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Analytica: Revista de Psicanálise

On-line version ISSN 2316-5197

Analytica vol.3 no.4 São João del Rei Jan. 2014

 

DOSSIÊ

 

Arthur Ramos e a psicanálise na Bahia

 

Arthur Ramos and psychoanalysis in Bahia

 

Arthur Ramos et de la psychanalyse à Bahia

 

Arthur Ramos y el psicoanálisis en Bahía

 

 

Maria Odete de Siqueira Menezes*

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho é uma pesquisa histórica sobre a difusão e a apropriação da psicanálise por um grupo de médicos da Bahia nos anos 1920 e 1930, com ênfase particular sobre Arthur Ramos, que, além de ter sido seu maior divulgador, adaptou-a aos seus interesses intelectuais nos campos da Psiquiatria, da Higiene Mental e da Antropologia, elaborando análises para os problemas da loucura, da educação infantil e da cultura negra sob o referencial da teoria psicanalítica.

Palavras-chave: História; Psicanálise; Bahia; Arthur Ramos.


ABSTRACT

This historical research on the spread of psychoanalysis in the State of Bahia (Brazil) focuses on the role played by Arthur Ramos as its main herald in the 1920's and 1930's. Ramos's achievements in the fields of psychiatry, mental hygiene and anthropology are pointed out as well as his psychoanalytical approach on the issues of madness, children education and culture.

Keywords: History; psychoanalysis; Bahia; Arthur Ramos.


RÉSUMÉ

Ce travail est une recherche historique sur la diffusion et l'appropriation de la psychanalyse par un groupe de médecins de Bahia dans les années 20 et 30, avec un accent particulier sur Arthur Ramos, qui en plus d'être son plus grand promoteur, adaptée à leurs intérêts intellectuels dans domaines de la psychiatrie, de l'hygiène mentale et de l'anthropologie, la préparation des analyses de la folie de problèmes, l'éducation de la petite enfance et de la culture noire dans le cadre de la théorie psychanalytique.

Mots-clé: Histoire; la psychanalyse; Bahia; Arthur Ramos.


RESUMEN

Este trabajo es una investigación histórica sobre la difusión y la apropiación de la psicoanálisis por un grupo de médicos de Bahía (Brasil) en los años 20 y 30, con destaque particular para Arthur Ramos, quien además de ser el mayor difusor, adaptó la psicoanálisis en los campos de la psiquiatría, higiene mental y antropología, elaborando análisis para los problemas de locura, educación infantil y cultura negra en el referencial de la teoria psicoanalítica.

Palabras claves: Historia; Psicoanálisis; Bahía; Arthur Ramos.


 

 

Introdução

Sigmund Freud elaborou a teoria da Psicanálise entre 1893 e 1938 sob os efeitos de um mundo em acelerada transformação, momento em que todo o cenário ocidental interagia com revoluções na ciência e na tecnologia, rupturas no campo das artes e ideais estéticos, destronando patrimônios de séculos anteriores.

A Psicanálise se insere precisamente nesse momento histórico de mudanças profundas, quando uma nova concepção sobre o mundo estava se desenvolvendo.

O Brasil, na época, com sua jovem república, também refletia a mesma inquietação intelectual e científica em seu ambiente socio-político. Os artistas do chamado Movimento Modernista foram uma expressão vigorosa desse fenômeno.

Esse clima de inquietação foi propício para a abertura de novas ideias, permitindo a recepção das teorias de Freud e de seus discípulos.

Quando as ideias da Psicanálise chegaram à cena brasileira, no descortinar do século XX, houve um significativo movimento de estudo e difusão de suas teorias por intermédio de um grupo de psiquiatras e de alguns artistas do Movimento Modernista. Esse grupo de psiquiatras, aliás, trabalhou intensamente na difusão da Psicanálise, publicando várias obras e textos destinados aos estudantes de Medicina e ao público em geral.

Alguns estudos que tratam da história da introdução da teoria freudiana no Brasil consideram esses psiquiatras como precursores. Essa denominação implica tomar como referência na investigação histórica a institucionalização da Psicanálise, ou seja, a história da Psicanálise no Brasil se iniciaria a partir da fundação das instituições consideradas oficiais na época. Desse ponto de vista, o discurso dos precursores não é considerado um discurso psicanalítico.

Nesta pesquisa, não tomei como ponto de partida a institucionalização da Psicanálise apesar de compreender que a fundação da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, em 1937, veio reestruturar todo o campo do conhecimento e prática da Psicanálise. O trabalho desse grupo de psiquiatras foi fundamental, pois semeou um interesse que possibilitou a emergência do Movimento Psicanalítico. E o que foi o mais importante: contribuíram na constituição da cultura moderna no Brasil. A Psicanálise é considerada uma forte influência na formação de um novo segmento social - os intelectuais paulistas - no início do século XX, quando médicos e artistas de São Paulo introduziram essas novas ideias (Sagawa, 1994).

Nesta abordagem, também, não foram interpretados como resistência dos psiquiatras à teoria e método terapêutico psicanalítico o ecletismo de técnicas utilizadas, a pouca receptividade em relação à ideia de fazer uma análise pessoal ou a tentativa de conciliar a teoria psiquiátrica organicista com a teoria psicanalítica.

Se observarmos que a formação dos psiquiatras dessa época tinha como principal referência teórica a escola organicista, que explicava a doença mental por fatores somáticos, anatômicos e hereditários, tendo como seu maior representante Emil Kraeplin, podemos considerar que havia abertura para uma referência teórica bem distinta da sua formação original.

A difusão da Psicanálise no Brasil não se realizou num vazio cultural. O processo de incorporação de um saber em um determinado contexto cultural é um fenômeno complexo no qual a cultura local preexistente pode redefinir o conhecimento pressuposto. Na difusão de um conhecimento em uma determinada cultura, a síntese resultante pode ser considerada como produto de um processo dinâmico de "negociações" permanentes, consequências das estratégias e dos valores dominantes no mercado internacional de disciplinas científicas e dos interesses nacionais dos intelectuais locais. (Arboleda, 1987)

Freud ainda elaborava sua teoria, que era lida, na maioria das vezes, em alemão. Havia uma compreensão da nova abordagem dos fenômenos propostos pela Psicanálise, porém, naquele momento não era possível uma reflexão tal qual podemos realizar agora. Como foram poucos os que seguiram uma linha mais ortodoxa, levantamos a hipótese de que o interesse desses psiquiatras era mais uma compreensão sobre o "novo" homem concebido pela Psicanálise do que a institucionalização de uma prática mais rigorosa.

A compreensão do papel significativo desse grupo de psiquiatras para a constituição do campo da Psicanálise, da Psicologia1, como da cultura moderna no Brasil, exige uma abordagem do contexto socio-político e cultural em que a sociedade brasileira se encontrava.

