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Revista Polis e Psique

On-line version ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.11 no.2 Porto Alegre May/Aug. 2021

 

ARTIGOS

 

Uma revisão de literatura sobre o realismo agencial na psicologia

 

A literature review on agential realism in psychology

 

Una revisión de literatura del realismo agencial en la psicología

 

 

Pedro de Castro Tedesco; Kátia Maheirie; João Manuel de Oliveira

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil

 

 


RESUMO

Este artigo aborda uma revisão de literaturaem relação a produção acadêmica sobre o Realismo Agencial na área da Psicologia. Como forma de inventariar os artigos científicos reunidos, foi realizada uma consulta as bases de dados do Portal de Periódicos e do Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES com descritores voltados ao Realismo Agencial. Os resultados apontam que o conceito de intra-ação é amplamente utilizado nos trabalhos como forma de sinalizar a mútua constituição entre matéria e discurso. Transversal a esses trabalhos é a utilização do Realismo Agencial para propor alternativas analíticas que primem por um entendimento da matéria como generativa e agenciativa, a partir dos processos de materialização envolvidos na constituição de seus objetos de estudo. Como possíveis apontamentos, sugere-se que trabalhos futuros em Psicologia, que tenham o Realismo Agencial como principal aporte teórico, tenham como foco as dimensões éticas dos processos de materialização.

Palavras-chave: neo-materialismo;realismo agencial;psicologia;karen barad


ABSTRACT

This article is a literature reviewof the academic production on Agential Realism and Psychology. In order to achieve this we make an inventory of the scientific articles in the field of Psychology by a consultation on the databases of the Portal de Periódicos and the CAPES Thesis and Dissertations Catalog with descriptors focused on Agential Realism. The results show that the concept of intra-action is used in these works as a way of signaling the mutual constitution between matter and discourse.In all of these works the Agential Realism is used to propose analytical alternatives that focus on an understanding of the matter as generative and agenciative, based on the materialization processes involved in the constitution of its objects of study. It is suggested that future works in Psychology, which have Agential Realism as their main theoretical contribution, focus on the ethical dimensions of the materialization processes.

Keywords: neo-materialism; agential realism;psychology; karen barad


RESUMEN

Este artículo trata de una revisión de literaturadel Realismo Agencial en la Psicología. Como forma de hacer un inventario de los artículos científicos, se realizó una consulta en las bases de datos del Portal de Periódicos y el Catálogo de Tesis y Disertaciones CAPES con algunos descriptores del Realismo Agencial. Los resultados muestran que el concepto de intra-acción es ampliamente utilizado en los artículos como una forma de señalar la constitución mutua entre la materia y el discurso. Transversales a estos trabajos es el uso del Realismo Agencial para proponer alternativas analíticas centradas en una comprensión de la materia como generativa y de agencia, basada en los procesos de materialización involucrados en la constitución de sus objetos de estudio.Como recomendaciones, se sugiere que los trabajos futuros en Psicología que tenga al Realismo Agencial como el principal soporte teórico enfoque en las dimensiones éticas de los procesos de materialización.

Palabras-clave: neo-materialismo;realismo agencial;psicología;karenbarad


 

 

Introdução

O Neo-Materialismo pode ser caracterizado como um campo de estudos cuja centralidade de suas discussões e pesquisas parte de uma reinterpretação das concepções de matéria das filosofias de Marx, Spinoza e Gilles Deleuze (Tuin & Dolphijn, 2010).O reposicionamento da matéria enquanto uma entidade agenciativa e produtiva (Barad, 2007) dá ensejo a pesquisas que propõem o tensionamento das concepções de corporalidade (Kirby, 1997), a reinterpretação do selfcomo uma entidade emergente da realidade material (Alaimo, 2010) e uma análise materialista das dimensões culturais, discursivas e linguísticas relativas aos temas de interesse do feminismo (Alaimo & Hekman, 2008).

Neste artigo, iremos abordar a partir de uma revisão de literatura alguns conceitos do Realismo Agencial formulado por Karen Barad (Barad, 2007), autora cujo trabalho dialoga com as premissas e temas associados ao Neo-Materialismo. Esta revisão de literatura, conforme será apresentado na seção metodológica, tem como especial atenção a maneira como o Realismo Agencial está sendo trabalhado em programas de pós-graduação na área da Psicologia. Para tanto, o objetivo desta introdução é uma breve apresentação dos conceitos da filosofia de Barad identificados durante a revisão de literatura.

O Realismo Agencial é uma abordagem pós-humanista das práticas científicas que visa analisar as consequências materiais dessas práticas em sua performatividade (Barad, 2007). Uma compreensão da performatividade das práticas científicas implica considerar as tensões suscitadas na materialização das entidades envolvidas no decurso dos experimentos em Ciência, buscando compreender as condições materiais e discursivas envolvidas nesses processos de materialização (Barad, 2007). Como forma de apresentar o Realismo Agencial esta introdução trará uma breve apresentação dos principais conceitos introduzidos pela autora como a definição de matéria, a metafísica da individualidade, as intra-ações e suas variações analíticas: os fenômenos, os aparatos, os cortes agenciais, a separabilidade agencial e as difrações (Barad, 2007).

