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Analytica: Revista de Psicanálise

On-line version ISSN 2316-5197

Analytica vol.3 no.4 São João del Rei Jan. 2014

 

DOSSIÊ

 

Contribuições para uma historiografia da psicanálise em Minas Gerais

 

Contributions to a historiography of psychoanalysis in Minas Gerais

 

Contributions à une historiographie de la psychanalyse aux Minas Gerais

 

Aportes para una historiografía del psicoanálisis en Minas Gerais

 

 

Rodrigo Afonso Nogueira Santos*; Fuad Kyrillos Neto**

Universidade Federal de São João del-Rei - UFSJ - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

No texto, é feita a comunicação preliminar de uma pesquisa, atualmente em desenvolvimento, tendo como objeto a história da psicanálise em Minas Gerais. Inicialmente, a psicanálise chegou a Minas Gerais pelas mesmas vias em que ela chegou ao Brasil: a psiquiatria e o modernismo. Apresentam-se os primeiros esboços de um trabalho clínico realizado nesse Estado e, posteriormente, o percurso da primeira escola de formação psicanalítica. Por fim, toma-se como hipótese de trabalho a influência de certas características políticas e sociais do estado de Minas Gerais - o catolicismo e o conservadorismo - sobre a chegada da psicanálise nesse Estado, inclusive como resistência à chegada de uma instituição vinculada à IPA. Esse movimento é realizado na tentativa de se compreender o motivo de uma escola, fundada em bases cristãs, ter encontrado espaço em Minas Gerais, já na década de 1960, enquanto uma instituição ipeísta só chegou a essa região 30 anos depois. Essa vinculação entre psicanálise, conservadorismo e catolicismo nos parece ser a peculiaridade da entrada da psicanálise em Minas Gerais.

Palavras-chave: História da psicanálise; Minas Gerais; Instituições psicanalíticas.


ABSTRACT

In the following text, it is performed a preliminary communication of a current in development research regarding the history of psychoanalysis at Minas Gerais. At first, the Psychoanalysis came to Minas Gerais by the same way it came to Brazil: Psychiatry and Modernism. It is presented the first draft of a clinical work realized in this state and, afterwards, the trajectory of the first school of psychoanalytic formation. In the end, it is taken as work hypothesis the influence of certain political and social characteristics of the Minas Gerais state - the Catholicism and Conservadorism - on the implementation of Psychoanalysis in the state,  including as resistance to the coming of an institution bound to IPA. This movement is realized as an attempt of comprehending the reason of a school founded on Christians basis had found an nourishing environment in the 1960s' Minas Gerais, while a institution linked to IPA only came to this region thirty years later. This articulation between Psychoanalysis, Conservadorism, and Catholicism seems to be the peculiarity of the entrance of Psychoanalysis in Minas Gerais.

Keywords: Psychoanalysis History; Minas Gerais; Psychoanalytical Institutions.


RÉSUMÉ

Dans ce texte, nous ferons une communication préliminaire sur une recherche actuellement en cours, ayant le pour objet l'histoire de la psychanalyse aux Minas Gerais. Initialement, la psychanalyse y est arrivée de la même façon qu'elle est arrivée au Brasil, par le biais de la psychiatrie et du modernisme. Nous présenterons les premières ébauches d'un travail clinique réalisé dans cet État et ensuite le parcours de la première école de formation psychanalytique. Enfin, nous prendrons comme hypothèse de travail l'influence de certaines caractéristiques politiques et sociales du État de Minas Gerais - le catholicisme et le conservatisme - sur l'arrivée de la psychanalyse dans cet État y compris la résistance à la venue d'une institution liée à IPA. Cette démarche est réalisée dans le but de comprendre pourquoi une école fondée sur des bases chrétiennes a pu se développer aux Minas Gerais au début des années soixante, alors qu'une institution Ipeísta n'a pu s'y implanter que 30 ans plus tard. Ce lien entre la psychanalyse, le conservatisme et le catholicisme nous semble être une spécificité de l'implantation de la psychanalyse aux Minas Gerais.

Mots-clé: L'histoire de la psychanalyse; Minas Gerais; Les institutions psychanalytiques.


RESUMEN

El texto está tomado de la declaración preliminar de la investigación actualmente en desarrollo , teniendo como objeto la historia del psicoanálisis en Minas Gerais. Inicialmente el psicoanálisis llegó a Minas Gerais en la misma forma en que llegó a Brasil : la psiquiatría y el modernismo . Se presentan los primeros bosquejo de un estudio clínico llevado a cabo en este estado, ya partir de entonces , la ruta de la primera escuela de formación psicoanalítica . Por último , se toma como hipótesis de trabajo la influencia de ciertas características políticas y sociales del estado de Minas Gerais - el catolicismo y el conservadurismo - sobre la llegada del psicoanálisis en este estado , así como la resistencia a la llegada de una institución vinculada a la IPA . Este movimiento se lleva a cabo en un intento de entender por qué una escuela fundada sobre bases cristianas tiene encontrado espacio en Minas Gerais desde la década de 1960 , mientras que una institución Ipeísta sólo llegó a esta región 30 años después. Este vínculo entre el psicoanálisis , el conservadurismo y el catolicismo parece ser una peculiaridad de la entrada del psicoanálisis en Minas Gerais.

Palabras claves: Historia del psicoanálisis; Minas Gerais; Instituciones psicoanalíticas.


 

 

Introdução

O presente artigo se constitui como uma comunicação preliminar da pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei, intitulada "A história da apropriação das ideias psicanalíticas no Brasil: contribuições para a construção de uma historiografia da psicanálise em Minas Gerais".

Podemos afirmar, até o presente momento, que a entrada de noções psicanalíticas em Minas Gerais se deu de modo semelhante ao que ocorreu nas demais regiões do País, tal como nos aponta a historiografia da psicanálise no Brasil. A preocupação com essa historiografia se dá pelo fato de ela se constituir como campo de problemas que oferece diversas contribuições para compreendermos o atual modo como se organiza o campo psicanalítico em nosso País. Assim, entendemos que conhecer como se deu essa história, seus caminhos e descaminhos, é fundamental para uma compreensão acerca dos atuais debates, tanto teóricos quanto institucionais, que envolvem a psicanálise (Birman, 1988).

