrática. Eles passam a se inserir em espaços instituídos como políticos, como o Fórum Regional do Orçamento Participativo da Região das Ilhas e o Conselho Municipal de Cultura e, simultaneamente, defendem uma postura "apolítica" como afirmam, distante da noção de política partidária, buscando não se envolver nos meandros desta, não desejando apoiar candidaturas e se mantendo distantes do jogo político partidário na formação do Centro de Relações Institucionais e Participativas da Região das Ilhas (CRIP-Ilhas).

No entanto, na medida em que buscam novos modos de se produzirem na comunidade, não deixam de ser atravessados por uma lógica neoliberal e empreendedora, sob um discurso de protagonismo juvenil e de voluntariado. Neste sentido, cabe recordar que a cultura do empreendedorismo pode levar à produção de um indivíduo microempresa caracterizado como "um indivíduo (...) cujas maneiras de pensar, de agir e de sentir, já não são, apenas e tão somente, constituídas por uma normatividade médico-psi, mas cada vez mais produzidos por uma normatividade econômico-empresarial" (Costa, 2009, p. 180). Esse indivíduo microempresa passa a apresentar características como proatividade, flexibilidade, habilidades para inovação e invenção, senso de oportunidades, capacidade de provocar mudanças, entre outras tantas características.

Em um contexto em que desponta a cultura do empreendedorismo cada vez mais, os sujeitos contemporâneos estão sendo subjetivados por uma normatividade econômico-empresarial, que se enlaça com as práticas neoliberais correntes. Atravessado por esta lógica neoliberal, o Colaí passa a assumir, em suas ações, as práticas de gestão que "dão certo" nas empresas, sem questionar as suas implicações, gerando relações que se pautam nos investimentos a serem realizados para alcançar determinados objetivos. Nessa sociedade em que a lógica neoliberal promove modos de ser, baseados nos meios econômicos, o funcionamento do Colaí, quanto à temática do dinheiro, apresenta contradições - enquanto se assume como um projeto social, um movimento cultural, adota uma prática de organização que visa a seguir modelos empresariais. Almejando uma sede própria para deixar de ocupar o salão do CRIP-Ilhas para as suas reuniões, passa a contar com "colaboradores" para a divulgação dos seus serviços e eventos na comunidade, ao mesmo tempo em que almejam crescer, ter metas para atingir os seus objetivos e se tornarem uma referência na comunidade. Assim, o Colaí passa a se relacionar com a comunidade de maneira a buscar meios de desenvolver parcerias com os comerciantes locais. Ao adotar essas práticas, compromete alguns dos princípios que tinham enquanto projeto social, de não fazer propaganda de outros serviços e ainda de ocupar cada vez mais os espaços públicos da comunidade.

Ao se engajar com o coletivo, os participantes do Colaí apresentam projetos com nuances morais, seja advogando para a constituição de uma visão caridosa, seja pelo exemplo dado aos jovens da comunidade. A experiência do Colaí é singular por apresentar contradições e multiplicidades, por ter se desenvolvido autonomamente, a partir da livre iniciativa e motivação dos jovens e por se constituir como um grupo entremeado pelas mais diversas experiências e não seguindo um modelo instituído, mas construindo-se a partir das possibilidades e das condições disponíveis.

Colaí, Movimento de Cultura

O Colaí constituía-se como grupo a partir dos encontros, estando aberto às vontades individuais e aos acontecimentos, permeável às linhas de subjetivação, produzindo novos territórios subjetivos em que se expressam os interesses e os afetos dos participantes. Muito mais que um grupo definido pelas atribuições de tarefas, ele se configura como um entre, encontra-se no meio, a partir do encontro das reuniões semanais, de maneira a tentar escapar das dicotomias, quebrando os moldes representacionais da constituição clássica de grupo (Barros, 2007).