O Realismo Agencial prima por reconhecer o caráter generativo e produtivo da matéria levando a uma definição de matéria na qual esta não é uma propriedade, uma substância, uma essência, um efeito ou mesmo uma entidade transcendente cuja inteligibilidade decorreria de algum ato de significação linguístico e/ou discursivo (Barad, 2007). Conforme Barad conceitua em sua filosofia, matéria diz respeito a uma entidade cuja imanência dá condição para processos diferenciais de materialização nos quais a própria dinâmica dos processos de (re)configuração material e discursiva das entidades materializadas é um indicativo do caráter produtivo e generativo da matéria (Barad, 2007). A matéria no Realismo Agencial não figura como uma entidade cuja inteligibilidade transcende a experiência humana; antes, são os fluxos de matéria e os processos diferenciais de materialização que ela enceta que dão condição para a materialização das noções de humano e humanidade, bem como suas fronteiras, sentidos e propriedades (Barad, 2007).

Uma das características do Realismo Agencial diz respeito a tentativa de Barad formular uma filosofia que parta de uma compreensão de Ciência que prescinda de abordagens assentes em práticas de representação (Barad, 2007). Conforme a análise de Barad a representação deriva de uma abordagem ontológica e epistemológica nomeada pela autora como metafísica da individualidade na qual a realidade seria constituída por entidades individuais, autônomas, espaço-temporalmente localizadas e separadas entre si (Barad, 2007). É a metafísica da individualidade, por exemplo, que informa o esquema analítico cartesiano analisado por Barad aonde mente e corpo são entendidos em termos ontológicos e epistemológicos como dimensões separadas da realidade instituindo uma relação hierárquica entre ambos reificando as dimensões corporais e materiais como passivas e inertes (Barad, 2007).

Como forma de prescindir dos esquemas teóricos formulados a partir da metafísica da individualidade Barad recupera a performatividade segundo apresentada por Judith Butler. A performatividade é uma maneira de compreender os processos materiais e discursivos cujas relações diferencialmente produzem posições de sujeito e noções de humanidade (Butler, 1990). A possibilidade de analisar esses processos permite interpelar as tentativas de fundamentar em termos normativos o que é possível de ser entendido como sujeito e como humano indicando o caráter provisório e histórico desses fundamentos (Butler, 1990).

A performatividade no Realismo Agencial figura como uma maneira de criticamente se envolver com o caráter imanente da matéria e analisar simultaneamente as consequências materiais, políticas e éticas das práticas científicas através de um neologismo cunhado pela autora: as intra-ações (Barad, 2007). As intra-ações são uma proposta teórica formulada por Barad em contraponto a "interação" cuja ideia central é indicar que, ao contrário da metafísica da individualidade na qual as entidades existiriam de forma autônoma e individual em função de sua separação ontológica, a intra-ação aponta para a mútua constituição em termos materiais, discursivos, ontológicos e epistêmicos das entidades que informam o mundo (Barad, 2007).

Na ontologia do Realismo Agencial a realidade é constituída intra-ativamente por meio de processos diferenciais de materialização nomeados pela autora como fenômenos (Barad, 2007). Os fenômenos são as unidades ontológicas básicas do Realismo Agencial e ao serem compreendidos como processos diferenciais de materialização indicam que o fenômeno sob análise não possui uma configuração material fixa, nem mesmo propriedades e sentidos passíveis de ser previamente assegurados (Barad, 2007). Os artigos reunidos que tomam o conceito de fenômeno como recurso analítico o utilizam para demonstrar que a depender das configurações materiais e discursivas nas quais nos encontramos temos diferentes maneiras de materializar os componentes do fenômeno cuja relativa estabilidade decorre do padrão de diferenças materializado no interior do fenômeno (Barad, 2007).

As relações entre os processos diferenciais de materialização e as (re)configurações materiais que eles encetam são abarcados pelo conceito de aparato (Barad, 2007). Os aparatos são configurações materiais do mundo e designam qualquer entidade concreta - como os testes clínicos com microbicidas (van der Zaag, 2017) analisados em um dos artigos encontrados. O potencial analítico dos aparatos decorre das articulações com outros aparatos com as quais se vê enredado produzindo os processos diferenciais de materialização que dão ensejo aos fenômenos (Barad, 2007).

Uma vez que os aparatos produzem fenômenos e os fenômenos em sua materialização diferencial dão condição para o delineamento das fronteiras, sentidos e propriedades dos seus componentes, Barad emprega o conceito de corte agencial como um tipo de intra-ação que propriamente constitui essas fronteiras materiais e discursivas (Barad, 2007). O conceito de corte agencial é utilizado como uma forma de se acercar das produções de diferenças que ocorrem no decurso dos processos de materialização dos fenômenos permitindo tecermos distinções entre seus componentes e compreender no que essas distinções importam (Barad, 2007). No momento no qual podemos provisoriamente identificar os componentes do fenômeno como entidades distintas no que se refere às suas fronteiras e sentidos temos o indicativo da intra-atividade dos cortes agenciais.

