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Analytica: Revista de Psicanálise

versão On-line ISSN 2316-5197

Analytica vol.3 no.5 São João del Rei dez. 2014

 

ARTIGOS

 

Perspectivas sobre o escrito lacaniano: "a significação do falo"

 

Perspectives about lacanian writing: "the signification of the phallus"

 

Perspectives sur l'écriture lacanien: "la signification du phallus"

 

Perspectivas sobre lacaniana escritura: "la significación del falo"

 

 

Flávia Gaze Bonfim*

Unilasalle - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As considerações apresentadas nesta discussão visam situar o ponto fundamental ao qual o falo foi elevado no ensino de Lacan, ou seja: o estatuto de significante estruturador do campo sexual. Para tanto, resgatamos o lugar do falo no mundo antigo, articulando a fonte deste conceito na obra de Freud à história das civilizações e, de modo especial, revisitamos o Escrito "A significação do falo", tomando-o como o fio condutor desta reflexão. Consideramos que este artigo, apesar de não encerrar a temática sobre esse conceito na obra de Lacan, aborda pontos essenciais sobre a dimensão do falo como significante - articulação presente ao final de seu ensino, mesmo que redimensionado pelo seu avanço teórico no que concerne à sexualidade.

Palavras-chave: Falo; significante; sexualidade; desejo.


ABSTRACT

The considerations presented in this discussion seek to situate the fundamental point to which the phallus was elevated in Lacan, namely: the statute of organizer signifier the sexual field. For this, we rescue the place of the phallus in the ancient world, linking the sourc eof this conceptin Freud's work to the history of civilizations and, in particular, revisit the Writing "The signification of the phallus", taking as the guiding principle this reflection.We believe that this article despite doesn't close the theme about this conceptin Lacan's work, broach the key points about the dimension of thephallus as signifier- articulation found at the endof his teaching,even when resizedby their theoretical advance in respect to sexuality.

Keywords: Phallus; signifier; sexuality; desire.


RÉSUMÉ

Les considérations présentées dans cette discussion visent à situer le point critique où le phallus a été soulevée dans Lacan, à savoir le statut de structuration importante du domaine sexuel. Pour ce faire, resgastamos la place du phallus dans le monde antique, qui relie la source de ce concept dans l'œuvre de Freud sur l'histoire des civilisations et, en particulier, nous revisitons l'écrit "La signification du phallus", en prenant comme fil de cette réflexion . Nous croyons que cet article, bien que pas fermer la question sur ce concept dans l'œuvre de Lacan, aborder les points clés de la taille du phallus comme signifiant - ce la fin de son articulation de l'enseignement, même lorsque redimensionnée par votre avance théorique concernant la sexualité.

Mots-clé: Parler; significatif; sexualité; désir.


RESUMEN

Las consideraciones presentadas en este debate están dirigidas a situar el punto crítico en el que el falo fue criado en Lacan, es decir, el estado de estructuración significativa del campo sexual. Para ello, resgastamos el lugar del falo en el mundo antiguo, que une el origen de este concepto en la obra de Freud en la historia de las civilizaciones y, en particular, revisamos el escrito "La significación del falo", tomándolo como el hilo de esta reflexión. Creemos que este artículo, aunque no cierra la edición de este concepto en la obra de Lacan, dirigiéndose a los puntos clave sobre el tamaño del falo como significante - este el final de su articulación enseñanza, incluso cuando cambia el tamaño de su avance teórico en relación con la sexualidad.

Palabras claves: Falo; significante; la sexualidad; deseo.


 

 

Por meio da tragédia do Édipo, o pensamento freudiano abordou a problemática inerente à constituição subjetiva do homem e da mulher. Assim, ele serviu-se da referência mitológica como via de contornar o ponto de impossível, de real, inerente à estruturação sexual. Entre o complexo edipiano e de castração, situou um elemento - o falo - a partir do qual a sexualidade se organiza por meio da antítese: fálico ou castrado. O termo "falo", por sua vez, não é encontrado com muita frequência na obra freudiana; por outro lado, sua forma adjetiva "fálico(a)" aparece com mais regularidade em expressões do tipo: fase fálica, primazia fálica (FREUD, 1923, 1932). Não é novidade que, na maioria das vezes, Freud usa a nomenclatura "pênis" para falar o que é da ordem do falo, ao mesmo tempo em que sustenta não se tratar da primazia dos órgãos genitais. Vale ressaltar: mesmo que o termo mais usado tenha sido pênis e não falo, isso, porém, não diminui em nada a importância destinada a este conceito na teoria freudiana e na psicanálise de um modo geral.

Portanto, na perspectiva de Freud, não é o órgão genital masculino que é sustentado como o elemento organizador da sexualidade humana, mas a representação psíquica imaginária e simbólica construída a partir dessa região corporal do homem. Isto é uma maneira de dizer que o falo não é o pênis, todavia, não há como negar que a introdução desse termo na psicanálise faz menção à dimensão da presença-ausência/ereção-detumescência que o órgão masculino comporta. Caso contrário, porque Freud tomaria o termo falo, que em grego designa o pênis em estado ereto? André (1998) comenta que, com o termo falo, Freud aponta sua ligação com o órgão masculino, mas é para designá-lo como faltoso (perspectiva assumida no caso feminino, como um fato consumado de sua castração) ou podendo faltar (medo de perder, no caso masculino).

Freud (1924) situa, desse modo, que "a distinção morfológica está fadada a encontrar expressão em diferenças no desenvolvimento psíquico'. A anatomia é o destino'" (p. 197). É inevitável que a partir do anatômico, do discurso do Outro sedefine: "é menino" ou "é menina", ou seja, é a partir de um significante, do universal do falo que a diferença é estabelecida. O que está em jogo é a presença ou ausência. "Menino" é o portador do pênis e da virilidade. "Menina" é sinônimo de falta, feminilidade e enigma. Isso implica que os dois sexos se inscrevem a partir do significante fálico por meio do binário - falo/castração (MOREL, 1997). Ou seja, toda a problemática que envolve o desenvolvimento da sexualidade não é determinada pelo biológico, mas não é sem levar em consideração o corpo e a interpretação que se faz dele. Diante disso, sempre há as implicações psíquicas do ter (que instaura a possibilidade de poder perder) ou não ter uns centímetros de corpo a mais, que faz supor uma possibilidade de prazer a mais.