É nas reuniões semanais do Colaí que essa dimensão coletiva ganha evidência, no encontro as forças criativas emergem, produzindo novos sentidos e ações, tensionando o grupo para além da tarefa. Presumivelmente, em certos momentos, o Colaí levava a atingir algumas metas individualmente, mas há uma dimensão coletiva adjacente às suas ações que não pode ser definida ou justificada por interesses e estratégias individuais adotadas. Assim, pode ser exemplificada quando é expresso o pertencimento dos participantes à comunidade e ao Colaí; ou quando se afirma que, para atingir certo resultado, todos devem fazer a sua parte, ou esta se acumulará para outra pessoa; ou, ainda, quando é exaltada a necessidade de fazer diferente e ser criativo nos eventos. A dimensão coletiva ocorre quando aspectos privados e grupais convergem para a construção de um plano relacional comum, perturbando a lógica dicotômica.

Assim, constituem-se como coletivo, sim. E também como um grupo tomado como dispositivo grupal. Mais que afirmar uma posição em oposição à outra, buscamos recusar o pensamento binário, de um ou outro. Problematiza-se uma posição única (grupo ou coletivo), e propõe-se uma discussão sobre os processos associados a ambos os conceitos. Entendemos que há uma complementariedade conceitual, em que o dispositivo grupal opera os processos no encontro entre os membros e nas ações com a comunidade, e o coletivo é agenciado por forças singulares atualizando o plano comum dos participantes, sendo engendrado pelas relações estabelecidas.

Conforme o acompanhamos, o Colaí em muitos momentos configurou-se como coletivo, acessando planos de força para se inventar e se reinventar e, ao mesmo tempo, se constituíam como grupo, no entre, desencadeando ações e atitudes rizomáticas e estabelecendo territórios e maneiras instituídas. Não poderiam estar sempre se reinventando para serem reconhecidos por seu trabalho na comunidade, formando um comum e nem sempre atuando como coletivo. Para isso, era preciso desenvolver um corpo de ações e eventos para divulgar o Colaí - composto por pessoas que têm potencialidades, talentos e habilidades que podem agregar algo às ações promovidas, associadas ainda com as atividades de lazer, cultura e esporte. A constituição do dispositivo grupal é marcada pela disponibilidade e abertura que apresenta aos seus membros, propiciando um livre movimento para entrar no grupo e para sair, por quaisquer motivos: problemas pessoais, dificuldades profissionais, impossibilidade de disponibilizar seu tempo. Essa organização do grupo está baseada no desejo dos participantes e em princípios democráticos que têm marcado a sua trajetória.

Dessa maneira, participando das ações promovidas pelo Colaí foi possível problematizar as experiências coletivas juvenis e culturais, tendo em vista a efervescência da temática atualmente. O Colaí formou-se a partir de um grupo de amigos que afirmavam a sua posição como jovens na comunidade. Ao mesmo tempo em que esses espaços participativos eram valorizados e reconhecidos, eram considerados de modo distinto, como pessoas que têm que aprender muito sobre como as "coisas" funcionam e que ainda têm que provar seu valor, sendo considerados por vezes como parceiros, outras, como competidores, e às vezes ainda como grupo de baderneiros. Mesmo com uma breve ascensão das políticas públicas de juventude no país, garantindo espaços de participação, na Ilha da Pintada não se garante esse mesmo espaço, tendo que ser reivindicado a todo o momento.

Ainda que não se configure como movimento juvenil contestatório, desenvolve ações de convivência comunitária, promovendo experiências e novas formas de manifestação a serem reconhecidas e que afirmamos como ações de resistência. Cassiano e Furlan (2013) entendem que apenas com a resistência é possível produzir das linhas de rupturas que promovem mudanças bruscas, configurando o processo de subjetivação. Ainda, essa resistência pode ser compreendida como modo de enfrentar pensamentos dominantes e lugares-comuns (Parnet, 1988), concebendo que resistir é criar e considerado, assim, um movimento potente que forja espaço para lutas e que possibilita transformações. As ações do Colaí buscam fugir de um lugar comum da comunidade - que não ocupa a praça, não convive nos espaços da comunidade, não desenvolve a socialização pública - desejando criar encontros na comunidade.

 

Ainda...

