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Analytica: Revista de Psicanálise

versão On-line ISSN 2316-5197

Analytica vol.5 no.8 São João del Rei jun. 2016

 

ARTIGOS

 

Considerações acerca do Corpo e o Nome Próprio

 

Considerations about the body and its name

 

Considérations sur le corps et son nom

 

Consideraciones sobre el cuerpo y su nombre

 

 

Maria Fernanda Fernandes SilvaI; Daniela Scheinkman ChatelardII; Isalena Santos CarvalhoIII

IPsicanalista, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília (UnB). mariafernanda235@gmail.com
IIProfessora associada no Programa da Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura - PCL do Instituto de Psicologia na Universidade de Brasília (UnB). dchatelard@gmail.com
IIIDoutora em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília. Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). isalenasc@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

Este trabalho tem como objetivo discutir o corpo como portador de um nome, possibilitando ao sujeito se posicionar diante do desejo do Outro, partindo das considerações acerca da identificação em Freud diante da construção do mito da horda primitiva e as elaborações lacanianas acerca do significante Nome-do-Pai. Três conceitos freudianos apontados envolvem a relação do corpo com os processos de identificação: o ideal do eu, o narcisismo e a pulsão. Enfatiza-se que o corpo porta então o nome como marca, definindo uma posição diante das questões do desejo implicadas no complexo de Édipo.

Palavras-chaves: Corpo; nome; desejo; identificação; complexo de Édipo.


ABSTRACT

This work discusses the body as porter of a name, making it possible to position of the subjection front of the desire of the Other. Starts by considerations of identification in Freud using the construction of the myth of the primal horde and lacanian elaborations about the significant Name-of-the-Father. It indicates three Freudian concepts about the body's relationship with the identification process: the ideal ego, narcissism and pulsion. It emphasizes that the body then carries the name as a trademark, defining a position on the desire of the issues involved in the Oedipus complex.

Keywords: Body; name; desire; identification; Oedipus complex.


RÉSUMÉ

Ce travail vise à discuter du corps comme porteur d'un nom, permettant de positionner le sujetdevant le désir de l'Autre. Commence par considérations d'identification chez Freud avant la construction du mythe de la horde primitive et élaborations lacaniens sur le significantif Nom-du-Père. Indique trois concepts freudiens concernent la relation du corps avec le processus d'identification: l'idéal du moi, le narcissisme et de pulsion. Il souligne que le corps porte alors le nom en tant que marque, définir une position sur le désir des questions en jeu dans le complexe d'Edipe.

Mots-clés: Corps; nom; désir; identification; complexe d'Edipe.


RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo discutir el cuerpo como portador de un nombre, lo que permite el sujeto a la posición en frente del deseo del Otro. Algunas de las consideraciones de la identificación de Freud antes de la construcción del mito de la horda primitiva y elaboraciones lacanianos sobre lo significante Nombre-del-Padre. Indica tres conceptos freudianos que enlazan la relación del cuerpo con el proceso de identificación: el ideal del yo, el narcisismo y la pulsión. Se destaca que el cuerpo entonces lleva el nombre como marca, definir una posición adelantada en el deseo de los temas involucrados en el complejo de Édipo.

Palabras-clave: Cuerpo; nombre; deseo; identificación; complejo de Édipo.


 

 

Este artigo propõe articular o corpo como constituído pelo nome próprio, o que o torna único, singular. Nesse percurso, desvia-se da condição de pura carne, ultrapassando a lógica anatômica e produzindo sentidos. Contudo, a singularidade propiciada pelo nome não é apriorística, mas perpassa a constituição de destinos que podem ser apropriados pelo sujeito. O nome traz efeitos ao psiquismo e não é indiferente. Para Lacan (1987), é mais importante para o analista atentar para como o paciente se chama do que a desculpa que pode dar ao paciente sobre as dissimulações ou apagamentos que haveria no nome, concernente às relações que ele deve colocar em jogo com cada sujeito. Lacan indica no mesmo texto que o nome não é o noun (o que chamamos de substantivo nas escolas). É o name, o nome próprio.

Freud, em Psicopatologia da vida cotidiana (1901/1981), já indicava os lapsos e esquecimentos de nomes próprios como substituições intencionais advindas da lógica inconsciente, indicando assim conflitos na relação com outros nomes próprios pertencentes à história do sujeito. Tais acontecimentos, então, remetem a um conteúdo penoso que se quer manter afastado da consciência pelo recalque. Freud analisa seu próprio esquecimento do nome Signorelli (pintor dos afrescos da catedral de Orvieto), o qual se aproxima do nome de seu paciente que se suicidou por perturbações na vida sexual. Freud então afirma que o esquecimento do nome se relaciona com a proximidade e o conflito ocasionado por dois temas fundamentais da psicanálise: sexualidade e morte.

