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Analytica: Revista de Psicanálise

On-line version ISSN 2316-5197

Analytica vol.3 no.4 São João del Rei Jan. 2014

 

DOSSIÊ

 

100 anos do primeiro trabalho acadêmico sobre psicanálise no Brasil - a dissertação de Genserico

 

100 years of the first academic paper on psychoanalysis in Brazil - the dissertation of Genserico

 

100 ans de la première œuvre académique sur la psychanalyse au Brésil - le mémoire de Genserico

 

100 años de la primera obra académica sobre el psicoanálisis en Brasil - la disertación de Genserico

 

 

Francisco Ronald Capoulade Nogueira*

Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) - Brasil
Université Denis Diderot (Paris VII) - França

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo visa tratar do primeiro trabalho acadêmico sobre psicanálise no Brasil, tendo como principal objetivo apresentar a forma como Genserico Aragão de Souza Pinto se apropriou da psicanálise a partir do debate com interlocutores como Juliano Moreira e Austregésilo Rodrigues de Lima. O destaque ao papel da sexualidade na etiologia das neuroses e também na vida "normal" tornasse um dos principais tema desta dissertação.

Palavras-chave: Psicanálise, Sexualidade, Brasil.


ABSTRACT

This article aims to address the first academic paper on psychoanalysis in Brazil, having as main objective to present how Genserico Aragon de Souza Pinto appropriated psychoanalysis from discussions with interlocutors as Juliano Moreira e Austregésilo Rodrigues de Lima. The emphasis on the role of sexuality in the etiology of neurosis and also in "normal" life become a major theme of this dissertation.

Keywords: Psychoanalysis; Sexuality; Brazil.


RÉSUMÉ

Cet article vise à aborder le premier étude théorique de la psychanalyse au Brésil, ayant comme objectif principal de présenter la façon comment Genserico Aragão de Souza Pinto s'est approprié de la psychanalyse à partir du débat avec des interlocuteurs comme Juliano Moreira e Austregésilo Rodrigues de Lima. L'accent mis sur le rôle de la sexualité dans l'étiologie de la névrose et aussi dans la vie "normale" est devenue un thème majeur de cette thèse.

Mots-clé: Psychanalyse; La Sexualité; Le Brésil.


RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo abordar el primer estudio teórico del psicoanálisis en Brasil, cuyo objetivo principal es dar a conocer la forma en cómo Genserico Aragão de Souza Pinto apropió psicoanálisis del debate con gente como Juliano Moreira y Austregésilo Rodrigues Lima. El énfasis en el papel de la sexualidad en la etiología de las neurosis, y también en la vida "normal" se ha convertido en un tema principal de esta tesis.

Palabras claves: Psicoanálisis; Sexualidad; Brasil.


 

 

No dia 16 de dezembro de 1914, o médico cearense Genserico Aragão de Souza Pinto apresentou à faculdade de Medicina do Rio de Janeiro sua dissertação intitulada Da Psicoanalise: a sexualidade nas nevroses, que viria a ser defendida 10 dias após, sendo aprovada com distinção. Nascido em Sobral, filho de Amalia Saboia Ximenes de Aragão (1866-1943) e Guilhermino Augusto de Sousa Pinto (- 1904), de mãe cearense e pai português, Genserico foi cursar sua formação em medicina na capital do país, tornando-se o primeiro a escrever um trabalho acadêmico em língua portuguesa na área da psicoanalise, como se escrevia à época.

Incentivado pelo professor Austregésilo Rodrigues de Lima, personagem de extrema importância para tal trabalho acadêmico e um dos primeiros acolhedores das ideias psicanalíticas no Brasil, Genserico contou com outros tantos nomes que o ajudaram na confecção do texto, entre eles, e o único a ser chamado de psicanalista na dissertação, Juliano Moreira, que, segundo o próprio autor, sempre esteve muito engajado com as ideia psicanalíticas.

Dessa maneira, gostaria de apresentar o trabalho de Genserico com o propósito de evidenciar a forma como ele e seus companheiros compreendiam a psicanálise no momento mesmo da elaboração da dissertação. Isso me leva a evitar qualquer tipo de comparação com os textos freudianos, entre outros do campo da psiquiatria e neurologia citados por ele, e também de qualquer tipo anacronismo. Assim, buscarei apresentar tal texto em sua própria estrutura, deixando ao leitor o direito de tomar sua posição diante do que será apresentado.

