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Analytica: Revista de Psicanálise

versão On-line ISSN 2316-5197

Analytica vol.2 no.2 São João del Rei jun. 2013

 

ARTIGOS

 

A comédia dos sexos nas parcerias amorosas

 

The comedy of the sexes in loving partnerships

 

La comédie des sexes dans les partenariats amour

 

La comedia de los sexos en las asociaciones amorosas

 

 

Renata Damiano Riguini I*; Ilka Franco Ferrari I, II**

I Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG - Brasil
II Associação Mundial de Psicanálise

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo pretendemos abordar, a partir da psicanálise de orientação lacaniana, a comédia dos sexos tal como ela nos retorna via senso comum. Nossa intenção é ler, no saber do cotidiano, encontrado na internet e nas tiradas de humor, as formulações lacanianas sobre as tábuas da sexuação, consequentemente, sobre o que é ser homem e o que é ser mulher, ou seja, sobre o masculino e o feminino. Nesse percurso, Freud não será esquecido, pois, desde 1907, no texto Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen, já nos dizia que os escritores criativos são aliados valiosos e testemunhas de vasta gama de coisas entre o céu e a terra. Também em suas formulações sobe o Édipo, compatíveis com sua experiência clínica, ele percebia que a diferença anatômica impunha diferenças psíquicas à medida que a referência ao órgão dá lugar à constituição subjetiva e à forma de distribuição de gozo. Veremos, ao longo deste trabalho, como nos encontros e desencontros amorosos, mediados pelo falo, encontraremos a comédia.

Palavras-chave: Falo; parceiro; comédia; sexuação; gozo.


ABSTRACT

In this article we intend to approach, from Lacanian psychoanalysis, the comedy of the sexes as it returns us via common sense. Our intention is to read, on the knowledge of the routine, found on the Internet and learned of humor, Lacanian formulations on the boards of the sexuation hence about what being a man and being a woman, ie, on the male and female. Along the way Freud will not be forgotten, because, since 1907, the text Delusions and Dreams in Jensen's Gradiva, we already said that creative writers are valuable allies and witnesses of wide range of things between heaven and earth. Also their formulations Oedipus rises, consistent with his clinical experience, he realized that the psychological differences imposed anatomical difference in that the reference to the body gives rise to the subjective constitution and form of distribution of enjoyment. We will see throughout this work, as in loving and disagreements mediated speak, find the comedy.

Keywords: phallus; partner; comedy; joy; sexuation.


RÉSUMÉ

Dans cet article, nous avons l'intention de traiter, de la psychanalyse lacanienne, la comédie des sexes, car il nous revient par le sens commun. Notre intention est de lire, connaître la routine, trouvée sur Internet et j'ai appris de l'humour, les formulations de Lacan sur les tableaus de la sexuacion donc sur ce que signifie être un homme et être femme, c'est à dire, sur le mâle et la femelle . Sur le chemin de Freud ne seront pas oubliés, parce que, depuis 1907, Les illusions et les rêves dans le Gradiva de Jensen, nous avons déjà dit que les écrivains créatifs sont de précieux alliés et des témoins de la vaste gamme de choses entre le ciel et la terre. De même, leurs formulations Œdipe se lève, en conformité avec son expérience clinique, il s'est rendu compte que les différences psychologiques imposées différence anatomique en ce que la référence à l'organisme donne lieu à la constitution subjective et la forme de la distribution de la jouissance. Nous verrons tout au long de ce travail, comme dans l'amour et les désaccords médiation parler, trouver la comédie.

Mots-clé: phallus; parternaire; comédie; sexuacion; jouissance.


RESUMEN

En este artículo se pretende abordar, desde el psicoanálisis lacaniano, la comedia de los sexos, ya que nos devuelve a través del sentido común. Nuestra intención es leer, conocer la rutina, que se encuentra en Internet y en las tiras de humor, las formulaciones lacanianas sobre las formulas de la sexuación por lo tanto, sobre lo que significa ser hombre y ser mujer, es decir, de lo masculino y lo femenino. El recorrido de Freud no será olvidado en nuestro trabajo, porque, desde 1907, Los delirios y sueños de la Gradiva de Jensen, ya hemos dicho que los escritores creativos son valiosos aliados y los testigos de la amplia gama de cosas entre el cielo y la tierra. También sus formulaciones Edipo se eleva, en consonancia con su experiencia clínica, se dio cuenta de que las diferencias psicológicas impuestas diferencia anatómica en que la referencia al cuerpo da lugar a la constitución subjetiva y la forma de distribución de goce. Veremos a lo largo de este trabajo, en los encuentros e en los desencuentros, mediados pelo falo, hallaremos a la comedia.