 

Falo, cultura antiga e mitologia

Pensar o estatuto do falo na psicanálise poderia nos levar a perguntar: por que Freud utilizou-se da noção de falo, fálico(a), para abordar a temática da sexualidade? Uma possibilidade de resposta indicada por Barros (2007) é articular a fonte desse conceito à história das civilizações. Barros (2007) lembra que o criador da psicanálise era um conhecedor da história das religiões, civilizações, da arqueologia, da mitologia. E que, sendo assim, ele não poderia desprezar o lugar que os homens antigos atribuiam ao falo. Ao que nós poderíamos acrescentar: os modernos também, na medida em que, em sua clínica, Freud pôde obter tal testemunho.

A representação fálica era bem comum no mundo romano, egípcio, grego e etrusco antigo. Símbolos do falo podiam ser encontrados em joias, paredes, sinos, máscaras e tigelas. Nessas culturas, o falo representava o pênis ereto, mas a simbologia destinada a essa figura nem sempre era unívoca. Porém, era mais comum encará-lo como símbolo de fertilidade e força apotropaica (união de bondade e crueldade - sua bondade trazia boa sorte e sua agressivdade afastava o azar e o mau-olhado) (CAVICCHIOLI, 2008). Isto é, os antigos viam no falo um objeto poderoso, perpetuador da vida de todas as espécies do planeta e neutralizador das coisas ruins.

Quanto à representação do pênis ereto, os gregos chamavam de falo, príapo ou príapis, já os romanos denominavam tutunus, mutinus ou fascinum. O nome Priapo, na mitologia grega, refere-se ao deus da fertilidade. Ele era considerado o protetor do rebanho, dos produtos hortículas, das uvas e das abelhas. A sua imagem é apresentada como um homem idoso, mostrando grandes orgãos genitais. Já Fascinum era o nome dado a um amuleto contra o mau-olhado, que podia ter forma de chifres ou olho. Contudo, o que tinha mais destaque era com o formato fálico, visto que o falo estava associado à vida, à fecundidade e à sorte (BARROS, 2007). Fascinum é o radical primitivo da palavra fascinante. Talvez seja possível fazer certa analogia entre falo e objeto fascinante com o qual o sujeito se vê às voltas - ponto crucial da sexualidade e do desejo.

O deus Priapo era uma divindade fálica, porém, segundo Cavicchioli (2008), outros deuses também assumiam essa particularidade - entre eles: Pan, Silvanos e Fuanos. As divindades fálicas estavam vinculadas à força da natureza e, nesse sentido, representavam duas dimensões: proteção e agressividade, associado à fecundidade. Logo, tinham elementos de bondade e crueldade, representando uma força apotropaica - sua bondade trazia boa sorte e sua agressivdade afastava o azar e o mau-olhado.

Antes, porém, de nos determos na história do mito de Priapo, propomos realizar alguns apontamentos sobre representações mitológicas. Aqui, nos servimos dos comentários de Costa (2007). A psicanalista explica que "a mitologia implica uma construção de representações que constitui uma imisção interno/externo, constituindo as forças da natureza também como projeções das pulsões, fazendo-as representarem nos mesmos elementos" (COSTA, 2007, p. 354). Ainda, segundo Costa, o mito, por sua vez, assume papel de fazer borda, na passagem interno-externo/corpo-Outro, recortanto um lugar no qual o impossível pode de alguma maneira ser abordado. Nos deuses, encontramos o extravasamento das pulsões incontroláveis que, ao serem nomeadas, configura alguma espécie de limite. Esse limite do nome, contudo, atesta uma incapacidade em representar o real, sempre retornando na repetição. Nesse sentido, identificamos no mito de Priapo o retorno incessante do sexual, expresso no confronto da fecundidade/virilidade versus a impotência. Retorna-se, assim, o real em jogo no sexual, indicando para o ponto de impossível, na medida em que o signficante falo, ao limitar o gozo fálico, produz o fracasso da relação sexual. Nas palavras de Lacan: "O gozo, enquanto sexual, é fálico, quer dizer, ele não relaciona ao Outro como tal." (ibid., p. 18).

Posto isso, voltemos-nos, agora, para a alegoria do mito de Priapo. O mito explica a deformidade do grande pênis de Priapo a partir de sua filiação. Por vezes, ele é apresentado como filho de Afrodite e Dionísio; em outras versões, é tido como filho de Afrodite e Zeus. Segundo essa última variante, após Afrodite nascer, Zeus se apaixona por ela e a possui em uma longa noite de amor. Dessa relação, Afrodite engravida. Hera (guardiã severa dos amores legítimos), tomada por ciúme de Afrodite e temendo que a estabilidade dos imortais ficassem em perigo diante de um deus que nascesse com a beleza da mãe e o poder do pai, deu um soco no ventre da rival. Como consequência desse ato, o menino nasceu com grande deformidade - um pênis desproporcional ao seu corpo. Receosa que ela e seu filho fossem ridicularizados pelos outros deuses, Afrodite abandonou Priapo numa alta montanha. Este, entretanto, foi encontrado pelos pastores que o criaram - o que explica sua caracteristica rústica (BRANDÃO, 1991).

Por outro lado, escreve Brandão (1991), embora tivesse nascido com um membro viril enorme, este não era funcional e, por isso, ele era impotente. Do nome Priapo, derivou-se o "priapismo" - uma patologia sexual acarretada por uma ereção desmedida, contínua, que causa dor. Trata-se de uma ereção sem finalidade, não originada pelo desejo sexual, gerando impotência e esterilidade. Segundo o mito, o priaprismo é causado por um castigo. Existem várias versões sobre os motivos para essa punição. Sem discorrermos sobre tais razões, contudo, convém demarcarmos um ponto: geralmente, esse mal atinge os homens em forma de epidemia. Para se livrar dessa maldição, os cidadãos passaram a fabricar falos e a organizar procissões (falofórias) em culto ao deus do falo. Falofórias eram procissões religiosas em que se levavam um ou vários falos. Esse tipo de culto era um antídoto contra a impotência; traduzia-se em símbolo de fecundidade. Diante dessa referência mitológica, podemos associar a supervalorização do falo e sua ligação com a sexualidade. Se não houver a veneração ao objeto fálico, a virilidade fica ameaçada.