Esta dissertação tem pouco mais de 100 páginas e se estrutura em 9 capítulos, além do proêmio, observações e proposições - as duas últimas situadas ao fim do trabalho. Os capítulos seguem-se da seguinte maneira: "Considerações geraes - Sintese e evolução das idéas de Freud"; "A sexualidade infantil"; "Os desvios da sexualidade"; "Da etiologia das nevroses"; "Das 'nevroses atuaes"; "Das psiconevroses - O recalcamento das tendencias sexuaes"; "Da histeria"; "Das obsessões e fobias - Da epilepsia"; e "A psicoanalise como metodo terapeutico". Procurei trazer para esta resenha a grafia dos títulos como estão no trabalho original, ou seja, como se escrevia o português brasileiro daquela época. A título de curiosidade, isso permite compreender um pouco o desenvolvimento dos termos de nossa língua que são utilizados hoje em psicanálise e em psiquiatria, bem como nos perguntarmos a respeito da transição de outros termos, em especial os psicanalíticos.

No que tange a esta questão é muito curioso observar a grafia de palavras como psicoanalise, nevroses, sexuaes, sientia, allemenha, portuguez, masochismo, sinaes entre outras. Porém, deve-se ressaltar aqui a forma como os brasileiros traduziram os termos alemães do pensamento freudiano e como eles naquele momento (todos leitores de Freud a partir dos textos em alemão) se apropriaram de tais termos e conceitos. Para citar alguns: Recalcamento, Transporte afetivo, Período de recolhimento, Libido, Tendências sexuais, Instinto, etc..

Desde o início, Genserico apresenta uma compreensão bastante razoável, à época, ao tratar da geopolítica psicanalítica, sua propagação e aderência nos países europeus, ressaltando o tardio interesse dos franceses pela nova doutrina psicológica. Com relação ao Brasil, salienta o importante papel de Juliano Moreira, Austregésilo e Henrique Roxo e afirma de maneira clara as limitações de seu trabalho, ciente de seu caráter propedêutico. Esclarece que seu objetivo era apenas o de "expôr sumariamente a concepção de Freud quanto à causa e desenvolvimento das diversas neuroses, explicando sua sintomatologia e deduzindo daí os meios lógicos de cura psíquica" (Pinto, p. VII, 1914).

Nesse sentido, a sexualidade tem papel fundamental em seu trabalho. Essa novidade parece ter despertado a atenção de alguns médicos brasileiros que viam uma explicação plausível e viável para os fenômenos mórbidos do início do século passado. Assim, o esforço do autor cearense foi o de estabelecer uma conexão, na medida do possível, entre a sexualidade e algumas afecções, dado este que já estava bem estabelecido no pensamento do psicanalista vienense Sigmund Freud.

A compreensão de Genserico Pinto e seus pares, naquele momento, era de que a psicanálise se compunha ao mesmo tempo como um método e uma psicologia, sem ter que se limitar a uma justificação científica das neuroses, mas avançando em alguns pontos e tratando, em outros, de objetos completamente diferentes, ainda que a importância dada a sexualidade esteja em destaque na forma como foi tratada nesta dissertação. Em sua palavras, "a sexualidade não é, pois, senão, uma das faces da psicanálise, a qual encerra em si um grande sistema de psicologia geral, normal e patológica, baseada em métodos vários e complexos" (p. 8).

A partir desta introdução, a dissertação se desenvolve abordando os temas da sexualidade infantil, da etiologia das neuroses, das neuroses atuais e psiconeuroses (histeria, obsessão, fobias e epilepsia), do método psicanalítico e o relato de cinco casos atendidos no Hospital de Misericórdia no Rio de Janeiro - dentro da seção observações.

A propósito da sexualidade infantil, Genserico apresenta a grande novidade freudiana dizendo que a "sexualidade existe, pois, na infância, larga e variadamente, mas sob as formas mais disfarçadas e enganadoras" (p. 20). Nesse sentido, ao mesmo tempo que coloca a dimensão sexual na infância como algo que tem a ver com instintos, recobrindo todas as dimensões corporais, o autor cearense também advoga pelas teses da não hereditariedade, isto é, a causa das neuroses futuras poderiam ser encontradas ali, naquele momento precoce do ser humano, já que desde o início há sexualidade. A partir daí, toda uma apresentação do que seja instinto sexual, zonas erógenas, autoerotismo, amnésia infantil, censura, educação e libido (ou fome sexual como quer o autor) ganham o primeiro plano neste capítulo.

