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Analytica: Revista de Psicanálise

On-line version ISSN 2316-5197

Analytica vol.4 no.7 São João del Rei July/Dec. 2015

 

"Vers un signifiant nouveau": nossa tarefa depois de Lacan1

 

"Vers Un Signifiant Nouveau": Our task after Lacan

 

“Vers nouveau non signifiant”: notre tâche après Lacan

 

"Vers Un Signifiant Nouveau": Nuestra tarea después de Lacan

 

 

Gabriel Tupinambá

Psicanalista, doutor em filosofia pela European Graduate School, pós-doutorando no programa de pós-graduação em História Social da Cultura, PUC-Rio, Bolsista Capes

 

 


RESUMO

O presente trabalho aplica uma hipótese a respeito da consistência do pensamento psicanalítico à periodização do ensino de Lacan. Partindo da filosofia de Slavoj Zizek, e de sua proposta de uma amarração borromeana entre a psicanálise, a política e a filosofia, foi construído um modelo para o pensamento analítico baseado na amarração entre a clínica, a instituição e a metapsicologia. Utilizando esse modelo, analisamos o percurso do pensamento lacaniano, com resultados interessantes no que tange a inteligibilidade de seu desenvolvimento e de seus desafios.

Palavras-chave: Zizek, Nó Borromeano, Lacan


ABSTRACT

The present contribution seeks to apply a hypothesis concerning the consistency of psychoanalytic thought to the periodization of Lacan's teaching. Departing from Slavoj Zizek and his proposal of a borromean knotting of psychoanalysis, politics and philosophy, a model was constructed for analytic thinking based on the knotting of its clinical, institutional and metapsychological dimensions. Using this model, we have analyzed the trajectory of Lacanian thinking, with promising results both concerning its intelligibility and the opening of future challenges.

Key words: Zizek, Borromean Knotting, Lacan


RÉSUMÈ

Cet article applique une hypothèse sur la cohérence de la pensée psychanalytique la périodisation de l’enseignement de Lacan. A partir de la philosophie Slavoj Zizek, et sa proposition pour une égalité entre la psychanalyse borroméen, politique et philosophie, un modèle a été construit pour la pensée analytique basée sur le mouillage entre la clinique, l’établissement et la métapsychologie. En utilisant ce modèle, nous analysons la voie de la pensée lacanienne, avec des résultats intéressants concernant l’intelligibilité de son développement et de ses défis.

Mots-clés: Zizek, noeud borroméen, Lacan


RESUMEN

En este trabajo se aplica una hipótesis acerca de la consistencia de la psicoanalítica pensó que la periodización de la enseñanza de Lacan . Partiendo de la filosofía Slavoj Zizek , y su propuesta de un empate borromeo entre el psicoanálisis , la política y la filosofía, un modelo fue construido para el pensamiento analítico basado en el amarre entre la clínica , la institución y la metapsicología . El uso de este modelo , se analiza la ruta del pensamiento lacaniano , con resultados interesantes en cuanto a la inteligibilidad de su desarrollo y sus desafíos.

Palabras chave: Zizek, Nudo Borromeano, Lacan


 

 

"Scilicet: tu podes saber o que daí advirá agora"3

 

1. A determinação reflexiva da psicanálise

Slavoj Žižek conclui a introdução de seu primeiro livro em inglês, O Sublime Objeto da Ideologia, com o seguinte sumário de sua própria estratégia:

"Acredito que estes três objetivos estejam profundamente conectados: a única maneira de 'salvar Hegel' é através de Lacan, e esta leitura de Hegel e da herança hegeliana que Lacan realiza permite uma nova abordagem da ideologia, nos permitindo entender fenômenos ideológicos contemporâneos (cinismo, ' totalitarismo', o estatuto frágil da democracia) sem cairmos em qualquer tipo de armadilha 'pós-moderna' (como a da ilusão que vivemos numa condição 'pós-ideológica')"( Zizek, 1998, p. 7)

Esta esquematização, que sugere algumas rotas privilegiadas de investigação, nos oferece um bom diagrama do projeto filosófico de Žižek, que propõe um laço imanente entre a psicanálise lacaniana, com sua lógica do significante, e a dialética hegeliana, e, em seguida, um outro laço entre Hegel, agora revitalizado pela teoria freudiana da pulsão de morte, e a teoria marxista da ideologia. Contudo, este é também um diagrama útil na medida em que revela o limite do próprio projeto de Žižek e o início de um pensamento žižekiano propriamente dito. O que falta neste esquema é, evidentemente, um terceiro vetor, ligando a "nova abordagem da ideologia" de volta à psicanálise - umainvestigação que, embora cada vez mais presente no trabalho de Žižek, permanece ainda bastante rudimentar4.

 

 

Para entender não tanto a trajetória singular do pensamento de Žižek, mas o espaço geral de pensamento fundado por ele, devemos nos referir a uma segunda descrição de seu projeto, que aparece nas páginas introdutórias de Eles Não Sabem o que Fazem, publicado dois anos depois:

"Assim como em O sublime Objeto da Ideologia, o espaço teórico deste livro é moldado por três centros de gravidade: a dialética hegeliana, a teoria analítica lacaniana, e a crítica contemporânea da ideologia. Esses três círculos formam um nó borromeano: cada um conecta os outros dois; e o lugar que os três encerram, o 'sintoma' em seu meio, é, evidentemente, a satisfação do autor (e, o autor espera, também do leitor) com tudo aquilo depreciativamente chamado de 'cultura popular' Os três círculos teóricos não são, no entanto, do mesmo peso: é o segundo termo, a teoria de Jacques Lacan que, como Marx diria, 'dá a luz geral que banha todas as outras cores e modifica suas particularidades'"( Zizek, 2002, p. 2)

Esta nova apresentação é, de fato, mais completa. Antes de mais nada, ela transforma o limite implícito da formulação anterior - a falta de qualquer menção sobre como uma nova teoria da ideologia poderia nos ajudar a lidar com os impasses da psicanálise - em um traço particular e não-essencial do projeto do próprio Žižek, nos permitindo discernir as invariâncias mais gerais que constituem o "espaço teórico" de qualquer pensamento žižekiano.

 

 

Essas constantes, que delimitam um certo espaço lógico, são de dois tipos: conceituais e topológicas.

A invariância conceitual nomeia os três componentes a serem articulados: a psicanálise de Lacan, a filosofia de Hegel e o pensamento político de Marx. Esses três nomes próprios delimitam as concepções específicas de psicanálise, filosofia e política em jogo no pensamento žižekiano. A invariância topológica, por outro lado, diz respeito à circulação por esse espaço conceitual, definido por sua propriedade "borromeana"5.