A separabilidade agencial é um tipo específico de corte agencial engendrado no interior dos fenômenos que figura como condição de possibilidade para a objetividade científica e para as noções de exterioridade e interioridade entre as entidades materializadas (Barad, 2007). A importância da separabilidade agencial reside na instituição das conexões que irão definir o que é exterior ou interior tanto entre os componentes dos fenômenos quanto com cada componente consigo mesmo. Logo, é a separabilidade agencial que permite que noções como "exterior", "interior", "dentro" e "fora" possam temporal e espacialmente ter sentido (Barad, 2007). Naturalmente, se houver uma mudança nas articulações entre aparatos haverá uma mudança nos cortes agenciais no interior dos fenômenos alterando, igualmente, a separabilidade agencial e aquilo que que figurará como causa e efeito, exterior e interior (Barad, 2007).

A maneira como Barad desenvolve seus conceitos é definido pela autora como um estilo difrativo de composição teórica e argumentativa (Barad, 2007, 2014). A difração é uma proposta que Barad retoma de Donna Haraway (1999) e é utilizada no Realismo Agencial para indicar que conquanto as entidades sejam materializadas de maneiras diferentes a depender dos processos de materialização nos quais estejam enredados, a difração torna possível rastrear essas diferenças e entender no que e como elas importam nesses processos diferenciais de materialização (Barad, 2014). Compreender a importância das diferenças e entendê-las como um processo relacional e contingente permite interpelar as dimensões materiais e discursivas que engendraram essas diferenças dando ensejo a formulação de uma ética no tocante as consequências materiais das práticas científicas (Barad, 2007).

Após essa breve apresentação do Realismo Agencial este artigo pretende apresentar um estado da arte em relação a essa proposta filosófica na Área da Psicologia a partir de uma busca as bases da dados do Portal de Periódicos e do Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES. A partir dos artigos inventariados é possível perceber a prevalência do conceito de intra-ação proposto pela autora que figura como uma estratégica teórica-analítica empregada pelas/os autoras/es dos artigos para suscitar abordagens alternativas aos seus respectivos temas e objetos de estudo. Outrossim, as intra-ações dão ensejo a uma compreensão da matéria como uma entidade produtiva e generativa dos processos diferenciais de materialização das entidades analisadas, permitindo indicar o que se é incluído e excluído desses processos de materialização e suscitando questões éticas em relação a esses processos.

 

Método

O objetivo deste artigo é apresentar uma revisão de literatura detrabalhos acadêmicos em Psicologia que partem do Realismo Agencial para a realização de suas análises e pesquisas com o intuito de destacar as dimensões dessa filosofia que vem sendo privilegiadas ou obliteradas por essa produção acadêmica. Para tanto, foi realizada uma consulta online em duas bases de dados com o objetivo de encontrar produções acadêmicas que tivessem o Realismo Agencial como principal aporte teórico de suas pesquisas.

Segundo Grant e Booth (2009) as revisões de literatura são um tipo de revisão científica que apresenta de forma narrativa temas recentes na literatura acadêmica em uma determinada área do conhecimento. As revisões de literatura permitem a organização da produção acadêmica inventariada a partir de uma variedade de critérios, como cronologia das publicações, temas recorrentes, ou conceitos que estejam sendo privilegiados ou obliterados nessa produção (Grant & Booth, 2009).

A sistematização e organização dos materiais analisados permite tantoa introdução desse tema para o público em geral, quantoà comunidade acadêmicade modo queauxilia a orientar a elaboração de projetos de pesquisa (Silva & Menezes, 2001). Ademais, as revisões de literatura possibilitam o levantamento de novas questõesteóricas em diálogo com a produção já existente (Marconi & Lakatos, 1992) indicandoo estatuto e relevância de determinado tema no âmbito acadêmico (Grant & Booth, 2009).

Esse mapeamento contribui para o entendimento de discussões analíticas que em um primeiro momento soem contraditórios, de modo a permitir o alinhamento teórico e prático dessas pesquisas, dos conceitos utilizados e das metodologias empregadas nesses estudos. Outrossim, a revisão de literatura dá ensejo a consolidação e/ou introdução de determinado tema ou tópico de pesquisa e indicações de tópicos a ser abordados em pesquisas futuras contribuindo para a divulgação e fortalecimento de determinado tema na literatura acadêmica (Grant & Booth, 2009).

Em relação aos materiais acadêmicos reunidos esses foram inventariados a partir de uma busca online no site de Periódicos CAPES e no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES. Em ambas plataformas, foram utilizados os seguintes descritores: "Neomaterialismo", "Neo-materialismo", "Neomaterialism", "Neo-materialism", "Realismo Agencial", "Agential Realism" e "Karen Barad". O descritor "Psicologia" não foi possível de ser utilizado tendo em vista que quando combinado com os demais descritores supracitados não trouxe como resultado nenhum artigo, tese ou dissertação.

Nesta revisão a organização e apresentação dos resultados foi organizada por: (a) temas dos artigos; (b) conceitos do Realismo Agencial utilizados nas pesquisas; (c) tipos de pesquisa; (d) aportes metodológicos; e (e) os objetivos de cada artigo, bem como seus resultados.

 

Resultados e Discussão

No que se refere aos resultados no site de Periódicos CAPES foi possível obter cerca de 11 resultados com o descritor "Karen Barad"; os demais descritores não acusaram artigos na Psicologia. Quanto aos trabalhos de conclusão de curso em Pós-Graduação nenhum dos descritores utilizados acusou algum resultado na área da Psicologia. Não foi possível identificar trabalhos nacionais que tenham no Realismo Agencial o seu principal aporte teórico nas bases consultadas na área de Psicologia.