Palabras claves: partenaire; falo; comedia; sexuación; goce.


 

 

Neste artigo pretendemos abordar, com a psicanálise de orientação lacaniana, a comédia dos sexos tal como ela nos retorna pelo senso comum. Para tanto, usaremos como recurso a internet e as tiradas de humor que nela encontramos sobre o assunto. Nossa inspiração aqui é Freud, como quem nunca se esqueceu de escutar o saber do outro - seja um analisante, um escritor, um louco ou um popular. Em 1907 ele diz: "os escritores criativos são aliados muito valiosos, cujo testemunho deve ser levado em alta conta, pois costumam conhecer uma vasta gama de coisas entre o céu e a terra com as quais a nossa filosofia ainda não nos deixou sonhar" (Freud, 1907/1996, p. 20). Há, na produção criativa, um efeito de verdade que o psicanalista soube reconhecer.

Nossa intenção é aproximar das formulações lacanianas, o saber cotidiano sobre o que é ser homem e o que é ser mulher, ou seja, sobre o masculino e o feminino, de acordo com as tábuas da sexuação. Nesse percurso, partiremos com Freud, que desde suas formulações sobe o Édipo, compatíveis com sua experiência clínica, percebia que a diferença anatômica impunha diferenças psíquicas. Lembremos que Lacan avança, mas não descarta a referência ao órgão real, desta vez como primeiro momento lógico na constituição da estrutura subjetiva responsável por uma nova distribuição de gozo.

Vale lembrar com Brodsky (2008) que, desde os teatros gregos da antiguidade, diferentemente da tragédia, na comédia os personagens são extraídos da vida comum e nascem de um princípio de contradição entre o real e o semblante. Nesse sentido, para a comédia, "o riso provém de um acontecimento triste ou desagradável. Seu papel é desdramatizar, inclusive dessacralizar, girar sempre em torno de um aspecto ridículo dos seres e das coisas" (p. 160). Para a psicanálise, acrescenta Brodsky, chama-se comédia a um regime estritamente articulado à lógica fálica. A comédia dos sexos, para a psicanálise, "requer o falo e sua burla, requer o S1 e sua queda do pedestal" (Brodsky, 2008, p. 163). É pela via da significação fálica em jogo no amor que encontramos sua dimensão cômica nas diversas situações, em que dois inconscientes estão em jogo, situações da vida cotidiana dos parceiros em que se manifesta algo que não anda ou que escapa, que desliza.

 

Homens e mulheres na comédia do falo

Ainda que seja tema bem conhecido, é importante ressaltar que, no campo da psicanálise, ao dizermos homem e mulher, não falamos de diferenças cromossômicas, ou seja, não nos apoiamos na biologia. Esses significantes são semblantes da diferença anatômica entre os sexos e somente os significantes poderão inscrever tal diferença no inconsciente. Para Lacan (1971/2009) "é preciso nos darmos conta de que o que define o homem é sua relação com a mulher, e inversamente" (p. 30). Para Lacan, o destino dos sujeitos adultos é distribuírem-se entre homens e mulheres, adotando uma identidade de gênero como semblante coordenado ao gozo sexual. A base da diferença psicológica entre os sexos é, portanto, a relação de cada um com o falo.

Desde o Édipo freudiano, o menino é aquele que tem o falo, mas vive a experiência de poder perdê-lo a partir da constatação da castração no outro sexo, especialmente na mãe. Para a menina, a castração é dada de saída, ou seja, ela já entra no Édipo como castrada. Isso leva Lacan (1998), em A significação do falo, a constatar que "atendo-nos à função do falo, podemos apontar as estruturas a que serão submetidas as relações entre os sexos" (p. 701). A posição sexual depende, portanto, do ser ou ter o falo. É o semblante1 que veiculará a diferença entre os sexos ao colocar o parecer ter - ou, o bancar o homem - de um lado e, do outro, o ser o falo, como posição típica da mulher, isto é, ser o falo para ser o significante do desejo do Outro.