De acordo com Cavicchioli (2008), os cultos ao falo realmente existiram. Neles, símbolos fálicos eram levados em procissões e também podiam ser encontrados nos templos. Sendo assim, na Antiguidade, segundo Barros (2007), podia-se reconhecer no falo um valor religioso, taslismã ou objeto de oferenda. Na Grécia antiga, por exemplo, era comum entre os cidadãos usar, em cordões, pequenos pingentes em forma de falo e anéis com desenhos dessa imagem com o objetivo de se proteger contra a inveja e o mau-olhado. Também se pendurava reproduções dessa figura em lugares públicos e de grande circulação da cidade, que se julgava serem mais perigoso, tais como: esquinas, pontes, portas de casas, estradas e muros da cidade. Para pedir aos deuses abundância e fecundidade, falos grandiosos eram fincados na terra. Nem sempre a reprodução do falo provinha do sexo humano; muitas vezes, o modelo do órgão era tomado de animais considerados sagrados, como touros e bodes.

Vimos até aqui o lugar dado à representação fálica no mundo antigo. Lacan, por sua vez, ao abordar o estatudo do falo na psicanálise, pondera que "não foi sem razão que Freud extraiu-lhe a referência de simulacro que ele era para os antigos" (1998 a [1958], p. 359). Acrescentando, Lacan (1999 [1957-58]) pondera que o falo na antiguidade grega não era idêntico ao órgão, seja em termos de acessório do corpo, prolongamento ou em seu estado de funcionamento - sendo seu uso mais predominante no sentido de simulacro, uma insígnia. Segundo Lacan, isso nos coloca na pista do falo em seu papel preponderante como representante do desejo.

 

O falo como significante em Lacan

Apesar de ser um tema recorrente na psicanálise, a introdução do termo "falo" no campo psicanalítico foi acompanhada de imprecisões e divergências. O equívoco cometido pelos seguidores de Freud foi confundir falo com pênis (vertente imaginária), que acabou por fazer emergir na comunidade psicanalítica, entre 1920 e 1930, a discussão a respeito do "falocentrismo" na obra freudiana e a problematização da fase fálica na mulher. Lacan, porém, realizou grande esforço na tentativa de situar o verdadeiro estatuto do falo na psicanálise. Ou seja: o falo é o significante estruturador do campo sexual.

A crescente ênfase que o falo adquire nas teorizações lacanianas inicia-se de modo especial no último capítulo do Seminário 3 - As psicoses, intitulado "O falo e o meteoro". Nesse capítulo, Lacan (2002 [1955-56]) problematiza a chamada "falicização recíproca" entre a figura materna e filho - o que implica em dizer que a mãe é tomada como detentora do falo imaginário e a criança, por sua vez, vem assumir a posição de objeto fálico materno. Ele identifica que nesse contexto temos uma "situação de conflito, e mesmo de alienação interna, cada um por seu lado." (ibid., p. 358), na medida em que o falo não se encontra aí. Em suas palavras, ele é "vadio", "está alhures". É no pai que podemos localizá-lo, por ele ser seu suposto portador e nisso reconhecemos sua função na tríade "(pai)-falo-mãe-criança". "É em torno dele [pai] que se instaura o temor da perda do falo na criança, a reivindicação, a privação, ou o tédio, a nostalgia do falo na mãe" (ibid., ibid.). Não obstante, é o pai que autoriza o que se passa no complexo de Édipo e de castração, como um significante que introduz uma ordenação na linhagem, nas gerações. A questão da psicose é justamente ter esse termo ordenador foracluído e, como consequência, a ausência da significação fálica. Por constatar que essa significação está ausente nas psicoses, Rabinovich (2009) assinala que Lacan começa uma investigação sobre a função do falo na neurose e na perversão. Por conseguinte, temos nos livros seguintes o desenvolvimento da temática da falta de objeto, no Seminário 4 (1956-57), desembocando na discussão sobre a sexualidade, desejo, Édipo e castração, no Seminário 5 (1957-58), no qual podemos verificar a articulação desses temas com o falo.

Esse percurso, porém, precede a delimitação mais precisa do falo como um significante - não um significante semelhante a tantos outros, mas o significante organizador do campo do desejo. Para trabalhar de forma mais decisiva essa noção, tomamos de modo particular o Escrito "A significação do falo" como uma bússola a guiar o caminho, pois - como observa Rabinovich - esse artigo, apesar de breve, mostra-se "denso e central no tocante ao conceito de falo na obra lacaniana" (2005, p. 7). A psicanalista também salienta que tal leitura não encerra a referida temática, mas podemos encontrar nela elementos fundamentais sobre a noção de falo como significante. Assim, levantaremos e desdobraremos alguns pontos principais que o texto nos oferece.

Comecemos, então, com o próprio título em alemão: Die Bedeutung des Phallus. Bedeutung pode ser traduzido de forma mais simplista como "1. Significado, sentido, acepção. 2. Significação, denotação. 3. Importância, valor" (MICHAELIS: Dicionário Escolar Alemão, p. 41). Por outro lado, a tradução aplicada foi "significação". Entender "significação" no ensino de Lacan em 1958 é tomá-la como sendo produzida pela metáfora e metonímia (processo primário do inconsciente). Sendo assim, a significação remete sempre a outra significação, seja um acréscimo de significação (metáfora), seja uma diminuição (metonímia). Rabinovich (2005) assinala que, de forma paradoxal, esse artigo apresenta o significante falo como tema central, demarcando, como consequência, a diferença entre "significação fálica" e "significante fálico". Na significação do falo, por sua vez, está implícita a produção da significação fálica em decorrência da metáfora paterna. Logo, significação do falo não é o mesmo que significação fálica. A significação do falo assinala o ponto nodal de onde se outorga outras significações.