Pode-se encontrar também uma breve explicação do complexo de Édipo e algumas considerações sobre as formas ativas e passivas da sexualidade, sempre em relação a diferença anatômica sexual. É justamente isso que o permite tratar dos desvios da sexualidade.

Os defeitos do desenvolvimento psicossexual estão estreitamente relacionados com os instintos sexuais. Quando não há uma convergência perfeita de tais instintos, emergem então as desordens que podem ser representadas por dois estados patológicos, a saber, as psiconeuroses e a perversão sexual. Neste momento, Genserico trata apenas da perversão, reiterando o caráter não hereditário desta entidade mórbida. Sua definição é a seguinte: "as perversões sexuais são os estados de infantilismo psicossexual que, não tendo sofrido com o desenvolvimento do indivíduo uma modificação sensível e necessária, permanece, no adulto, com as mesmas formas, as mesmas manifestações e os mesmos sintomas infantis" (p. 34). Nesse contexto, deve-se organizar as perversões em suas manifestações para o objeto e para os fins sexuais. No primeiro caso encontra-se a inversão (ou homossexualidade), narcisismo, pedofilia e animalismo. Vale ressaltar que é também neste mesmo ano que Freud publica o famoso texto sobre o narcisismo. Ainda que a definição de Genserico seja simplória a propósito do narcisismo, ele demonstra, pelo mesmo, uma certa capacidade de informação com os textos recentes, à época, do autor vienense, como, por exemplo, o caso Schreber e o texto sobre Leonardo Da Vinci. No que tange aos fins sexuais, aparecem temas como transgressão anatômica, fetichismo sexual, masoquismo e sadismo, na medida em que todos introduzem elementos não genitais às satisfações sexuais. Dessa forma, no que diz respeito as perversões, o autor brasileiro parece introduzi-la com o único propósito de advogar sobre a não hereditariedade da doença, já que não tratará mais dela ao longo do texto, enfatizando apenas os problemas relacionados as neuroses.

Dando continuidade ao seu caminho de exposição do pensamento freudiano, Genserico começa o capítulo sobre a etiologia das neuroses evocando seu mestre Austregésilo a propósito das dificuldades em se tratar da causa das doenças. Nesse sentido, ruma à teoria freudiana tendo como principal ponto de apoio a teoria da sexualidade. A partir daí, apresenta o pensamento de Charcot, no que tange aos aspectos hereditários e dos agentes perturbadores da causa das moléstias, com o intuito de refutá-los utilizando os argumentos do próprio Freud. Para Genserico, Freud rompeu com as teses que continham grande ênfase nos aspectos hereditários a tal ponto que a hereditariedade encontrada em Freud é praticamente "nula", para usar seu termo, e é a causa específica, a sexualidade, o grande achado freudiano no que tem a ver com a etiologia das neuroses. Interessante notar que ele utiliza-se, repetindo Freud, de um exemplo da biologia para exemplificar a primazia da causa específica em relação a hereditariedade (tuberculose pulmonar/bacilo de Koch) - esse seria o ponto revolucionário da doutrina psicanalítica.

Ao introduzir a classificação nosográfica das neuroses em neuroses atuais e psiconeuroses, o autor brasileiro apresenta uma espécie de síntese do que seriam tais afecções a partir da leitura freudiana. Assim, sua categorização se dá dentro da clássica divisão entre neurastenia e neurose de angústia, como subdivisão das neuroses atuais, e histeria, fobia e neurose obsessiva, como subdivisão das psiconeuroses.

Para as neuroses atuais, ele dedica um capítulo e apresenta como causa das doenças os desvios de sexualidade. Enquanto na neurastenia o elemento de destaque é a masturbação, na neurose de angústia ressalta-se a satisfação incompleta do desejo sexual despertado. Em outras palavras, o elemento sexual é a origem das afecções.