Segundo Mariani (2014, p. 35), "na psicanálise, nome próprio tem a ver com o desejo do Outro, tesouro dos significantes, possibilidade de entrada na fala e na linguagem". Nessa relação com a linguagem, o nome próprio faz uma marca, que permite a cada um reconhecer aquele corpo como seu. A linguagem captura o corpo inserindo-o no simbólico, na lei do Outro. O corpo, portanto, é modificado pelo nome próprio, este lhe impõe marcas que o enlaçam a uma cadeia discursiva, retirando-o da condição de carne.

De fato, o sujeito do inconsciente se toca na alma através do corpo, por nele introduzir o pensamento: desta vez, contradizendo Aristóteles. O homem não pensa com sua alma, como imagina o Filósofo.

Ele pensa porque uma estrutura, a da linguagem - a palavra comporta isso -, porque uma estrutura recorta seu corpo, e nada tem a ver com a anatomia. (Lacan, 1973/2003, p. 511)

Para Lacan (1957-1958/1999), o Outro, escrito em maiúsculo, se refere ao simbólico e não ao outro, em minúsculo, o semelhante. O Outro como simbólico representa a cadeia dos significantes, refere-se à linguagem como estrutura, posicionando o sujeito diante de alguém.

(...) quando há um sujeito falante, não há como reduzir a um outro, simplesmente, a questão de suas relações como alguém que fala, mas há sempre um terceiro, a grande Outro, que e constitutivo da posição do sujeito enquanto alguém que fala, isto e, também como sujeito que vocês analisam. (p. 186)

Na constituição do sujeito desejante, o corpo é marcado pela filiação ao Outro, por um antes de seu nascimento biológico, pelo desejo do Outro. O nascimento do sujeito não se confunde com o nascimento do bebê e seu nome próprio pertence a esse desejo, invocado inclusive pelo sexo que é enlaçado às fantasias dos pais. Menino ou menina? O que esse pequeno corpo diz de seu sexo (e ao dos pais)? O nome comparece para designar a particularidade desse desejo. Uma posição dada pelo Outro ao pequeno sujeito, tendo em vista o entrelaçamento entre corpo e o desejo vivenciado pelos próprios pais. Para subjetivar-se, o corpo do recém-nascido se inscreve no Outro que promove suas significações, inserindo-o em uma novela familiar que permitirá o nascimento de um sujeito (Mariani, 2014).

É o que Freud (1914/1981) aponta ao introduzira noção de narcisismo. O investimento amoroso dos pais recai sobre os filhos, de modo que o narcisismo dirigido a estes é o vivenciado pelos próprios pais na infância, como retorno da libido à própria pessoa e idealização do objeto amando. His Majesty the Baby, afirma Freud ao apontar como a criança é imbuída de realizar o desejo dos pais, como herói ou princesa, ressuscitando assim o narcisismo por eles abandonado, movimento este em que o sujeito de desejo pode se constituir na relação com o desejo do Outro.

O que fazer com esse desejo vindo do Outro? O que fazer com essas atribuições que partem da filiação e da qual o sujeito adquire um nome próprio que o designa? Se o corpo para a psicanálise não se regula pela anatomia, mas pelo desejo que nele se incorpora, é importante apontar como o nome próprio permite fazer o sujeito se posicionar diante da sexualidade.

As possibilidades eróticas são variadas, consequência das distintas inscrições, das marcas que acabaram ficando impressas no sujeito pelo Outro - marcas essas que, como uma segunda pele, revestem o seu corpo, libidinizando-o, inscrevendo nele o mapeamento das zonas erógenas, e possibilitando, assim, as vias do desejo. (Ramalho, 2012-2013, p. 52)

Diante da consideração de Lacan (1987) acerca do nome como name, como o que é próprio ao sujeito e não um substantivo qualquer, advindo da função do Nome-do-Pai, discute-se se essa função simbólica permite esse revestimento do corpo funcionando como uma segunda pele, conforme afirma Ramalho (2012-2013).