Nessa historiografia, um ponto que se destaca é a respeito dos modos pelos quais foi possível a apropriação dos conceitos psicanalíticos no início do século XX. Vemos que esse processo se deu a partir de duas vertentes distintas, ambas relacionadas a propostas que pretendiam produzir respostas a questões acerca da identidade do homem brasileiro: pela via da psiquiatria e pelo movimento modernista. No caso da primeira, vimos alguns conceitos psicanalíticos (como a sexualidade infantil e a sublimação) serem incorporados em um projeto médico e político de controle das populações; já, no segundo caso, vemos a psicanálise fornecer algumas noções (tais como o inconsciente e a teoria freudiana da horda imaginária) que serviram de base para as críticas sociais feitas pelos modernistas (Nunes, 1988; Rocha, 1989; Mokrejs, 1992; Facchinetti, 2002; Oliveira, 2006). É interessante notar aí que ambas as vertentes trazem a marca de se situar no debate em torno da construção de uma identidade para o Brasil, tendo em vista as profundas transformações políticas ocorridas nos fins do século XIX, que levaram à instauração da república. Por um lado, a psiquiatria fortalece seus laços com o Estado e busca expandir seus domínios cada vez mais em direção à sociedade, muitas vezes, aliada a um discurso eugenista na tentativa de controlar a doença mental, a partir da eliminação da miscigenação (Costa, 2007) e dar uma cara europeia ao Brasil; por outro, o movimento modernista se situa na contramão dessa proposta, sustentando a necessidade da construção de uma identidade eminentemente brasileira, que teria na miscigenação uma de suas principais riquezas (Cantarino, 2012). Dessa forma, a psiquiatria vai buscar na psicanálise alguns elementos para fazer corpo a esse projeto, mas com significativas modificações, de modo que o saber psicanalítico passa a ser um elemento a mais em um projeto tanto médico quanto político elaborado pelo establishment psiquiátrico do Brasil do começo do século XX (Nunes, 1988). Por sua vez, os modernistas vão construir suas bases em uma leitura peculiar de algumas noções freudianas, principalmente na leitura de Totem e Tabu, A Interpretação dos Sonhos e os Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade (Oliveira, 2006).

Outra questão tomada por nós como fundamental para se compreender a apropriação das ideias psicanalíticas no Brasil é a impossibilidade de se pensar esse processo de modo unificado no País. Oliveira (2006) aponta que, no Brasil, o processo de implantação da psicanálise se desenvolveu de um modo fragmentado e bastante diversificado, e isso se deu por diversos motivos: a temporalidade (oficialmente, as ideias freudianas circularam apenas no Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre por muito tempo), às particularidades inerentes ao processo de urbanização de cada região e às diferentes filiações culturais dos intelectuais de cada região. Assim, só se torna possível pensar uma história da implantação da psicanálise no Brasil ao se considerar que cada região se apropriou desse saber a partir de suas próprias características. Conforme será discutido, consideramos plausível a hipótese de que uma das marcas da implantação da psicanálise em Minas Gerais tenha sido a força que o discurso católico possuía neste Estado e, de modo mais amplo, o conservadorismo reinante na cidade de Belo Horizonte na década de 1960.

Essa mesma historiografia aponta ainda para outra característica marcante do processo de apropriação da psicanálise em solo brasileiro. Tal característica se refere à implantação tardia de dispositivos que possibilitassem uma formação psicanalítica aos moldes da International Psychoanalytical Association (IPA) - realização da análise didática, supervisão de dois casos clínicos e cursos técnicos teóricos (Sagawa, 1994) - de modo que a psicanálise se manteve, por cerca de 40 anos, como uma questão interna a campos do saber como a literatura, a psiquiatria ou a pedagogia (Mokrejs, 1992). E mesmo quando essa implantação se deu, a partir de 1950, inicialmente, ela se restringiu a São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, sendo que a expansão para outras regiões só teve início, na década de 1970 (Oliveira, 2002b). Tais afirmações são corroboradas ao considerarmos a realidade da psicanálise no estado de Minas Gerais. Somente em 1993, esse Estado teve um Núcleo de Estudo oficializado pela IPA (Salim, 2010a).

Dessa forma, temos três coordenadas fundamentais para compreender a apropriação do saber psicanalítico no Brasil: a entrada de noções psicanalíticas no país por duas vias distintas (psiquiatria e modernismo) um percurso singular no modo como a psicanálise foi implantada em cada região e uma implantação tardia de dispositivos aos moldes da IPA. É sobre essas coordenadas que se sustentam a presente pesquisa, que se justifica pelo fato de haver uma lacuna no que se refere ao estudo da história da psicanálise em diversos estados, uma vez que a maioria desses trabalhos se restringe a São Paulo (Mokrejs, 1992; Oliveira 2002a, 2002b, 2006; Tadei, 2002), ao Rio de Janeiro (Mokrejs, 1992; Figueiredo, 1988; Facchinetti, 2002; Tadei, 2002; Melloni, 2009) e ao Rio Grande do Sul (Mokrejs, 1992; Gageiro, 2008), ou ainda, à importância dos baianos, como Juliano Moreira e Arthur Ramos, na difusão das ideias psicanalíticas (Perestrello, 1993). Em Minas Gerais, isso se constitui como uma questão de nosso interesse, visto que a psicanálise não passou despercebida nesse Estado, sendo objeto de discussão já na década de 1920.

 

Os primeiros tempos da psicanálise em Minas Gerais

Conforme visto, a psicanálise encontrou espaço no Brasil a partir de propostas de outros campos que buscaram em Freud diversas noções para seu próprio projeto. Dessa forma, Freud começou a ser lido no País como sendo mais uma possibilidade para os interesses atinentes à psiquiatria e ao movimento modernista naquela época.