Sobre isso, Roberto Harari (2006) comenta que Lacan, na época em que apresentou a conferência sobre "A significação do falo", não tinha em mente a noção do termo Bedeutung tal como é exposto por Frege. Para esse autor, há uma divisória entre Bedeutung e Sinn. Frege traduz Bedeutung como significação, referência, importância e Sinn como sentido. Rabinovich, levando em consideração tal ponto, escreve que Lacan comenta posteriormente o título de seu artigo chamando a atenção para o fato de que ele "queria dizer algo diferente daquilo que ele parecia dizer" (2005, p. 9, nota de rodapé). Assim, retroativamente, a partir da perspectiva de Frege, poderíamos tomar a expressão Die Bedeutund des Phallus, como "significação, referência e importância [...] do falo como organizador da sexualidade, mas não só da sexualidade, como também o liame entre sexualidade, fala e inconsciente" (HARARI, 2006, p. 35).

Indo ao texto, percebemos que as primeiras palavras de Lacan (1998 a [1958]) ratificam a ideia freudiana de que o complexo de castração tem uma função fundamental - que ele chama de nó - sob dois aspectos: 1. na estruturação dos sintomas e 2. na ascensão do sujeito a uma posição sexual, seja ela masculina ou feminina. Vale destacar que a palavra "nó" aqui não se trata do "nó borromeano" - tal como Lacan buscou trabalhá-lo em momento posterior de sua obra. Mas, de acordo com Rabinovich (2005), faz referência à presença do falo nessa operação como "ponto de encruzilhada" - e, portanto, um equivalente ao termo "nó". De modo mais específico, o falo, conforme indica Lacan, "ocupa um certo lugar na economia do desenvolvimento do sujeito e é o suporte indispensável da construção subjetiva e pivô do complexo de castração" (1999 [1957-58], p. 358).

Igualmente, no Seminário 5, Lacan assinala o "caráter essencial" da castração, que, como já foi pontuado, não se trata de algo que efetivamente aconteceu, mas que corresponde ao confronto com a falta na experiência subjetiva, logo, está ligada ao desejo. Nos termos lacanianos, a castração encontra-se ligada à "maturação do desejo no sujeito humano" (1999 [1957-58], p. 318). Continua Lacan (ibid): a castração não diz respeito a uma operação que se dirige aos órgãos genitais (pênis e vagina) e é justamente em função disso que ela não assume para a mulher a ameaça contra o órgão feminino. Ela incide sobre outra coisa. Essa outra coisa não deixa de ter relação com as regiões sexuais, mas em sua base está a dimensão predominante do significante fálico. Castração, portanto, no ensino lacaniano refere-se à renúncia de gozo, no qual em determinado momento o sujeito é forçado a realizar. Se é renúncia de gozo e não do pênis, logo, a castração pode se aplicar a homens e mulheres.

Quanto à relação da castração com a formação dos sintomas (primeiro aspecto citado), o nó do qual Lacan nos fala refere-se ao fato de que as possibilidades de estrutura do sujeito - seja ele neurótico, psicótico ou perverso - são formas distintas de negação à castração do Outro. O falo, por sua vez, também opera aqui. Na neurose, o sujeito recalca e conserva o falo no inconsciente; na perversão, o mecanismo de negação é o desmentido e o falo é conservado no fetiche. Já na psicose, não há vestígio nenhum dessa negação, há a foraclusão do Nome-do-Pai e, portanto, a castração materna não se inscreve (QUINET, 2000 a).

Quanto ao segundo aspecto, Lacan desdobra três pontos que decorrem de uma posição sexuada inconsciente do sujeito. O primeiro ponto diz do fato do mesmo poder "identificar-se com o tipo ideal do seu sexo" (LACAN, 1998 a [1958], p. 692). Isso retrata o papel da castração na ascensão do sujeito a uma posição sexual, seja ela masculina ou feminina, na medida em que não se nasce homem ou mulher - o que temos é uma produção, construção da posição sexual, no qual se procura parecer homem ou parecer mulher. Por conseguinte, a castração assume sua função permitindo a instalação do sujeito do inconsciente, do $. Sobre isso, Rabinovich sublinha algo que, para ela, não fica evidente em outras construções lacanianas, a saber: que "o sujeito do inconsciente carece de sexo; em compensação, lhe é aberto o caminho para identificar-se com o tipo ideal de seu sexo, o que não significa que a posição inconsciente seja sexuada, mas que abre a possibilidade da identificação, porém ainda não a define" (2005, p. 11-12). Já o segundo e terceiro pontos tem relação com a possibilidade de o sujeito "responder, sem graves incidentes, às necessidades de seu parceiro na relação sexual" e "acolher com justeza as [necessidades] da criança aí procriada" (LACAN, 1998 a [1958], p. 692). Ou seja, é por meio da castração que o sujeito pode situar-se em relação ao seu parceiro como sujeito desejante, bem como é ela também que está em causa na maneira como o sujeito responde à criança, que é produto dessa relação, visto que ter condições de ocupar a posição materna e paterna não é o mesmo que poder biologicamente ser mãe ou pai.

Se assumimos - como Lacan - que a castração está intimamente ligada à estruturação dos sintomas e à ascensão do sujeito a uma posição sexual, devemos, então, admitir que, por consequência, o significante falo também estará implicado. Nesse sentido, Lacan (1998 a [1958]) considera que a relação do sujeito com o falo se estabelece sem considerar a distinção anatômica entre os sexos, e isso pode ser demonstrado por meio de fatos clínicos. Entretanto, Lacan observa, tal relação com o falo do lado da mulher não se dá sem que se imponha uma "interpretação dolorosa" disso, especialmente no que diz respeito a quatro pontos assinalados: 1. a menina se considera castrada e atribui, primeiramente, a privação do falo à mãe; 2. a mãe é considerada fálica e, portanto, completa; 3. a relação da significação da castração com a formação de sintomas se dá somente mediante a descoberta da castração materna; 4. até o término da fase fálica exclui-se, para ambos os sexos, o reconhecimento da vagina como lugar de penetração genital, como órgão sexual feminino - até este momento o clitóris funciona na menina como atributo fálico e é daí que ela retira um gozo masturbatório. Isso destaca, assim, o modo como o falo intervém na relação edipiana da menina: "a título de elemento significante privilegiado" (LACAN, 1999 [1957-58], p. 29). Tal consideração já se acha inscrita desde Freud (1931,1932), quando ele situa as implicações de uma fase pré-edipiana na menina e nos apresenta o destino do falo na mulher.