Tais formulações são compatíveis com Freud que coloca o destino da castração no menino como medo, prudência ou bom senso e, para a menina, o que chamou de penisneid, a inveja do pênis. Inveja que, para Freud, é a mola do complexo de Édipo feminino e que tem ao menos quatro consequências para a subjetividade menina (Freud, 1925/1996).

 

Figura 1: Frente ao poderoso órgão masculino, a menina/mulher, envergonhada, sente-se inferior.
(www.portugalporreiro.blogspot.com)

 

Na clínica do Édipo feminino, Freud (1925/1996, p.280) constata que, quando a menina nota o pênis de um menino, "visível e de grandes proporções", imediatamente o compara com seu próprio pequeno órgão, o clitóris, e, desde então, imaginariamente, cai vítima da inveja do pênis, reconhecendo-se inferior, faltosa, menos. A primeira consequência dessa ferida narcísica é o sentimento de inferioridade. A clínica do feminino em Freud se constrói a partir desse menos imaginário e, não raramente, nos consultórios, escutamos, constantemente, as queixas, muitas vezes de aspecto irrelevante, da inferioridade sentida por cada mulher. Ela quase sempre está gorda, ou magérrima, tem as pernas tortas, ou o cabelo anelado, espinhas nas costas, não é inteligente o suficiente para conversar com um homem etc. Impedimentos que tomam grandes proporções na vida de cada uma delas.

Encontramos ainda, na clínica do feminino, o segundo efeito da inveja do pênis, destacado por Freud: o ciúme2. Na FIG. 2, destacamos o valor diferencial do ciúmes para homens e mulheres.

Naturalmente, o ciúme não se limita a um único sexo e tem um fundamento mais amplo, porém sou de opinião que ele desempenha um papel muito maior na vida mental das mulheres que na dos homens e isso se deve ao fato de ser enormemente reforçado por parte da inveja do pênis deslocada (Freud, 1925/1996, p. 282).

 

Figura 2: Ciúmes feminino e masculino.
(www.humorfacil.com)

 

O ciúme feminino ganhará ainda novos contornos na teoria lacaniana. Por certo, ele também estará ligado ao papel que tem a Outra mulher para as mulheres. Por não ter um significante que a designe enquanto mulher, no inconsciente, o sujeito feminino vai buscar, na Outra, alguma consistência para seu próprio ser. Motivo de ciúme ou de inveja, a Outra aparece, na clínica, acompanhada também do excesso característico do transbordamento do gozo feminino que ali se revela.

A teoria do gozo feminino foi elaborada nos anos 1970, por Lacan. Nessas elaborações ele fala em estruturas da sexuação que foram feitas, segundo Miller (2003), para articular o gozo próprio de cada sexo, ao "indicar a forma diferente que o gozo recebe ao ser alojado em uma ou outra dessas estruturas" (p. 26). Do lado masculino, encontramos o gozo circunscrito pelo falo, o que o torna finito e localizável. Do lado feminino, ainda que seu gozo também se articule ao falo, uma parte dele é suplementar, caracterizando o gozo feminino como não localizável e, nesse sentido, infinito.

A tábua da sexuação foi o artifício lacaniano para escrever a relação de cada sexo com seu gozo. No Seminário XX, Mais, ainda, (1972[73]/1985), Lacan propõe um quadro de dois lados. Nele, "quem quer que seja falante se inscreve de um lado ou de outro" (Lacan, 1972[73]/1985, p. 107). É também nesse seminário que ele trabalha o axioma "a relação sexual não existe" (Lacan, 1972[73]/1985, pp. 81-92), demarcando que não há proporção entre os sexos - já que a cada sexo compete uma forma de gozar. Não havendo relação sexual, goza-se do que se pode. É o que homens e mulheres vão inventar em suas parcerias.

Na tábua da sexuação lacaniana, à esquerda, está o lado macho, demarcando que é pela função fálica que todo homem se inscreve, mas, uma vez que "não há universal que não deva ser contido por uma existência que o negue" (Lacan, 1972[73]/1985, p. 450), tal função encontrará seu limite na existência de um "x" que não é castrado. Exceção que remete ao pai da horda primitiva freudiana, em Totem e tabu.