Essa constrição impõe duas condições para qualquer trajetória possível que vise transitar entre a psicanálise, a filosofia e a política. A primeira condição proíbe conversões diretas entre campos do pensamento- é uma decisão que diz respeito ànão-complementaridade: não podemos estabelecer nenhuma relação entre Marx e Freud sem um desvio através de Hegel, nem investigar a relação de Hegel com Marx sem considerarmos Freud, e assim por diante. Essa primeira condição, de natureza restritiva, evita o surgimento de estratégias conceituais tais como o freudo-marxismo ou a "psicologia existencial", já que proíbe qualquer tentativa de usar um campo do conhecimento para resolver diretamente os impasses do outro.

A segunda condição, igualmente profunda, é mais afirmativa, pois defende a existência de uma transição imanente entre quaisquer dos campos de pensamento que compõem esse espaço. Se a consistência da filosofia hegeliana depende de sua articulação com Marx e Lacan, então uma investigação filosófica rigorosa eventualmente nos levará, sem jamais cruzar qualquer fronteira delimitadora, até a política e a psicanálise. Por conseguinte, o pensamento político, devido à inconsistência imanente à própria política, pode requerer, em algum ponto, que levemos em conta ideias filosóficas ou psicanalíticas, da mesma forma que a psicanálise pode ser convidada a ir além de si mesma, até campos do saber aos quais até mesmo se opõe, para encontrar sua própria consistência.

Assim, mesmo que o o desafio de pensar a psicanálise lacaniana através de um alinhamento prévio com Hegel e Marx permaneça em grande parte inexplorado pelo próprio Žižek, tal estudo é, todavia, parte do horizonte do pensamento žižekiano. De toda forma, é importante notar que, em seus trabalhos mais recentes, Žižek vem separando cada vez mais suas investigações sobre Hegel dos temas lacanianos, desenlaçando os dois autores (McGowan in Khader & Rothenberg, 2013, p. 41-42), uma vez que a leitura de Hegel através da lógica freudiana da pulsão já foi amplamente desenvolvida6. A partir desta separação, um novo circuito tornou-se operativo - primeiro, propondo uma leitura hegeliana da teoria do capital em Marx7 e, em seguida, esboçando uma crítica das instituições psicanalíticas baseada na atual aliança da psicanálise com a ideologia neoliberal8:

 

 

Mas o que poderia ser produzido a partir de uma incursão hegelo-marxista na psicanálise? A partir de nossas considerações anteriores, podemos pelo menos antecipar o que não poderia ser seu resultado: dada a condição de não-complementariedade, certamente não se trata de uma tentativa de suturar os impasses psicanalíticos atuais com explicações políticas e filosóficas e, de acordo com a condição das transições imanentes, nem tampouco poderia ser uma mera crítica externa da "psicanálise realmente existente" do ponto de vista de outros campos do saber. Ao invés disso - e seguindo aqui um caminho que o próprio Žižek já vem elaborando - este estudo deve operar uma "determinação reflexiva" da psicanálise, ou seja, a inclusão da psicanálise no próprio campo de problemas que ela nos permitiu perceber no mundo. Em outras palavras, trata-se de uma investigação imanente à psicanálise, que busca reconhecer como, no âmbito da clínica, dos impasses institucionais e dos problemas da metapsicologia, questões essencialmente políticas e filosóficas se concretizam fora de seus próprios domínios9.

Para que possamos compreender melhor o que seria uma orientação žižekiana para a prática psicanalítica, dedicaremos o restante desta contribuição a construção de uma periodização alternativa do ensino de Lacan, da qual extrairemos algumas consequências importantes.

 

2.A Crítica da Razão Diagnóstica

Para ficarmos apenas com o exemplo mais significativo10 - dado que representa a maior instituição de psicanálise lacaniana hoje, bem como a continuação oficial da própria Escola de Lacan - consideremos brevemente o caso da World Association of Psychoanalysis (WAP)11.

A escansão do ensino de Lacan em sequências conceituais distintas vem ganhando, nas últimas duas décadas, um papel central na orientação da razão diagnóstica nas Escolas lacanianas. A cada novo fenômeno clínico que ameaça expor as insuficiências de nossa compreensão atual das tipologias subjetivas, ou cuja resistência à interpretação ameaça "exaurir" o desejo de analisar, segue-se a descoberta de novas subdivisões conceituais na obra de Lacan - uma concepção mais refinada do real, um novo diagnóstico do que mudou na sociedade contemporânea, e daí em diante. Estas novidades conceituais são então apresentadas às diferentes escolas da AMP, que, em seguida, se organizam em torno da tarefa de elaborar estas ideias e submetê-las ao teste da prática clínica. Não se trata de questionarmos a necessidade de produzir alguma espécie de unidade e orientação comum para as diversas escolas - especialmente hoje, quando a psicanálise lacaniana, com seus procedimentos polêmicos e contra-intuitivos, precisa realmente se esforçar para consolidar sua base institucional internacional, de modo a efetivamente inscrever o "acontecimento freudiano" no mundo. A questão, todavia, é que existem diferentes maneiras, com consequências diversas, de criar uma orientação comum.

Por mais ingênuo que pareça, o fato é que os textos que efetivamente guiam as elaborações conceituais da WAP hoje têm uma coisa em comum: grande parte deles assume que, quanto mais antenados com os últimos desenvolvimentos da obra de Lacan, mais próximos estaremos de uma psicanálise sintonizada com os dilemas contemporâneos. Por exemplo, alguns dos textos clássicos de Jacques-Alain Miller, como Os seis paradigmas do gozo (Miller, 2000) ou O osso de uma análise (Miller, 1998), bem como os mais recentes, como o seminário O ultimíssimo Lacan (Miller, 2013) todos dedicados à escandir o ensino de Lacan em sequências conceituais - tornaram-se referências indispensáveis à orientação clínica e institucional da WAP, dando o tom e a temática da maior parte das elaborações conceituais publicadas em revistas ou apresentadas nos congressos12.

Assim, a solução para os impasses diagnósticos trazidos à tona por novas "subjetividades nebulosas"( Miller, 1997), que desafiam nossos modos costumeiros de distinguir as estruturas psicóticas das neuróticas, supostamente já estaria nos esperando lá nos últimos seminários de Lacan, aguardando sua formalização em uma nova teoria da "loucura generalizada"13, por exemplo. Ou ainda, nossa dificuldade frente a ineficácia de certas formas de intervenção clínica é substituída pelo anúncio de uma nova clínica, a "clínica do real", também baseada nos últimos anos do ensino de Lacan, que não só trabalha com outras maneiras de intervir, mas também com outros critérios do que consideramos uma intervenção bem sucedida.

