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Analytica: Revista de Psicanálise

versão On-line ISSN 2316-5197

Analytica vol.4 no.7 São João del Rei jul./dez. 2015

 

Alternativas anticapitalistas e contraposição internacional

 

Anticapitalistic alternatives an international contraposition

 

Alternatives anti-capitalistes et contraposition international

 

Alternativas anti-capitalistas y contraposición internacional

 

 

Fernando Barcellos

Graduando em Relações Internacionais pela UFF. fernandobarcellos@rocketmail.com

 

 


RESUMO

O presente artigo busca estudar as possibilidades de contraposição ao neoliberalismo a nível internacional, buscando entender de que forma as alternativas ao sistema e as lutas são produzidas pelos próprios opositores e de como a partir de movimentos locais, regionais e nacionais a princípio desconexos, na verdade há um nexo de oposição comum: um modo de produção que atinge de maneiras diferentes as partes em luta. Todavia que guarda em si uma estrutura geral de contradição e opressão, mas que ainda assim possui em si mesmo os meios pelos quais se lhe opor.

Palavras-chave: Estado, hegemonia, proletariado internacional, biopolítica, movimentos sociais.


ABSTRACT

The present article aims at studying the possible contraposition neoliberalism faces into the international level, seeking to understand in which way the alternatives to the system and the struggles are produced by the objectors themselves and how through local, regional and national movements, in a first sight unconnected, there is an actual common opposition nexus: a production model that hits in different manners the groups in struggle in a general contradictory and oppressive structure, but that even so has in itself the means by which opposition may be created.

Keywords: State, hegemony, international proletariat, biopolitics, social movements.


RÉSUMÉ

Cet article vise à explorer les possibilités d' opposition au néolibéralisme à l'échelle internationale, en essayant de comprendre comment des alternatives au système et les combats de classe sont produites par leurs propres adversaires du système capitaliste à partir de mouvements locaux, régionaux et nationaux sans lien en principe mais que en réalité possèdes un lien commune d'opposition: un mode de production qui affecte de différentes manières les parties en conflit. Cependant, bien que ce système garde un cadre général de conflit et d'oppression, il possède encore en lui-même les moyens par lesquels de s'y opposer.

Mots-clés: l'Etat, l'hégémonie, le prolétariat international, la biopolitique, les mouvements sociaux.


RESUMEN

Este artículo trata de explorar las posibilidades de oposición al neoliberalismo al nivel internacional, tratando de comprender cómo las alternativas al sistema capitalista y las luchas sociales son producidas por los propios objetores del sistema: desde movimientos locales, regionales y nacionales en principio desconectados, pero que en realidad tienen un nexo de oposición común: se oponen a un modo de producción que afecta de diferentes formas las partes en conflicto y que sin embargo guarda en sí un marco general de las contradicciones y de la opresión. Todavía, los medios para se lo oponer al sistema están en su proprio núcleo.

Palabras clave: Estado, hegemonía, proletariado internacional, la biopolítica, los movimientos sociales.


 

 

Introdução

Desde o pós-segunda guerra mundial os Estados Unidos gestaram uma ordem político-econômica estruturalmente rígida e a qual com a derrocada da União Soviética não se vê o aparecimento de uma ordem alternativa, mas sim reivindicações de maior participação na estrutura vigente por parte de potências emergentes que ascendem se mantendo dentro das regras do jogo do status quo e desejosas de mais espaço para ter mais atuação na mesma estrutura hegemônica. Isso leva a questionamentos diretos sobre se aquilo que Fukuyama chamava o "Fim da História" (FUKUYAMA, 1989), ou seja, a vitória permanente do neoliberalismo, é uma verdade concretizada.

Nesse sentido, o realismo, enquanto teoria política dominante nas análises de relações internacionais trata a atuação dos Estados como principal ação política na ordem global, submetendo qualquer análise sobre a estrutura do poder internacional à ação dos Estados enquanto unidades homogêneas, guiadas por interesses nacionais também homogeneamente refletidos, o que retira qualquer perspectiva de uma análise de classes sociais dentro de uma ordem global.