No lado direito da tábua é onde encontramos a inscrição da parte mulher entre os seres falantes, e Lacan destaca: "A todo ser falante [...] é permitido, qualquer que ele seja, quer seja ou não provido dos atributos da masculinidade [...] inscrever-se nesta parte" (Lacan, 1972[73]/1985, p. 107). E, inscrito nesse lugar, a universalidade do lado homem é perdida, só restando ao ser falante ser não-todo, bem dito, não-todo submetido à função fálica, mesmo não prescindindo dela. Assim, não há mulher que não esteja submetida à castração, ou seja, aqui não falamos de uma exceção que possa fundar, de forma lógica, um todo. E isso faz a mulher não-toda, submetida à lei simbólica.

Segundo Holk (2011), o falo, bem como a identificação fálica, aponta para um regime libidinal simbolizado e limitado. Do lado feminino, no entanto, se situa a inconsistência que designa uma estrutura lógica positiva, o espaço não-todo: conjunto aberto justamente pela impossibilidade de fechar o conjunto das mulheres e, por isso, as mulheres só podem ser tomadas uma a uma.

Colocada desde sempre sob a primazia do falo, à mulher falta um significante que se inscreva no inconsciente e que, como já se mencionou, possa nomear a mulher. Enquanto o homem inscreve-se todo na função fálica a fim de evitar o confronto da não relação ao supri-la pelo sentido (Lacan, 1972[73]/1985), na mulher, como resultado, encontramos um gozo que ultrapassa o gozo delimitado e enquadrado pelo falo, uma vez que o complexo de castração, nelas, não toca o real do corpo para ordenar o gozo em torno do falo. Ou seja, a lógica feminina não estará fundada na castração, e o gozo retorna ao corpo sem a localização fálica, ou seja, ele é vivido no real do corpo. Para Holck (2011), a partir de Lacan, não teremos o falo como referente para mulher, com ela não estaremos mais no registro do ter ou não ter o falo. Portanto, não há falta, mas furo que abre a fresta de onde espiamos a inconsistência e o não-todo da mulher. Essa estrutura sem limitação do gozo feminino permite ao Outro se colocar no lugar de parceiro devastação, ou levar uma mulher ao arrebatamento.

O gozo da mulher não se define pelo buraco negro superficial, mas pelo furo ilimitado e finito e só encontra seu limite porque é também regido pelo falo. A mulher transita de um regime a outro. Se pára em Um (o lado conjunto dos homens) se inscreve, animada pelo falo, no lado masculino; mas, se pára no Outro, identificada ao objeto vazio, cai abismada no feminino (Holck, 2011, p. 74).

A FIG. 3 é um bom modo de observar que a humanidade não ignora que a localização do gozo se situa no corpo de cada sujeito e que se situa de forma diferente, sendo o sujeito feminino ou masculino.

 

Figura 3: Diferenças de zonas erógenas entre os sexos.
(www.ereccion-intelectual.blogspot.com)

 

Para o homem, o gozo fálico se localiza no órgão, já que é o falo, enquanto significante sem significado, que suporta o gozo fálico, que Lacan (1972[73]/ 1985, p.109) também chamou de o "gozo do idiota", pois o impedirá de gozar do corpo do Outro sexo. Para a mulher, encontramos a não localização do gozo em um ponto específico, apesar das inúmeras tentativas, ditas científicas, de localizar o gozo feminino, por exemplo, no chamado ponto G. Desde que a criança nasce, a mãe que se ocupa dos seus cuidados vai investir libidinalmente o corpo anatômico - de forma diferente na menina ou no menino -, ao que corresponderá a erogenização do corpo, a criação do corpo sexuado e a organização da sexualidade que mais tarde será adulta.

O gozo fálico, segundo Miller (2012), "é, por excelência, o gozo do proprietário" (p. 73). O gozo assim constituído é endossado pela exceção que o pênis faz no corpo desse homem. Há, no corpo masculino, um órgão que funciona como exceção a todos os outros, o órgão fálico, destacado para o homem desde criança. Esse órgão vai condensar, limitar o gozo masculino, enquanto constitui o corpo como um. A localização do gozo masculino estará, portanto, vinculado diretamente às práticas masturbatórias reiteradas no macho. Para Sinatra (2010), o homem pretende extrair um gozo autoerótico de seu corpo como modo de prescindir do parceiro já que "o gozo que pretende obter do corpo próprio o impede de passar ao corpo do semelhante" (p. 166). No entanto, quando o homem pode sair de seu ensimesmado gozo, provavelmente encontrará uma mulher que encarne o falo - fora de seu corpo - para seu desejo. Assim, o amor continua intimamente ligado ao gozo feminino, enquanto o gozo fálico, do macho, ainda é um obstáculo para o homem entrar na dimensão amorosa.