O importante para nós é o circuito que assim se estabelece. Primeiro, através da fala e do sofrimento dos analisandos, nosso momento histórico traz novos desafios ao divã. Em seguida, esses impasses informam novas leituras do ensino de Lacan, leituras elas próprias influenciadas pelo momento histórico associado a essas novas formações do inconsciente. Essas novas leituras, por sua vez, reconfiguram a obra lacaniana de modo que as novidades clínicas já estivessem desde sempre contidas ali, importando o diagnóstico para dentro da própria diagnóstica14. O problema com esse procedimento é o seguinte: fazer um julgamento sobre o mundo contemporâneo - por exemplo, afirmar que o lugar do nome-do-pai mudou devido aos discursos do capitalismo e da ciência15 - é propor o diagnóstico de alguma coisa que inclui uma dimensão da própria psicanálise. E aí não temos mais meios de separar o que é um posicionamento estratégico do campo analítico e o que é apenas uma resposta neutra e desinteressada aos novos tempos. Não haveria, afinal, também um nome-do-pai da psicanálise? E não poderíamos também estender à comunidade analítica os mesmos perigos que a psicanálise reconhece em todos os outros lugares, a substituição dos laços simbólicos pela formação de grupos imaginários? Em suma: seria a psicanálise lacaniana realmente capaz de retirar-se suficientemente do momento histórico para diagnosticá-lo sem precisar se perguntar se sua própria compreensão dos dilemas contemporâneos não estaria ela própria distorcida por aquilo que ela diagnostica no outro?

Este impasse, embora político em sua essência e filosófico em sua articulação, éimanente à própria prática psicanalítica, pois diz respeito às próprias bases da razão diagnóstica na psicanálise lacaniana. Este é o problema que nossa periodização alternativa do ensino de Lacan, informada pelo espaço conceitual do pensamento Žižekiano, visa abordar. Se não formos capazes de incluir a psicanálise no mundo que ela procura analisar - quer dizer, sem uma posição que nos permita aceitar que a psicanálise também está aberta ao revisionismo - não poderemos distinguir um novo momento histórico no qual a histeria não existe mais como antes de um novo momento histórico no qual a psicanálise é ela própria estruturada de acordo com a figura da "bela alma".

 

3. Instituição, clínica e conceito: sua amarração, antes e depois de 1964.

Os escritos de Lacan devem ser entendidos, de maneira similar a escritos políticos, como intervenções localizadas. Ao invés de nos oferecer sistematizações esquemáticas de seu ensino - cujas constantes reformulações encontrariam um correlato na série de seus seminários anuais - seus scripta serviram acima de tudo como respostas combativas a problemas específicos colocados pela conjuntura do campo psicanalítico de seu tempo. Esta é a razão pela qual, no posfácio à edição francesa de seu décimo primeiro seminário, Lacan nos adverte que seus escritos foram feitos"para não serem lidos" - "pas-à-lire" ( Lacan, 1973): eles foram feitos para intervir, deslocar ou dividir, ao invés de descrever, sintetizar ou condensar.

Dessa premissa podemos tirar duas consequências. Em primeiro lugar, para pensar com Lacan - e não meramente lê-lo - devemos considerar seus escritos juntamente com o "contexto de luta" no qual eles foram produzidos16. Isto implica, por exemplo, uma atenção aos desafios enfrentados pela psicanálise na época de cada uma das intervenções de Lacan, bem como uma capacidade para distinguir, com esta referência histórica em mente, entre preferências condicionais e incondicionais, entre as alianças e conexões conceituais estabelecidas por razões táticas e aquelas que podem ser consideradas intrínsecas à psicanálise como tal, e que, às vezes, revelam-se somente de forma retroativa.

Ademais, a preocupação com as diferentes batalhas travadas por Lacan - batalhas muitas vezes contra suas próprias posições anteriores - deve ser suplementada por uma atenção refinada a uma importante mudança em sua relação com a situação psicanalítica francesa, em torno de 1963. Antes de sua ruptura com a Société Française de Psychanalyse (SFP), a constante luta de Lacan contra o decrépito estado da psicanálise na França, sua ineficácia clínica e seus desvios conceituais, acontecia primariamente durante seus seminários e apresentações, na forma de denúncias, réplicas irônicas e, principalmente, de a preocupação implacável de seu ensino em retornar aos insights básicos da descoberta freudiana . Todavia, assim que Lacan perdeu seu lugar na International Psychoanalytic Association (IPA)17, e seu ensino ficou subitamente em perigo, ele foi confrontado com uma tarefa nova, e fundamentalmente diferente: a de criar uma instituição alternativa, a École Freudienne de Paris (EFP), organizada de acordo com suas próprias ideias e capaz de positivamente inscrever no mundo uma posição que, até então, somente havia sido articulada como crítica a um posicionamento hegemônico.

A relevância desta segunda consequência não pode ser subestimada - na verdade, ela constitui, talvez, a única periodização do trabalho de Lacan que distingue verdadeiramente dois momentos em seu ensino. É claro que há maneiras convincentes e úteis de dividir os seminários de Lacan em sequências conceituais discerníveis, mas distinções entre dois "classicismos" (Milner, 1995) lacanianos, ou entre "seis paradigmas do gozo"( Miller, 2000), raramente dão conta dos problemas heterogêneos que resistiram à sequência conceitual anterior e demandaram as subsequentes reformulações. Somente a ruptura que distingue um antes e um depois da fundação da própria Escola de Lacan, em 1964, é efetivamente capaz de se referir a mudanças simultaneamente institucionais, conceituais e clínicas.

A ruptura institucional é um tanto evidente: Lacan foi subitamente confrontado com a difícil tarefa de combinar sua crítica implacável ao establishment psicanalítico com um projeto formativo capaz de evitar os desvios que ele antes denunciara. Não tratava-se apenas da criação de mais uma instituição, mas de um período de intensa experimentação organizacional, com a escolha pelo formato de uma escola, a invenção dos cartéis e do passe, de criação de uma revista de artigos anônimos, a Scilicet, e de uma relação renovada com os psicanalistas e a psicanálise pela Europa, etc. A ruptura conceitual, mesmo se considerarmos somente os desafios de assumir um projeto de formação institucional, foi igualmente profunda: um aspecto que é bastante claro nos seminários de Lacan após o famoso "seminário interrompido" de 1962, é sua preocupação com o problema do rigor na psicanálise - o problema de como distinguir o uso de sua teoria como meio deretificação da posição do analista e o uso desses mesmos conceitos como traços identificatórios por seus discípulos e seguidores. A respeito da clínica, a ruptura é ainda mais marcante: Lacan havia se tornado bastante infame na cena psicanalítica francesa precisamente por conta de suas invenções clínicas, como as sessões de duração variável, que contribuíram diretamente para sua expulsão da SFP. Segue-se, então, que tais procedimentos técnicos finalmente encontrariam seu lugar na EFP, que tão abertamente convidava os psicanalistas a reinventarem a prática freudiana em sintonia com seu próprio tempo. Porém, a cristalização da teoria lacaniana do tempo lógico em um princípio geral da prática analítica não foi a mais notável das novidades após a ruptura de 1964: o desenvolvimento clínico mais importante foi certamente a invenção do passe18- uma invenção que, na verdade, amarrava os três registros da ruptura, servindo como marcador do fim da análise (clínica), como um procedimento comum e formativo (instituição) e como fonte de desenvolvimentos teóricos e de problemas para a psicanálise (conceito).