O movimento de difusão das teorias psicanalíticas se concentrou, principalmente, nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Porém, havia médicos e intelectuais interessados em tais ideias em outros centros urbanos, como Recife, Porto Alegre e Salvador. Na capital baiana, destaca-se o nome de Arthur Ramos como principal defensor e divulgador de tais teorias. Foi ele quem propôs cursos e publicou a maioria dos artigos sobre o tema, sendo reconhecido por seus colegas como um psicanalista ortodoxo, reunindo em torno de si um grupo que estudava a teoria psicanalítica.

Durante a fase em que viveu na Bahia, a Psicanálise foi o instrumental teórico que fundamentou os seus diversos estudos. Ao acompanhar a trajetória de Arthur Ramos, observamos a aplicação da teoria freudiana em diversos campos de trabalho. Com efeito, a interpretação de diferentes questões à luz dos novos conceitos caracterizou a difusão da Psicanálise no seu período de introdução no Brasil.

Neste trabalho, apresentamos três temas de destaque que demonstram a trajetória profissional de Arthur Ramos. Ao se formar em Medicina, atuou como psiquiatra e médico legista; quando se mudou para o Rio de Janeiro, trabalhou com higiene mental e sistematizou um estudo em psicologia social; por fim, migrou para o campo da Antropologia, onde se fez reconhecido nacional e internacionalmente.

Se esse percurso migratório se fez em um período de tempo que ultrapassa sua estada na Bahia, seus interesses, no entanto, já se delineavam durantes os primeiros anos de atividade profissional.

O presente trabalho, portanto, tem como objetivo descrever como Arthur Ramos usa a teoria psicanalítica na compreensão da loucura, da educação infantil e da cultura negra, além de descrever os meios institucionais encontrados para divulgar e debater seus trabalhos com a comunidade médica baiana.

 

O protagonista Arthur Ramos

Arthur Ramos nasceu em 7 de julho de 1903, em Pilar, Alagoas. Em 1921, mudou-se para Salvador, onde estudou na Faculdade de Medicina da Bahia, formando-se em 1926.

Ele dominava várias línguas, como a alemã, a francesa e a inglesa, que lhe facilitaram o acesso à bibliografia estrangeira e a uma rica correspondência com numerosos pesquisadores internacionais. Ainda estudante, correspondeu-se com Freud, Lévy Bruhl e Eugen Bleuler, e, durante sua vida profissional, ampliou significativamente seu ciclo de relações intelectuais.

Enquanto morou em Salvador, participou ativamente de várias sociedades profissionais e colaborou em diversos periódicos de Medicina e nos jornais locais. Destacamos a sua participação na Sociedade de Medicina Legal, Criminologia e Psiquiatria da Bahia, entre 1928 e 1931, onde se abordavam as ideias da Psicanálise em várias discussões e leituras de textos. Faziam parte dessa Sociedade médicos de todas as especialidades e bacharéis em Direito.

Em agosto de 1929, Arthur Ramos propôs a essa Sociedade que reservasse uma parte de suas atividades para estudar e controlar todos os assuntos referentes à Psicanálise, constituindo-se, assim, num órgão autorizado junto à Sociedade Brasileira de Psicanálise (SBP) situada em São Paulo. Nessa proposta, a Sociedade de Medicina Legal, Criminologia e Psiquiatria da Bahia seria a representante oficial da Psicanálise junto à SBP, legitimada pela International Psychoanalitic Association (IPA), seguindo o modelo institucional elaborado por Freud. A justificativa era que a Psicanálise poderia ser considerada como uma disciplina autônoma, com seu objeto e método de pesquisa específico, independentes da Psicologia clássica e da Psiquiatria. A proposta foi aprovada, mas não efetivada.

Arthur Ramos exerceu uma posição influente nessa instituição, promovendo debates, angariando adeptos e propondo o reconhecimento oficial da Psicanálise enquanto disciplina autônoma. A oficialização, no entanto, não aconteceu segundo o modelo "freudiano", já que não foi fundada uma sociedade psicanalítica na Bahia. Nesse sentido, a teoria esteve presente na Sociedade de Medicina Legal, Criminologia e Psiquiatria da Bahia enquanto uma especialização vinculada a um saber médico.

Além da Sociedade, Arthur Ramos divulgou a Psicanálise por meio de artigos e notícias nas revistas médicas que circulavam no Estado na época. O número de fevereiro de 1934 da Revista Médica da Bahia é dedicado exclusivamente a artigos sobre a teoria psicanalítica. O editorial justificou essa edição argumentando que a Psicanálise vem contribuindo para fornecer uma compreensão total do comportamento humano, fato que a Medicina não pode ignorar.

A publicação desse número representa o resultado de um longo trabalho de divulgação da Psicanálise no meio médico baiano, realizado por Arthur Ramos, e o reconhecimento de que a disciplina ganhava um espaço na compreensão do comportamento humano.

Ainda em 1934, Arthur Ramos mudou-se para o Rio de Janeiro, a convite de Anísio Teixeira, para chefiar a Seção Técnica de Ortofrenia e Higiene Mental do Departamento de Educação e Cultura do Distrito Federal. Nesse Departamento, realizou pesquisas e estudos sobre a higiene mental escolar, publicando vários artigos. Em 1939, publicou o livro A criança problema, fruto desse seu trabalho, sendo considerado, segundo o Salão Internacional do Livro de São Paulo (1999), um dos cem melhores livros brasileiros do século XX.

Em 1935, foi contratado para o cargo de professor de Psicologia Social da Universidade do Distrito Federal. O curso e, posteriormente, a publicação de seu livro Psicologia Social, são considerados marcos na história da Psicologia Social do Brasil. Em 1936, inaugurou o curso de Etnografia organizado pelo Departamento de Cultura de São Paulo, e, em 1939, foi nomeado Professor  Catedrático de Antropologia e Etnografia da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil.

Em agosto de 1949, foi para Paris, a fim de dirigir o Departamento de Ciências Sociais da UNESCO, onde preparou um plano de trabalho que deu origem a um comitê de especialistas internacionais para o estudo das relações de raça, visando a deflagrar uma grande campanha contra o preconceito racial. Em 31 de outubro de 1949, Arthur Ramos morreu em Paris; porém, em maio de 1950, na Conferência Geral da UNESCO, seu projeto foi aprovado.

 

A Psicanálise e a Psiquiatria

Quando a teoria psicanalítica começou a se difundir no Brasil, nas primeiras décadas do século XX, a elite intelectual estava preocupada com a modernização do País e com a questão da identidade nacional. As discussões incluíam temas sobre grupos sociais como os negros, os loucos e as crianças como futuros cidadãos. Nesse contexto, a Psicanálise, por sua concepção psicológica, oferecia uma perspectiva de mudança e de tratamento para problemas antes considerados insolúveis nas teorias de cunho organicista permeada de preconceitos e moralismos.