Dentro das tábuas da sexuação fica claro que, não havendo exceção, não podemos dizer d'A Mulher. Enquanto O Homem existe e faz existir o conjunto dos homens com interesses partilháveis, com seus clubes, fraternidades seculares, grupos de amigos de infância, times do coração, as mulheres só podem ser contadas uma a uma. Não há um significante que represente a mulher no inconsciente - o que levou Lacan a dizer que A Mulher não existe - e, portanto, ela terá que inventar o que é ser uma mulher. Para tanto, ela cria uma máscara para velar esse nada - do significante que falta, do órgão que não aparece, do corpo. Miller (2012) nos diz que o semblante é algo que tem a função de velar o nada e por isso o véu é o primeiro semblante. Assim, "de certo modo as mulheres são cobertas porque ‘A mulher' não pode ser descoberta" (Miller, 2012, p. 65). No máximo, inventada.

Nesse sentido, Miller destaca que as mulheres são sujeitos que têm uma relação íntima e particular com o nada, tratando-se do que Freud já dizia quando relacionava esse nada com um nada anatômico, corporal. Podemos afirmar que, habitualmente, as mulheres sabem que a comédia dos sexos carrega a dimensão da mascarada, dos jogos de ilusão ao redor do nada. O semblante feminino será a máscara do nada. Uma vez que A mulher não existe, ela pode fazer semblante de a, a fim de que o homem localize, ali, uma consistência que, por sua vez, vem no lugar do parceiro que lhe falta. A internet tem sido espaço que favorece a mascarada dos semblantes e elas, ao que nos parece, dão grande importância a isso.

Estudos recentes, como O maior estudo da Suécia sobre o facebook, realizado na Universidade de Gotemburgo, na Suécia, garantem que as mulheres têm comportamento mais ativo nas redes sociais, em comparação com os homens. Elas são mais participativas e têm preferência pelo facebook, onde comentam, interagem, mostram suas fotos, contam seu dia a dia ou o que estão pensando e/ou sentindo, bisbilhotam também, mas, sobretudo, conversam, permanecendo ligadas às pessoas. Entendemos que a satisfação da mulher é buscada no Outro, onde ela tenta se alojar, mesmo que seja alojar seu perfil. Na FIG. 4, vemos como a maioria das mulheres e homens se comportam nas redes sociais. Lembrando que falamos da maioria, claro que não de todos.

 

Figura 4: Homens e Mulheres no Facebook.
(www.gargalhando.com)

 

Para os homens, o barato é entretenimento - vídeos, músicas, filme, esporte e, claro, compilar informações para depois compartilhar com os amigos. Entre as redes sociais, eles preferem o twitter: rápido, curto, de poucas palavras e onde eles podem deixar sua opinião. Aliás, opinar em blogs também é um divertimento masculino. Pois os homens, por sua vez, usarão o semblante para proteger seu pequeno ter, semblante que confere ao homem um "ar de proprietário" (Besset, 2008, p. 233). Confiante na existência do falo, mesmo que seja no homem que ocupa o lugar de exceção, o homem carrega a medida, a norma e a contabilização.

Além disso, como foi dito, o homem conta com a fraternidade de homens. Apesar de o significante não poder representá-lo totalmente, ou seja, avisados do fato de que "portar um pênis não assegura nada no reino pervertido do parlêtre" (Jimenez, 2008, p. 226), os homens tendem a pensar que o homem existe. O velho e atual reclame das mulheres "os homens são todos iguais" ganha aqui um destaque. Os homens se identificam imaginariamente e, por isso, "é apenas uma monotonia do simulacro fálico que os faz parecer entre si" (Jimenez, 2008, p. 228). Não obstante, o mesmo falo que regula se faz estorvo - o estorvo do ter - ao colocar o homem na posição de sempre se precaver.