Após a leitura integral dos 11 artigos científicos encontrados é possível afirmar que 5 são pesquisas teóricas buscando desenvolver, aprimorar ou refletir sobre um determinado tema valendo-se de trechos de entrevistas ou experiências pessoais dos/as pesquisadores/as para ilustrar seus argumentos. Outros 5 artigos tratam de relatos de pesquisa que versam sobre um aspecto de uma pesquisa maior em andamento ou já finalizada. Um dos artigos foi classificado como um relato de experiência. Quanto aos aportes metodológicos utilizados temos revisões bibliográficas, escrita colaborativa, entrevistas, estudo autoetnográfico e biografias coletivas.

Em relação aos temas de pesquisa dos artigos foi possível identificar 8 temas nos artigos inventariado nas bases de dados consultadas:bullying (2 artigos); álcool e drogas (1 artigo); saúde mental (1 artigo); gênero, sexo e biologia (mais 2 artigos); uma interface entre Psicologia e Retórica (1 artigo); uma proposta de compreensão do processo clínico-terapêutico (1 artigo); uma proposta de entendimento em relação à subjetividade (1 artigo); e metodologias de pesquisa qualitativa (outros 2 artigos). Os artigosque versam sobre bullying tem como objetivo compreender a materialização desse fenômeno em dois ambientes escolares distintos: no ensino médio e fundamental (Søndergaard, 2016) e na Pós-Graduação (Zabrodska, Linnell, Laws & Davies, 2011).

O objetivo do artigo que versa sobre álcool e outras drogas é de analisar as dimensões materiais e discursivas da intoxicação por álcool com o intuito de propor novas abordagens analíticas nessa área de pesquisa no âmbito dos estudos feministas (Poulsen, 2015). Em relação aos estudos sobre saúde mental,Flore, Kokanović, Callard, Broom e Duff (2019) elencam como objetivo de seu artigo compreender a emergência de estados corporais intoxicados em suas dimensões materiais e discursivas,com o intuito de propor alternativas analíticas a tratamentos em saúde mental em associação com a prescrição de medicamentos psicotrópicos.

Já os artigos sobre sexo, gênero e biologia, de Sieben (2011) e Van der Zaag (2017) possuem como objetivos gerais a demonstração de como as práticas científicas produzem não só as noções de gênero e sexo como também as formas de compreender essas relações a partir das teorias e metodologias empregadas nas pesquisas analisadas pelas autoras dos artigos. No caso do artigo de Sieben (2011),a autora tem como objetivo entender como a produção acadêmica sobre feromônios engendra noções de diferença sexual.JáVan der Zaag (2017) procura compreender as interconexões entre as agendas feministas em relação as lutas por emancipação e equidade entre mulheres e os interesses de indústrias biomédicas envolvidos na realização de testes clínicos com microbicidas direcionados ao combate ao HIV.

A interface entre Psicologia e Retórica, artigode Nathaniel A. Rivers e Maarten Derksen (2015),tem como objetivo analisar as relações entre decepção e agência em suas dimensões materiais e discursivas, compreendendo a mútua constituição entre a postura do/a orador/a e da sua audiência. Esse movimento analítico de compreender a constituição material e discursiva dos objetos de estudo como entidades mutuamente constituídas também é recuperado por Allegranti e Wyatt (2014) em relação aos processos clínico-terapêuticos. Em questão para os autores estão os processos de constituição das dimensões materiais e discursivas do processo clínico, a partir de recursos terapêuticos como rodas de conversa, oficinas de dança e de poesia.

Por sua vez, Lis Højgaard e Dorte Marie Søndergaard (2016)assinam seu artigo cujo objetivo principal é propor uma forma de teorização sobre a subjetividade a partir do Realismo Agencial, de forma que essa proposta de subjetividade possa orientar pesquisas futuras na área da Psicologia a partir desse aporte teórico. A preocupação com questões metodológicas é compartilhado pelos dois artigosos quais tem como objetivo a proposição de alternativas de conceber o campo de pesquisa (Childers, 2013) e formas de entendimento em relação as práticas de transcrição de entrevista e a constituição de seus objetos de estudo (Alexander & Wyatt, 2017).

Em conjunto, os artigos encontrados foram publicados recentemente entre os anos de 2011 e 2019 por pesquisadoras/es de nacionalidades europeias (como República Tcheca, Alemanha, Dinamarca e Reino Unido), estado-unidenses e australianas. Após a leitura dos artigos foi possível constatar que o conceito de intra-ação é amplamente utilizado em virtude do potencial analítico que propicia: (a) entender que matéria e discurso são mutuamente constitutivos salientando diferentes dimensões dos fenômenos analisados; e (b) discutir as tensões envolvidas na constituição de fronteiras, sentidos e propriedades entre os componentes dos fenômenos analisados nas pesquisas aqui reunidas.