Ao tratar das psiconeuroses, Genserico começa por abordar o princípio básico, segundo ele, da psicanálise naquele momento, a saber, o recalcamento. Isto é, o mecanismo que permite pensar as afecções aqui implicadas. Sua compreensão é que após a atuação da censura, força psíquica que exerce uma poderosa crítica à consciência, afastando dela todos os fatos, ideias e tendências que não estão de acordo com os princípios civilizatórios, ou seja, que põe em risco as normas educativas, há o recalcamento. Assim, essas tendências contrárias à civilização "são reprimidas, recalcadas no seio do inconsciente, para que o indivíduo possa se acomodar ao meio social, severo e exigente" (p. 59). Ora se o recalque funciona bem, tudo caminha na normalidade, mas quando ele falha, a perspectiva é outra, é justamente quando há um recalcamento defeituoso, falhado (para usar suas palavras) que os sintomas neuróticos surgem. A questão é que essas tendências, quando saem pelas vias naturais, determinam um estado de saúde, isto é, quando o ato sexual é realizado entre um homem e uma mulher, sendo cumprido todo seu percurso até o fim. Mas, quando isso não ocorre, ou seja, quando há uma descarga pelas vias anormais (por exemplo, masturbação, coito interrompido, etc.), é aí que se tem a doença, as neuroses.

É interessante notar que Genserico, para exemplificar o recalcamento, utiliza-se do termo pressão para levar o leitor a uma compreensão do que está querendo dizer quando fala deste mecanismo. Em suas palavras, "grosseiramente, poderemos comparar esse mecanismo ao de um vaso que recebesse, sob pressão, uma quantidade progressivamente crescente de um líquido ou de um gás. Chegando a um certo ponto, o vaso, não oferecendo mais resistência necessária, explodirá, deixando espalhar no exterior a substância que continha" (p. 61). Seria assim que acontece no inconsciente.

Nessa perspectiva, as tendências recalcadas são sempre de ordem sexual que se manifestaram na infância e é por isso que pode-se dizer que as psiconeuroses são tendências sexuais infantis recalcadas. No entanto, o recalcamento é aplicado não apenas às manifestações mórbidas, mas também pode ser encontrado numa atividade psíquica normal. Exemplo disso seriam os sonhos, mudanças leves de humor, do caráter, dos gostos, etc..

Ao dar continuidade ao seu trabalho, o autor cearense dedica um capítulo à histeria e outro à fobia e neurose obsessiva, fazendo um breve comentário a respeito da epilepsia.

A histeria, denominada aqui como a grande neurose, é compreendida fundamentalmente a partir do recalcamento. Dito de outra maneira, o recalcamento histérico faz parte daquele tipo de recalcamento anormal, tendo falhado em sua função primordial de reprimir os conteúdos intoleráveis de origem sexual. Os sinais físicos próprios da histeria ganham importância a partir da noção freudiana de conversão, já que é "na transformação da libido recalcada, em forças ou influxos especiais que, por um mecanismo semelhante ao que se passa no seio do psiquismo, irradiam-se pelo corpo, produzindo então essas perturbações neuromusculares, vicerais, etc." (p. 67). Encontra-se aí a noção de conflito e de destino somático. Temas como sugestibilidade, versatilidade de caráter e repulsão sexual são apresentados sempre pelo mesmo princípio da natureza sexual. O ataque histérico não está fora deste contexto, na medida em que surge como um equivalente ao coito.

No capítulo VIII, as duas outras entidades mórbidas são apresentadas. A primeira, a fobia, é compreendida como manifestações sintomáticas de diversas neuroses, sendo mais simples de compreender na medida em que o recalcamento que aí ocorre se trata de um medo especial que aparece pela simbolização. No caso das neuroses obsessivas, Genserico aponta para a novidade conferida por Freud. Ainda que a ideia de que tais indivíduos são invadidos por pensamentos aflitivos e penosos, sua origem está na vivência de uma sexualidade precoce, uma infância intensa de experiências libidinais. Nesse sentido, ele aproxima a categorização freudiana, Zwangsneurose, daquilo que Janet chamou de psicastenia.

A epilepsia aparece na dissertação como uma forma de tratar outras entidades que não foram abordadas por Freud, isto quer dizer, uma tentativa, ainda que superficial, de apropriação e de aplicação original da psicanálise por parte desses primeiros brasileiros. É bem verdade que sempre baseados em autores europeus, e em grande medida discípulos de Freud.