Para tanto, na concepção de corpo que Lacan discute em Radiofonia (1970/2003), o corpo é atravessado pelo desejo do Outro, desviando-se, mesmo na morte, de ser concebido como carniça (pura carne). A estrutura da linguagem permanece presente, esse corpo, vivo ou morto, ainda representa o simbólico. "Permanece como corpse, não se transforma em carniça, o corpo que era habitado pela fala, que a linguagem corpsificava (p. 407)". Atravessado pelo desejo, o nome próprio marca o corpo, permite retirá-lo da condição de pura carne, revestindo-o de linguagem e possibilitando uma identificação. Há uma aposta de sujeito feita no corpo pelo nome.

O corpo, se considerado apenas em sua anatomia, não garante essa identificação. Em cada estrutura clínica, haverá um modo de articulação entre o corpo, o nome e a linguagem. Para o neurótico, é pela via do desejo que o sujeito mostrará como se deu a identificação. É nesse aspecto que se pode pensar o nome próprio como marca no corpo, cujos efeitos possam construir formas de prazer.

Com as considerações de Freud (1914/1981), podemos apontar que o corpo de desejo é perpassado pelo narcisismo e pela constituição do ideal do eu. O desejo dos pais internalizado pela via do narcisismo permite sustentar um ideal do eu e dar certa direção às sensações corporais de prazer e desprazer. Os destinos pulsionais (Freud 1915/2013) são então definidos nesse percurso, indo de encontro às exigências de satisfação e renúncia ao complexo de Édipo.

Dessa forma, é possível apontar que na constituição do corpo de desejo, o nome próprio é inicialmente incorporado sem conferir uma certeza sobre o desejo, mas possibilita a referência simbólica pelos processos de identificação presentes na filiação. Como uma doação do nome do pai, o nome próprio marca uma pertença no corpo para o desejo.

 

Corpo em Freud

É importante ressaltar que Freud não toma o corpo como objeto específico da psicanálise, tal como a neurose, o narcisismo, a pulsão, o eu. Mas ao discutir esses conceitos, algumas concepções do corpo se apresentam, tal como pretendemos indicar como corpo de desejo.

O desenvolvimento do eu como instância aponta para uma relação fundamental entre corpo e psíquico na perspectiva de um revestimento que não é apenas superficial, mas entreposto pelo inconsciente. "O eu é acima de tudo corporal, não é apenas uma superfície, mas ele mesmo a projeção de uma superfície" (Freud, 1923b/1981, p. 2709). Em nota de rodapé de 1927, acentua que o eu se deriva das sensações corporais, principalmente das sensações geradas na superfície do corpo. O eu, ao mesmo tempo em que projeta esta superfície corporal, representa a superfície do aparelho psíquico, e com a organização das percepções internas e externas, constrói uma ideia de corpo.

Esse processo de apropriação do corpo se estabelece pela mediação do eu, que como parte modificada do id, continua a estabelecer por toda a vida do sujeito as recepções das sensações, almejando a diminuição da tensão percebida como desprazer. Como a parte mais superficial do aparelho psíquico, o eu aspira substituir o desprazer pelo prazer, mantendo uma medida de tensão no aparelho psíquico e possibilitando que as sensações corporais sejam mediadas, adiadas e não descarregadas imediatamente no corpo. Esse é, portanto, o suporte no qual as sensações percebidas e transformadas culminam em modos de funcionamento do sujeito regidos pelo princípio de prazer,1 garantindo assim o desenvolvimento, uma organização do corporal, um continente.

Ao discutir sobre o ideal do eu, Freud (1914/1981) acentua sua formação como fundamental à regulação psíquica e à manutenção do prazer pela diminuição da tensão pulsional advinda dos conflitos entre os desejos e as ideias morais e culturais.

A esse ideal do eu dirige-se então o amor a si mesmo, que na infância era objeto o eu verdadeiro. O narcisismo aparece deslocado para esse novo eu ideal, adornado como o infantil, com toda perfeição. Como sempre, no terreno da libido, o homem demonstra mais uma vez incapaz de renunciar a satisfação gozada uma vez. Ele não quer se renunciar a perfeição narcísica de sua infância, e se não pode mantê-la, ante os ensinamentos recebidos durante seu desenvolvimento e tendo despertado seu juízo, tenta conquistá-la de novo na forma do ideal do eu. (p. 2028)

Nesse caminho, o corpo é perpassado pelo ideal do eu, como objeto de contemplação narcísica advinda das relações parentais. A formação de um continente corporal, portanto, não é um dado apriorístico, mas um desenvolvimento concomitante às transformações da libido, na relação da criança com os pais.