Propomos, assim, que a ruptura realmente efetiva no ensino de Lacan é aquela que divide, de um lado, o momento em que a relação entre a clínica, o conceito e a instituição era extrinsecamente garantida - mesmo se de forma crítica ou negativa - pela situação da psicanálise na Europa desde a criação da IPA, e, do outro, o momento em que coube a um sítio singular, ao ensino de Lacan, enlaçar de maneira intrínseca estas três dimensões da psicanálise.

 

 

Ademais, esta ruptura não divide a obra de Lacan em duas sequências igualmente consistentes. Na verdade, ela separa duas noções distintas de fidelidade a Freud - uma em contradição com a situação da psicanálise em sua época e outra em contradição com si mesma:

É sabido, de fato, que a originalidade da leitura lacaniana de Freud reside na afirmação de sua ortodoxia freudiana e sua recusa de todo "desvio" pós-freudiano. De acordo com essa perspectiva, sua entrada na dissidência não era possível se não como uma maneira de renovar a ruptura freudiana, e somente assim. Ora, criando sua própria escola, Lacan se viu obrigado, se não a se confessar lacaniano, pelo menos a validar a existência do 'lacanismo'. Através desse auto-reconhecimento, seu movimento entrou em contradição com a própria doutrina que o suporta e que define a si mesma como freudiana.( Porge, 1998, p. 71-72)

Todavia, esta ruptura importante não pode ser entendida como um corte limpo e pontual - não pode ser lida, como algumas vezes é sugerido, até mesmo pelo próprio Lacan, como um corte marcado exclusivamente pelo "seminário interrompido" de 1962, sobre os Nomes-do-Pai19. Quando os primeiros sinais de uma diferença insolúvel entre seu ensino e a orientação geral da SFP começaram a aparecer, Lacan fez de tudo para permanecer no ramo francês da associação freudiana, e tais querelas perduraram por muitos anos antes de culminarem na ruptura. Assim, durante estes anos difíceis, encontramos Lacan já trabalhando nos primeiros elementos necessários para uma teoria da amarração imanente da clínica, metapsicologia e comunidade analítica. O exemplo mais revelador é, talvez, uma menção breve porém crítica ao texto freudiano Psicologia das Massas e Análise do Ego, encontrado na aula de 31 de maio de 1961:

Do que tento fazer aqui se poderia dizer, com todas as reservas que isso implica, que é um esforço de análise no sentido próprio do termo, que concerne à comunidade analítica como massa organizada pelo ideal do eu analítico, tal como este se desenvolveu efetivamente sob a forma de um certo número de miragens, no primeiro plano das quais a do eu forte, tantas vezes implicada erradamente ali onde se crê reconhecê-la. Para inverter o par de termos que constituem o título do artigo de Freud a que me referia há pouco, uma das faces do meu seminário poderia se chamar Ich-Psychologie und Massenanalyse.

Com efeito, a Ich-Psychologie, que foi promovida ao primeiro plano da teoria analítica, constitui tampão, constitui barragem, constitui inércia desde mais de uma década para todo reinício da eficácia analítica. E é na medida em quu as coisas chegaram a esse ponto que convém interpelar como tal a comunidade analítica, permitindo a todos lançar um olhar sobre isso, sobre o que vem alterar a pureza da posição do analista frente àquele a quem ele responde, seu analisando, na medida em que ele mesmo, o analista, se inscreve e se determina através dos efeitos que resultam da massa analítica, quero dizer, da massa dos analistas, no estado atual de sua constituição e de seu discurso.( Lacan, 1992, p 324-325)

Esta passagem crucial - que aparece ao final de seu seminário dedicado à transferência e logo antes do seu importante seminário sobre a identificação - merece uma análise mais cuidadosa. Qual é o movimento conceitual implicado na inversão d,os termos do título do texto freudiano? O raciocínio de Lacan poderia ser esboçado da seguinte forma:

(1) a massa analítica se organizou - apesar de tudo - da maneira exata que Freud descreveu a formação de grupos como o exército e a igreja, através da "introjeção" de um traço em um ego ideal partilhado (Freud, 2011, p. 75);

(2)no entanto, dado que o grupo de analistas é o conjunto daqueles que se posicionam de uma certa maneira no espaço clínico, o traço que organiza a massa analítica não é tão facilmente localizado dentro das sociedades psicanalíticas na figura de um líder ou de uma orientação normativa partilhada, aparecendo antes como um ideal para a prática clínica;

(3) tal traço - cuja função era, primariamente, a de organizar a sociedade analítica - apareceria, portanto, dentro da própria clínica, um traço da relação entre analista e analisando que serve de verificaçãoda pertença de alguém ao grupo de analistas. Assim, o sentido de permanência e a divisão clara entre dentro e fora, qualificações próprias às relações de filiação a um grupo, retornavam na clínica informado e qualificando um desvio metapsicológico particular - a saber, a teoria do "Ego forte" - e a série de restrições técnicas associadas à direção do tratamento que se orienta por tal força egóica de defesa.

(4)ou seja, na psicanálise, aquilo que não tem nome institucional retorna como metapsicologia na clínica.

É importante notar que esse argumento de Lacan convoca as dimensões institucionais,clínicas e conceituais em torno de um problema irredutível a qualquer uma dessas três esferas: como identificar e agrupar o conjunto daqueles cuja única propriedade compartilhada é a de dissolver identificações grupais?

Mas por que tal construção requereria que Lacan invertesse o título de Psicologia das massas e Análise do Eu? Para compreender esta mudança - que claramente reflete a mudança no posicionamento de Lacan, antes e depois da fundação da sua Escola - devemos antes notar o pressuposto não-trivial implicado no argumento de Lacan, a saber, a ideia de que a sobreposição que une a clínica à comunidade analítica não deve ser aquela que faz equivaler o psicanalista na clínica e o membro da sociedade freudiana - um elo positivo - mas entre o que simultaneamente escapa ao circuito das identificações na transferência e ao ideal do eu na instituição. Todavia, não existe tal causa negativa na teoria freudiana das massas - quer dizer, não existe um real próprio à socialização, não existe singularidade coletiva. Esta é a razão pela qual Lacan enfatiza que ele está envolvido em "um esforço de análise no sentido próprio do termo" ainda que esteja lidando com um problema institucional: os desafios próprios a fundação da EFP demandavam de Lacan o compromisso com uma nova hipótese, que não pode ser encontrada como tal na doutrina freudiana, ainda que essa adição fosse necessária para nos mantermos fiéis ao próprio Freud.