Contudo, dentro de uma perspectiva de luta de classes, é possível destacar também um conjunto de ações realizadas por grupos de oprimidos, que conectam ações locais a movimentos internacionais com vistas a contestar as opressões de forma mais geral, tal como é ressaltado na análise de Michael Hardt do Fórum econômico mundial (HARDT, 2002).

Interpretando esse autor, tal quais outros autores marxistas como Robert Cox e Stephen Gill, a contestação à ordem neoliberal não deve ser vista com base apenas na ação do Estado, sendo que é justamente essa perspectiva de análise: tendo o Estado como ente central da ação política que serve como base à hegemonia ideológica dos EUA e reforça aparência da inexistência de contestações à ordem neoliberal contemporânea. O presente artigo busca discutir, dessa maneira, a relação entre hegemonia e contestação na atual ordem global, buscando refletir também acerca de como sistema gera sua própria contraposição.

 

O Estado, a sociedade de classes e a formulação da política externa.

O realismo se baseia na naturalização do comportamento dos Estados a partir de uma naturalização de um dado comportamento humano. Para os realistas, os Estados, tais como os homens, estão a todo o momento em uma luta pela sobrevivência porque a todo o momento têm medo de serem atacados, logo os Estados são unidades inseridas em uma estrutura de comportamento que os constrangem: a anarquia.

A anarquia é a estrutura de comportamento em que há a possibilidade de o Estado ser atacado por outro e não há um mecanismo acima deles para evitar que esses ataques ocorram, logo é o próprio Estado que deve prover os meios de garantir sua segurança. Essa ideia é retirada do pensamento hobbesiano de luta de todos contra todos, na qual o homem se encontraria em seu Estado natural (HOBBES, 2013).

Para assegurar, então, que o medo da morte violenta não esteja presente na vida humana a única saída possível seria a realização do contrato social. Nele, os homens acordariam mutuamente em entregar a um ser superior - o Deus-mortal segundo Hobbes, ou seja, o monarca - as determinações sobre a vida e a morte através de um acordo geral entre todos na sociedade. A essa ideia Hobbesiana os realistas abstraíram o comportamento do homem pelo comportamento do estado. Porém, os Estados não poderiam realizar um contrato social por não haver um ser superior acima deles, ou um Superestado. Dessa forma, entre eles reina a anarquia, ou seja, a guerra de todos contra todos.

Robert Cox desenvolve sua teoria crítica em cima dessa tese realista. Para o autor, toda teoria é feita com base em uma perspectiva, daquele que a escreve, e este tem fins políticos: "Theory is always for someone and for some purpose. All theories have a perspective" (COX, 1987, p.207). Nesse sentido, o realismo é um recorte da realidade que tem o objetivo de ser universalizado. Esse processo de universalização da teoria passa pela sua naturalização, ou ainda, a defesa que a teoria é uma constatação da realidade tal como ela é e sempre foi. Além disso, o processo de universalização da teoria realista passa por uma afirmação de que seus teóricos fazem uma ciência neutra e que, portanto, está acima de interesses políticos.

Cox, então, amplia sua crítica ao neorrealismo através do conceito de Hegemonia em Gramsci. Para o autor italiano, o poder que é a relação de imposição de um mando e sua subsequente obediência por outrem não necessita apenas da força material para ser exercido. Ele precisa também da capacidade de difundir valores, ideias e práticas por parte dos mandantes e que sejam aceitos pelos mandados. Nesse sentido, a teoria realista goza de um forte conteúdo hegemônico. Porque por mais que se tente transpassar por neutra cientificamente e universal reflete o discurso de um intelectual orgânico1 estadunidense no sentido de manter a hegemonia do poder norte americano.

Cox demonstra, por conseguinte, como o realismo é uma teoria de solução de problemas que tem por objetivo manter a realidade tal como está a partir da defesa de que ela sempre foi e será assim, o que beneficia o poder norte-americano.