Outro conceito fundamental para delimitar o corpo em Freud é o de pulsão. A pulsão é uma exigência de trabalho psíquico que tem como fonte o corporal. Como "um conceito fronteiriço entre o anímico e o somático" (1915/2013, p. 25), a pulsão e suas mediações fazem marcas, produzem destinos diversos. Destinos de pulsão são suas vicissitudes, os caminhos tortuosos e errantes pelos quais a pulsão percorre, estabelecendo uma organização cujo caminho não é preestabelecido, mas construído visando à meta. Freud define quatro destinos fundamentais pelos quais percorre a pulsão: a reversão ao seu contrário, o retorno em direção à própria pessoa, o recalque e a sublimação. De certa forma, os destinos pulsionais são "espécies de defesa contra as pulsões" (p. 35).

Atividade, passividade, ambivalência de sentimentos, sadismo e masoquismo, exibicionismo e voyeurismo são os elementos que compõem esses destinos e nos quais, fundamentalmente, o corpo se apresenta como palco das exigências de satisfação da pulsão fazendo marcas, definindo modalidades de prazer. Importante indicar que para Freud a meta das pulsões sexuais é "a obtenção do prazer de órgão" (p. 33), mas que por seus desvios de meta esse prazer pode ocorrer de modos diversificados.

Como elemento pulsional, a pressão (Drang), é definida pela quantidade de exigência de trabalho. Como força constante, a pulsão, procedendo do interior do corpo, não é passível de fuga e, por isso, exige uma ação que produza um desvio em sua meta, culminando em uma satisfação parcial. É esse trabalho imposto pela pulsão que possibilita ao psiquismo estabelecer uma organização que engloba, por sua vez, as sensações corporais. "Por fonte da pulsão entende-se o processo somático em um órgão ou parte do corpo, cujo estímulo é representado na vida anímica pela pulsão" (p. 27).

O corpo, como fonte da pulsão e como objeto de satisfação pulsional, é então desejado, investido pelo próprio sujeito e pelo Outro. Birman (2011) afirma que "o corpo se constitui em ruptura com a natureza, aberto simultaneamente sobre ela e sobre o Outro" (p. 63). As marcas dessa relação com o Outro são impressas no corpo, produzindo destinos pela transformação das forças pulsionais. Nesse aspecto, para Birman o corpo é fundamentalmente destino.

Assim, três conceitos de Freud aqui lançados nos indicam que o corpo não pode ser discutido na psicanálise pelo viés da anatomia, quais sejam: narcisismo, ideal do eu e pulsão. Com essas indicações, pode-se questionar a relação que o corpo estabelece com o nome próprio, tendo em vista que este se pauta na relação com o Outro, advindo de processos de identificação e, portanto, remetem ao ideal do eu constituído no narcisismo e aos efeitos da pulsão e seus destinos.

 

Os processos de identificação

Em Totem e Tabu, Freud (1912-1913/1981) constrói o mito do pai da horda primeva e discute como o horror ao incesto das tribos é revelador da sexualidade entre seus membros. Ela é mediada por interdições de ordem simbólica, organiza-se pelas relações de parentesco totêmicas e não das sanguíneas. Há proibições quanto às relações sexuais entre a fratria, e severos castigos que podem culminar na morte dos que não obedecem.

Freud destaca o caráter análogo dessas proibições totêmicas do incesto com os processos psíquicos do complexo de Édipo, pois implicam a questão do desejo que perpassa as relações com as figuras parentais. Enquanto pelo totemismo Freud apresenta um modelo de construção das organizações sociais primitivas (digamos, por uma lei explícita calcada nos tabus e na devoção ao totem), o complexo de Édipo define-se pela lei do desejo, cuja internalização determina os destinos pulsionais diante da renúncia às pulsões sexuais.

Com esse mito, Freud pretende dar conta da origem da lei social. Ao matar o pai violento e dominador, os filhos impõem a necessidade de leis impeditivas para outros assassinatos entre a fratria, caso pretendessem ocupar esse lugar do pai dominador. Nisso, Freud define que posteriormente ao assassinato do pai um sentimento de culpa se origina nos filhos, pois emerge a ambivalência de sentimentos: amor e ódio dirigidos ao mesmo objeto. Ao mesmo tempo em que os filhos o odiavam pelo domínio do prazer, procuravam ser como ele, venerando-o pelo poder que buscavam obter.