Antes de seguirmos analisando em mais detalhes os desafios de tal massenanalyse, bem como suas implicações políticas e filosóficas, devemos notar que essa questão suplementar - acerca das novas elaborações conceituais necessárias para dar conta do impasse da Escola - viria a se tornar também um problema central no ensino de Lacan. Isso é particularmente claro em seus seminários do final dos anos 60, que lidam de maneira mais direta com a relação entre saber e gozo. Sem nos aprofundarmos muito nesse difícil tema, é suficiente afirmar que as investigações de Lacan acerca do saber como um meio de gozo( Lacan, 2007, p. 39) acrescentaram uma outra condição ao problema já delineado em 1961: como agrupar a comunidade daqueles que não pertencem a qualquer grupo sem constituir o grupo daqueles que se identificam negativamente, isso é, tomam a 'ausência de identidade' como insígnia? Isto é, como evitar o laço social igualmente perigoso baseado no saber da falta de identidade? Se mobilizarmos uma vez mais nosso modelo triádico, vemos que a real ameaça ao ensino de Lacan, após a fundação de sua Escola, não era outra senão a própria obra de Lacan. Isso é, tornava-se possível ignorar as tarefas com as quais se confrontava a EFP seguindo à risca as elaborações de Lacan, ou seja, tomando seu ensino por uma garantia de que se é um analista, tal como permitia a doutrina do "ego forte", cuja função na organização das sociedades freudianas Lacan já havia denunciado.

A questão, assim, se torna: será que Lacan conseguiu resolver esse impasse, que marcou de maneira tão profunda o seu ensino? A resposta é claramente negativa: não somente o problema de como amarrar de maneira intrínseca as questões conceituais, clínicas e institucionais da psicanálise não foi propriamente resolvido, mas a questão tampouco chegou a ser tematizada de maneira explícita por Lacan. Sem dúvida, a teoria do fim de análise como a passagem de analisando a analista, já em sua primeira formulação, oferece-nos todas as peças necessárias para construir o problema de forma rigorosa, e podemos argumentar que o mecanismo do passe poderia até mesmo permitir uma resposta mais consistente a este impasse, mas é de todo modo um fato que a Escola de Lacan foi dissolvida em 1980 e que o passe, já em 1978, foi considerado por ele "um fracasso total"( Lacan, 1978, p. 181).

 

4. Desejo, ato e discurso: três nomes para um impasse.

Propusemos o seguinte esquema como um modelo capaz de discernir a ruptura que efetivamente distingue dois momentos separados da trajetória do ensino lacaniano:

 

 

Vimos também como este novo impasse traz à tona a necessidade de amarrar, de maneira imanente, a forma de organização da comunidade analítica, a direção do tratamento na clínica e o aparato conceitual da metapsicologia. Esse problema, contudo, não é nem inteiramente conceitual (ele também tem consequências para o manejo da transferência e para a compreensão conceitual da subjetividade), nem puramente clínico (já que as diferentes posições clínicas informam os traços de pertença à comunidade analítica, bem como o papel do ensino e da transmissão na Escola), e nem exclusivamente conceitual (dado que diferentes "compromissos ontológicos" acerca do lugar da negatividade e do desejo restringem de maneiras diferentes a prática analítica e o laço social da Escola). Além disso, o caráter excessivo desse impasse acaba por reduplicar o problema em questão: afinal, seria uma questão que não pode ser inscrita em nenhum dos domínios internos à psicanálise uma questão estritamente psicanalítica? Estamos lidando com um problema essencialmente impuro, tanto porque contamina cada registro com elementos que pertencem aos outros dois, quanto por introduzir na psicanálise uma questão que parece estar ligeiramente fora de seu próprio escopo.

Esse problema se apresenta de maneira esclarecedora se comparamos as duas conceitualizações de Lacan acerca do "desejo de analista" - primeiramente, no seu seminário sobre ética e, depois de sua ruptura com a SFP, em seu décimo primeiro seminário.

Como já vimos, a questão de como encontrar um fundamento alternativo para a posição do analista, subtraído do circuito da contra-transferência, das formações de grupo e da lassidão conceitual, já estava colocada para Lacan no final dos anos 1950. Em 1958, o psicanalista escreveu um de seus textos mais importantes, A Direção do Tratamento e os Princípios de seu Poder, onde encontramos uma primeira articulação explícita a respeito da necessidade de distinguirmos entre o desejo de analista e o desejo de ser um analista - essa última, a posição que buscaria unir as diferentes instâncias psicanalíticas em um ponto positivo, permanente e reconhecível( Lacan, 2006, p. 512).

Foi em torno desse mesmo período que Lacan iniciou seu famoso estudo da filosofia moral de Kant, e podemos agora entender o porquê: o problema de Kant - como pensar a conduta moral para além dos interesses patológicos sem por isso tomar como transcendental um conteúdo particular? - era justamente o problema que Lacan enfrentava de dentro do campo psicanalítico20.

Entre 1958 e 1960, Lacan se dedicou a desenvolver uma elaborada crítica da posição de Kant, buscando pensar as bases da retidão ética necessária de um analista, que deveria ser capaz de duvidar não somente das armadilhas da contra-transferência, mas também em seu reconhecimento como analista por seus pares e da conveniência de suas próprias elaborações conceituais - em síntese, uma posição capaz de se orientar por outra coisa que não seus interesses patológicos (Lacan, 1992, p. 300-301). Nesse período, Lacan elaborou uma concepção do desejo do analista como um desejo puro, apostando que seria possível resolver o impasse de enlaçar imanentemente as dimensões clínicas, institucionais e conceituais da psicanálise através de um tipo especial de retidão moral, orientada pela forma vazia do desejo tal como o fato vazio da Razão [faktum der Vernunft] orienta a ação moral na segunda Crítica de Kant. No entanto, em torno de 1963, uma vez ocorrida a ruptura com a SFP, Lacan concluiu seu famoso seminário acerca dos Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise com a seguinte afirmação:

"O desejo do analista não é um desejo puro. É um desejo de obter a diferença absoluta, aquela que intervém quando, confrontado com o significante primordial, o sujeito vem, pela primeira vez, à posição de se assujeitar a ele. Só aí pode surgir a significação de um amor sem limite, porque fora dos limites da lei, somente onde ele pode viver." (Lacan, 1998, p. 276)

O tema da ética praticamente desapareceria do ensino de Lacan a partir daí, e a referência à dimensão quasi-transcendental do desejo seria substituída pela investigação da teoria freudiana das pulsões. Todavia, essa mudança não deve ser entendida como um desenvolvimento puramente conceitual: na verdade, a alegação de que o desejo do analista não é puro - no sentido de ser alojado numa forma vazia e isenta de interesses patológicos - tem a consequência fundamental de tornar difusos os limites entre analista e analisando no procedimento analítico. Na citação acima já é de alguma forma claro que o cerne do desejo do analista - e o pivô de sua distinção do "desejo de ser analista" - está paradoxalmente do lado do analisando. Em síntese, ao trazer a teoria da pulsão, da dimensão objetal do sujeito, para o centro da consideração psicanalítica, Lacan também transformou sua teoria do desejo do analista, entendida agora como a capacidade prática de qualquer pessoa em sustentar a si próprio no ponto de uma "absoluta diferença"em relação à fala do analisando, ao invés de se orientar pela distância de seus próprios interesses patológicos.