Em torno desse quarto e último ponto especificamente, podemos situar o grande embate entre Freud e os seus discípulos. No que tange ao desenvolvimento da sexualidade feminina, Lacan denuncia que a questão da fase fálica na mulher, depois do entusiasmo entre os anos de 1927 e 1935, foi silenciada e, por não ter sido criticada na época, acabou por conduzir a um mar de confusão sobre o assunto (1998 b [1958], p. 736). Assim, esse Escrito de modo especial demarca a tentativa de Lacan em estabelecer o estatuto do falo nas teorizações de Freud e não somente contrapor as formulações dos pós-freudianos. Nesse sentido, Lacan é bastante preciso ao situar que função tem o falo na psicanálise, afirmando que:

Na doutrina freudiana, o falo não é uma fantasia, caso se deva entender por isto um efeito imaginário. Tampouco é, como tal, um objeto (parcial, interno, bom, mau etc.), na medida em que esse termo tende a prezar a realidade interessada numa relação. E é menos ainda o órgão, pênis ou clitóris, que ele simboliza. (LACAN, 1998 a [1958], p. 696)

Para Lacan (1999 [1957-58]), a dificuldade em articular e manejar a noção de falo na psicanálise aparece quando ele é entendido por meio de uma racionalidade biológica, identificado unicamente ao pênis, de modo que toda essa problemática se dissolve quando se pensa o falo em seu papel de significante. Harari (2006) chama a atenção para o fato de que é pela via de definições na negativa - não é uma fantasia, nem objeto e muito menos um órgão - que Lacan antecede a afirmativa crucial deste texto: "é um significante." Ainda que o tomemos como significante, isso não exclui que ele tenha em sua origem a dimensão imaginária do pênis, todavia mesmo nessa origem é possível encontrar certa propriedade (ereção/detumescência; aparecimento/desaparecimento) para desempenhar sua função significante. "Não se trata de uma função qualquer - ela é mais especificamente adaptada do que outras para prender o sujeito humano no conjunto do mecanismo significante" (1999 [1957-58], p. 299).

Defendendo a elaboração freudiana em torno da sexualidade humana, Lacan (1998 a [1958]) assegura-nos que Freud, como criador da psicanálise, encontra-se melhor guiado do que qualquer um no que diz respeito aos fenômenos inconscientes. E o que melhor articula a natureza dos fenômenos inconscientes? Lacan nos responde, a saber: a noção de significante. Ele nos lembra que Freud não podia contar com a noção saussuriana de significado e significante, pois esta foi criada posteriormente; e o mérito freudiano está justamente em ter antecipado suas formulações a partir de um campo totalmente distinto da linguística (LACAN, ibid.).

Nesse ponto, instala-se uma controvérsia quanto à afirmação de Lacan de que Freud não teve conhecimento do curso de linguística empreendido por Saussure. Coutinho Jorge (2000) destaca, baseando-se em Arrivé, que Freud conhecia o trabalho do linguista desde 1916 por intermédio do filho de Saussure. O filho do linguista, Raymond de Saussure, tornou-se psicanalista e teve sua obra O método psicanalítico prefaciada por Freud, além de ter sido lida e corrigida por ele. Na obra, o Curso de Linguística Geral (CLG) é citado em nota sobre o lapso - o que constitui, para Coutinho Jorge (2000), prova do conhecimento de Freud sobre o curso. Harari, (2006) de forma semelhante, aposta que Freud podia ter conhecido as proposta de Saussure. Parece que Lacan desconhecia essa parte da história. Em todo caso, complementa seus comentários, dizendo que:

Inversamente, é a descoberta de Freud que confere a oposição entre significante e significado o alcance efetivo em que convém entendê-la, ou seja, que o significante tem função ativa na determinação dos efeitos em que o significável aparece sofrendo sua marca, tornando-se, através dessa paixão, significado. (LACAN, 1998 a [1958], p. 695)

Como expressa Rabinovich (2005) a respeito dessa última parte do parágrafo citado acima, é comum que Lacan se utilize de definições tautológicas, como esta: "o significante tem função ativa na determinação dos efeitos em que o significável aparece sofrendo sua marca, tornando-se, através dessa paixão, significado". Ela esclarece que o significável é tudo aquilo que por sofrer a ação do significante, que o marca, produz um significado. Em outros termos: o significável é aquilo que pode se tornar significado por ação do significante. O significante, assim, assume papel ativo e o significável passivo, que se submete à "paixão" (no sentido de padecer, tal como na expressão "Paixão de Cristo"). Não se tratando de um mero jogo de palavras, o que temos evidenciado nessa formulação é o fundamento da articulação inconsciente. Por isso, tentemos ao menos nos aproximar de seu alcance. Podemos considerar, com o ensino lacaniano, que o significante não está colado no significado, mas é a partir da ação do significante que o sujeito constrói, atribui certo significado, um sentido, aos significantes que o marcam. Essa é, então, a dimensão da condição humana: o sujeito é marcado pelos significantes. Antes mesmo que ele pudesse compreender o sentido deles, os significantes do Outro já se faziam dizer sobre ele, produzindo o significável.

Afirmar que o sujeito é marcado pelos significantes não é simplesmente - conforme nos indica Lacan - porque o homem fala, mas porque "isso fala", no qual "sua natureza torna-se tecida por efeitos onde se encontra a estrutura da linguagem" (LACAN, 1998 a [1958], p. 695). "Isso fala" refere-se à expressão francesa Ça parle, que designa "fala-se por aí". É uma fala que não se sabe quem é o sujeito. Trata-se de um uso impessoal e disso extraímos que há algo que fala para além do eu, que é precisamente o Outro. Ou seja, trata-se de uma referência às manifestações do inconsciente, mas não somente isso. Trata-se também do efeito de alienação sobre o sujeito que antes mesmo de nascer e falar já tem sua existência marcada por significantes, por ditos sobre ele.