O potencial analítico possibilitado pelo conceito geral de intra-ação se encontra presente no artigo de Dorte Marie Søndergaard sobre as formas de entender a materialização das relações entre violência e adolescência em ambientes escolares (Søndergaard, 2016). Toda materialização - seja de entidades concretas, seja de entidades abstratas - supõe o envolvimento mútuo de uma série de entidades cuja dinâmica impede que se localize em apenas uma delas a essência e/ou origem desse processo material. Por conta disso, Søndergaard compreende a violência não como uma coisa concentrada e restrita ao videogame ou a uma relação de coerção entre adolescentes; antes, a violência está dispersa na vida cotidiana das crianças e adolescentes (em filmes de guerra, notícias de jornal, relações domésticas) (Søndergaard, 2016).

Ainda no que se refere à maneira como o bullying se materializa Zabrodska e cols. (2011) discutem esse tema no Ensino Superior, em especial, em Programas de Pós-Graduação. Em seu artigo as autoras estudam as dimensões intra-ativas do bullying em suas respectivas universidades com especial atenção a três dimensões materiais-discursivas: (a) as práticas de administração neoliberais; (b) o desejo de pertencimento\identidade de ser um "verdadeiro" acadêmico; e (c) o desejo de fazer bem o seu trabalho (Zabrodska e cols., 2011). Para realizar essa discussão o artigo parte da metodologia de biografias coletivasem uma perspectiva metodológica difrativa (Barad, 2007).

A difração é um conceito que Barad retoma de Donna Haraway (1999) e é utilizado no Realismo Agencial tanto como um princípio teórico-analítico, quanto um estilo de composição argumentativa. Em Haraway, a difração foi proposta como uma maneira de se pensar as tensões envolvendo identidade e diferença tendo como ideia central discutir os efeitos da diferença ao invés de tomar a diferença como um dado natural a priori (Haraway, 1999). Pensar nos efeitos da diferença implica entendê-las como questões eminentemente relacionais, contextuais e parciais as quais não existem fora das relações que as constituíram. Usando as biografias coletivas como uma metodologia difrativa Zabrodska e cols. (2011) permitem entender o bullying em sua performatividade material-discursiva: a partir das histórias sobre bullying de 7 pesquisadores/as de ascendência iraniana, australiana e tcheca com experiências laborais na República Tcheca e Austrália o grupo após 3 dias consecutivos de encontros pode elaborar as maneiras pelas quais o bullying se materializa na academia (Zabrodska et cols., 2011). Por meio de reprovações por parte de colegas, prazos exíguos e controle excessivo por parte das coordenações, humilhações, paternalização e a exposição corriqueira de falhas sem a apresentação de possíveis soluções as três dimensões destacadas pelas autoras dão ensejo a compreendermos o bullying como uma característica da Pós-Graduação sob práticas neoliberais de administração e produção acadêmica(Zabrodska e cols., 2011).

Mantendo a ideia central das intra-ações, Flore e cols. (2019) exploram as distinções entre os efeitos colaterais esperados e indesejados que podem advir a partir da ministração de medicamentos psicotrópicos em saúde mental. A partir de 29 entrevistas com pacientes diagnosticados com alguma doença mental (esquizofrenia, bipolaridade, depressão) os autores analisam como os medicamentos promovem estados corporais intoxicados que suscitam ambivalência em relação ao uso dos medicamentos até a alterações cinestésicas e promoção de maior ou menor sociabilidade nos pacientes (Flore, e cols., 2019). A intra-ação figura no artigo como um conceito analítico que auxilia compreender a constituição material e discursiva dos estados corporais de intoxicação após o uso dos medicamentos apontando a emergência de uma subjetividade corporal intoxicada envolvida com as promessas e desgastes que essas medicações trazem consigo (Flore, e cols., 2019). A dinâmica intra-ativa dos medicamentos psicotrópicos indica que essa subjetividade emergente se vê enredada com as dimensões materiais e discursivas das redes de saúde, prescrições farmacológicas e a história pregressa dos pacientes. Ou seja: os medicamentos passam a ser entendidos como um componente do complexo de relações sociais, institucionais e afetivas em sua performatividade intra-ativa (Flore, e cols., 2019).

Um dos componentes dessa subjetividade diz respeito aos efeitos colaterais do uso de antipsicóticos e/ou antidepressivos que passam a produzir estados corporais que embaralham noções nosológicas, saúde mental e gênero. Após o início do tratamento com medicamentos psicotrópicos alguns dos pacientes entrevistados começaram a experienciar lactação, interrupção do ciclo menstrual e impotência sexual tensionando as construções identitárias que possuíam em relação a sexo e gênero (Flore e cols., 2019). Outro componente dessa subjetividade intoxicada é a maneira segundo a qual os sintomas das doenças mentais se manifesta; a acatisia, por exemplo, deixa de ser entendida como um critério/sintoma nosológico e passa a ser compreendida como um estado afetivo intra-ativamente constituído a partir das intoxicação pelo medicamento, o estado anímico do paciente e o desejo por repouso/movimento (Flore e cols., 2019).