Essa transformação é absolutamente inédita. Ela nos permite conceber o espaço institucional da psicanálise de forma completamente nova: do mesmo modo que a clínica deveria ser reformulada, após 1963, a partir do princípio de que o "inconsciente está do lado de fora"( Lacan, 1998, p. 276), também a comunidade analítica deveria se haver com a ideia de que ela é uma comunidade composta somente de seu próprio exterior, isto é, uma comunidade cujo centro esotérico coincide com seu material mais exotérico, a fala daqueles que procuram a análise devido a seus sofrimentos.

Essa nova posição a respeito do desejo do analista introduziu uma certa indistinção ou vacilação no cerne do procedimento analítico, aproximando no campo da pertença institucional as duas instâncias que estão em "absoluta diferença" na cena clínica - analista e analisando. Esta indistinção pode inclusive ser entendida como o motor do ensino de Lacan nos anos 60: a investigação que o leva, em rápida sucessão, da noção de desejo do analista àquela do ato analítico e em seguida ao discurso do analista.Podemos entender os três conceitos como sucessivas tentativas de pensar o ponto que une o processo psicanalítico em todas as suas dimensões, simultaneamente. Aquilo que distingue os três conceitos, pelo menos numa primeira aproximação, parece ser a profundidade dessa"parceria" que amarraria analista e analisando na intersecção impossível entre a clínica e a comunidade analítica.

A passagem da teoria do desejo de analista à teoria do ato analítico está, mais uma vez, ligada a duas outras dimensões do procedimento analítico: às elaborações de Lacan a respeito do objeto da psicanálise - quer dizer, o ponto de incidência da interpretação analítica - e os primeiros passos da École Freudienne de Paris, seus primeiros desafios reais, como estabelecer seus processos de admissão, formação e estudo( Lacan, 2001, p. 229-241). Este conceito deve ser distinguido do conceito de desejo do analista em pelo menos dois pontos fundamentais: primeiro, a teoria do ato procura fundamentar a posição do analista em suas consequências - isto é, existe um analista somente onde houver consequências analíticas de uma interpretação - e, em segundo lugar, ele introduz uma ambiguidade relacionada àquele que age. Seria o ato analítico um ato de interpretar um sintoma ou o ato da destituição subjetiva que cabe ao analisando? Em ambos os casos, a ideia de um ato analítico desloca o eixo da figura do analista para um ponto em que analista e analisando são estranhamente indiscerníveis21. Não é à toa que foi também neste contexto que Lacan desenvolveu sua teoria do passe, em que articula o ato analítico com o atravessamento da fantasia no fim da análise e a passagem do analisando àposição de psicanalista (Lacan, 2001, p. 234-240)22.

No entanto, já em 1969, Lacan afirmou não ter conseguido formalizar o conceito do ato (Lacan, 2006b, p. 296) e seguiu em frente, com a construção de sua teoria dos quatro discursos. Essa mudança no seu ensino é normalmente percebida como uma mudança de foco, como se a psicanálise por um instante deixasse de olhar para si mesma e se voltasse para os protestos políticos de Maio de 68. Todavia, existem no mínimo três boas razões para questionar essa explicação já desgastada: primeiro, outros eventos políticos haviam agitado a cena intelectual francesa desde que Lacan começara a promover seu ensino, e ele nunca antes havia se distanciado das questões estritamente psicanalíticas para dedicar-se a eles, como teria sido o caso com os seminários dedicados aos quatro discursos; segundo, Lacan é bastante claro ao afirmar que o discurso do analista, a forma singular de laço social introduzida pela psicanálise, seria o núcleo deste seu novo movimento conceitual, e somente em relação ao discurso analítico é que se tornava possível formalizar as demais estruturas discursivas (Lacan, 2007, p. 78)23; e, finalmente, à luz de nossa investigação atual, vemos que o tema do laço social analítico e de seus desvios é um tema cujo desenvolvimento implícito acompanhava Lacan pelo menos desde 1958. O discurso do analista foi desenvolvido como uma nova maneira de pensar aquilo que aparecera pela primeira vez como a "impureza" do desejo do analista, depois como um ponto indecidível - uma espécie de laço não-transferencial - entre analista e analisando, na noção do ato analítico. O conteúdo político da teoria dos discursos exemplifica, assim, o que chamamos anteriormente de "transição imanente" entre componentes de uma amarração borromeana: quanto mais Lacan se aproxima do problema da consistência interna do procedimento analítico, mais descobrimos estar, surpreendentemente, no território da filosofia e da política.

A teoria do discurso analítico substituiu a ambiguidade que apontamos no conceito de ato analítico por uma formalização clara, alinhando o objeto parcial da pulsão, do qual o analista faz um semblante, à produção de um novo significante do lado do sujeito da fala. Esta estrutura, que une, num laço paradoxal, o que Lacan chama de "saber do analista"ao significante sem sentido produzido pelo ato analítico, a posição do analista e o sujeito do inconsciente (Lacan, 2007, p. 38), é agora articulado como um laço social - jogando luz no modo como as dimensões clínicas e metapsicológicas da psicanálise devem ser pensadas juntamente a suas contra-partes sociais e institucionais.

 

 

Este breve panorama do ensino de Lacan nos permite traçar, pelo menos superficialmente, as insistentes tentativas de localizar, cada vez em um registro diferente e através de diferentes procedimentos formais, a impureza que decentraliza a posição do analista, condicionando-a a uma outra instância, a divisão do sujeito, que, de forma paradoxal, só existe enquanto tal no próprio processo analítico. Lacan logo deixaria de referir-se também ao discurso do analista, e o que é conhecido pelos exegetas como "o ultimo ensino de Lacan" teria aí seu ponto de partida (Milner, 1995). É curioso notar que o nó borromeano se tornou uma peça realmente central no formalismo lacaniano precisamente no momento em que o impasse que estamos traçando perdeu qualquer referência explícita em seu ensino. Foi também nesse contexto que a École Freudienne de Paris lentamente se desintegrou.