 

 

Amor e gozo

As duas formas de gozo apresentadas - o gozo fálico e o gozo feminino - dão conta, segundo Miller (2003), das duas formas de amor distinguidas por Lacan: a forma erotomaníaca para mulher e a forma fetichista para o homem. Essas duas formas indicam, por sua vez, o que cada sexo vai buscar no parceiro: o amor ou o objeto a. Tal assertiva confere ao amor feminino um caráter louco e, sem dúvida, obsevamos na clínica seu aspecto quase delirante. As mulheres, quando instáveis em suas relações amorosas - nas mais diversas formas, mas muito frequentemente no começo das relações e nos momentos de crise - enlouquecem. Para Lacan,

o universal do que elas desejam é a loucura: todas as mulheres são loucas, como se diz. É justamente por isto que elas não são todas, isto é, não-loucas-de-todo, antes conciliadoras: a tal ponto que não há limites às concessões que cada uma faz a um homem: de seu corpo, de sua alma, de seus bens (Lacan, 1974/2003, p 70).

Elas tendem a ver sinais em tudo, tanto do amor de seu eleito - que talvez não corresponda à realidade - quanto de suas traições e seu desamor, embora ele talvez lhe prove o contrário a todo o momento. A FIG. 5, também retirada da internet, das publicações de saber populares, nos traz um pouco do que a psicanálise articula nesse sentido sobre os sexos.

 

Figura 5: Amor e loucura feminina.
(www.papodehomem.com.br)

Frente à loucura feminina que interpreta todos os sinais de amor e desamor de acordo com uma lógica própria - erotômana e sem limites - encontramos o homem que, ao contrário, se sente um pouco mais confortável.

Aqui enfatizamos a tranquilidade do homem no que diz respeito ao que ele tem, ao limite e à boa medida. Com a limitação fálica, o homem é como ouvimos na clínica, ou na tirinha acima, na constatação feminina: "os homens só dão valor quando perdem". Mas isso não fala nada ainda de seu gozo fetichista, o qual ainda abordaremos abaixo após ainda interrogarmos o gozo feminino.

Retomando: nas suas já citadas elaborações sobre o feminino e masculino dos anos 1970, Lacan (1972[73]/1985) ressalta que o gozo feminino depende essencialmente do amor e esse amor tem um caráter erotomaníaco, ou seja, é ilimitado, não-todo inscrito na norma fálica que direciona, por sua vez, o gozo do homem orientado para o objeto pequeno a. O amor do homem é caracterizado, dessa forma, como fetichista uma vez que seu objeto toma a forma de fetiche: "um elemento que tem o caráter da unidade, da permanência ou até da uniformidade" (Miller, 2003, p. 17). Nesse sentido, também encontramos algumas consequências.

Para o homem, a mulher é um sintoma, e para a mulher, o homem é uma aflição ainda pior, uma devastação (Lacan, 1975[76]/2007). Essa formalização lacaniana também é uma consequência tirada da tábua da sexuação e da impossibilidade da relação sexual existir. Segundo Alvarenga (2003), a devastação também provém da falta de um significante que possa nomear algo para uma mulher e, sendo assim, é uma herança da relação mãe e filha. Afinal, a devastação permanece ligada ao que é impossível de transmitir, algo da ordem do gozo feminino da mãe, que escapa à lei simbólica fálica, ou seja, o gozo não é todo significantizado pela metáfora paterna.

Figura 6: devastação feminina.
(www.humor12.com)

A devastação encontra seu princípio, assim como o amor, no A barrado, índice impossível de transmitir que tem como efeito a demanda infinita das mulheres - provavelmente um dos motivos pelo qual o homem nunca sabe o que sua mulher quer, pois ela quer sempre, mais e outra coisa. Segundo Miller (2003), a devastação é uma depredação, uma dor sem limites. Por isso ela se liga ao não todo, enquanto o sintoma é um sofrimento localizável e limitado. Ao observarmos a FIG. 7, podemos lembrar que no ilimitado das concessões femininas muitas vezes encontramos a violência doméstica. Segundo pesquisa fita pela Fundação Perseu Abramo (www.em.com.br), a cada dois minutos, cinco mulheres são espancadas no Brasil. E, segundo pesquisa do IBGE (http://noticias.r7.com/brasil/noticias/pesquisa-ibge-68-das-mulheres-agredidas-sao-vitimas-de-companheiros-20100917.htmlI) , 68% da violência contra a mulher é infligida pelo próprio parceiro.