Os autores Michael Hardt e Antonio Negri faz uma constatação sobre a hegemonia dos EUA no seu livro "Empire" que amplia a visão coxiana: "the concept of Empire presents itself not as a historical regime originating in conquest, but rather as an order that effectively suspends history and thereby xes the existing state of affairs for eternity" (HARDT; NEGRI, p. xiv - prefácio, 2000). Ou seja, a ideia de império está próxima da tentativa da teoria realista de congelar o tempo social, ou seja, mascarar as relações de posição e contraposição ao longo da história das sociedades. Pois como o próprio autor afirma: "[Empire] not only regulates human interactions but also seeks directly to rule over human nature" (HARDT; NEGRI, p. xv - prefácio, 2000). Portanto é possível perceber que a naturalização de uma ideia é utilizada pelos hegemonistas como um meio de manter seu poder.

Contudo, Cox ainda influenciado por Gramsci, no sentido do materialismo histórico, desconsidera a definição de Estado como unidade de exercício homogêneo do poder sem conflitos e contradições internas e afirma que o Estado é um espaço em que diferentes forças sociais como a burguesia, o campesinato, as classes médias urbanas, ou outras classes que formam a sociedade civil estão em conflito para determinar quem controlará a sociedade política que é a estratégia e são os fins do Estado. Cox, também ressalta que o realismo não leva em conta em relações de produção que podem provocar mudanças sócio-políticas no Estado através do choque de classes.

Para Cox o realismo desconsidera a mudança estrutural, analisando que a estrutura de Estados é permanentemente anárquica, o que o materialismo-histórico contrapõe, afirmando ser possível a ruptura da estrutura através do choque de forças opostas. Além disso, ele analisa que o materialismo-histórico considera a dialética como construção teórica de uma parte da realidade que tem embutidas oposições nelas e que pretende se construir e reconstruir para se ajustar à realidade histórica. Ao contrário do realismo que toma sua teoria como universal e, portanto válida em qualquer momento sócio-histórico.

Segundo o Cox, a sociedade política é controlada pela força hegemônica que derrota as demais forças sociais porque consegue fazer com que seus valores virem ontologia, ou seja, se naturalizem. Porém, há uma dialética interna ao Estado explicada através do conceito de "Bloco Histórico" de Gramsci: a partir do momento que os valores e ideias de uma força hegemônica começam a se desgastar surge uma nova força social que se coloca no limiar de tomar o poder. Neste momento a força hegemônica passa apenas a se utilizar da força material e não mais apenas dos valores para manter-se no poder. O "Bloco Histórico" é, então, aquele que consegue derrotar a força hegemônica presente e se estabelecer, posteriormente, como tal através de uma partilha de valores entre classes diferentes.

Há, portanto, uma relação dialética interna ao Estado, ele não é uma unidade homogênea de poder como pretendia o realismo. A força hegemônica é quem determina as políticas públicas, assim como a política externa através de seu mando e seus valores.

Além da necessidade de partilhar valores para fazer valer o mando, a sociedade política precisa exercer seu poder material e este é desigual no mundo porque alguns Estados têm maior acesso à propriedade dos recursos naturais e, portanto, maior capacidade de transformar recursos em poder que outros. Logo, em relação à economia política, o mundo é divido entre um Centro, concentrador de poder e uma periferia subordinada a esse poder. Isso é contrário à ideia realista de Sistema Internacional em que os Estados como unidades homogêneas lutam por sua sobrevivência, se agrupando em polos de poder e assim se contrapondo. Essa análise, todavia, deixa de lado os elementos que determinam o exercício de poder como a difusão de valores, ideias e práticas e a desigualdade de propriedade dos recursos materiais.