No entanto, no momento mesmo da falência do inovador projeto institucional de Lacan, encontramos um evento muito especial, um lembrete indelével da necessidade de retornarmos ao desafio que assombrou Lacan pelo menos desde 1964. Nosso débito aqui é com ninguém menos que Louis Althusser. Althusser já havia tido um papel crucial em 1963, quando ele ofereceu a Lacan um lugar novo para ministrar suas aulas, seus próprios estudantes como audiência e uma leitura renovada de Marx que claramente influenciou as elaborações subsequentes de Lacan. Porém, em 15 de março de 1980, no último encontro da EFP, Althusser apareceu - sem ser convidado - para confrontar a psicanálise com a impureza no seio de seu próprio procedimento. Foi assim que Althusser resumiu o caso:

Minha intervenção foi para dizer que o caso da dissolução da EFP não era da minha conta, mas que, ouvindo a todos vocês, há um procedimento jurídico que Lacan claramente anunciou, queira ele ou não, e ele deve saber, pois ele conhece a lei, e todo esse negócio é bem simples: saber se cada um vai votar sim ou não amanhã no tópico da dissolução. Sobre isso eu não tenho nenhuma opinião, mas é um ato político, e um ato político não se toma sozinho, como Lacan o fez, mas deve ser refletido e debatido democraticamente por todas as partes concernidas, a primeira delas sendo suas "massas", que são os analisandos, sua "massa" e seus "verdadeiros professores", que os analisandos realmente são, e não apenas por um indivíduo solitário, em segredo na Rue de Lille 5; se não é despotismo, mesmo se esclarecido. ()

De todo modo, eu disse, abertamente, o que vocês estão fazendo é política e nada mais; vocês estão imersos num processo político e nada mais. () E, em todo caso, fazer política, como vocês e Lacan estão fazendo, tem sempre consequências. Se você pensa que você não está fazendo nada, espere um pouco; cairá sobre sua cabeça, ou ainda, o que é pior, não cairá sobre suas cabeças, já que vocês estão bem protegidos e sabem se cuidar. Na verdade, cairá na cabeça dos pobres coitados que se deitam em seus divãs e em seus conhecidos, e nos conhecidos de seus conhecidos, e assim ao infinito.( Althusser, 1999, p. 132)

A intervenção de Althusser incide sobre as duas dimensões da impureza que delineamos anteriormente. Primeiro, ela aponta para o papel dos analisandos na constituição do procedimento analítico, ou seja, a dependência dos analistas de seus "verdadeiros professores". Segundo, ela distingue a dimensão reduplicada ou excessiva do enlace desse procedimento ao nomeá-lo um ato político.

 

 

5. Psicanálise, política e filosofia: o axioma do pensamento žižekiano.

Qual seria, portanto, a enigmática relação entre política e psicanálise? Como pudemos ver, no coração da própria psicanálise, encontramos um certo excesso politico, distinto tanto das aplicações políticas da teoria psicanalítica, quanto das ambições freudo-marxistas: o problema imanentemente psicanalítico de como relacionar as complexas questões em torno do desejo do analista e o papel dos analisandos na composição da "massa analítica". Estamos agora em condição de acrescentar à nossa hipótese inicial, a respeito da ruptura efetiva no ensino de Lacan, uma nova proposta, a saber, a de que o problema que guiou seu trabalho nos anos 1960 - e que foi entendido por Althusser, em 1980, como a dimensão política imanente ao procedimento psicanalítico - é o problema ainda em aberto que define o que significa ser fiel a Lacan hoje.

É somente à luz desse impasse que podemos apreciar plenamente a aposta de Žižek de que há um certo fracasso no seio do projeto lacaniano que deve ser retomado mais uma vez:

"Quando Lacan introduz o termo 'desejo do analista' é uma maneira de dissipar a ideia de que o clímax do tratamento analítico seria uma espécie de insight monumental no abismo do Real, a 'travessia da fantasia', da qual, no dia seguinte, retornamos para a sóbria realidade social, retomando nossos papéis sociais usuais - a psicanálise não é um insight que só pode ser partilhado nos preciosos momentos iniciáticos. O objetivo de Lacan é estabelecer a possibilidade de um coletivo de analistas, é discernir o que seria um laço social possível entre analistas () Éuma aposta arriscada: seria toda comunidade baseada na figura do Mestre ou de seu derivado, a figura do Saber? Ou existe uma chance para um laço diferente? É claro, o resultado desta luta foi um fracasso avassalador, por toda a história da psicanálise, de Freud à obra tardia de Lacan e de sua Escola - mas é uma luta que vale a pena continuar. Esse é o momento propriamente leninista de Lacan: lembremos como, em seus últimos escritos, ele lidava constantemente com as questões organizacionais da Escola" (Zizek, 2006, p. 305-306).

Não suficiente, é tambémà medida em que conseguimos vislumbrar a conveniência de ocultar o fracasso da psicanálise em pensar sua própria consistência por trás do diagnóstico de que viveríamos numa nova ordem simbólica ela mesma inconsistente, que podemos entender um pouco melhor a conclusão a que chega finalmente Žižek:

"E se, numa situação em que o próprio Inconsciente, em seu sentido estritamente freudiano, está desaparecendo, a tarefa do analista não for mais a de tornar o significante-mestre inoperante, mas, ao contrário, construir/propor/estabelecer, novos significantes mestres? Não é assim que devemos (ou, pelo menos, podemos) levar a expressão lacaniana 'vers un signifiant nouveau'?"24

Reconstruímos o ensino de Lacan a partir de um de suas apostas implícitas, uma aposta que diz respeito ao "momento propriamente leninista" de Lacan: a hipótese de que a articulação entre a prática clínica, a metapsicologia freudiana e a comunidade psicanalítica deve ser pensada, simultaneamente, como um problema psicanalítico e politico. Porém, o que nos permitiria conceber esta transitividade entre as questões analíticas e políticas sem implicar assim uma relação de complementariedade entre os dois campos, como no caso dos freudo-marxistas, nem tampouco um espaço extrínseco a ambos, como no caso da intervenção de Althusser em 1980?

O que se faz necessário aqui é justamente uma teoria da relação não-complementar entre os três domínios: política, psicanálise e filosofia. Esta é a razão pela qual a posição de Žižek, que já identificamos com este "espaço teórico" preciso, é capaz de apresentar uma leitura de Lacan que traz à tona o intricado problema que traçamos nesta investigação: o pensamento žižekiano é construído como uma generalização do impasse lacaniano, tornando-o uma verdadeira teoria da amarração destes três campos heterogêneos de pensamento.

 

 

Por fim, esta investigação preliminar nos permite responder aos comentários, por vezes desdenhosos, a respeito do uso que Žižek faz da cultura popular, tomado normalmente como um sinal de um engajamento superficial ou vulgar com esses diferentes domínios do conhecimento.

Ao contrário, podemos ver como "cultura popular" é o nome dado, no projeto žižekiano, à forma mesma do procedimento analítico tomado em sua consistência. Ele nomeia a forma geral do problema com que Lacan foi subitamente confrontado em 1964 quando, depois da criação da École Freudienne de Paris, ele teve que extrair as consequências para uma teoria do laço social do fato de que o inconsciente é uma forma paradoxal de externalidade que, mesmo tendo a forma de uma outra cena, ainda assim não tolera nenhuma interioridade.

"Cultura popular" é um nome para a coragem de confrontar o desafio colocado pelo próprio Lacan quando, num "esforço de análise no próprio sentido do termo", ele discerniu a necessidade desenvolvermos - se é que há um desejo verdadeiro de inscrever a psicanálise no mundo - uma teoria da massenanalyse.