Fora da devastação, o gozo feminino, gozo suplementar ao gozo fálico, é também o gozo da fala, ou a satisfação do "blá-blá-blá", em termos utilizados por Lacan, no Seminário 20, Mais ainda. Para Miller (2003) o objeto erotomaníaco tem a fala do Outro como elemento intrínseco do amor. Tais condições implicam que seu parceiro fale, de preferência, que fale de amor.

 

Figura 7: A outra satisfação, o gozo do "blá-blá-blá".
(www.omelhordohumor.net)

 

Para o homem, cujo objeto é o fetiche, a fala permanece fora do jogo do amor, é completamente dispensável. O objeto a que vem no lugar do parceiro que falta à relação sexual e condiciona uma erótica do silêncio. O famoso "precisamos discutir a relação" é um chamado quase sempre feminino, o que não raro vem acompanhado da queixa masculina de que sua parceira fala demais. Entretanto, por muito que a mulher fale, sustentados pela psicanálise, sabemos o que ela quer: arrancar uma resposta do homem sobre o que é ser uma mulher. E mais: quer que o homem afirme que ela é única e exclusiva. Uma vez que o conjunto das mulheres não existe, ela não aceita comparações e se imagina no lugar de exceção para um homem, o que lhe valeria como prova de amor.

Se destaca do que a psicanálise nos tem ensinado, que a busca principal para uma mulher em seus encontros com os homens (mais além da satisfação sexual e da maternidade) consiste em conseguir ser amada por um homem, alcançar um que ame especialmente a ela, ou seja, encontrar-se com aquele que a distinga com seu desejo como uma (Sinatra, 2010, p. 79).

O desejo feminino se orienta, portanto, para o amor que ainda funcionaria localizando para o sujeito seu ser de mulher. O desejo masculino, por sua vez, é indicado por Lacan como aquele que tem um caráter perverso, encontrando seu suporte no semblante fálico para adquirir a forma fetichista. Com as figuras acima, buscamos apontar, no senso comum, nas tiradas espirituosas da vida cotidiana, que a mulher busca no parceiro um sustentáculo para o amor, pois ela goza no amor. Para Lacan (1972[73]/ 1985) "a questão é, com efeito, saber no que consiste o gozo feminino, na medida em que ele não está todo ocupado com o homem, e mesmo eu diria que, enquanto tal, não se ocupa dele de modo algum" (p. 118).

Figura 8: Para o homem o fetiche, para mulher o amor.
(www.v3rcity.blogspot.com)

 

Enquanto isso, para o homem, cujo gozo é localizável em um objeto, ele buscará seu fetiche na parceira, o que pode ser, por exemplo, determinada parte do corpo - como podemos ver na FIG. 8. Nesse sentido, Lacan é contundente: "O que se viu, mas apenas do lado do homem, foi que aquilo com que ele tem a ver é com o objeto, e que toda a sua realização quanto à relação sexual termina em fantasia" (Lacan, 1972[73]/1985, p. 116). Daí Lacan nos ensina que o homem, enquanto $ só pode atingir seu parceiro sexual, que é Outro, pelo intermédio do objeto a, que é a causa de seu desejo. Isso não é outra coisa, senão a fórmula da fantasia: $ ◊ a. Por isso, segundo Lacan, não há chance, para o homem, de gozar do corpo da mulher, ou que lhe faça amor, já que a visada é o objeto e o gozo é fálico.

Contrariamente ao que adianta Freud, é o homem [...] que aborda a mulher [...]. Só que, o que ele aborda é a causa de seu desejo, que eu designei pelo objeto a. Aí está o ato de amor. Fazer o amor, como o nome indica, é poesia. Mas há um mundo entre a poesia e o ato. O ato de amor é a perversão polimorfa do macho (Lacan, 1972[73]/1985, p. 98)

Nesse circuito pulsional entre sujeito e objeto, Miller (2008) vem destacar que o amor é introduzido para estabelecer uma conexão com o Outro. É o amor que permite ao gozo ver-se descompletado e, daí, seguir os trilhos do desejo. O axioma lacaniano "não há relação sexual", para Miller, é o correlato do autoerotismo da pulsão, enquanto o estatuto do amor é suprir essa inexistência: "temos aqui uma configuração que dá ao menos uma dignidade eminente ao amor, totalmente oposta a crítica ao narcisismo da pulsão" (Miller, 2008, p. 158).