à luz da Psicanálise, os intelectuais passaram a interpretar questões que iam da sexualidade à criminalidade, passando por temas como educação, literatura e fenômenos de grupo, aplicando amplamente os novos conceitos.

A difusão da Psicanálise entre os médicos, e também no meio artístico, pode ser compreendida como uma busca de novas orientações e explicações para comportamentos e sentimentos normalmente ditados pela tradição. O modelo convencional apresentava regras claras de comportamento, enquanto o moderno, construído pela Psicanálise e outras teorias psicológicas, não determinavam regras morais. (Russo, 2002, p. 9).

A Psiquiatria no Brasil, no início do século XX, tinha como principal referência teórica o organicismo, representado principalmente pela escola alemã de Emil Kraepelin. Opunha-se à escola francesa, de Philippe Pinel, bastante difundida anteriormente no País, baseada numa concepção moral da doença mental. A visão kraepeliana tinha como objetivo transformar a clínica psiquiátrica numa disciplina médica moderna baseada na ciência natural e com estreitos vínculos com a neuropatologia, a neurofisiologia, a sorologia, a genética e a psicologia experimental.

No Brasil, a teoria de Emil Kraepelin deve sua grande difusão a Juliano Moreira2. Segundo Costa (1989),

[...] até Juliano Moreira, a psiquiatria no Brasil tinha se limitado a reproduzir o discurso teórico da psiquiatria francesa e a seguir a prática ditada pelo pessoal leigo ou religioso, encarregado da administração dos hospitais. Juliano Moreira e seus discípulos tentaram transformar esta situação, inaugurando uma Psiquiatria cujos fundamentos teóricos, práticos e institucionais constituíram um sistema psiquiátrico coerente(p. 71-72).

A psiquiatria científica defendida por Juliano Moreira representou uma mudança significativa na compreensão da doença mental. Até então, vigorava a ideia de uma relação entre raça e doença mental. Para Nina Rodrigues3, por exemplo, a distinção racial era importante para a compreensão das doenças físicas e mentais, considerando-se que as raças transmitiam aos seus descendentes caracteres patológicos. A miscigenação entre raças, e nesse contexto os negros e índios eram inferiores aos brancos, seria fator de degeneração dos indivíduos. O mestiço era a síntese de todas as divergências hereditárias. Em suma, considerava-se um perigo para o desenvolvimento de uma nação saudável e próspera a mistura racial brasileira (Venâncio, 2005).

A miscigenação, com sua consequente degeneração, não seria mais considerada a causa de doença mental no pensamento psiquiátrico alemão. Essa psiquiatria propunha o abandono dos aspectos morais e de noções como hereditariedade e degeneração. A doença mental passou a ser compreendida como uma perturbação no metabolismo do corpo mesmo que não fosse possível demonstrá-lo (Venâncio, 2005).

Apesar de se contrapor à lógica organicista em prol de uma concepção psicodinâmica, a Psicanálise foi assimilada como uma teoria sintonizada com o projeto de modernização do País. Ela foi tomada como uma teoria científica que fornecia uma explicação alternativa para o comportamento humano, livre de preconceitos e moralismo.

Seu estudo e divulgação tiveram um caráter muito mais descritivo e explicativo do que terapêutico. Apesar de relatos de experiências psicanalíticas em hospitais psiquiátricos, quando praticada, ficou reservada aos consultórios particulares. A Psicanálise, inclusive, fornecia aos psiquiatras um modelo de atendimento privado que os libertava do trabalho exclusivo no asilo, trazendo-os para o campo prestigioso da clínica particular (Russo, 1993). Como sistema de tratamento, no entanto, ela não conseguiu penetrar no espaço asilar, local de domínio da Psiquiatria. A Psicanálise ficou reservada às universidades e sociedades médicas enquanto uma teoria sobre o humano.

Nas décadas de 1920 e 1930, o método psicanalítico era considerado como mais um entre as técnicas de tratamento da psiquiatria. Na terapêutica da Psiquiatria, a relação médico-paciente era baseada na contenção e asilamento, instrumentalizada por técnicas que intervinham no corpo do paciente, como os choques insulínicos e cardiazólicos, e a eletroconvulsoterapia. Contrariamente a esse modelo, a Psicanálise fundamentava-se na relação médico-paciente. Contudo, os psiquiatras utilizavam ao mesmo tempo as técnicas biológicas enquanto buscavam uma compreensão e aplicação do método psicanalítico. Arthur Ramos (1933, p.28) seguia essa linha, sugerindo que a Psiquiatria utilizasse a laborterapia, choqueterapia e endocrinoterapia conjuntamente com a Psicanálise.

O discurso psiquiátrico-psicanalítico no Brasil, desse período, foi marcado pela tentativa de conciliação entre diversos pontos de vista, muitas vezes contraditórios, sobre a doença mental e o comportamento do homem em geral. Nessas discussões, sobressaiu-se a figura de Juliano Moreira, tanto como divulgador da teoria de Emil Kraepelin quanto da Psicanálise.

Juliano Moreira foi o primeiro a difundir as ideias de Freud no Brasil. Em 1899, ele já falava sobre Freud nas suas aulas na Faculdade de Medicina da Bahia (Perestrello, 1992). Participou das discussões no Rio de Janeiro e foi eleito presidente da primeira sociedade de psicanálise nessa cidade, a Sociedade de Psicanálise do Rio de Janeiro, fundada em 1928 e sediada no Hospital Nacional dos Alienados, onde também ele era diretor.

Segundo Rocha (1989), inicialmente a Psiquiatria absorve as ideias da Psicanálise, sem, no entanto, fazer uma ruptura com o saber psiquiátrico. Isso vai acontecer a partir de 1937, quando chegou ao Brasil, Adelheid Koch, psicanalista alemã, enviada pela International Psychoanalitic Association (IPA), para estruturar a formação psicanalítica, que incluía o estudo teórico, a psicanálise pessoal do candidato a analista e a supervisão de dois casos clínicos. Até então, os psiquiatras que eram considerados como psicanalistas não haviam se submetido ao processo de análise pessoal e à supervisão. Eram credenciados como psicanalistas pela comunidade médica por defenderem as teorias psicanalíticas. Esse reconhecimento também poderia ser buscado junto às autoridades internacionais ou, até mesmo, junto ao próprio Freud.

A partir de então, o grupo que fazia a formação nessa Sociedade efetuou um corte com a Psiquiatria, constituindo um campo de saber específico implicando uma formação especializada. Para esse grupo, serão reconhecidos como psicanalistas somente os profissionais que passaram pela formação em alguma sociedade legitimada pela IPA.