No que se refere à psiquiatria, vemos ganhar força, no início do século XX, mais especificamente na década de 1920, um discurso voltado ao controle das populações, buscando uma expansão da medicina para o campo da sociedade. Esse discurso, que se sustentava em uma argumentação sobre a necessidade de melhorar as condições sanitárias nas quais a população vivia, buscava destacar e interferir sobre o que eles afirmavam como sendo as causas da doença mental. Assim, influenciado pela Liga Brasileira de Higiene Mental, o estado de Minas Gerais abriu espaço para um discurso psiquiátrico voltado para diversas questões sociais importantes para a medicina da época, vinculando-se, inclusive, a concepções de eugenia, tais como a proposta de proibição da reprodução entre os loucos ou o combate ao alcoolismo (Magro Filho, 1992).

Diante dessa influência, foi criada, no ano de 1932, a sociedade Pestalozzi de Minas Gerais. Ali, apontava-se a necessidade de uma boa educação da criança - inclusive a sexual, no que se refere ao controle dos impulsos - para que fosse possível a ela se tornar um adulto saudável. Dessa forma, notamos, em Minas Gerais, uma importante semelhança com o que foi apontado por Nunes (1988), no Rio de Janeiro, como sendo a partir de uma lacuna na psiquiatria que a psicanálise encontrou espaço, fornecendo elementos para o projeto de controle das populações no que se refere à educação dos impulsos da criança, em um processo de modelagem da sexualidade do infans. Com a devida educação sexual, o desenvolvimento seria saudável, diminuindo a quantidade de adultos com problemas mentais. Assim, houve, nesse movimento, uma assimilação de algumas das teses freudianas, mas que se deu de modo a situar a psicanálise como mais uma ferramenta do campo psiquiátrico sem ameaçar o poder médico psiquiátrico. A psicanálise se tornava apenas mais uma, dentre as várias possibilidades técnicas da psiquiatria, servindo mais como um adjetivo para ressaltar as qualidades e competências do médico, enquanto leitor de Freud ou intérprete dos sonhos do que como um campo com suas coordenadas próprias. Em Minas Gerais, isso pode ser constatado no livro História da Psiquiatria Mineira, de Moretzonh (1989), quando o autor aponta as diversas modalidades terapêuticas utilizadas pela psiquiatria, situando a psicanálise ao lado de técnicas como a psicocirurgia, a eletroconvulsoterapia ou mesmo a contenção física.

No entanto, apesar de a psicanálise circular pelo meio psiquiátrico brasileiro mais como adjetivo do que como uma proposta clínica específica, vemos surgir, em Belo Horizonte, no ano de 1925, um projeto que buscava trazer ao Brasil a riqueza da proposta freudiana em seus próprios termos sem buscar adequá-la a outro campo. Essa é a ideia do psiquiatra Iago Pimentel, que tinha como objetivo justamente apontar os equívocos aos quais o nome de Freud se prestava no Brasil. Afirmando ser "a doutrina de Freud, ou psycho-analyse, tão divulgada, tão mal conhecida e tão mal interpretada" (Pimentel, 1925, p. 14), esse psiquiatra mineiro se propõe a publicar a primeira tradução de um texto psicanalítico no Brasil, escolhendo para isso trechos das conferências "feitas pelo próprio Freud, em 1909, na Universidade de Clark, nos Estados Unidos, cuja publicação iniciaremos no próximo número desta revista e onde se acham sucintamente expostos todo o histórico e evolução da doutrina" (ibidem).

Esse projeto foi apresentado na segunda edição do periódico modernista A Revista (editada pelo Carlos Drummond de Andrade em Belo Horizonte), seguido de uma discussão metapsicológica a respeito de diversas noções freudianas, como consciente e inconsciente, resistência, dinamismo da vida psíquica e sexualidade, entre outras. Vemos, aqui, um importante movimento para a apropriação da psicanálise em Minas Gerais, já que esse foi um projeto organizado por um psiquiatra, que encontrou espaço em uma revista modernista, o que mostra as ideias freudianas circulando pelas duas vias que se constituíram como as portas de entrada das noções psicanalíticas no Brasil. A peculiaridade desse movimento reside no fato de que não houve, aqui, uma "descaracterização" da psicanálise em prol dos projetos políticos próprios a esses campos, visto que Pimentel buscava justamente divulgar e dar a conhecer a lógica própria que organiza os conceitos psicanalíticos a partir da tradução literal de textos freudianos. Assim, na próxima edição d'A Revista, publicada em 1926, deu-se início a tradução de Pimentel das Cinco lições de psicanálise direto do alemão. No entanto, esse projeto não teve continuidade, dado que esse foi o último número da revista, que teve sua publicação interrompida na terceira edição.

Após esse primeiro movimento de trabalho com a psicanálise em Minas Gerais, vemos novamente as ideias de Freud circular por outra revista modernista, a Verde, da cidade de Cataguases. Essa revista, em seu quinto número, de janeiro de 1928, um texto chamado "Papel do instinto no mundo atual. Freud", assinado pelo escritor Ascânio Lopes. Nesse texto, vemos o autor mostrar conhecimento do que estava sendo discutido à época pelo próprio Freud, em trabalhos como Psicologia das massas e análise do Eu (1922), O futuro de uma ilusão (1927) e Mal-estar na civilização (1929), uma vez que Lopes versa tanto sobre a importância do instinto sexual na vida dos sujeitos, enquanto força que leva à união, quanto sobre o fato de os humanos terem de abrir mão de uma parcela de satisfação instintual para que haja a possibilidade de convivência em sociedade (Lopes, 1928). Esse texto, escrito por um modernista do interior de Minas Gerais, traz a característica da apropriação da psicanálise para o projeto desse movimento artístico, visto que se insere numa ampla discussão acerca da sociedade e do Estado (Sant'Ana, 2006). Nessa mesma edição, cita-se o nome de Freud em um comentário do livro A estrella de absintho, de Oswald de Andrade, quando esse autor descreve que a marca dos personagens é "temperamento ultrassensual (Freud...) de onanista insaciável. Etc. Decadência moral, objetivada pelo excesso de «caricias hajbituaes». Esgotamento histérico. Nevrose etc e, daí, a descoberta de um novo mundo nos seios «em pêra», pequenininhos, de Alma" (Lobo, 1928 p. 23).