Odiavam o pai que tão violentamente se opunha à sua necessidade de poder e às suas exigências sexuais, mas ao mesmo tempo o amavam e o admiravam. Depois de tê-lo assassinado e satisfeito seu ódio e desejo de identificação com ele, tinham de impor sentimentos carinhosos, antes violentamente dominados pelo hostil. (p. 1839)

Segundo Vicentini (2001), essa construção freudiana que remonta às origens da civilização é uma metáfora que pode permitir um acréscimo de significados, mesmo que aparentemente opostos. É o caso do significante lacaniano Nome-do-Pai, que dentro da metáfora paterna construída por Freud pode significar tanto o progenitor como o pai devorador. Nesse aspecto, se por um lado o pai é identificado como devorador, pois restringe as exigências pulsionais dos filhos, é também identificado como progenitor, aquele que pertence ao lar. São os processos de identificação presentes que envolvem a metáfora paterna que permitem abarcar ao mesmo tempo esses dois lados.

Freud (1921/1981) enfatiza a identificação tanto como o vínculo mais primitivo quanto o que sustenta a formação de outros vínculos, tendo em vista a dissolução do complexo de Édipo. É caracterizada pela ambivalência de sentimentos, exteriorizando-se como amor ou ódio. Contribui tanto na preparação para o Édipo como para seus desenlaces. "A identificação é conhecida na psicanálise como a manifestação mais primitiva de um laço afetivo a outra pessoa e desempenha um importante papel na pré-história do complexo de Édipo" (p. 2585).

Já em 1923, ao abordar a formação do supereu e do ideal do eu, Freud afirma que as identificações primitivas são as mais duradouras, perduram durante todo o desenvolvimento e culminam nas posteriores eleições de objeto.

Qualquer que seja depois a resistência do caráter contra as influências das cargas de objeto abandonadas, os efeitos das primeiras identificações, realizadas na mais tenra idade, são sempre gerais e duradouros. Isto nos leva à gênese do ideal do eu, pois atrás dele se oculta a primeira e mais importante identificação do indivíduo, ou seja, a identificação ao pai. (Freud, 1923b/1981, p. 2711-2712)

Pode-se entrever nesse aspecto que as identificações primitivas marcam a história do sujeito e que posteriormente os outros vínculos estabelecidos remontam a essas primeiras identificações.

Em Dissolução do complexo de Édipo, Freud (1924/1981) acentua as identificações que são necessárias para que o menino e a menina possam alcançar outros objetos de satisfação que não sejam os pais. Essa dissolução então revela o enfrentamento da castração pelo sujeito neurótico. No menino, a ameaça de castração o coloca diante da renúncia ao objeto incestuoso e da possibilidade de identificação ao pai. Na menina, a aceitação da castração como premissa a posiciona diante da renúncia a ter o pai como objeto de satisfação e a identificação à posição feminina, cujo modelo é a figura materna.

Para Freud, as identificações são dessexualizações das cargas de objeto que se voltaram libidinalmente aos pais, em um primeiro momento de constituição do sujeito. É a substituição da libido de objeto pela introjeção dos ideais do pai. "A autoridade do pai, ou dos pais, introjetada no eu constitui nele o nódulo do supereu, que toma do pai seu rigor, perpetua sua proibição do incesto e garante o eu contra o retorno das cargas de objeto libidinais" (p. 2750). Nesse sentido, as identificações asseguram ao sujeito a mudança no curso da sexualidade, afastando-se da ameaça de castração (menino) ou aceitando-a como fato consumado (menina), tendo em vista a incorporação de novas possibilidades de satisfação.

Como uma releitura da sexualidade infantil, em continuidade às proposições dos Três ensaios para uma teoria da sexualidade (1905/1981), Freud, no texto A organização genital infantil(1923a/1981), destaca a presença de uma organização genital na infância que se revela posteriormente na organização sexual adulta, com a diferença fundamental das relações com o falo. A sexualidade genital infantil tem como primazia o falo e abarca as defesas relativas à descoberta da falta do pênis na mulher. A polarização sexual nesse período apresenta-se marcada pelas relações entre ativo e passivo, masculino e castrado. O feminino, segundo Freud, ainda não é representado nessa antítese. Essa última polarização ocorre à medida que as transformações das pulsões sexuais ocorrem, percorrendo as fases do desenvolvimento até a sexualidade adulta. Assim, duas questões são importantes para pensar a posição do sujeito diante do desejo a partir da sexualidade e identificação: a sexualidade genital é uma organização que ocorre desde a infância, e a polarização masculino e feminino é um processo psíquico e não elemento definitivo da sexualidade.