 

Arthur Ramos Psiquiatra

Foi ainda na Faculdade de Medicina da Bahia que o estudante Arthur Ramos tomou conhecimento das ideias da Psicanálise. Segundo ilustração de Josué de Castro (citado por Barros, 2000), que admite dele ter recebido grande influência na sua formação, temos:

Com Ramos ouvíamos. E ouvíamos coisas esmagadoras. Nomes arrevesados de venerandos sábios alemães. Teorias frescas trazidas diretamente dos centros europeus por misteriosos caminhos para o sisudo discípulo de Freud na Baixa do Sapateiro... Isto na província em 1925, meu caro, me pareceu a glória (p. 26).

Em 1926, Arthur Ramos formou-se em Medicina e defendeu sua tese de doutoramento, Primitivo e Loucura. Nessa investigação, desenvolveu um estudo comparativo entre o comportamento da criança, do homem primitivo, da produção dos sonhos e da arte, e de quadros clínicos observados no manicômio, como a paranoia, por exemplo. Tais comportamentos foram analisados a partir da teoria psicanalítica.

Nessa tese, ele formula o conceito de inconsciente folclórico, síntese elaborada das teorias de Freud, principalmente do seu texto, Totem e Tabu (1913), dos conceitos de inconsciente coletivo de Carl Jung, do inconsciente interpsíquico de Janet e Tarde, e, ainda, do atavismo psíquico de Tanzi e Riva.

No inconsciente folclórico, haveria a ação essencial do inconsciente ancestral, depositário do legado filogenético, e do inconsciente interpsíquico, que explica as influências complexas do meio social sobre o doente e deste sobre aquele. Impessoal e coletivo, está sempre atual ou latente, assimilando as influências ancestrais e as do grupo que conformam o indivíduo, sejam elas anteriores ou projetadas fora dele. "O inconsciente, extremamente lábil, registra não só os acontecimentos da vida individual, como toda a história anterior ao indivíduo, e as influências do meio social em que vive" (Ramos, 1926, p. 89).

Note-se que o conceito de inconsciente folclórico parece responder a um problema apresentado por Freud em seu texto Totem e Tabu (1913), relativo à transmissão das experiências ancestrais. Nesse texto, ele sugere que o legado de uma geração para outra pode ser atribuído a uma comunicação consciente e inconsciente, deixando, no entanto, a questão em aberto.

Ramos enviou cópia de seu trabalho a Freud. Em 18 de abril de 1928, a resposta foi publicada no jornal O Imparcial: "Ilustre e caro colega dr. Arthur Ramos. Acho as suas conclusões, com as referências feitas ao seu trabalho, muito interessantes e documentadas exaustivamente, podendo ser o seu trabalho incluído dentro dos domínios dos estudos psicanalíticos. Afetivamente. Freud."

Arthur Ramos buscou uma interlocução com o próprio Freud, o que testemunha o seu grande empenho em realizar um trabalho reconhecido pela autoridade na Psicanálise. Além disso, divulgou para a sociedade baiana tal reconhecimento como forma de legitimar seu trabalho relacionado à Psicanálise.

Arthur Ramos publicou artigos na área da Psiquiatria e Perícias Médicas e livros de divulgação da teoria psicanalítica. Nessa produção, citou, além de Freud, autores como Ernest Jones, René Laforgue, ângelo Hesnard, Henri Claude, Sandor Ferenczi, Otto Ranck, Carl Jung e Alfred Adler, demonstrando um amplo conhecimento da literatura especializada nesse campo. Nota-se que ele não se ateve somente a Freud, mas referencia, também, os dissidentes do pensamento freudiano, sugerindo que sua preocupação não era com a fidelidade à teoria de uma determinada escola psicanalítica, mas sim com uma abordagem sobre a loucura, que se contrapunha à teoria psiquiátrica hegemônica.

Ramos não se deteve nas rupturas entre grupos europeus como os colegas opositores à Psicanálise faziam. Estes, muitas vezes, enfatizavam as questões políticas, identificando os diversos grupos com seitas religiosas, no sentido de desqualificar a Psicanálise. Esse tipo de ênfase, no entanto, encobria discussões teóricas entre diferentes abordagens sobre a doença mental.

Apesar do predomínio de uma concepção psicodinâmica, Ramos procurou, em alguns textos, uma conciliação entre as abordagens organicista e psicanalítica. Em seu texto Hipergenitalismo e Criminalidade (1931), compara o conceito de regressão atávica elaborado pelo italiano Cesare Lombroso com o conceito de regressão de Freud. O primeiro, todavia, se refere a um efeito degenerativo na constituição física e mental, divergindo, portanto, do conceito freudiano.

De acordo com Arthur Ramos (1937), "toda a psicanálise, no final de contas, com os seus conceitos de regressão, de psicologia do primitivo, não é mais do que uma roupagem a essas belas, mas sempre novas teorias da escola italiana"(p. 182).

Tentativas de "conciliação" teórica entre saberes divergentes, durante a fase inicial do pensamento freudiano no Brasil, foram bastante recorrentes entre os estudiosos da Psicanálise. Estudos como o de Nunes (1988) e Rocha (1989) sobre a introdução das ideias psicanalíticas no Brasil relatam que os psiquiatras inicialmente tentaram conciliar a teoria e terapêutica psiquiátrica organicista com a teoria e terapêutica psicanalítica. Kuhn (2000) afirma que, na fase de transição de um paradigma dominante para um novo, grande parte da linguagem e a maioria dos instrumentos continuam os mesmos, ainda que anteriormente possam ter sido empregados de maneira diferente. Em consequência disso, a ciência pós-revolucionária invariavelmente inclui muitas das mesmas manipulações, mesmos instrumentos e termos empregados por sua predecessora pré-revolucionária.

 

A psicanálise e o movimento de higiene mental

A partir da década de 1920, muitos psiquiatras representantes do Movimento de Higiene Mental4 tomaram a criança com interesse particular, especialmente a educação infantil como meio de formar o adulto adequado à nova ordem social vigente (Costa, 1983).

O cuidado com a infância se constituíra, portanto, como tarefa vital na construção da nova sociedade brasileira. Emergia com uma nova concepção, um estado positivo e não mais como uma fase transitória e inferior.

O programa de Higiene Mental defendido pela elite psiquiátrica, a partir de 1926, concentrou sua intervenção na prevenção da doença mental às pessoas "normais", encontrando nos meios escolar, profissional e social lugares privilegiados de atuação. "Os psiquiatras, seguindo a nova concepção de prevenção, deslocam-se pouco a pouco da prática tradicional e penetram no domínio cultural, até então situado fora dos domínios da Psiquiatria" (Costa, 1989, p. 79).