Dois anos mais tarde, na primeira (e única) edição da Verde, publicada durante sua segunda fase, após a morte prematura de Ascânio Lopes, em uma edição realizada em sua homenagem, vemos, no texto de Alceu Amoroso Lima - sob o pseudônimo de Tristão de Athayde - a respeito do dramaturgo italiano Pirandello, o nome de Freud ser tomado como uma das referências para o trabalho. O autor, dissertando acerca das características da obra de Pirandello, afirma que o homem, nessa perspectiva, é algo que não aparece enquanto modelo unificado, mas enquanto um ser fragmentado (Lima, 1929). É a respeito dessa noção de homem que surge a primeira comparação com Freud, uma vez que o homem pirandelliano é, para o autor, um homem moderno, "o mesmo que Freud revelou em suas sondagens" (p. 19).

Mas as referências a algumas noções freudianas não ficam por aí, já que o autor também critica o suposto movimento realizado por Freud da passagem de uma noção de sexualidade para uma leitura pansexualista da vida humana (Lima, 1929). A respeito da questão do pansexualismo freudiano, Oliveira (2002a) aponta o quanto essa noção estava em voga no Brasil, na década de 1920, sendo a marca do livro O pansexualismo na doutrina de Freud, de Franco da Rocha. No entanto, essa noção apresenta "equívocos1" quanto ao que é de fato a teoria psicanalítica da sexualidade e foi perdendo força, a partir da década de 1930, quando, por influência de Durval Marcondes, Franco da Rocha alterou o título de sua obra para simplesmente A doutrina de Freud.

Além de A Revista e a Verde, temos ainda outro periódico circulando pela cena modernista mineira no qual o nome de Freud surge. Estamos falando do Leite Criôlo, periódico que inicialmente tomou a forma de um tabloide e, posteriormente, de um suplemento dominical do Estado de Minas, no ano de 1929. Vemos esse grupo modernista próximo ao grupo da Revista de Antropofagia de São Paulo, tal como destaca Duarte (2011). É, inclusive, em relação ao movimento antropofágico, em que foi publicado, em 15 de setembro de 1929, um texto de João Alphonsus, intitulado "De Negra Fulô a Freud", no qual o autor aponta tal movimento como um fato passado (M. Filho & Cabral, 2012). Esse texto marca um distanciamento do grupo ligado à revista Leite Criôlo do Movimento Antropofágico. Leite Criôlo advoga que a posição primitivista deve prevalecer no movimento modernista em detrimento da antropofágica.

Após esse momento inicial, que nos aponta para uma similaridade entre os modos pelos quais a psicanálise foi apropriada no Brasil, em geral e no estado de Minas Gerais, vemos surgir, ao longo da década de 1930, uma mudança de perspectiva no tocante à leitura de Freud. Com a política de Vargas, houve um movimento de sedução dos intelectuais para uma valorização do aspecto técnico do conhecimento, de um modo geral, que atingiu a psicanálise no que tange à ausência de uma preocupação clínica nos debates nos quais ela estava envolvida. Influenciados também pela correspondência de Durval Marcondes (médico, estudante e divulgador da psicanálise em São Paulo) com Freud, em que este indicava a importância de uma formação clínica aos moldes da IPA para a psicanálise brasileira, vemos o debate em torno da identidade nacional se enfraquecer por parte dos modernistas (Facchinetti & Ponte, 2003). Assim, com essa valorização da técnica decorrente da política brasileira, e da ênfase na formação clínica dada pelo próprio Freud, os intelectuais modernistas foram se distanciando cada vez mais da psicanálise, chegando à ruptura com as noções freudianas, como nos aponta Mário de Andrade, em correspondência a Álvaro Lins, datada de 4 de julho de 1942:

Ultimamente, dei para achar paupérrima a psicanálise. Não acho errada, não, acho paupérrima. Esse mundo imenso do ser humano ficou reduzido à meia dúzia de noções gerais e genéricas, que não esclarecem nada, são mesquinhas, tipo de generalizações conformistas e acomodatícias da pequena burguesia (Andrade, 1983, p. 66).

Assim, desse abandono da psicanálise pelos modernistas, vemos surgir, em São Paulo e no Rio, uma discussão mais voltada à clínica psicanalítica. Em Minas Gerais, isso também ocorreu, visto que, em meados da década de 1940, moravam, em Belo Horizonte, duas pessoas que discutiam temas relacionados à psicanálise sem a leitura modernista ou psiquiátrica tal como realizada anteriormente: o austríaco Karl Weissman e o médico Leão Cabernite. Weissman era um hipnoterapeuta que se interessava por psicanálise, havendo escrito, no ano de 1937, juntamente com Gastão Pereira da Silva, um livro chamado O dinheiro na vida erótica, livro que lhe rendeu uma carta escrita pelo próprio Freud, em 21 de março de 1938 (Jones, 1989). Além disso, Weissman trabalhava na penitenciária de Ribeirão das Neves, tendo sua prática embasada na psicanálise (Weissman, 1958; Salim, 2010a). Já Cabernite era um médico que se interessou por psicanálise ainda em seu período de formação médica. Conforme explica em uma carta a Salim, Cabernite publicava, em 1944, textos psicanalíticos na Folha de Minas, havendo procurado Weissman para estudar alemão e discutir psicanálise, matéria então desconhecida do público em geral (Salim, 2010a).

Nos fins da década de 1940, Weissman iniciou contato com o psicanalista didata da IPA, Werner Kemper, que havia se mudado da Alemanha para o Rio de Janeiro. Nessa época, Cabernite se mudou para o Rio de Janeiro, a fim de fazer sua especialização médica naquela cidade, onde também praticava psicanálise, voltando a Belo Horizonte após a conclusão de sua formação. Na sua volta a Minas Gerais, Cabernite passou a atender em psicanálise, na cidade, sendo que o cunhado de Weissman, Paulo Dias Correia, também a praticava.