Portanto, o realismo é uma teoria que visa manter a hegemonia norte-americana no mundo, naturalizando as guerras - através da justificativa de luta pela sobrevivência dos Estados - porque os EUA são o principal Estado capaz de fazê-las e assim ele mesmo se beneficia com o argumento hobbesiano de "guerra de todos contra todos" porque assim tem justificativa para as imposições do seu mando através da força material. Mas como a Pax Americanna é uma hegemonia que também faz partilhar com o mundo valores, ideias e práticas; as instituições, os valores liberais e de respeitos aos direitos humanos e o livre fluxo de capitais do sistema financeiro mundial fazem com que a hegemonia dos EUA também seja aceita sem ser preciso o uso material direto do poder. Isso se dá ou porque os outros Estados se beneficiam dessas práticas ou porque realmente creem que elas sejam positivas.

A essa análise se soma o conceito de ideologia cínica de Slavoj Zizek (PARRA, 2009). Para o filósofo a ideologia não é apenas uma ideia que transforma submetidos sem que eles se apercebam da própria submissão. O capitalismo contemporâneo, pelo contrário, afirma seu compromisso com todas as liberdades (civis, políticas, religiosas), mas ao mesmo tempo impede qualquer contraposição que visa alterar a estrutura de classes. Dessa forma o cinismo se estabelece entre o discurso e a prática. Por mais que se enfatize a manutenção da liberdade como pressuposto, se nega, de forma aberta e tenaz qualquer contestação à estrutura da ordem. A mesma relação de ideologia cínica se estabelece na hegemonia norte-americana: o respeito aos direitos humanos é utilizado como arma contra os regimes inimigos, mas a matança de civis inocentes é considerada "efeito colateral" na Guerra do Afeganistão. A ideologia se estabelece como compromisso da aceitação da alteridade, mas como prática de negação da contestação da própria ideologia.

 

As múltiplas contestações: o elemento de luta comum e os desafios à contraposição

Stephen Gill, por outro lado, em sua análise sobre o neoliberalismo como prática hegemônica percebe que desde os anos 1990 surge uma prática transnacional de contestação diante dos males que impactaram as pessoas com adoção da cartilha do Consenso de Washington (GILL, 2000). Para Gill, os protestos em Seattle em 1999 quando do Fórum Econômico Mundial, realizados por movimentos sociais, grupos étnicos minoritários, ambientalistas, membros do movimento de mulheres negras, entre outros, de alguma forma impactados negativamente pelas políticas neoliberais como privatização de serviços públicos, ampliação compra de terras no campo por multinacionais produtoras de transgênicos, entre outros aspectos, representaram uma nova prática política de contraposição hegemônica diferente daquela realizada ao longo do século XX através de instituições como os partidos políticos e os sindicatos. Por isso, Gill, em referência ao conceito de "Príncipe Moderno" de Gramsci que era o Partido Comunista o qual através da difusão dos valores socialistas diante das massas deveria provocar uma mudança de mentalidade para haver uma mudança de prática política, cunha o termo "Príncipe Pós-moderno", designando que no século XXI a contraposição hegemônica não se daria mais através da condução do Partido Comunista, símbolo de uma organização política centralizada, mas sim através da ação de movimentos e grupos político-sociais prejudicados com as práticas neoliberais.

Tal análise de Gill ataca diretamente o realismo ao retirar dos Estados a primazia de atores do Sistema Internacional. Nesse sentido, os atores transnacionais como os indivíduos, ONG's, movimentos sociais também passariam a influenciar e participar das relações de poder para além do âmbito local. Quebrando, assim, a lógica realista de uma política internacional partindo da unidade Estatal para a anarquia de Estados. Pelo contrário, Gill instaura a lógica de movimentos políticos locais virem a se transformar em movimentos políticos globais. Principalmente movimentos de contestação às práticas hegemônicas político-econômicamente estabelecidas.