O meio escolar foi especialmente visado, reflexo da preocupação dominante na época com a constituição do povo brasileiro. Um dos ideais defendidos foi a crença na educação como chave dos problemas fundamentais do País.

Segundo Silva (1998), além de investimentos em torno dos cuidados materno-infantis, sob os preceitos da higiene mental e eugenia, observa-se o surgimento de uma pedagogia baseada na psicologia infantil e voltada para a educação física, moral, intelectual e profissional do aluno. A família e a escola, portanto, tornam-se objetos privilegiados das práticas de higiene mental.

Durante as décadas de 1920 e 1930, foram organizados alguns serviços psiquiátricos de atendimento à criança e à família, com objetivo primordial de desenvolver programas preventivos. Esses serviços eram coordenados por psiquiatras, a maioria deles associada à Liga Brasileira de Higiene Mental, instituição que reunia a elite psiquiátrica do Rio de Janeiro, talvez do Brasil, segundo Costa (1989).

Muitos médicos comprometidos com o programa de higiene mental estavam também envolvidos na difusão das ideias da Psicanálise.

Segundo Nunes (1988), os psiquiatras e educadores envolvidos com o programa de higiene mental defendiam uma educação pragmática e científica que não levasse a excessos de rigidez, nem a desvios morais. O discurso psicanalítico desses psiquiatras se constituiu num ponto de apoio importante:

A psicanálise passa a ser considerada uma auxiliar pedagógica de grande valor [...] Baseados na ideia de que a educação, isto é, o controle dos instintos, deve começar desde a mais tenra infância, os psiquiatras vão adotar as teorias do desenvolvimento infantil de Freud, mostrando de que maneira se pode influenciar a evolução da sexualidade de uma forma positiva (p. 94-95).

 

Arthur Ramos higienista

Em 1934, quando morava no Rio de Janeiro, Arthur Ramos foi convidado a chefiar a Seção de Ortofrenia e Higiene Mental do Departamento de Educação do Distrito Federal, dedicando-se, então, aos temas da criança e da educação infantil.

Entre 1933 e 1937, Arthur Ramos publicou, em periódicos baianos, uma série de textos que tratavam da educação infantil e de sua experiência na Seção de Ortofrenia no Rio de Janeiro. Nessas publicações, os conceitos da teoria psicanalítica são compreendidos a partir da perspectiva da higiene mental, sendo que alguns conceitos receberam um destaque privilegiado por se prestarem a fundamentar os ideais higienizadores.

Em alguns textos, por exemplo, nosso autor apresentou uma preocupação com a formação de um superego "normal" devido à sua importância na educação como função de interdição aos instintos sexuais. Esse cuidado com o desenvolvimento do superego também foi colocado por seus colegas contemporâneos. Segundo Nunes (1988), os psiquiatras encontraram na estruturação do superego uma maneira de chegar a um equilíbrio entre as exigências da vida na sociedade:

Tido como uma espécie de agente repressor dos impulsos sexuais, ele é tratado como uma peça chave nesse processo educativo. Um superego que não poderia ser tão rígido que fosse um fator de inibição violenta, geradora de neurose, mas que fosse poderoso o suficiente para domesticar os instintos perigosos é o que vão buscar nossos médicos (p. 108-109).

Portanto, o papel do superego, enquanto agente repressor dos impulsos antissociais, era domesticar os instintos permitindo o convívio social.

Ramos entendia que a Psicanálise poderia ser aplicada à educação como instrumento de investigação dos processos do inconsciente capazes de interferir na formação da criança.

O educador, com o estudo da Psicanálise, poderia intervir preventivamente, ao identificar os processos inconscientes envolvidos na educação, e poderia conduzir o desenvolvimento da criança na direção de uma formação saudável. Nesses casos, seria o próprio educador quem dirigiria a operação. O psicanalista só interviria nos casos difíceis, nos quais sua atuação tomaria um caráter curativo.

Ramos via na educação de base psicanalítica um alcance profilático, que evitaria a neurose e um alcance pedagógico, que modelaria o caráter normal. O ponto essencial da educação de base analítica era o perfeito esclarecimento da sexualidade, que não deveria reprimir demais ou de menos. Concedia, ainda, um lugar de importância para o processo de sublimação:

A energia libidinal primitiva, quando não canalizada nos seus verdadeiros destinos, deve ser aproveitada nas atividades de sublimação, que não é mais do que a derivação de uma função instintiva inferior numa função mais elevada, desde as atividades do trabalho até às mais altas conquistas morais do indivíduo (Ramos, 1934b, p.156).

A sublimação é apresentada como o meio mais eficaz de aproveitamento da libido. "Deve-se procurar alcançar, em cada indivíduo, o seu nível máximo de utilidade para a vida em sociedade, o que seria alcançar a forma perfeita de sublimação" (Nunes, 1988, p.103).

Ramos, como um homem de seu tempo, se aliou ao ideal higienista ao defender a intervenção do saber psiquiátrico no meio escolar com objetivo de corrigir e, principalmente, prevenir "transtornos caracteriológicos que impliquem uma perda ou uma diminuição do rendimento escolar" (Ramos, 1934a, p. 104).

A Psicanálise aparece em seu discurso como uma das novas escolas psicológicas que concede importância fundamental ao estudo da criança. A infância é merecedora de estudos e atenção especial dos pais, educadores, psicólogos e médicos, já que representa a fase de formação da personalidade do futuro adulto.

Na Bahia, o debate sobre a educação infantil foi liderada por Arthur Ramos, mas ele conseguiu angariar adeptos como Hosannah de Oliveira e Lages Netto5. Esses pediatras publicaram artigos e debateram na Sociedade de Medicina Legal, Criminologia e Psiquiatria a aplicação da teoria psicanalítica na compreensão do desenvolvimento e comportamento infantil.

É interessante observar como esses médicos são identificados por seus pares como psicanalistas dissidentes. Lages Netto e Hosannah de Oliveira sempre faziam referências à teoria de Adler em seus textos. Essa teoria, que concede importância fundamental ao meio ambiente na geração de neuroses e questiona o conceito de libido de Freud, parece ter tido uma recepção favorável no meio baiano.

Apesar de nosso autor basear-se, muitas vezes, na teoria de Alfred Adler, seus colegas o reconheciam como um psicanalista ortodoxo. José Júlio Calasans (1934), psiquiatra baiano, por exemplo, se colocava em franco desacordo teórico com Ramos: "Somos psicanalistas dissidentes, filiados à corrente adleriana ou da 'Psicologia Individual'; e ARTHUR RAMOS - perdoe-nos dizê-lo é ortodoxo dos mais intransigentes [. . .]" (p. 160, grifo do autor). Adolfo Leite (1933) depois de muito elogiar o livro de Arthur Ramos, Estudos de Psicanálise, e de denominá-lo de jovem sábio, escreveu: "Apesar da convicção comunicativa com que escreve Arthur Ramos - verdadeiro apóstolo, ortodoxo das ideias freudianas (a meu ver, o seu único defeito)[. . .]" (p. 144).