Assim se deu o começo da década de 1950, até o momento em que Kemper realizou uma viagem ao estado de Minas Gerais, quando Cabernite teve a oportunidade de solicitar ao alemão uma vaga para formação em psicanálise, no Rio de Janeiro, iniciada pouco tempo depois. Essa formação na Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro culminou na mudança de Cabernite para a capital carioca. Nesse período, Paulo Dias se mudou para São Paulo, onde buscou também fazer sua formação em psicanálise (Salim, 2010a; Moretzonh, 1989). Da mudança de ambos, ficou em Belo Horizonte com uma proposta clínica apenas o médico José Pedro Salomão, à época analisando de Cabernite.

Dessa forma, vemos a psicanálise circular pela medicina de uma maneira diferente da que acontecia anteriormente. Nesse momento, esboçou-se um trabalho clínico por parte de Leão Cabernite e Paulo Dias Correia. A psicanálise também se constituiu como a base do trabalho de Weissman como hipnoterapeuta ou como "psicanalista" da penitenciária de Ribeirão das Neves. No entanto, essa proposta de trabalho clínico se deu sem uma formação especificamente psicanalítica e se constituiu apenas como os primeiros contatos com a psicanálise por parte de Cabernite e Correia, que só viriam a se dedicar a uma formação posteriormente, quando já não residiam em Minas Gerais.

Desse modo, após o momento inicial, no qual as ideias freudianas circularam por entre os discursos da psiquiatria e do modernismo, assim como no esboço de um trabalho clínico, podemos destacar o percurso que levou à primeira instituição de formação psicanalítica em Minas Gerais. Seu histórico nos remete à Viena, às vésperas da Segunda Guerra Mundial.

 

A primeira instituição de formação psicanalítica de Minas Gerais: as origens do Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda

No ano de 1938, com a anexação da Áustria à Alemanha do Terceiro Reich, seguiu-se uma intensa perseguição dos judeus, o que levou Freud a se mudar de Viena para Londres, cidade na qual viria a falecer um ano depois. Nesse contexto, durante o período da Segunda Guerra Mundial, as ideias freudianas foram mantidas vivas em Viena por alguns poucos adeptos à teoria psicanalítica. Podemos destacar o nome de Igor Caruso, responsável juntamente com o barão Alfred Von Winterstein e o conde Wilhelm Solms-Rödelheim, pela resistência à política de colaboração preconizada por Ernest Jones, assim como pela reestruturação da Sociedade Psicanalítica de Viena, grupo criado por Freud, no ano de 1908, e vinculado à IPA (Roudinesco & Plon, 1998). No entanto, Caruso logo começou a se distanciar da Sociedade Psicanalítica de Viena, dado o modelo fechado de se pensarem as ideias de Freud nas sociedades ipeístas. Caruso defendia "uma assimilação da psicanálise na grande tradição ocidental da conduta da alma e era insistente na direção de uma filosofia antropológica de bases cristãs" (Huber, 1981, p. 6). Assim, buscando uma nova direção para se pensar o campo da psicanálise, Caruso fundou, no ano de 1947, o Círculo Vienense de Psicologia Profunda.

Desse modo, podemos observar que o grupo formado por Igor Caruso se constituiu como uma dissidência com relação à IPA. Um dos objetivos iniciais foi fugir do dogmatismo ipeísta e, para tanto, Caruso foi buscar uma articulação entre psicanálise com as ideias de Jung (configurando o que se chamava de psicologia profunda), assim como apoiar tais noções sobre uma concepção integral e universal do homem baseada no existencialismo. Para o sócio do Círculo, era necessário trazer consigo uma rigorosa aplicação da análise psicológica e a síntese existencial sem deixar de lado a possibilidade de trazer para esse debate ideias religiosas, sendo que estas, por vezes, marcavam o clima das reuniões (Huber, 1981).

No entanto, se, nos primeiros anos, teve-se a tentativa de situar os conceitos freudianos sobre bases não-psicanalíticas, a partir da noção de que o pensamento de Freud era demasiadamente ortodoxo (perspectiva influenciada pela IPA), em um novo estatuto do Círculo, no ano de 1953, trouxe-se a afirmação de que

o modelo antropológico de Freud mostra-se, sob o ponto de vista heurístico-metodológico, como passível de execução. As hipóteses de trabalho de Freud não podem ser ultrapassadas pela ideologia, mas devem ser revistas dialeticamente porque elas nos oferecem menos um sistema fechado do que um método prático de exploração da evolução do homem. Daí é o Círculo de Psicologia Profunda de Viena, tal como foi definido nos seguintes artigos, no sentido de Freud, uma sociedade psicanalítica (Huber, 1981, p. 15).

Podemos observar, nesse trecho, uma nova aproximação da formação do Círculo Vienense de Psicologia Profunda com as ideias freudianas a partir do reconhecimento de que a psicanálise não se constitui como um sistema fechado. Vemos que as duas instituições (a IPA e o Círculo) seguem caminhos distintos sem partilharem da mesma leitura dos textos freudianos.

Diante desse quadro, as ideias do Círculo Vienense de Psicologia Profunda chegaram ao Brasil por intermédio de um grupo de pessoas analisadas em Viena (Malomar Lund Edelweiss, Francisco Vidal, Gerda Kronfeld e Sigfried Kronfeld), que convidaram Igor Caruso para um encontro em Pelotas no ano de 1956. Desse encontro, nasceu o Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda, que, posteriormente, viria a ser chamado de Círculo Brasileiro de Psicanálise, primeira instituição no País vinculada ao grupo de Viena (CBP, 2014). É interessante citar aqui que, apesar de já haver a possibilidade de formação psicanalítica na Argentina, onde importantes autores trabalhavam, como Pichón-Riviere, Marie Langer e Angel Garma, o grupo preferiu as ideias de Caruso pelo fato de ele articular a psicanálise com ideias existencialistas e católicas (Mendes, 2013).