Convém assinalar que essa relação do homem com o significante nada tem a ver com uma posição "culturalista". Também não se trata de entender a relação do sujeito com o significante por meio do fenômeno social, pois o que a psicanálise pôde verificar foram os efeitos das determinações inconscientes e identificações alienantes advindas de marcas significantes sobre a constituição subjetiva.

Isso Lacan introduz para poder estabelecer o falo como um significante. Entretanto, o falo não é um significante como tantos outros, mas é "o significante destinado a designar, em seu conjunto, os efeitos de significado, na medida em que o significante os condiciona por sua presença de significante" (LACAN, 1998 a [1958], p. 697). Em torno dessa fórmula, se assim podemos encarar essa frase lacaniana, Rabinovich (2005) chama-nos a atenção para a articulação entre falo e o termo "destinado". A psicanalista assinala que o falo, como significante, é escolhido entre outros da bateria significante para alcançar seu destino, e, portanto, seu próprio destino o separa da "globalidade, do conjunto" de significantes. Sua função é estritamente particular de designar, indicar, nomear, na bateria significante os "efeitos de significado".

Ou seja, é por meio do falo, como significante, que outros significantes poderão ganhar significação. Seu padrão simbólico permitirá a equivalência simbólica de outros objetos. Nesse sentido, o falo é o que garante aos objetos a possibilidade de se comportar como equivalente na ordem do desejo, inseridos no registro da castração. "O fato é que o desejo, seja ele qual for, tem no sujeito essa referência fálica" (1999 [1957-58], p. 285). Acrescenta-se a isso que o significante falo condiciona os efeitos de significado por sua presença como pura diferença, "que intervém como metonímia da diferença sexual" (RABINOVICH, 2005, p. 23). A diferença significante vem, portanto, no lugar da diferença sexual biológica que foi perdida, na medida em que o corpo do ser falante foi capturado pelo significante.

Comentando as considerações lacanianas, Marie-Hélène Brousse (2008) argumenta que a ordem simbólica do falo não é uma imagem, mas um significante, apontando, assim, para a arbitrariedade implícita na significação. Continuando, a psicanalista escreve que a função fálica simbólica é a função de castração (de "sacrifício de gozo", de falta, operadora do desejo) cujo símbolo é o falo, porém, tal função não decorre da diferença anatômica entre os sexos, mas do fato de que o ser humano inscreve-se por uma escolha forçada na linguagem. Atrelado a isso, temos com o falo um "significante-encruzilhada", como denomina Lacan, pois:

Para ele [o falo] converge, mais ou menos, o que aconteceu durante a captação do sujeito humano no sistema significante, visto que é preciso que seu desejo passe por esse sistema para se fazer reconhecer, e que é profundamente modificado por ele. Esse é um dado experimental: o falo, nós o encontramos a todo instante em nossa experiência do drama edipiano, tanto em sua entrada quanto em sua saída. (LACAN, 1999 [1957-58])

Assim, podemos extrair: "O que se manifesta no fenômeno do desejo humano é sua subducção intrínseca, para não dizer sua subversão, pelo significante" (LACAN, 1999 [1957-58], p. 261). O que o campo psicanalítico atesta é que a inserção na linguagem comanda e retira o homem de qualquer redução biologizante. É a mortificação do ser vivo pelo significante. Nesse sentido, podemos dizer que a relação do sujeito com o desejo não é simplista; não é uma relação direta com o objeto, pois se o fosse a análise não teria seu lugar, na medida em que o homem, tal como os animais, instintivamente iriam em direção ao objeto predeterminado. "O sujeito não satisfaz simplesmente um desejo, mas goza por desejar, e essa é uma dimensão essencial de seu gozo" (LACAN, 1999 [ 1957-58], p. 325). É a dimensão do irredutível encontrada no desejo humano.

Ao afinar um pouco mais a discussão, Lacan leva-nos, então, ao tema da necessidade, demanda e desejo de modo a precisar "os efeitos da presença significante", bem como procura discutir a relação entre desejo e significante fálico. Adotamos, assim, tal indicação. Primeiramente, o que temos a considerar quando levamos em conta a necessidade, a demanda e o desejo é que a presença do significante introduz um desvio das necessidades do homem.

Para aludir esse ponto, vejamos um pequeno exemplo. Tomemos de forma inaugural o desprazer sentido pelo bebê, que corresponde a um aumento de excitação. A criança chora e a mãe interpreta, confere um sentido: "Ele está com fome". O choro não quer dizer nada; é apenas descarga de excitação. O que extraímos disso? Extraímos que o sujeito inicialmente não fala, mas é falado. A princípio, só há sujeito hipotético. É no encontro com o Outro que o significante ganha significação ("bebê com fome"). Logo, o sujeito recebe do Outro sua própria mensagem de forma invertida. O Outro interpreta o choro não como necessidade, mas como demanda e atribui um sentido. Isso também terá consequências para a criança: da próxima vez que chorar, já se encontrará informada pela mãe que ela quer é mamar. Nisso, a demanda cava seu terreno. É demanda produzindo demanda. O que temos, então, é um corte na relação do sujeito com suas necessidades, ao passo que estas se tornam sujeitas, dominadas pelo registro da demanda, na medida em que retornam do Outro alienadas sob a forma também de demanda. "Sua necessidade, portanto, é configurada pela estrutura da demanda do Outro. A mensagem do Outro, articulada e articulável, assume sempre a forma da demanda do Outro" (RABINOVICH, 2005, p. 25).