 

A psicanálise e a antropologia

Como já vimos, os médicos assimilaram a Psicanálise como uma ferramenta teórica na compreensão do comportamento humano e, também, da realidade brasileira, expandindo seus debates para além da área médica.

No início do século XX, os campos de saber não se encontravam demarcados como nos dias atuais. Havia um entrelaçamento entre Psiquiatria, Medicina Legal e Antropologia. Além disso, o discurso médico tinha uma penetração grande nos debates sobre a questão política primordial no País naquele momento - a transformação do Brasil num país moderno e civilizado.

Assim, os médicos abordaram, sob a luz da Psicanálise, questões diversas como: sexualidade, criminalidade, educação, literatura, fenômenos de grupo e culturas africana e indígena dentre outros. Foi muito ampla a aplicação dos conceitos psicanalíticos.

Porto-Carrero, por exemplo, apoiado no texto, Totem e Tabu, de Freud, discorreu sobre temas sociológicos, buscando compreender questões referentes à organização dos grupos humanos. Também "psicanalizou" a sociedade tomando como base o complexo de Édipo. Abordou temas, como a igualdade dos direitos das mulheres, as revoluções brasileira, francesa e russa, sempre a partir de uma interpretação psicanalítica (Mokrejs, 1993).

No campo da Antropologia, destacam-se os nomes de Arthur Ramos e Roger Bastide, ambos considerados antropólogos e igualmente influenciados pela literatura psicanalítica, porém com grandes contrastes em outros aspectos. Esses autores antropólogos-psicanalistas buscavam compreender como se organizava culturalmente o pensamento das camadas subalternas da sociedade brasileira, tendo por base uma característica vista como tipicamente arcaica ou primitiva, mesmo que relativizassem, até certo ponto, as implicações evolucionistas lineares dessa caracterização (Duarte, 2000).

No cenário intelectual brasileiro da virada do século, atribuía-se o atraso do Brasil ao peso da raça negra ou à sua herança. Contra as interpretações pessimistas, buscou-se uma linha de pensamento que enfatizasse a capacidade de mudança cultural mediante um processo de "educação" generalizada. Essa será a chave analítica do modo de entrada das ideias psicanalíticas no campo intelectual brasileiro e na sua apropriação pela Antropologia segundo Duarte (2000).

A temática sobre o negro e os mestiços emergiu vinculada a uma preocupação com o processo de civilização da nação brasileira. Ressurgiu um interesse pelo tema das relações raciais inserido agora numa nova discussão sobre o País e sua identidade. Nesse momento, o negro tornou-se parte integrante da sociedade brasileira, e como tal passou a ser valorizado.

Diferentemente do debate do final do século XIX, os intelectuais empenhados no estudo das relações raciais a partir dos anos 1930 efetuaram duas alterações importantes nessa discussão. Em primeiro lugar, interpretando a questão racial como sinônimo de relações entre brancos e negros, e, em segundo lugar, redefinindo-as como o contexto privilegiado do surgimento de uma cultura brasileira (Correa, 1998).

Nesse momento em que a Antropologia estava se constituindo, havia uma disputa entre dois grupos representados por Arthur Ramos, na Bahia, e Gilberto Freyre, em Pernambuco.

Para Gilberto Freyre, o importante para compreender o negro era considerá-lo no seio da família patriarcal, da qual era um elemento constitutivo. Para Arthur Ramos, no entanto, era indispensável, do ponto de vista antropológico, distinguir as várias culturas negras introduzidas no Brasil e só depois aprofundar o exame dos fenômenos de aculturação e sincretismo (Barros, 2000).

Os dois divergiam claramente na forma de conceber o estudo do negro na cultura brasileira. A principal crítica de Gilberto Freyre a Arthur Ramos foi contra o seu "psicanalismo". Em 1943, afirmou que Arthur Ramos se tornou um "antropólogo social" quando se libertou de seus preconceitos psicanalíticos (Correa, 1998).

Apesar da disputa, ambos enfatizavam sua desvinculação com o determinismo biológico, repudiando a noção de inferioridade racial. Ao mesmo tempo, no entanto, introduziam noções da eugenia e psicologia, que acabavam por tornar suas frases carregadas das conotações biológicas de que pretendiam se desfazer.

Muitos artigos e livros sobre o tema da cultura negra, etnologia e folclore foram publicados por Arthur Ramos, valendo-lhe o reconhecimento como antropólogo. A partir dessas obras, participou da constituição e institucionalização da Antropologia no Brasil enquanto um campo de saber especializado. De 1937 em diante, a preocupação com o estudo das relações raciais assumiu tal importância na sua produção intelectual que ele passou a se definir, com frequência cada vez maior, como antropólogo, afastando-se da Medicina.

 

Arthur Ramos Antropólogo

Arthur Ramos iniciou seus estudos sobre o negro a partir de pesquisas sobre a religião, entendendo ser esse o melhor caminho para se penetrar na psicologia de um povo. Acreditava que essa via conduziria aos estratos profundos do inconsciente coletivo, desvendando a sua base emocional comum, o verdadeiro dínamo das realizações sociais. O estudo da religião dos negros, portanto, permitiria conhecer uma pequena ponta da psique coletiva do brasileiro.

Seu estudo fundamentou-se na ideia de que, do ponto de vista psíquico, a cultura africana apresentaria uma mentalidade pré-lógica, conceito elaborado por Levy-Bruhl, caracterizada por um funcionamento indiferente ao princípio da contradição, e sua relação com a realidade estaria impregnada de crenças em forças e influências imperceptíveis. A mentalidade pré-lógica pode coexistir ao lado dos elementos lógicos. O pensamento lógico não suplanta inteiramente o pré-lógico.

Baseando-se no texto de Freud, Totem e Tabu, Arthur Ramos relacionou os conceitos de onipotência das ideias e mentalidade pré-lógica. Freud observou que o pensamento do homem primitivo é caracterizado pela onipotência das ideias, que julga manipular e transformar o mundo exterior unicamente pelo seu pensamento. O primitivo tem a crença no domínio mágico do mundo.

Segundo Arthur Ramos (2001), as crenças religiosas do negro em espíritos, deuses, demônios "seriam projeções do seu mundo subjetivo de desejos, criações do seu inconsciente e as atividades mágicas surgem da convicção inconsciente de poder influenciar as forças exteriores" (p.238).