Assim, a partir da oficialização do Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda, Malomar - sujeito de religiosidade marcante e maior entusiasta da vinda de Caruso ao Brasil - se mudou para Belo Horizonte, onde "fixou residência, dando-se, sobretudo, ao trabalho de psicoterapeuta, mantendo, além do consultório, intensa atividade docente e grupos de sacerdotes, médicos e psicólogos que o procuram" (UCEPEL, 2013). Após algum tempo trabalhando com psicanálise em Belo Horizonte, Malomar fundou, no ano de 1963, o Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda de Minas Gerais, para trabalhar a formação com alguns de seus analisandos. Cabe apontar aqui que o surgimento do Círculo, no início da década de 1960, corresponde ao período contemporâneo da psiquiatria mineira, apontado por Moretzonh (1989), que foi influenciado justamente pela chegada da psicanálise e das drogas psicotrópicas.

Um ponto curioso é que a formalização de um grupo vinculado ao Círculo de Viena ao Brasil se deu na mesma década da oficialização de uma instituição ipeísta no País. No entanto, se o Círculo chegou a Minas Gerais no ano de 1963 (apenas sete anos após a sua oficialização em Pelotas-RS), a primeira instituição ipeísta, devido às diversas exigências para a sua formação, só veio a se formar em território mineiro em 1993 (Salim, 2010a).

Numa assertiva preliminar, a partir dos fatos pesquisados, afirmamos que uma das características marcantes da chegada de uma instituição de formação psicanalítica em Minas Gerais foi a resistência de uma parte dos psicanalistas a seguir os preceitos da IPA e a aproximação com a concepção de homem do existencialismo, mais palatável para as ideias religiosas presentes no catolicismo marcante desse Estado. O caráter interiorano marcante a Belo Horizonte é ainda ressaltado por Silva (1993) ao afirmar que tal cidade era pacata, as pessoas se conheciam e que lá vivia a tradicional família mineira. Desse modo, reconhecemos a importância de se considerar a atmosfera conservadora reinante em Belo Horizonte nos idos da década de 1960, inclusive ao pensarmos seu papel central no golpe de 1964, que levou o País a uma ditadura militar. Assim, a princípio, parece-nos haver uma forte ligação entre o conservadorismo mineiro e a chegada da psicanálise, a partir de uma leitura cristã, trazida por um sacerdote.

 

A formação em Psicanálise no estado de Minas Gerais: da institucionalização do Círculo Psicanalítico ao Núcleo de Estudos Psicanalíticos de Minas Gerais

Após a fundação do Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda de Minas Gerais, conforme nos aponta Djalma Teixeira em um vídeo feito em homenagem aos 40 anos do CPMG (CPMG, 2003), Malomar se viu diante da resistência de diversos psiquiatras, que diziam que a psicanálise, tal como era praticada e ensinada no Círculo, não podia ser aceita, dada a sua não-vinculação à IPA. Essa resistência se deu pelo fato de já haver sociedades ipeístas em São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro, que, de certa forma, buscavam monopolizar a formação por serem herdeiras diretas da Associação fundada por Freud. Apesar dessa resistência inicial, Malomar seguiu seu trabalho, tendo em Elba Duque de Moura, Djalma Teixeira e Jarbas Portela os primeiros membros em formação do Círculo. Ainda no ano de 1963, Eunice Rangel e Antônio Ribeiro se juntaram ao grupo, fazendo também a análise três vezes por semana e frequentando os grupos de estudos em que era lido Freud, além de diversos filósofos, dentre eles Caruso.

Esse período de implantação do Círculo coincide com a inauguração do Hospital Galba Velloso, que começou a funcionar em Belo Horizonte no ano de 1962. Vemos que o Galba nasceu com uma proposta inovadora em relação à psiquiatria que se fazia no Estado até então, uma vez que, nesse hospital, eram buscadas possibilidades terapêuticas diferenciadas daquelas mais organicistas, praticadas majoritariamente no Estado até então (CPMG, 2003). Essa abertura a novas propostas possibilitou o diálogo da psiquiatria mineira com diversos discursos que antes não teriam espaço, tais como a fenomenologia de Jaspers, a obra de Alonso-Fernandez e a psicodinâmica, referencial que levou os psiquiatras a se aproximarem de Malomar e do Círculo.

Diante dessas condições, diversos médicos buscaram contato com a teoria psicanalítica por intermédio do Círculo, sendo fortemente influenciados pelo diretor do Galba, Jorge Paprocki, que já, em 1966, fazia formação em psicanálise com Malomar e aconselhava todos no hospital a buscarem análise pessoal. Desse contato, vemos uma aproximação entre um determinado setor da psiquiatria e um saber relacionado à clínica psicanalítica tal qual ela encontrou espaço em Minas Gerais. Nomes de psiquiatras que montaram consultórios ou mesmo buscaram construir seu percurso, formando analistas no Círculo, emergem desse contato, como Marco Aurélio Baggio (que fez análise com Célio Garcia e Jarbas Portella) ou Javert Rodrigues (Piccinini, 2006). Ainda dessa relação, temos Eunice Rangel, que fazia formação com Malomar desde 1963 e se constituía como uma das médicas do Galba nessa época.

>Reconhecemos, então, que a psicanálise, enquanto possibilidade clínica, começou a ganhar força em Belo Horizonte em meados da década de 1960. A instituição de formação que havia em Minas Gerais - o Círculo Psicanalítico - oferecia uma formação ampla, que não se restringia somente aos textos freudianos, nem tampouco à classe médica. Nessa época, Ribeiro (CMPG, 2003) aponta que a proposta de textos para as discussões era aberta, não sendo imposta pela pessoa do Malomar, que, apesar de sua rigidez com relação a diversos aspectos, se mostrava liberal quanto a esse ponto em específico. No entanto, com o aumento do número de pessoas que se encontravam em análise e que passaram a buscar sua vinculação ao Círculo, em 1967, passaram a surgir diversos questionamentos com relação ao modelo de formação utilizado até então. Esse modo mais livre e aberto de se formar em psicanálise começou a ser questionado, surgindo a afirmação da necessidade de maior hierarquização e rigidez nas relações estabelecidas no interior do Círculo.