A conclusão das autoras após considerar a dinâmica intra-ativa dos tratamentos em saúde mental com psicotrópicos e os estados corporais que produzem é que não é possível pré-definir os efeitos colaterais ou mesmo os estados afetivo-emocionais dos pacientes. Outrossim, se torna possível questionar até que ponto o uso de medicamentos produz os sintomas que alega combater ou apenas deixa evidente uma sintomatologia pré-existente que cedo ou tarde viria se manifestar (Flore e cols., 2019). Entender o plano terapêutico, a trajetória de vida dos pacientes e a medicação como componentes intra-ativos aponta não só para a necessidade de se revisitar alguns dos critérios diagnósticos utilizados para a identificação de doenças mentais, como também propõe um outro olhar em relação aos efeitos colaterais dos medicamentos (Flore e cols., 2019).

O estudo dos estados corporais de intoxicação é também trabalhado por Merete Poulsen (2015) com o intuito de explorar a experiência subjetiva da intoxicação por álcool em mulheres, examinar os processos através dos quais emergem subjetividades intoxicadas e reconceituar alguns conceitos centrais em pesquisa feminista com álcool e outras drogas (Poulsen, 2015). Ao estudar a materialidade da intoxicação por álcool como um fenômeno Poulsen analisa a emergência diferencial dos componentes envolvidos nessas subjetividades intoxicadas: música, roupas, danceterias, iluminação e álcool topologicamente engendram configurações materiais que desafiam as usuais concepções teórico-conceituais nas pesquisas envolvendo o consumo de álcool e drogas por mulheres (Poulsen, 2015).

O Realismo Agencial figura no artigo como uma forma de entender os cortes agenciais da intoxicação por álcool como um processo distributivo no qual ambiente e corpo vem a materializar um estado corporal cujos desejos, afetos e subjetividades são continuamente engendradas continuamente e (re)configuradas em suas dimensões materiais. O que seu artigo deixa como sugestão para pesquisas em álcool e outras drogas é o foco nos aspectos materiais dos estados corporais de intoxicação nos quais os aspectos "racionais" e "intencionais" relativos ao uso de álcool e outras drogas sofrem uma inflexão (Poulsen, 2015).

Noutro registro analítico, os artigos de Sieben (2011) e Van Der Zaag (2017) suscitam tensionamentos em relação a objetividade em ciência trazendo à tona a maneira como gênero, sexo e ciência intra-ativamente se materializam. No artigo de Sieben (2011) sobre feromônios a autora se vale do conceito de intra-ação de Barad para compreender as pesquisas com feromônios como fenômenos. Nesse enquadre teórico-conceitual Sieben discute como os resultados obtidos nas pesquisas trazem à tona a responsividade dos instrumentos de mensuração aplicados e as escolhas dos/as pesquisadores/as nas formas de análise questionando as determinações bioquímicas que atestariam a existência de uma linearidade entre sexo, biologia e gênero (Sieben, 2011). Isso se torna possível por conta da indissociabilidade dos componentes dos fenômenos: testes clínicos, resultados esperados pelos/as pesquisadores/as e hormônios intra-ativamente produzem aquilo que virão a atestar: as relações entre feromônios e a diferença sexual (Sieben, 2011).

As tensões envolvidas na materialização de ideais feministas e interesses de corporações biomédicas na década de 1990 quando do início de testes clínicos de prevenção ao HIV orientados exclusivamente as mulheres é tema do artigo de Annete-Carina van der Zaag (2017). Em sua análise, a autora propõe a compreensão dos testes clínicos com microbicidas como um aparato de produção corporal de modo a interrogar as ideias de empoderamento feminino da década de 1990 e os efeitos das práticas de conhecimento no campo da Biomedicina (van der Zaag, 2017). Em sua análise a partir do microbicida Nonoxynol-9 van der Zaag demonstra como os testes realizados para comprovar ou questionar a eficácia desse agente preventivo engendravam um corte agencial cuja materialização resultava num híbrido mulheres/micróbios eminentemente problemático (van der Zaag, 2017).

Os cortes agenciais delimitam as fronteiras, propriedades e sentido dos componentes dos fenômenos e são responsáveis pela instituição (no que concerne à separabilidade agencial) das noções de interioridade e exterioridade (Barad, 2007). Uma vez que é a partir dos cortes agenciais que podemos nos haver com que se é excluído dos processos de materialização van der Zaag argumenta que os experimentos realizados em relação a eficácia ou ineficácia do Nonoxynol-9 dissociavam as realidades socioculturais das participantes dos testes dos resultados obtidos nesses experimentos (van der Zaag, 2017). Além dos conhecimentos produzidos obliterarem o contexto sociocultural das participantes os experimentos acabavam produzindo uma identidade homogênea anônima ("mulheres") cuja reiteração de uma suposta linearidade entre sexo e gênero ocorria a partir da seleção dos componentes do fenômenos envolvidos nesse processo de materialização: os micróbios e ausência, ou não, de ulcerações vaginais (van der Zaag, 2017).