Para Arthur Ramos (2001), os povos negros e índios eram caracterizados como primitivos e arcaicos. Ele alertava, no entanto, que esses conceitos "são puramente psicológicos e nada têm a ver com a questão da inferioridade racial" (p.32). Se ele, por um lado, não tratou da questão do negro em termos de inferioridade ou superioridade racial, por outro, ainda elaborou seu pensamento a partir da teoria do evolucionismo social, expondo uma escala hierárquica na qual as formas religiosas mais adiantadas absorviam as mais atrasadas.

Segundo Schwarcz (2001), a teoria evolucionista social supunha uma origem única da humanidade (teoria monogenista), porém hierarquizava raças e povos em função de seus diferentes níveis mentais e morais. "Segundo os evolucionistas sociais, em todas as partes do mundo a cultura teria se desenvolvido em estados sucessivos, caracterizados por organizações econômicas e sociais específicas" (p. 57). Toda a humanidade passaria por estágios que seguiam determinada direção, indo do mais simples ao mais complexo. Essa teoria se contrapunha ao darwinismo social, que preconizava que o progresso estaria restrito às sociedades puras e livres da miscigenação, deixando a evolução de ser entendida como obrigatória.

A teoria evolucionista social revelava otimismo diante da possibilidade de um povo "tornar-se civilizado". Uma educação lenta do meio poderia modificar a mentalidade do primitivo. "O trabalho da cultura consegue modificar e aperfeiçoar certos tipos de mentalidades, substituir categorias psicológicas, transformar uma representação coletiva em formas mais adiantadas de pensamento" (Ramos, 2001, p.123).

Nesse sentido, o folclore seria uma sobrevivência dos elementos pré-lógicos do pensamento da cultura primitiva que persistem no esforço desta pela sua afirmação. Os mitos africanos, por exemplo, passaram por deformações para se adaptarem à sociedade brasileira. No entanto, conservaram elementos dinâmico-emocionais de suas origens, fragmentaram-se e passaram ao folclore, encontrando nele uma forma de expressão.

Arthur Ramos entendia o folclore como a válvula que o povo negro encontrou para se comunicar com a "civilização branca". Através das festas populares, o negro canalizou seu inconsciente ancestral, encontrando a ocasião para revelá-lo. O carnaval era o exemplo maior, pois, nessa festa, crenças, sentimentos e desejos não tolerados na vida comum encontrariam uma forma de se manifestar.

As leis de formação do folclore poderiam ser esclarecidas pela aplicação da teoria freudiana da evolução da libido. Nosso autor analisou os mitos iorubas e mitos ameríndios, concluindo que na mítica indígena predominavam as fantasias pré-genitais e pré-edipianas, enquanto nos mitos negros de origem nagô já surgiam conflitos derivados da situação edipiana.

Pela Psicanálise, Arthur Ramos (2001) explicou a significação simbólica inconsciente dos mitos. A crença em deusas-mães é uma crença generalizada_ em todos os povos e em todos os tempos. Os índios têm as lendas da Iara; os negros, Yemanjá; e os europeus, a lenda germânica da sereia que atrai com seu canto o descuidado remeiro ao fundo das águas.

Ele demonstrou que, estudando os mitos nas fontes originais, sempre encontramos, nitidamente, os motivos edipianos. O feitiço de Yemanjá ou o canto da sereia poderiam ser compreendidos como a atração incestuosa, o desejo inconsciente de voltar ao regaço materno. Como o incesto é tabu, ele é violentamente punido, podendo chegar à morte.

Arthur Ramos interpretou várias histórias populares à luz da Psicanálise. Muitas vezes, as histórias apresentavam os elementos do complexo de Édipo deformados devido ao recalcamento desse complexo.

Em seus estudos inicias, Arthur Ramos fez uso da teoria de Freud e de Lévy-Bruhl na interpretação dos mitos africanos, da música, da dança e do fenômeno da possessão.

Posteriormente, ao longo de sua carreira como antropólogo, abandonou ambas as teorias, adotando o culturalismo na compreensão da vida da população negra brasileira (Barros, 2000).

 

Considerações finais

De fato, a Psicanálise surgiu no cenário brasileiro vinculada aos artistas do Movimento Modernista, vanguarda intelectual brasileira, e aos psiquiatras que buscavam uma teoria científica que desse conta daqueles problemas que se apresentavam no momento: compreender e transformar o Brasil numa nação civilizada e moderna.

Para essa elite nacional que discutia a identidade brasileira incluindo temas sobre grupos sociais como os negros, os loucos e as crianças, a Psicanálise oferecia uma perspectiva de mudança e de tratamento para problemas antes considerados de difícil solução pelas teorias que lidavam com conceitos como o de degeneração ou conceitos contaminados por valores morais.

A assimilação da teoria psicanalítica, porém, se deu de forma singular no meio médico brasileiro. A princípio, o interesse e o estudo dessa teoria foram antes pelo seu caráter descritivo e explicativo que pela sua aplicação terapêutica. Desse modo, no hospital psiquiátrico, espaço per excelence de domínio da Psiquiatria, a Psicanálise enquanto método de tratamento não foi aplicada. No máximo, foi usada enquanto teoria explicativa. Seu uso no embasamento da intervenção médica aconteceu, sobretudo, nas clínicas de orientação infantil. Nos consultórios particulares, a Psicanálise, na maioria das vezes, era uma extensão da clínica psiquiátrica.

Num primeiro momento, a formação psicanalítica nos padrões exigidos pela IPA não se colocou como imprescindível. Veio a ser considerada como fundamental num segundo momento quando a teoria da Psicanálise já estava semeada, mais "digerida" e, provavelmente, quando cresceu o interesse pela sua aplicação terapêutica. Assim, o reconhecimento do psiquiatra como psicanalista se dava apenas pelo seu estudo e defesa de tais ideias, sem necessidade de uma formação específica. Arthur Ramos, por exemplo, era considerado por seus colegas um psicanalista, ortodoxo, ainda por cima, mesmo sem a formação especializada.

Os conceitos da teoria psicanalítica foram amplamente usados na explicação não só do comportamento do doente mental, mas, principalmente, de problemas políticos e sociais. A partir de 1937, esse modo de inserção da Psicanálise se modificou, quando foi fundada a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo com a chegada da analista didata, Adelheid Koch, para começar a formação do profissional. O surgimento dessa Sociedade pode ser considerado um marco na organização do campo psicanalítico no Brasil.

A reorganização do campo psicanalítico, ao questionar quem poderia ser psicanalista, afastou os "leigos" e mesmo os médicos reconhecidos como psicanalistas, mas que não se interessaram em submeter-se ao processo de formação. Desse modo, Arthur Ramos acabou por se afastar do campo teórico da Psicanálise e migrou para a Antropologia, área que estava se delineando e se oferecia como um espaço de atuação socialmente relevante.