Por outro lado, é relevante destacar que a "demanda em si refere-se a algo distinto das satisfações por que clama. Ela é demanda de uma presença ou de uma ausência, o que a relação primordial com a mãe manifesta, por ser prenhe desse Outro a ser situado aquém das necessidades que ele pode suprir" (LACAN, 1998 a [1958], p. 697, grifo do autor). Isso nos aponta que na experiência com o Outro a criança espera mais do que a satisfação de uma necessidade. Rapidamente, a ordem significante retira o sujeito do registro da necessidade e seu pedido constitui-se em demanda. E demanda é sempre demanda de amor. Sempre evoca uma resposta ou não resposta: "presença ou ausência". Esse é o privilégio conferido ao Outro: poder satisfazer, poder responder ou não essa demanda, que é sempre insaciável - "assim, desenha a forma radical do dom" (LACAN, 1998 a [1958], p. 698), dar o que não se tem, pois ao Outro também falta o objeto perdido, objeto que seria capaz de suprir inteiramente o sujeito. Por estar aquém das necessidades que ela pode suprir, Rabinovich (2005) escreve que a demanda é duplamente insatisfatória: do lado biológico, não permite a necessidade ser saciada, e do lado do significante, deixa sempre o resto, que retorna da necessidade perdida no nível do instinto - o desejo. Resumindo: a resposta à demanda é sempre precária. É possível encontrar nela certa satisfação, mas é sempre parcial em função da disjunção entre o que é pedido e o que é recebido, retornando no circuito pulsional. O sujeito nunca está à altura do que exige a demanda de amor. A prova de amor sempre marca, para o sujeito, que tudo o que tem para dar é por definição, por estrutura, insuficiente.

Ademais, Lacan nos assinala que o desejo não é a necessidade, nem a demanda, "mas a diferença que resulta da subtração do primeiro à segunda, o próprio fenômeno de sua fenda" (LACAN, 1998 a [1958], p. 698). Poderíamos, com isso, delimitar a seguinte fórmula: "Demanda - necessidade = desejo". Porém, o que ela indica? Sua apreensão não é simples. Situemo-la assim: a demanda produz algo que lhe escapa, não conseguindo apaziguar o que se encontra implícita nela - a demanda de amor. Há sempre um resto implicado, como já foi dito. Nesse sentido, temos que "o desejo é o retorno, modificado pela linguagem, da necessidade alienada na demanda". (RABINOVICH, 2005). Prosseguindo, podemos colocar sob os seguintes termos: é a partir da ausência de uma resposta total à demanda que o sujeito é levado ao campo do desejo. Assim, temos que quando o Outro responde, estamos no registro da demanda; do contrário, é o eixo do desejo que se abre. Na medida em que o Outro não é capaz de oferecer-lhe tudo, a castração materna rouba a cena, inserindo o sujeito na dialética desejante - como Lacan descreve, é "o próprio fenômeno de sua fenda" (1998 a [1958], p. 698), a Spaltung, clivagem do eu.

Diante disso, podemos tratar da relação entre a demanda do Outro e o sujeito. Ao querer ser o falo (imaginário, positivado, + φ), procurando satisfazer o desejo da mãe, a criança experimenta aí a divisão inerente ao campo do desejo, na medida em que ela deseja o desejo do Outro. Logo, "Como existência, o sujeito vê-se constituído desde o início como divisão. Por quê? Porque seu ser tem que se fazer representar alhures, no signo, e o próprio signo está num lugar terceiro" (LACAN, 1999 [1957-1958], p. 266). Signo do desejo que ele reterá como próprio. Em termos estruturais, Lacan (1999 [1957-1958]) fala-nos da "dependência primordial do sujeito em relação do desejo do Outro". Isso, porque, o desejo, conforme a história do sujeito, é moldado pelas condições da demanda, pela lei do desejo do Outro. A respeito da alienação do desejo, é interessante registrar a observação de Lacan que o sujeito é capaz de se apropriar do que lhe é imposto pelo mundo da linguagem, pelo Outro, como tesouro dos significantes, como se fosse algo inerente a ele e nisso encontrar sua satisfação.

Notadamente, a divisão do sujeito é instalada aqui entre o falo que ele queria ser e o que tem a oferecer ao Outro. Não obstante, acrescenta Lacan, que a experiência do desejo do Outro é decisiva para o sujeito, tal como uma prova, não pelo fato de ter ou não o falo real (o pênis), mas por apreender que a mãe não o tem, implicando que o sujeito se depare com a castração da mãe. A castração materna é o momento da descoberta da mãe como desejante, é o momento em que o significante falo pode chegar a ser marca do desejo - como ameaça no homem e nostalgia (privação do que ela não teve) na mulher (RABINOVICH, 2005). Enfrentar essa castração é a prova decisiva do desejo, mas, por outro lado, é somente do pai, como lei, que depende a possibilidade de o sujeito avançar em direção à partilha dos sexos.

Dizendo de outro modo, Bruce Fink (1998) explica que o bebê, mais cedo ou mais tarde, depara-se com o fato de que não é o único objeto de interesse dos pais. A atenção dos pais é desviada para outros objetos e estes adquirem para a criança, então, grande importância. O falo entra nesse circuito como aquilo que vem significar a parte do desejo dos pais que vai além da criança. Por extensão, o falo passa a encarnar o objeto de desejo também para ela, situando-o, assim, como o significante do desejo, bem como tendo a função de localizar o sujeito numa posição masculina ou feminina.

Diante disso, Lacan delimita a função constitutiva que o falo possui, na medida em que introduz o sujeito em sua existência e em sua posição sexual. Ele é, portanto, um significante indispensável pelo qual o desejo do sujeito é reconhecido como tal, quer seja homem ou mulher. Nesse sentido, ele propõe que: "O falo é o significante privilegiado dessa marca, onde parte do logos se conjuga com o advento do desejo" (1998 a [1958], p. 692). Rabinovich (2005) esclarece-nos o que indica o termo "logos" nessa frase. Ela nos diz que essa palavra deve ser entendida levando-se em consideração as três significações que possui em grego, a saber: linguagem, discurso e razão matemática/proporção. Essa assertiva assinala, então, a dimensão do falo como um significante privilegiado, que liga sexualidade e linguagem, deixando uma marca sobre o corpo. De modo mais preciso, a psicanalista escreve que o falo vem suprir a perda que o humano tem de tudo aquilo que poderia ter de "natural, biológico, instintivo" na sexualidade ao ser introduzido no mundo da linguagem - "suprirá enquanto marca e, ao mesmo tempo, como cópula, como o que faz laço entre os sexos" (2005, p. 41). Diante da perspectiva lacaniana, caberia reformular a questão posta no primeiro capítulo: por que o falo é eleito o significante privilegiado dessa marca e, nesse sentido, organizador do campo da sexuação? O próprio Lacan nos responde:

Pode-se dizer que esse significante foi escolhido como o mais saliente do que se pode captar no real da copulação sexual, e também como é mais simbólico no sentido literal (tipográfico) desse termo, já que ele equivale aí à cópula (lógica). Também podemos dizer que, por sua turgidez, ele é a imagem do fluxo vital na medida em que transmite na geração. (LACAN, 1998 a [1958], p. 699)

Vejamos ponto a ponto essa indicação fundamental, que, como salienta Rabinovich (2005), faz articulação com os três registros (Real, Simbólico e Imaginário):

1. "Pode-se dizer que esse significante foi escolhido como o mais saliente do que se pode captar no real da copulação sexual [...]". O falo, tomado como representação do pênis ereto, é o mais saliente no real do ato sexual. "Real", aqui, não faz referência ao seu sentido lacaniano ,como encontramos ao final de sua obra. Está mais próximo da noção de "realidade", do biológico na relação sexual. Assim, podemos aproximar que se refere ao fato de o homem ter uma parte do corpo que, em certa medida, aponta para o seu desejo sexual.

2. "e também como é mais simbólico no sentido literal (tipográfico) desse termo, já que ele equivale aí à cópula (lógica)". Na ausência do instinto que acarretaria certo saber sobre a sexualidade, o sujeito tem um significante (sentido literal/tipográfico), recurso puramente simbólico, para dar conta de sua estruturação sexual (cópula/lógica → relação entre os sexos). Não é à toa que, diante disso, tal relação seja marcada por tanta complicação para o humano. Nela, corpo e significante se articulam, apontando para o encontro de duas ordens distintas: Real e Simbólico.

3 "Também podemos dizer que, por sua turgidez, ele é a imagem do fluxo vital na medida em que transmite na geração". Por último, temos o falo sendo escolhido em função da imagem do fluxo vital, pois a reprodução humana implica que o órgão masculino atinja a ereção e a detumescência (aparecimento e desaparecimento). É a turgidez, como um efeito no imaginário do significante. Não obstante, o que temos é uma imagem transmitida na geração desde os gregos e romanos, como símbolo de fecundidade e reprodução apresentado anteriormente. A esse respeito, segue o comentário de Lacan:

Sentimos que a imagem do falo está na própria base do termo pulsão, que manipulamos a fim de traduzir para o francês, no termo alemão Trieb. Ele é objeto privilegiado do mundo da vida, e sua denominação grega aparenta-o com tudo o que é da ordem do fluxo, da seiva, ou até da própria veia, pois parece haver uma mesma raiz em phléps, e em phallos. (LACAN, 1999 [1957-58], p. 359-360)

Apesar de poder articular tantas dimensões, diz Lacan, o falo só desempenha seu papel enquanto velado, ou seja, a partir do momento em que ele é elevado/suspenso a função de significante. O significante nomeia a coisa ausente. Logo, o falo tem dupla função: aparecer e desaparecer, mostrar e esconder a falta. É por estar velado - nem ausente, nem totalmente revelado - que ele desempenha sua função. Por articular-se ao velamento, o falo é o significante que dá razão ao desejo, e é por meio do Outro que o sujeito tem acesso a ele, como objeto desejado pela mãe.

Recorrendo mais uma vez à Rabinovich (2005), o falo pode ser descrito como o próprio significante que retira a possibilidade de a sexualidade humana ser pensada por meio de um sistema de signos, por meio de uma compreensão etnológica, já que a etiologia trabalha com os signos pelos quais os animais se reconhecem no período de acasalamento. Operando como um sistema de significante, a sexualidade tem com o falo um significante privilegiado que a marca e se coloca como um operador que permite dar "razão ao desejo" - uma proporção, uma medida comum ao desejo. Isto é: nesse momento da perspectiva lacaniana, o falo é o denominador comum que possibilita a divisão entre masculino e feminino e, consequentemente, permite a relação entre os sexos. Em outro sentido, que nem por isso exclui a ideia de "denominador comum", é o falo que coloca obstáculo à própria existência da relação sexual, tal como encontramos no final da obra lacaniana.

Encerramento, vale dizer que o Escrito "A significação do falo" utilizado aqui como o fio condutor desta discussão não encerra o que o ensino lacaniano pôde formular em torno da dimensão do falo na psicanálise, sobretudo suas elaborações sobre o falo como semblante no Seminário 18 (1971 [2009]) ou a introdução da lógica do não-todo fálico para abordar o que concerne a feminilidade, no Seminário 20 (1972-73 [1985]). Contudo, se ele ainda é indispensável para situar a problemática da sexualidade, é na medida em localiza o que é de fundamental para abordar teorizações tanto anteriores como posteriores do campo psicanalítico, ou seja, o estatuto do falo como significante. Disso, o percurso lacaniano não abriu mão e mesmo com seus avanços teóricos, tal articulação se encontra presente, porém redimensionada a partir do desenvolvimento mais preciso da categoria do real no último Lacan e da noção de gozo. Nesse momento ulterior, portanto, Lacan extrai que o "significante é causa de gozo" (1985 [1972-73]), p. 36). O gozo é, por sua vez, aparelhado pela linguagem e esta impõe um significante único a ele: o falo. Contudo, o significante é sempre precário para dizer e ordenar a sexualidade - o que implica que o significante fálico produz corpo de gozo, mas não-todo de modo que sempre escapa um resto ao domínio da linguagem.

 

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Endereço para correspondência
Flávia Gaze Bonfim
E-mail: flaviabonfimpsi@yahoo.com.br

Artigo recebido em: 13.11.2013/11.13.2013
Aprovado para publicação em: 9.11.2014/11.9.2014

 

 

* Psicóloga. Psicanalista. Mestre em Pesquisa e Clínica em Psicanálise pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Docente do curso de Pós-Graduação "Psicanálise e Saúde Mental" (Unilasalle).