Em relação as propostas metodológicas a partir do Realismo Agencial, o processo de materialização envolvido nas práticas de pesquisa é foco do artigo de Sara M. Childers (2013), o qual a autora propõe discutir uma ontologia do campo de pesquisa a partir de suas dimensões materiais-discursivas. Um dos objetivos de seu artigo foi articular uma ontologia do campo de pesquisa no qual a materialidade desse campo, bem como sua dimensão discursiva permite compreender a pesquisa como um processo de materialização de si própria (Childers, 2013).Partindo da constatação de Baradna qual toda teoria é uma prática material (Barad, 2007), Childers compreende a ontologia do campo de pesquisa como um processo diferencial de materialização que posiciona a pesquisa feminista como uma prática de pesquisa na qual metodologias e teorias têm suas fronteiras continuamente friccionadas (Childers, 2013). Nesse sentido, uma pesquisa feminista prescinde de uma predefinição de objetos de estudo (como gênero, mulheres, diferença sexual) e diz respeito a uma atitude e responsabilidade do/a pesquisador/a em relação a materialidade do campo: a maneira como concebe e se relaciona com todas as entidades intra-ativamente envolvidas na materialização do campo de pesquisa (Childers, 2013).

Em diálogo com as considerações em relação a materialização do campo de pesquisa Alexander e Wyatt (2017) propõem entender a prática de transcrição e realização de entrevistas numa perspectiva de pesquisa qualitativa pós-humanista. Os autores entendem que a entrevista, bem como sua transcrição podem ser compreendidos como a produção de fenômenos conceituando sua análise como in(tra)fusion: o emaranhamento de afetos, emoções, locais de realização das entrevistas, locais de sua transcrição, formas de registro (audiovisual, escrito) e a audição das gravações no qual o resultado é um conhecimento cuja autoria se encontra compartilhada entre todas as entidades envolvidas (Alexander & Wyatt, 2017).Tanto em Childers (2013), quanto em Alexander e Wyatt (2017) temos que o foco de escrita dos artigos, os elementos selecionados para sua composição, o estilo composicional e sua argumentação primam por trazer diferentes dimensões envolvidas no processo de materialização de suas análises.

Essas possibilidades analíticas suscitadas pelo Realismo Agencial figuram no artigo de Allegranti e Wyatt (2014) em relação ao processo de elaboração do luto em um grupo de mulheres a partir de rodas de conversa, técnicas de dança e vídeo (Allegranti & Wyatt, 2014). Os elementos trazidos no artigo - como trechos de poesias e escritos; fotos das filmagens; conversas entre as participantes e imagens de seus familiares em momentos anteriores ao seu falecimento - constituem não só a própria pesquisa, como também o processo terapêutico e a atividade científica (Allegranti & Wyatt, 2014). Os trechos de poesias, as fotos realizadas em grupo e as atividades de role-play se alinham difrativamente dando ensejo ao processo terapêutico a um contínuo (re)conhecer e aceitar o luto (Allegranti & Wyatt, 2014).

Ao discutirem a interface entre Psicologia e Retórica propondo pensar nas noções de "decepção" e "agência" Nathaniel A. Rivers e Maarten Derksen tensionam as usuais noções de agência nas quais essa figura como uma propriedade ou possessão individual (Rivers & Derksen, 2015). Aproximando os experimentos em Psicologia sobre priming (priming effects) das teorias de Retórica os autores entendem que a agência em ambas situações decorre da intra-atividade dos componentes envolvidos nos fenômenos: de um lado, os instrumentos de mensuração e participantes - e, de outro, o orador e sua audiência (Rivers & Derksen, 2015). Uma vez que esse paralelo é realizado ambos entendem que as noções de agência, decepção e manipulação podem ser compreendidas como propriedades emergentes da performatividade dos ambientes nos quais são realizados - a audiência e o ambiente experimental.

Lis Højgaard e Dorte Marie Søndergaard tem como proposta discutir uma noção de subjetividade a partir do Neo-Materialismo (Højgaard & Søndergaard, 2011). As autoras concluem que uma subjetividade pós-humanista no Realismo Agencial além de prescindir do entendimento do ser humano como uma entidade autônoma procura compreender a subjetividade como uma entidade distributiva e mutável de modo que o foco das pesquisas recairia sobre dois tipos de intra-ação: os cortes agenciais e os aparatos de produção corporal (Højgaard & Søndergaard, 2011). A subjetividade passaria a ser entendida como uma propriedade intra-ativa dos fenômenos, dos cortes agenciais e da articulação dos aparatos assumindo um caráter distributivo. Ademais, aquilo a ser nomeado como "subjetividade" - ou seja, essa propriedade distributiva dos fenômenos - qualitativamente poderia ser compreendida como o próprio movimento de inteligibilidade do mundo em seus processos diferenciais de materialização (Højgaard & Søndergaard, 2011).

O baixo número de artigos encontrados na Psicologia - e nenhum em termos de trabalhos de Pós-Graduação - indica que o Realismo Agencial é recente e ainda pouco explorado nessa área de conhecimento. O conceito de intra-ação em sua acepção geral figura como um lugar comum da filosofia de Barad uma vez que é um conceito importante para se entender aspropostas do Realismo Agencial e figura nos demais artigos em suas variações analíticas: os cortes agenciais, a separabilidade agencial, aparatos, difração e fenômenos. Os fenômenos, em especial, apresentam leve predominância em relação as demais variações de intra-ação.

Tomada como método do Realismo Agencial (Barad, 2007) a difração figura nos trabalhos de forma explícita em sua variação metodológica e implícita por conta de sua indissociabilidade dos demais conceitos dessa filosofia. Conforme indicado, uma vez que a difração pode ser entendida como um estilo composicional e argumentativo do Realismo Agencial - bem como uma maneira de se compreender as diferenças nos processos de materialização instaurados pelos aparatos e fenômenos - a difração pode ser entendida como a dinâmica do Realismo Agencial em sua performatividade.