No último capítulo, criticando as formar anteriores de psicoterapia como hipnotismo, persuasão e sugestão, Genserico dá um tom de infalibilidade ao tratamento terapêutico psicanalítico. Em suas palavras, o "único método, pois, verdadeiramente infalível e que consegue a remoção total e definitiva desses sintomas é, para Freud e sua escola, aquele que, analisando as diversas tendências individuais referentes à afetividade e penetrando profundamente no seio do inconsciente, faz ressaltar na consciência clara, essas mesmas tendências, causa essencial e específica das desordens psíquicas" (p. 87-88). Tal tratamento deve se dar a partir das análises da associação de ideias e os sonhos, grande chave para se compreender as aventuras eróticas da história dos pacientes, anulando assim os efeitos das tendências recalcadas e das amnésias. No entanto, tudo isso só é possível à medida que se estabeleça entre o médico e o doente "uma corrente de simpatia e confiança" (p. 88), já que o conteúdo a ser dito é de cunho sexual.

É nesse sentido que Genserico vai chamar o Transporte afetivo de princípio capital da psicoterapia freudiana, pois é ele quem permite a corrente afetiva, ou seja, uma corrente de simpatia, aquilo que o paciente direciona ao médico de maneira inconsciente e que possibilita a terapia. Esse transporte pode ser positivo ou negativo. Assim, o Transporte afetivo "é um mecanismo geral do espírito humano que não se manifesta apenas no estado mórbido, mas que é próprio de todo indivíduo normal" (p. 92). Então, Genserico afirma que a psicoterapia de Freud é, grosso modo, "um método de reeducação da afetividade" (p. 89).

Contra indicações também são citadas pelo autor, a saber, evitamento de intervenções nos períodos de grande excitação e a necessidade de condições mínimas para a realização do tratamento, isto é, o indivíduo necessita ter um grau de cultura, de moral e de educação que possibilite o tratamento.

Por fim, ele apresenta, em suas observações, casos clínicos que tem como objetivo fazer valer os princípios da doutrina criada por Sigmund Freud. Cinco casos são descritos de maneira breve e com poucos elementos que permitam uma discussão ampla a respeitos dos diagnósticos. No entanto, sua intenção era muito provavelmente a de apresentar os casos como comprovação dos elementos psicanalíticos do que colocá-los à prova, pois, como o próprio autor anunciou desde o início de seu trabalho, essa dissertação procura apenas apresentar as principais noções psicanalíticas, e dentro deste contexto os casos clínicos teriam a função de corroborar o que fora dito anteriormente. Nesse sentido, parece que o acolhimento das ideias psicanalíticas desenvolvidas na dissertação tinham um caráter muito mais de celebração da novidade da doutrina freudiana do que um caráter propriamente crítico.

Ao longo de todo trabalho, fica evidente o esforço de Genserico em apresentar a sexualidade como elemento crucial para se pensar uma nova etiologia sem precisar recorrer as teses degenerativas. É a partir deste contexto que ele pensou a psicanálise e a desenvolveu em seu texto, dando o título, não sem reflexão, Da Psicoanalise: a sexualidade nas nevroses.

A grande importância deste trabalho para nós, cem anos depois, é a de nos permitir compreender a maneira como aqueles brasileiros, em especial Genserico, acolheram as ideias psicanalíticas, as interpretaram e buscaram aplicá-las. Ler tal dissertação sob este prisma pode conferir a este trabalho acadêmico, primeiro sobre psicanálise no Brasil, um valor histórico precioso, pois possibilita apreender um pouco do processo psicanalítico brasileiro, permitindo-nos saber mais da nossa forma de psicanalisar.

 

Referências

Pinto, G. A. S. (1914). Da Psicoanalise: a sexualidade nas nevroses. Rio de Janeiro: Tese apresentada a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, 1914.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Francisco Ronald Capoulade Nogueira
E-mail: franciscocapoulade@hotmail.com

Artigo recebido em: 12.5.2014/5.12.2014
Aprovado para publicação em: 30.5.2014/5.30.2014

 

 

 

* Psicanalista e Documentarista. Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em cotutela com a École Doctorale de Recherches en Psychanalyse et Psychopathologie pela Université Denis Diderot (Paris VII). Atualmente, é membro da Associação Campinense de Psicanálise e pesquisador no grupo Psicanálise e saúde mental no Brasil: história e perspectiva (UFSJ). É idealizador e realizador da série de documentários Hestórias da Psicanálise.