 

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Recebido/Received: 30.11.2015/11.30.2015
Aceito/Accepted: 21.12.2015/12.21.2015

 

 

1 Este trabalho foi originalmente publicado em inglês, no livro Repeating Žižek (Duke Press, 2015), editado por Agon Hamza.
3 Lacan, J. (2001) Autres Écrits Paris: Éditions du Seuil, p.283
4 Sua primeira tentativa de revelar "um Lacan diferente (
), extremamente sensível aos câmbios nas tendências ideológicas hegemônicas" pode ser encontrado em Žižek, S. (2001), On Belief London: Routledge - p.29
5 Um encadeamento "borromeano" (não trata-se verdadeiramente de um nó), é uma estrutura da teoria matemática dos nós e laços, evocada repetidamente por Lacan. Trata-se de uma amarração curiosa, de, no mínimo, três componentes fechados distintos - podemos imaginar três círculos, A, B e C - tal que, para cada dois componentes tomados separadamente- (A,B), (B, C), (A,C) - não há encadeamento (quando um círculo passa por dentro do outro, como numa corrente). O que encadeia A a B é C, o que encadeia B com C é A, e por aí vai. Nenhum componente está diretamente ligado ao outro, a não ser por um terceiro, também encadeado aos demais sob esse mesmo princípio. Livingston, Charles (1996), Knot Theory (Mathematical Association of America Textbooks), p.10;
6 Um estudo importante ainda está para ser realizado, a respeito das conexões entre diversos traços que distinguem duas fasesda obra de
Žižek: a primeira, presente em seus primeiros trabalhos, tem Laclau como seu interlocutor privilegiado, a democracia radical como ideal politico e aceita em grande parte a crítica marxista da religião; a segunda, observável depois de The Ticklish Subject (1999), revitaliza a cristologia de Hegel, tem Badiou como interlocutor e a hipótese comunista como emblema politico. Todavia, a conexão conceitual entre essa mudança e a possibilidade de uma posição mais crítica frente aos desvios ideológicos da psicanálise ainda é obscura.
7
Žižek, S. (2006) Parallax View London: Verso, p.16-67; (2010) Living In the End Times London:Verso, p.181-243; (2012) Less Than Nothing London: Verso, p.241-264
8
Žižek, S. Žižek, S. (2001), On Belief London: Routledge, p.29-33; (2006) Parallax View London: Verso, p.252-270, p.298-308; (2012) Less Than Nothing London: Verso, p.963-1010
9 Um exemplo brilhante de como se daria essa relação imanente e não-complementar entre dois campos pode ser encontrado na leitura que
Žižek faz da obra do economista marxista Alfred Sohn-Rethel. Citamos aqui a conclusão de uma análise de Žižek sobre a relação entre política e filosofia: "Somos capazes agora de formular precisamente a natureza 'escandalosa' para afilosofia do feito de Sohn-Rethel: ele confrontou o círculo fechado da reflexão filosófica com um lugar externo onde sua forma é concretamente encenada. A reflexão filosófica é, portanto, submetida a uma experiência angustiante, similar àquelas sintetizadas pela velha formula oriental 'tu és isto´: ali, na efetividade externa do processo de troca, é o seu verdadeiro lugar; lá está o teatro no qual sua verdade foi encenada antes que você soubesse disso. A confrontação com este lugar é intolerável porque a filosofia como tal é definida por sua cegueira quanto a este lugar: ela não pode considera-lo sem dissolver-se a si própria, sem perder sua consistência" Žižek, S. (1989) The Sublime Object of Ideology London: Verso, p.17
10 Devemos ao livro Mal-Estar, Sofrimento e Sintoma (Boitempo, 2015) de Christian Dunker, não só uma sistemática "crítica da razão diagnóstica", mas também uma extensa e exemplar análise da racionalidade diagnóstica no Brasil.
11 www.wapol.org (acessado em 15 de Outubro de 2015)
12 Referimos o leitor à página da web do VIII Congresso Internacional da WAP, chamado "A Ordem Simbólica no Século XXI - ela não é mais o que era antes: quais as consequências para o tratamento?": http://2012.congresoamp.com/ (acessado em 3 de janeiro de 2014)
13 Floury, N. (2010), Le réel insensé - Introduction à la pensée de Jacques- Alain Miller, (Germina). p.64-65; Miller, J.-A. ed. (2000), La Psicosis Ordinaria, (Paidós). p. 9
14 "O ponto essencial de nossa crítica das chamadas novas patologias é o método, ou melhor, a falta de método, com o qual elas, por si próprias, estabelecem, apresentam, interpretam e transmitem fatos clínicos" Porge, E. (2007), Transmitir La Clinica Psicoanalitica, (Nueva Visión). p.9
15 "The real in the 21st Century" - disponível em: http://www.lacanquotidien.fr/blog/2012/05/the-real-in-the-21st-century-by-jacques-alain-miller/ (acessado em 3 de janeiro de 2014)
16 Lacan, em seu Pequeno Discurso aos Psiquiatras, em 1967, afirma: "Há algo de muito surpreendente, que é o que aqueles que fazem muito bem o trabalho de transmissão, [ao fazê-lo] sem de fato nomeá-lo, frequentemente perdem a oportunidade, que é bastante visível no texto, de contribuir com a pequena ideia que eles poderiam ter apresentado ali! Pequena ou até mesmo muito grande. (
) Por que é que eles produziriam uma pequena inovação? É porque, ao me citarem, no próprio fato de me citarem, eles presentificariam () o contexto de uma luta ["context de bagarre"] no qual eu produzi tudo isso. Desde o simples fato de afirmá-lo no contexto da luta, isto me poria em meu lugar, e permitira-os produzir então uma pequena inovação" Lacan, J. (1979), 'Petit Discours aux Psychiatres', Lettres de l'École, Vol 2, n.25 Paris: Éditions du ECF, p.66
17 A SFP foi um "ramo" francês da IPA. Um diagrama muito útil das instituições psicanalíticas desde os tempos de Freud até o presente pode ser encontrado como um apêndice na biografia de Lacan escrita por Roudinesco (1997).
18 Ver 'Proposition du 9 octobre 1967 sur le psychanalyste de l'École', in Lacan, J. (2001) Autres Écrits Paris: Éditions du Seuil
19 Em seu estudo Os Nomes-do-Pai em Jacques Lacan (1998), Erik Porge retraça as justaposições surpreendentemente recorrentes, ao longo do ensino de Lacan, de menções ao seminário interrompido de 1962, a "excomunhão" da IPA e o conceito dos nomes-do-pai.
20 Lacan fala, em Kant com Sade, justamente de uma "crítica da Razão a partir da impureza" (Lacan, 2006, p.654)
21 Ver a aula de 15 de novembro de 1967, no seminário não publicado de Lacan sobre o ato psicanalítico.
24 Ibid.

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