Em conjunto, os trabalhos em Psicologia a partir do Realismo Agencial se valem das propostas teóricas de Karen Barad para tensionar os temas de estudo de suas respectivas áreas propondo alternativas metodológicas e conceituais para os objetos de suas pesquisas. As principais alternativas encontradas foram a compreensão desses temas e objetos como fenômenos - levando a analisar os cortes agenciais envolvidos nos processos diferenciais de materialização das entidades engendradas (sejam elas concretas ou abstratas). A compreensão dos temas e objetos de estudo como fenômenos permite o entendimento das propriedades, sentidos e fronteiras emergentes como questões distributivas e possibilita acompanharmos os delineamentos das fronteiras, sentidos e propriedades dos seus componentes além de atentarmos para aquilo que se é excluído das dinâmicas de materialização estudadas.

O conceito de aparato também se fez presente nos trabalhos reunidos e permitiu discutir tanto os fenômenos que esses aparatos produzem, quanto a articulação de aparatos e suas (re)configurações materiais. A atenção às dinâmicas entre aparatos deu ensejo a estudar as conexões materiais-discursivas em jogo e auxiliou a tensionar a literatura acadêmica dos temas e objetos de estudo dos artigos inventariados. A separabilidade agencial, quando presente, igualmente deu ensejo a questionamentos envolvendo os critérios envolvidos nas discussões sobre objetividade científica e assim como nas pesquisas envolvendo o conceito de fenômenos permitiu a discussão sobre o que se é excluído dos processos de materialização.

 

Considerações finais

Conforme indicado na introdução o Realismo Agencial é uma abordagem filosófica que pretende analisar a performatividade das práticas científicas com atenção asconsequências materiais e éticas envolvidas nos processos de materialização. Como sugestão para pesquisas em Psicologia com o Realismo Agencial como aporte teórico-metodológico as implicações éticas envolvidas nos processos de materialização - especialmente em relação aos cortes agenciais - pode ser um aspecto desenvolvido e objeto de análise e estudo. A ética está relacionada com as exclusões e inclusões decorrentes dos cortes agenciais no decurso de materialização dos fenômenos. Essa exclusão aponta para as conexões materiais-discursivas cuja intra-atividade produz diferenças entre as entidades no interior do fenômeno permitindo atentarmos não só para como essas diferenças são produzidas, como também para o que se foi excluído e/ou incluído para que essa diferença se materializasse dessa forma.

Os artigos encontrados apontam a responsividade e responsabilidade ética dos processos de materialização na medida em que demonstram a parcialidade e o caráter contingencial das entidades materializadas no decurso de seus estudos. As maneiras segundo as quais se materializam os objetos de estudo dessas pesquisas indicam que os compreender como entidades com fronteiras, sentidos e propriedades previamente assegurados é partir de um entendimento restrito em relação a complexidade material e discursiva suscitada por esses processos de materialização. O que esses estudos apontam é a importância relacional envolvida na materialização dessas entidades cuja intra-atividade conduz a mudanças conceituais que ampliam o escopo investigativo dos temas e objetos de estudo aqui apresentados.

Como limitações deste artigo temos que os trabalhos encontrados foram restritos aos indexados às bases de dados consultadasde modo que artigos cujo acesso era restrito aos periódicos nos quais foram publicados não foram possíveis de ser acessados e lidos.Ademais, por conta do objetivo do artigo, as maneiras pelas quais o Realismo Agencial figura noutras Áreas de Conhecimento não pôde ser trazida para dialogar com as produções aqui reunidas. Deixa-se como sugestãoparapesquisas futuras emPsicologia, agendas de pesquisa quepossam complementar a apresentação deste artigoepesquisas de campo que levem em consideração as dinâmicas intra-ativas envolvidas na materialização diferencial de seus componentes da pesquisa.

 

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Submissão: 27/05/2020
1° avaliação: 19/01/2021
Aceite: 22/02/2021

 

 

Pedro de Castro Tedesco é formado em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. É também mestrando em Psicologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina.
E-mail: pedrocastro.tedesco@gmail.com
ORCID: http://orcid.org/0000-0003-0968-1810
Kátia Maheirie é professora titular da Universidade Federal de Santa Catarina, no Departamento e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP). É Pesquisadora Produtividade do CNPq, atuando no Núcleo de Pesquisa em Práticas Sociais, Estética e Política, onde desenvolve trabalhos de pesquisa e extensão voltados a estética e política em diferentes contextos sociais.
E-mail: maheirie@gmail.com
ORCID: http://orcid.org/0000-0001-5226-0734
João Manuel de Oliveira é pesquisador em Estudos de Gênero e Teorias Feministas no Centro de Investigação e de Intervenção Social do ISCTE-IUL. Além disso, é colaborador internacional nos núcleos NUCUS- Cultura e Sexualidade da Universidade Federal da Bahia, NUPRA e Margens da UFSC.
E-mail: joao.m.oliveira@gmail.com
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-2793-2946

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