Arthur Ramos, durante sua vida profissional, percorreu um caminho intelectual que o levou da Medicina à Antropologia. Em 1926, ele se formou em Medicina, atuando nos campos da psiquiatria e da medicina legal. A partir de 1934, quando se mudou para o Rio de Janeiro, atuou como higienista em um serviço de atendimento a crianças com dificuldades escolares. Paralelamente a esses estudos e atuações profissionais, desenvolveu pesquisas sobre a cultura negra. De 1937 em diante, foi se dedicando, cada vez mais, aos seus estudos sobre a cultura e folclore, até que acabou por se especializar em Antropologia, área ainda em constituição.

Durante a fase inicial de sua produção, predominava a abordagem psicanalítica. Chegou a publicar, inclusive, textos de vulgarização da teoria. Em suas pesquisas sobre a cultura negra, também a Psicanálise foi a teoria que usou na interpretação dos fenômenos religiosos, mitos e sabedoria popular.

Além de leitor e divulgador das teorias psicanalíticas, Arthur Ramos se apropriou dos conceitos da Psicanálise, utilizando-os segundo suas necessidades teóricas e metodológicas, chegando a criar o conceito de inconsciente folclórico. Este foi fundamental na sua análise da loucura e da cultura negra brasileira.

A partir de 1937, no entanto, ele abandonou a teoria psicanalítica na interpretação da cultura negra. Em seu livro As Culturas Negras no Novo Mundo (2013), publicado em 1936, por exemplo, Ramos já não fez referencias à Psicanálise.

Na Bahia, Arthur Ramos foi, de fato, o maior defensor e divulgador da psicanálise durante os anos 1920 e 1930. Aplicou essa teoria à compreensão dos seus temas de estudo, além de ter divulgado os acontecimentos nacionais e internacionais sobre a Psicanálise. Depois, no Rio de Janeiro, sabe-se que ele continuou a publicar textos sobre psicanálise na Revista Médica da Bahia. Porém, ainda se faz necessária uma pesquisa que avalie a difusão da Psicanálise nesse Estado após a sua partida.

Como já foi dito, muitas pesquisas não consideram o discurso desses psiquiatras-psicanalistas como um discurso psicanalítico, seja porque esses médicos não haviam passado pelo processo de formação legitimado pela IPA, seja pela forma como foram utilizados os conceitos freudianos. Porém, é fundamental no estudo da história das ciências, sobretudo em países receptores das teorias formuladas na Europa e Estados Unidos, não tomar como modelo de referência a forma e difusão da ciência em seu país de origem; senão, buscando o esperado, não encontramos o realizado (Figueroa, 1997). Nesse sentido, desvaloriza-se todo o trabalho de estudo e divulgação da teoria psicanalítica pelos psiquiatras que se empenharam em assimilar e incorporar a teoria ao pensamento psiquiátrico da época, semeando o surgimento do Movimento Psicanalítico.

A desvalorização desse discurso traz a questão do que é ou não Psicanálise, o que se constitui como ponto de disputa na hegemonia do campo psicanalítico. Como alerta Russo (1993), essa questão é muito mais uma disputa política do que uma questão sobre o estatuto de verdade do discurso.

Não há dúvida de que a chegada das ideias psicanalíticas produziu um impacto sobre os processos culturais locais, assim como a assimilação dessas ideias aconteceu a partir de "negociações" entre a cultura dominante e seus interesses na solução de problemas referentes à modernização do País.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Maria Odete de Siqueira Menezes
E-mail: odete_menezes@hotmail.com

Artigo recebido em: 13.4.2014/4.13.2014
Aprovado para publicação em: 20.4.2014/4.20.2014

 

 

 

* Psicóloga clínica, especialista em Psicologia da Saúde: hospitalização e desenvolvimento humano, mestre em Estudos Interdisciplinares em Ciências e Educação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente trabalha com psicologia clínica em consultório e como psicóloga no Hospital Walfredo Gurgel. Endereço: Av. Getúlio Vargas, 550/202, Petrópolis - Natal/RN.
1 Muitos psiquiatras e educadores que participaram do processo de estudo e divulgação da teoria psicanalítica também participaram da constituição do campo da Psicologia, a exemplo de Maurício de Medeiros, Franco da Rocha, Durval Marcondes, Medeiros e Albuquerque, e Arthur Ramos dentre outros.
2 Juliano Moreira (1873-1933) se formou em Medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia. Em 1896, prestou concurso para professor, integrando o quadro de professores dessa instituição. No início do século XX, mudou-se para o Rio de Janeiro e, em março de 1903,foi nomeado diretor do Hospício Nacional de Alienados. Ele fundou várias associações e sociedades médicas na Bahia e no Rio de Janeiro, além de revistas médicas.
3 Nina Rodrigues (1862-1906), fundador da Medicina Legal no Brasil, foi professor na Faculdade de Medicina da Bahia. Aí, realizou muitos estudos sobre o negro e a cultura africana. A partir dele, o negro passaria a ser considerado um objeto de estudo da ciência.
4 O Movimento de Higiene Mental surgiu nos Estados Unidos, com Clifford Beers, americano que sofreu vários internamentos em hospitais para doentes mentais. Em 1908, ele fundou, em Connecticut, um grupo chamado Comitê Nacional de Higiene Mental e, no ano de 1919, formou-se o Comitê Internacional de Higiene Mental, que propunha um tratamento mais humanizado aos pacientes internados em hospitais psiquiátricos. Esse Movimento recebeu uma influência muito grande da Psicanálise após a visita de Freud ao País em 1909.Ao final da Primeira Guerra Mundial, o Movimento de Higiene Mental passou por um incremento por meio da criação de Ligas em muitos países do mundo ocidental.
5 Hosannah de Oliveira concluiu seu curso de Medicina em 1927 na Faculdade de Medicina da Bahia e ingressou como professor da cadeira de Pediatria em 1931. Amigo pessoal de Ramos, resenhou seus livros, acompanhando a sua produção teórica. Como redator da Revista Médica da Bahia, continuou a publicar artigos de Ramos depois de sua mudança para o Rio de Janeiro. J. Lages Netto, pediatra, foi apresentado como médico do Asilo de Mendicidade da Bahia. Produziu muitos textos, publicando-os em vários periódicos médicos baianos, sempre abordando temas ligados à clínica pediátrica. Dominava a língua alemã, mudando-se para a Alemanha no início dos anos 1930. De Berlim, escrevia cartas nas quais descrevia e comentava o sistema de saúde alemão, que foram publicadas na Revista Médica da Bahia. Os dois pediatras eram membros da Sociedade de Medicina Legal, Criminologia e Psiquiatria da Bahia.