Assim, há uma ruptura com a ideia de política internacional conduzida apenas pela ação dos Estados. Todavia, à visão mais positiva de Gill é necessário contrapor às dificuldades para o movimento anti-hegemônico global que Michael Hardt (HARDT, 2002) ressalta dentro do debate sobre alternativas contra o neoliberalismo que, segundo ele, está divido em dois grupos os quais ele percebeu como possuidores de visões antagônicas no Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre em 2002. De um lado se encontravam os partidos políticos e organizações centralizadas os quais Hardt menciona como exemplo o Partido dos Trabalhadores, símbolo da esquerda no Brasil a e ONG francesa ATTAC cujo objetivo é lutar por reformas no sistema financeiro internacional e à qual eram ligados renomados políticos da França. Entretanto, do outro lado se encontravam os movimentos sociais descentralizados, cujas ações se conectavam em rede e cujo exemplo mais categórico dado por Hardt são os movimentos sociais argentinos.

O primeiro grupo era, então, detentor do discurso oficial porque era composto por instituições com um programa delimitado e porta-vozes que afirmavam a necessidade de reforço da soberania dos Estados frente ao livre fluxo internacional de capitais e aos impositivos do livre mercado. Ou seja, queriam seja o reforço do poder nacional frente ao movimento de globalização. Na análise de Hardt esses grupos defendiam essa linha por serem organizações que visavam ganhar a estrutura de Estado como forma de reforçar seu poder tal como o PT que em 2002 governava a prefeitura de Porto Alegre e a ONG ATTAC ligada a políticos franceses. No que tange ao segundo grupo, Hardt verifica não uma postura antiglobalização tais como os soberanistas, mas sim uma necessidade de busca de alternativas à ordem global vigente, em que as lutas não passem necessariamente pela estrutura de Estado, mas que ainda assim mantenha-se uma internacionalização da contestação tal como reivindicavam grupos de ativistas com ações em diversos locais do globo e que se conectavam como espécie de extensa rede.

Todavia, Hardt acredita que a posição nacional ainda ocupa um terreno tão central que não foi capaz de ser questionada durante o fórum. Além do mais a própria característica dos grupos ativistas de se unirem em pontos comuns de luta, mas possuírem uma estrutura descentralizada, plural, em rede e sem porta-voz ofuscou a possibilidade de expor sua visão.

A isso se soma o fato de que o reforço do Estado-nação está intimamente ligado à construção de uma ordem em que o Estado se torna o único sujeito político legítimo e toda a disputa política só é considerada legítima se se der em seu âmbito. Assim, no terreno ideológico, os movimentos sociais internacionais tem uma dupla tarefa: se organizar para manter uma prática de contraposição e abrir campo para defender a ideia de alternativas globais à ordem neoliberal que não passem necessariamente pela estrutura de Estado.

 

A luta do proletariado internacional como mudança estrutural do sistema

Michael Hardt e Antonio Negri identificam as lutas do proletariado dos países dominantes e a lutas anti-imperialistas nos países dominados nos 1960 como um momento, em que com o enfraquecimento do imperialismo, não era mais possível aos países industrializados colocar os anseios de seu proletariado dentro de um projeto nacional e transferir as crises para os países subordinados através de um controle social brutal (HARDT; NEGRI, 2000). Isso se dava porque na década de 1960 o proletariado dos países subordinados já estava em si mesmo mais organizado, armado e perigoso. Os autores identificam, então, as lutas da década de 1960, por melhores salários e mais bem-estar, nos países dominadores e nas lutas anticoloniais e anti-imperiais nos países dominados um elemento em comum de mobilização do proletariado a nível internacional: a luta contra o regime disciplinar do capitalismo, principalmente contra o modelo de produção fabril e sua exigência de aumento da produtividade do trabalho.