Assim, nos fins da década de 1960, tivemos uma crise nos dispositivos de formação até então utilizados pelo Círculo, da qual emergiu a ideia de trazer Igor Caruso a Belo Horizonte, para serem discutidas novas possibilidades quanto à estrutura da instituição. Dessa visita, que durou um ano e rendeu diversos cursos, ficaram as impressões por parte de Antonio Ribeiro e de Djalma Teixeira de que os encontros poderiam ser mais bem aproveitados, além de um progressivo distanciamento das ideias carusianas e da necessidade de um movimento de retorno ao próprio Freud (CPMG, 2003). Dessas discussões, um ponto que se destaca é a busca da filiação à Federação Internacional de Sociedades Psicanalíticas (federação elaborada como alternativa à IPA), almejada no ano de 1969 em um Congresso no México - que apenas foi conseguida, no ano de 1971, em Madrid (Bicalho, 1996). Ainda, no ano de 1969, foi criada, no Círculo, a Comissão de Análise Didática (CAD), grupo que estruturalmente trouxe a marca da hierarquia anteriormente falada. O objetivo da CAD era, dessa forma, controlar e organizar a formação em psicanálise do Círculo.

Nessa conturbada época para o Círculo, houve, a partir da CAD, uma aproximação com o modelo de formação utilizado pela IPA (com análises didáticas e seminários teóricos), assim como maior centralização do poder e maior distanciamento do Círculo Vienense de Psicologia Profunda. Tal distanciamento ganhou ainda mais força, no ano de 1970, quando o Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda se tornou Círculo Brasileiro de Psicanálise (CBP, 2014), e a instituição mineira passou a se chamar Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. Filiados ao CBP, todos os Círculos Psicanalíticos tinham uma marcante autonomia, e, em Minas Gerais, tal instituição foi ganhando um estilo mais particular a ponto de o psicanalista José Domingues de Oliveira afirmar que seu desenvolvimento foi quase autóctone (CPMG, 2003).

Nas palavras de Malomar, a CAD aproximava o Círculo das sociedades ortodoxas, e seu surgimento marcava uma diferenciação na estrutura de poder da instituição - que antes tinha no sacerdote a única referência - agora haveria vice-presidentes, secretários e tesoureiros. Se, por um lado, o início da década de 1970 marcou essa burocratização no Círculo, em que mais pessoas dividiriam o poder com Malomar, houve também a marca de uma centralização das possibilidades de ocupar tais lugares, já que eles serviam apenas aos didatas. Se, antes, Malomar buscava manter um estilo mais liberal no que se refere à formação, com a CAD e a abertura a novas diretorias, a instituição trouxe a marca de um certo autoritarismo por parte dos didatas.

Essa estrutura se prolongou até o fim da década de 1970, quando uma nova crise levou ao questionamento da CAD e do privilégio de apenas os didatas poderem se candidatar à presidência. Se, ao longo dos anos 1970, nas palavras de Antonio Ribeiro, a CAD "conseguia manter uma imagem de uma certa coesão, ela era o pai de Totem e Tabu" (CPMG, 2003), no início da década de 1980, houve um movimento que tendeu a criticar justamente essa hierarquização, essa coesão pela referência a um mestre, buscando maior democratização no interior do Círculo.

Consideramos possível que tanto os movimentos que levaram à elaboração da CAD quanto ao seu fim estejam intimamente vinculados às condições políticas nas quais Minas Gerais - assim como todo o País - se encontrava. Na década de 1960, um regime ditatorial se instaurou no Brasil, buscando organizar e manter coesas as relações sociais a partir da figura de lideranças autoritárias, regime que foi ganhando cada vez mais força ao longo da década. Paralelamente a isso, foi proposta uma Comissão no interior do Círculo Psicanalítico que buscava manter a coesão a partir de uma figura centralizadora (tornada clara na comparação ao pai totêmico). A respeito da relação Círculo-ditadura, Célio Garcia (CPMG, 2003) destaca o quanto as sociedades, nessa época, se organizavam ou passaram a se organizar de modo fechado, exigindo uma certa fidelidade. Ainda a respeito disso, Javert Rodrigues (CPMG, 2003) aponta o caráter fortemente burocrático que se formou, no interior do qual as coisas só poderiam ser faladas dentro da subserviência ao escalão burocrático e do respeito à autoridade. Se, por um lado, tal hierarquização - estruturada em torno da CAD - foi uma proposta que acompanhou o fortalecimento do regime ditatorial, por outro, esse modelo passou a ser questionado e a perder força justamente no início da década de 1980, acompanhando o questionamento político a toda estrutura de poder autoritária e o consequente enfraquecimento do regime ditatorial em prol de uma democratização do País. Preliminarmente, podemos, então, considerar a formação clínica em psicanálise em Minas Gerais como sendo fundada em uma estrutura que se articulava às condições políticas nas quais o Estado se encontrava.

A partir desse momento, vemos a maior democratização do Círculo, com a formação do Grupão (assinado por diversos sócios, em que haveria maior espaço para discussão sobre questões referentes à instituição) e os Seminários Livres nas jornadas (em que se teria um espaço para discutir todo e qualquer assunto que o sujeito apresentasse). Dessa forma, vemos, na década de 1980, que o Círculo Psicanalítico de Minas Gerais passou a operar de um modo menos burocrático, com possibilidade de questionamentos ao poder. Do Grupão, os sócios não-didatas passaram a ter mais espaço para se colocarem diante tanto de questões estruturais quanto referentes à formação.