Ao problematizar como os jovens se organizam nesse contexto, partimos da experiência com o coletivo Colaí, Movimento de Cultura na Ilha da Pintada. Perguntamo-nos diversas vezes como construir coletivos? E nesse ponto, frisou-se que o compartilhamento do espaço e tempo das reuniões semanais do Colaí como importante para a construção de um comum. Com as vivas relações entre os jovens e o seu território, produziu-se reconhecimento entre todos, possibilitando o despertar de um coletivo em comunidade em um sentido dúbio: a comunidade enquanto um grupo de pessoas que habita a ilha e a comunidade enquanto um plano comum que ganhou força e materialidade devido às experiências promovidas pelo Colaí.

Cabe a esses novos movimentos juvenis transformarem o espaço público, frente à ausência de políticas públicas específicas para a juventude, o que tem ocorrido principalmente nas periferias de grandes cidades do país. Diante dessa ausência, propiciam-se ações locais de coletivos juvenis, de maneira a tentar produzir alternativas às condições de vida que compartilham. Ao criarem outras formas de se manifestar e de agir, ao ocuparem o território e disputarem a atenção para as suas problemáticas, desestabilizam a organização política estabelecida nas esferas locais. Nesse sentido, é fundamental não criminalizar esses coletivos, e sim valorizar essas novas formas de atuação, legitimando as ações dos seus agentes. Isso surge em um contexto em que lógicas democráticas se chocam com lógicas neoliberais.

Assim, ao discutir as experiências do Colaí enquanto coletivo, destaca-se o embate entre as lógicas coletivistas e individualistas que estiveram presentes em diversos momentos. Ao produzir narrativas de um jovem empreendedor e protagonista de si mesmo, discursos individualistas têm predominado e, no entanto, vêm-se constituindo alternativas coletivas e democráticas. Assinalamos as potencialidades que poderão surgir quando se possibilita uma composição de relações, um contato entre singularidades como as que se apresentam no Colaí.Com as suas ações na comunidade, os jovens se reúnem de maneira a enfrentar a lógica neoliberal e individualizada, produzindo um espaço comum, propiciando linhas de fuga que produzem novas subjetividades na Ilha da Pintada.

Ao problematizarmos as experiências coletivas do Colaí, percebemos jovens que criam possibilidades de encontro frente ao atual vazio das políticas públicas, ocupando o espaço público como palco para acionar o plano comum junto à comunidade da Ilha da Pintada. Este plano comum, em que os jovens se juntam para compartilhar o espaço e o tempo com variadas atividades de lazer, é imperativo para a ação do coletivo, entendido enquanto um plano de relacional de forças em que se percebe a produção de subjetividades. Assim, buscamos apresentar a nossa experiência junto ao Colaí, que, por mais que tenham as suas singularidades, são um exemplo de coletivo a ser discutido, sem que seja idealizado, já que os mesmos estão sendo atravessados por diversas linhas de força de acordo com o contexto social, econômico, histórico, político, cultural e até geográfico em que estão inseridos.

 

Notas

1 Cabe destacar que o termo LGBT é utilizado neste artigo conforme definição do artigo de Rodrigues e Alvim, 2016. O termo foi aprovado no Brasil em 2008 em uma conferência nacional para debater os direitos humanos e políticas públicas para esta população. No entanto, consideramos o termo LGBTQI+ mais correto, por possibilitar a inclusão de outras identidades não representadas pela sigla.

2 Com devida aprovação do Comitê de Ética do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e posteriormente com as assinaturas de Termos de Consentimento por parte de todos os participantes.

3 Por mais que a pesquisa apresente o Orçamento Participativo, os fóruns de participação permanecem, porém sem grande efetividade, já que a Prefeitura Municipal de Porto Alegre não realiza mais eleições de prioridades até que sejam completadas as que já tinham sido eleitas.

 

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Submissão: 16/06/2020
1° avaliação: 23/04/2020
Aceite: 27/04/2021

 

 

Bruna Molina Leal é psicóloga e mestre em Psicologia Social e Institucional. É taambém licenciada em Ciências Sociais, e técnica em Assuntos Educacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
E-mail: bruna.m.leal@gmail.com
ORCID: http://orcid.org/0000-0001-8985-3314
Rosemarie Gartner Tschiedel é psicóloga e mestre em Psicologia Social e da Personalidade, além de doutora em Psicologia Social. É também professora associada do Instituto de Psicologia e PPGPSI - UFRGS.
E-mail: rosetschiedel@gmail.com
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-3490-2120

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