Para explicar esse fenômeno de contraposição internacional que atinge a estrutura do modelo de produção os autores retomam a maneira pela qual os Estados Unidos estabelecem sua hegemonia no pós-guerra fria. O pilar dessa hegemonia é, sem dúvidas, o sistema de Bretton Woods que se constitui como um sistema quase imperialista e no qual a reforma de Europa e Japão era garantida pela exportação de excedentes da produção aos Estados Unidos e pela estabilidade do dólar conversível ao ouro. Todavia como ressalta o economista belga Ernest Mandel a crise dos anos 1960 e 1970 é uma crise de insolvência internacional devido à utilização do dólar como instrumento anticíclico (emitido devido aos gastos com a guerra no Vietnam) o que inflacionava o dólar como moeda de troca a nível internacional (MANDEL, 1968). Assim, com o decreto de Nixon em 1971 da inconversibilidade do dólar e o aumento da taxa de importação a produtos de Europa e Japão, os EUA demonstraram não mais estarem dispostos a serem os financiadores internacionais do crescimento capitalista.

Assim, o elemento de estopim da crise é a guerra do Vietnam que pressiona aos limites o orçamento norte-americano e faz desmoronar pouco a o sistema de Bretton Woods. Portanto, Hardt e Negri estabelecem que para superar contradição que marca a crise dos anos 1960 e 1970 o capitalismo precisaria superar a contradição entre circulação (a falta de liquidez internacional desde o fim da inconversibilidade do dólar ao ouro) e superprodução (dificuldade de exportação de Europa e Japão devido à diminuição das exportações aos EUA).

Dessa maneira, o sistema só conseguiria superar essa contradição reorganizando as relações de produção do capital perante e o proletariado. Nesse sentido os autores afirmam que só há mudanças no capitalismo devido às pressões que a classe trabalhadora exerce sobre a taxa geral de lucro, assim é o próprio proletariado que determina as mudanças no modo de produção e a necessidade de alterar a estrutura produtiva vem da construção de uma nova subjetividade que o proletariado internacional desenvolve durante as lutas dos anos 1960 e 1970.

Dentro dessa perspectiva, para se compreender o caráter das contraposições e das mudanças no modo de produção a nível internacional é preciso compreender como a negação do regime disciplinário do capitalismo gerou uma alteração na subjetividade do proletariado que não permitiu que o sistema fordista, nem os valores que ele engendra fossem mais aceitos.

Assim é preciso retomar Michael Hardt no texto "The ideia of the Common" enfatizando que a reivindicação de Marx de que a ultrapassagem da produção industrial, no seu tempo, pela produção agrícola não é uma questão quantitativa. Porque naquela época a Inglaterra, maior país industrial do mundo, tinha a maior parte da sua produção no campo. Ao contrário, Marx menciona que essa superação da produção agrícola pela industrial é qualitativa: a agricultura, a mineração e até a sociedade tiveram seus regimes de mecanização, sua disciplina de trabalho, sua temporalidade, seu ritmo de produção, seu dia-de-trabalho, etc. impactados pela revolução industrial (HARDT, 2013).

Da mesma forma as lutas por aumento de salários e por mais bem-estar nos anos 1960, a negação do aumento da produtividade fabril através do aumento da quantidade de trabalho e as revoluções cubana, chinesa, revoltas árabes e Guerra do Vietnam mudaram a relação do proletariado com os valores ligados ao trabalho, criando segundo os autores uma espécie de unidade virtual do proletariado internacional contra o regime disciplinar do capital. Porque as lutas nos países dominados serviram como inspiração para a classe trabalhadora dos países industrializados.

Nesse quadro, Negri e Hardt afirmam que a perspectiva de arranjar um emprego de 8 horas diárias numa fábrica parecia à juventude dos anos 1960 e 1970 uma morte ao que era o sonho de seus pais em décadas anteriores.

Dessa maneira, os movimentos estudantis, o movimento negro, o movimento feminista todos passam a se opor a disciplina do capital caracterizada pelo fordismo e pelo trabalho fabril. Seja através da contracultura, a desobediência civil, a recusa à família tradicional e a luta contra o patriarcado; havia um elemento comum de subversão à disciplina que as fábricas impunham aos indivíduos, às famílias e à sociedade. Além do mais havia, sobretudo, uma conexão entre os processos culturais e os processos produtivos e uma contestação aos valores que a estrutura econômica havia construído.