 

 

O parceiro-sintoma

Partindo das elaborações do último ensino de Lacan, Miller (2008) propôs o sintagma parceiro-sintoma, pois, enfim, não é difícil de notar que casais - hetero ou homossexuais - constroem relações, casamentos, amores. O sintoma, aqui, é um modo de gozar de maneira dupla. De um lado, é um modo de gozar do inconsciente e da articulação significante, de outro, um modo de gozar do corpo do Outro - enquanto o corpo próprio tem sempre a dimensão de alteridade. Os pares gozam de modo sintomático e as parecerias amorosas surgem para dar conta da ausência de proporção entre os sexos, elas funcionam como respostas sintomáticas. O parceiro, como sintoma, é um modo de gozo. Nesse sentido, vale observar que o amor não supõe o ideal, o encontro perfeito - muitas vezes as parcerias só funcionam nas discórdias, por exemplo, - mas, a contingência, o encontro e, como esclarecemos, o sintoma como modo de gozo no lugar do furo simbólico da ausência de relação sexual.

 

Figura 9: o encontro entre o feminino e o masculino.
(www.folhaweb.com.br)

 

Para Dafunchio (2011), homens e mulheres habitam campos de linguagens distintas, são dois dizeres que não se recobrem e, além disso, como vimos, são habitados por gozos distintos. No entanto, frente à irredutibilidade de suas diferenças, eles se enlaçam sintomaticamente em suas parcerias, mas vale acrescentar que também se enlaçam de forma diferente. Voltamos então a enfatizar: uma mulher é um sintoma para um homem se estiver em uma posição feminina, ou seja, que ela possa encarnar, recoberta pelo falo, o objeto a da fantasia desse homem. Para uma mulher, a questão fica mais enigmática. O homem parceiro da mulher pode ser seu sintoma, mas pode ser sua devastação, um estrago muito maior - como no caso extremo das mulheres espancadas - desde que ele lhe acene a possibilidade de nomeá-la. Entre tantos percalços, o enlace certamente depende do amor.

O amor é a experiência de atravessamento de um muro irredutível entre homem e mulher, nos disse Lacan (1972[73]/1985). Ele é também o que vem em suplência à relação sexual que não existe, é um semblante que propicia um tratamento possível do real do sexo. O falo é convocado para escrever uma razão, uma proporção entre os sexos. No entanto, ele é insuficiente em sua função, ganhando, assim, ares de comédia. O encontro amoroso, por seu turno, é contingente e tem relação com o vazio, com o furo da ausência de relação: o que nos oferece uma gama de consequências apenas infimamente ilustrada neste texto, mas presente todos os dias na clínica, no cotidiano, nas tirinhas. A comédia dos sexos é justamente o que viabilizará saídas para a tragédia da ausência de relação sexual. Cada um segue inventando seus parceiros e sintomas, seus parceiros-sintoma, nos lembrando que "toda panela tem sua tampa".

 

 

Referências

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Endereço para correspondência
Renata Damiano Riguini
E-mail: rriguini@gmail.com

Ilka Franco Ferrari
E-mail: francoferrari@terra.com.br

Recebido/Received: 5.3.2013/3.5.2013
Aceito/Accepted: 9.4.2013/4.9.2013

 

 

* Doutoranda em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), bolsista Capes, mestre em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal de Minas Gerais. (Belo Horizonte, Minas Gerais, Br.)
** Doutora em Psicologia pela Universidade de Barcelona, coordenadora da Pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), membro da Associação Mundial de Psicanálise, editora responsável pela revista Psicologia em Revista. (Belo Horizonte, Minas Gerias, Br.)
1 Lacan em 1958 ainda não usava o termo semblante. No entanto, nos parece viável usá-lo desde já para as considerações que se seguem. No texto citado, Lacan diz: "e isso pela intervenção de um parecer que substitui o ter" (1958/1998, p. 693).
2 Freud ainda desenvolve, neste texto, mais duas consequências da inveja do pênis na menina: o afrouxamento da ligação terna dela com a mãe e uma intensa reação contra a masturbação clitoridiana.