Assim como consideramos importante destacar todo esse percurso realizado pelo Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, iniciado no ano de 1963, interessamo-nos também pelo fato de uma instituição ipeísta ter se instalado em Minas Gerais apenas 30 anos depois. Salim (2010a) destaca que o percurso da formalização de uma instituição filiada à IPA, em Belo Horizonte, se confunde com a soma de seus esforços, iniciados curiosamente em 1963, ano de sua formação. Assim, paralelamente aos 30 primeiros anos de desenvolvimento do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, vemos o médico Sebastião Abraão Salim levar o projeto de estabelecer uma nova filiação à psicanálise mineira. Interessante citar que o percurso de Salim o aproximou de Malomar e do Círculo no ano de 1964, mas que, por influência de Werner Kemper (analista didata da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro com quem Salim buscava fazer sua formação), nenhum outro contato se estabeleceu.

Em dois trabalhos, Salim (2010a, 2010b) destaca o reconhecimento da dificuldade que seria levar um analista didata filiado à IPA para Minas Gerais, motivo que o levou a fazer sua formação em instituições do Rio e de São Paulo (com sede em Brasília) e, no Rio de Janeiro, concluída no ano de 1989. Nesse intervalo, foram comentadas diversas viagens para que fosse possível levar a cabo sua formação. Somente a partir de sua formação, ele conseguiu trazer mais dois didatas para Belo Horizonte: Sérgio Kehdy e Clemilda Barbosa de Souza. Havendo três analistas didatas filiados à IPA, as exigências institucionais foram satisfeitas e, assim, foi possível a formalização, no ano de 1993, do Núcleo de Estudos Psicanalíticos de Belo Horizonte, que seria coordenado pela Sociedade Psicanalítica do Rio de janeiro.

 

Conclusão

A partir das questões apontadas, consideramos plausível a hipótese de que há uma semelhança nos percursos realizados pela psicanálise no momento de sua chegada em Minas Gerais e nos demais estados brasileiros. Referimo-nos a certa apropriação da psicanálise pelos discursos psiquiátrico e modernista. Tal afirmação se deve, de um lado, ao fato de que em Minas Gerais a psicanálise foi incorporada às práticas psiquiátricas da época, tornando-se mais um elemento na farmacopeia da loucura, institucionalizada, por exemplo, na Sociedade Pestalozzi; de outro lado, nesse Estado, situaram-se grandes representantes do movimento modernista (como Carlos Drummond de Andrade ou Ascânio Lopes), assim como periódicos de grande importância para esse movimento literário (por exemplo, A Revista ou a Verde), sendo o nome de Freud uma referência comum nessa cena.

Constatamos, também, que já houve o esboço de um trabalho clínico, ainda na década de 1940, quando vemos sujeitos interessados em sua prática enquanto modalidade terapêutica (a exemplo de Leão Cabernite ou Paulo Dias Correia). Houve, assim, semelhante ao que ocorreu em outros estados, um progressivo abandono da psicanálise pelo modernismo e uma tentativa de se organizar um trabalho propriamente psicanalítico.

No entanto, tal como afirma Oliveira (2002), sabemos que a psicanálise foi apropriada de modo peculiar em cada região a partir das filiações intelectuais e das características sociais e políticas do local em questão. Aqui, interessa-nos, sobremaneira, o caráter religioso de Minas Gerais, tendo em vista que a psicanálise, enquanto possibilidade de formação clínica, só se estabeleceu, inicialmente, pela via de um padre, Malomar Lund Edelweiss. Malomar, que veio a Belo Horizonte no ano de 1963, trouxe a marca de uma formação intensamente religiosa, tendo seu contato com a psicanálise a partir de Igor Caruso, que propunha uma leitura freudiana a partir de uma base existencialista cristã. Assim, originou-se o Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda de Minas Gerais, posteriormente chamado de Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. Consideramos plausível haver uma ligação entre o discurso psicanalítico tal como era trabalhado por Malomar e a cena católica marcante do estado de Minas Gerais, tendo em vista que outra escola de formação, representada pela IPA, só chegou a esse Estado 30 anos depois.

Outra peculiaridade da época em que a psicanálise chegou a Minas Gerais, enquanto instituição de formação, é a política fortemente conservadora que se fazia presente no Estado. Não podemos desconsiderar o quanto Belo Horizonte teve um papel fundamental no golpe de 1964, que culminou numa ditadura militar. Assim, pensamos que o discurso psicanalítico, enquanto uma clínica que possibilita um sujeito a se haver com seu desejo, encontrou sérias resistências em Minas Gerais durante essa época, dado o caráter de subversão da ordem social implicado neste trabalho. Mais interessante para a cena política e religiosa no Estado seria uma instituição fundada em bases cristãs, altamente hierarquizada e organizada em torno de certos mestres, trazendo, desde sua formação, a impossibilidade de maiores questionamentos, a exemplo do que ocorria na sociedade em geral.

Desse modo, reconhecemos que houve, em Minas Gerais, um movimento convergente ao que ocorreu em outros estados, no que tange à apropriação das ideias psicanalíticas, tanto em seus primórdios quanto em relação ao seu percurso posterior. Reconhecemos, também, que diversos aspectos da sociedade mineira (como as características políticas e religiosas) parecem ter exercido um papel determinante, no que diz respeito às peculiaridades assumidas no percurso realizado pela psicanálise, em Minas Gerais, dada a semelhança entre tais características e a própria organização institucional de formação psicanalítica presente, nesse Estado, até o fim da década de 1980.

 

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Endereço para correspondência
Rodrigo Afonso Nogueira Santos
E-mail: rodrigoafonsons@gmail.com

Fuad Kyrillos Neto
E-mail: fuadneto@ufsj.edu.br

 

Artigo recebido em: 25.4.2014/4.25.2014
Aprovado para publicação em: 8.5.2014/5.8.2014

 

 

* Psicólogo, mestrando em Psicologia, na linha de pesquisa Conceitos Fundamentais e Clínica Psicanalítica: articulações da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Bolsista UFSJ.
** Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).
1 Carmem Lúcia M. Valladares de Oliveira, em comentário informal, nos lembra que "foi a ideia de pansexualismo que seduziu os primeiros adeptos da doutrina psicanalítica. A diferença é que eles fizeram uma leitura em espelho com os acontecimentos da Europa, invertida no sentido de que para eles o pansexualismo era justamente o que interessava na doutrina".