Ademais, a tese sustentada por Hardt e Negri é de que foram as lutas a nível global: a guerra do Vietnam, Maio de 1968, as lutas dos trabalhadores e estudantes na década de 1960, a segunda onda de protestos dos movimentos de mulheres, as lutas anti-imperialistas que obrigaram o capitalismo se reestruturar e passar assim do modelo de produção em massa, com rígida divisão social do trabalho e, portanto, rígida determinação dos valores e das estruturas sociais do fordismo para pouco a pouco um modelo em que a produção adquire mais flexibilidade, reduz-se, customiza-se, com vista a atingir clientes específicos como no pós-fordismo.

Esse modo de produção mais flexível era a resposta que o sistema havia dado à recusa da disciplina fabril que o movimento operário se opunha. Assim como também refletia parte da recusa das determinações de gênero e raça às quais os movimentos feminista e negro se rebelavam.

Contudo, em seu texto "a ideia do comum", Hardt caracteriza a produção atual como a superação da produção material pela imaterial, a saber: ideias, informação, imagens, conhecimentos, códigos, linguagens, relações sociais, afetos e outros. A indústria, então, perde lugar para as novas formas de produção imaterial, a qual Hardt chama de biopolítica.

Todavia a contradição que se coloca do atual modelo de produção capitalista se dá entre aquilo que é privado e aquilo que é comum. A produção imaterial tem como principal característica ser realizada a partir da partilha do que é comum, porém há sempre um movimento contrário usando do patenteamento ou financiamento (meios de adquirir renda) para privatizar o trabalho humano criativo.

Ainda assim, numa relação dialética o desenvolvimento do capitalismo amplia ainda mais o trabalho humano criativo que consegue com isso permitir maior produção do comum em contraposição às tentativas de privatização.

 

Conclusão

Ao analisar a contraposição ao neoliberalismo a nível internacional na sociedade contemporânea é preciso, antes de mais nada, rechaçar uma perspectiva teórica que coloca o Estado como único agente político internacional e buscar enxergar tais estruturas políticas como um conjunto de contradições de classe e lutas internas.

Partindo, portanto, dessa perspectiva é preciso ainda reconhecer o caráter internacional de estruturas descentralizadas de poder como os movimentos sociais que de forma não coordenada se contrapõem a pontos que em um primeiro momento possam parecer lutas pontuais, mas que analisados sob uma perspectiva estrutural estão inseridos nos diferentes tipos de opressão que o sistema capitalista pode produzir.

Por isso é importante a tese de Hardt e Negri de que é o proletariado - e o proletariado se contrapondo ao modo de produção em diversas partes do mundo - a causa de mudanças estruturais no capitalismo. Da mesma forma como é preciso interpretar através de Hardt que o capitalismo atual, na tentativa de apropriação da subjetividade humana gera o próprio instrumento de contraposição ao modo de produção. Esse instrumento é o trabalho humano criativo, apropriado a todo o momento como mercadoria, mas do qual o capitalismo contemporâneo não pode abdicar (e busca até mesmo estimular) para sua própria manutenção.

O esforço de Hardt, Gill e Negri é, portanto, reconhecer nos movimentos sociais e demais grupos políticos descentralizados, formas alternativas às formas clássicas de contraposição anticapitalista como partidos e sindicatos que por fazerem parte da própria estrutura de poder do status quo tendem a se opor de maneira muito mais moderada a ela. Tal como se vê na ausência de Estados revisionistas e do sindicalismo não combativo.

Nesse sentido é preciso ressaltar que as novas formas políticas de contraposição também são parte do trabalho humano criativo na tentativa de gerar novas identificações e, portanto, novas subjetividades a uma prática política anticapitalista.

 

Referencias

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Recebido/Received: 30.11.2015/11.30.2015
Aceito/Accepted: 21.12.2015/12.21.2015

 

 

1 O intelectual orgânico, no sentido gramsciano é aquele capaz de criar ideias, práticas e difundir valores, fortalecendo a hegemonia que defende.

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