Com essas concepções freudianas, podemos avançar na discussão de que há um corpo psíquico, articulado às vicissitudes da sexualidade, cujo desenvolvimento de uma posição sexual será uma marca de identificação. Há uma subversão da anatomia que se revela já na organização sexual infantil e que se desdobra no confronto com o desejo do Outro, mediado pelas identificações. Estas, portanto, possibilitam limitar, revestir o corpo psíquico e direcionar modalidades de prazer constituídas nos processos de identificação. O ideal do eu como marca desses processos organizam a libido que circula no corpo, incorporando o modelo dos vínculos efetivados no complexo de Édipo.

Lacan (1963/2005) aborda a metáfora paterna como componente do processo de identificação. Define-a como uma simbolização primordial entre a criança e a mãe, em que ainda o desejo da criança está pautado no desejo da mãe e no qual o significante Nome-do-Pai se coloca no lugar do significante do desejo da mãe. O pai não se define pela sua concretude de procriador, mas pela relação que estabelece com o simbólico, de dar o nome de pai. "A posição do Nome-do-Pai como tal, a qualidade do pai como procriador, é uma questão que se situa no nível simbólico" (p. 187).

 

Identificação, corpo e nome

Conforme discute Lacan (1987), pode-se apontar que o nome próprio leva a efeitos ligados à identificação. Para tornar-se sujeito é fundamental um ponto de amarra, que é a função do significante. O nome próprio tem como característica estar ligado a esses traços de identificação inicialmente embaraçados, mas que posteriormente, como na escrita, encarna traduções.

Para Mariani (2014, p. 135), "Nome próprio, portanto, tem a ver com essa 'alguma coisa' mencionada: algo anterior à inscrição significante, algo que permite essa inscrição significante e que dá lugar ao registro de uma escrita". Essa "alguma coisa" nos mostra que, mesmo na cadeia significante, o nome próprio não é tudo, não diz tudo ao sujeito, pois a cadeia se constitui pelo que falta. O sujeito não é seu nome próprio, mas com ele encarna uma referência significante.

O nome próprio é encarnado, entra na carne e nela faz simbólico pela relação de identificação que se estabelece. A nomeação, advinda do desejo do Outro marca o corpo e permite construir um limite perpassado pelas relações narcísicas dos próprios pais, construídas como ideal que suporte as identificações. O corpo então não é corpo da anatomia e das funções biológicas, pois é a linguagem que permitirá uma regulação ao corpo.

A lei do desejo se estabelece pela via do complexo edípico, na qual sua dissolução, segundo Freud (1924/1981), possibilite eleições futuras de objeto. Na situação de escolher, o sujeito lida com o que lhe foi dado de antemão, "ser ou não ser o falo", segundo Lacan (1957-1958/1999).

O desejo é uma coisa que se articula. O mundo no qual ele entra e progride, este mundo aqui, este baixo mundo, não é simplesmente um Umwelt no sentido de nele se poderem encontrar meios de saciar as necessidades, mas é mundo onde impera a fala, que submete o desejo de cada um a lei do desejo do Outro. A demanda do jovem sujeito, portanto, cruza com maior ou menor felicidade a linha da cadeia significante, que está ali, latente e já estruturante. (p. 194)

A lei do desejo incorpora-se. A pulsão não atende a uma necessidade simplesmente corporal, mas ao desejo que cruza o corpo, constituindo uma simbolização primitiva dada pelo Outro. A princípio, a mãe é que encarna esse lugar Outro, a que Lacan (1957-1958/1999) se refere como tesouro dos significantes. É ela quem promove as primeiras simbolizações das quais depende a criança. Mas é também pelo desejo da mãe que se complica, segundo Lacan (1957-1958/1999), os processos de simbolização posteriores. Essa dependência se revela no conflito com a metáfora paterna que substitui a dependência do desejo da mãe, condição para a emergência do sujeito desejante.

O que deseja o sujeito? Não se trata da simples apetência das atenções, do contato ou da presença da mãe, mas da apetência de seu desejo. A partir dessa primeira simbolização em que se afirma o desejo da criança esboçam-se todas as complicações posteriores da simbolização, na medida em que seu desejo é o desejo do desejo da mãe. (p. 188)

De que se trata na metáfora paterna? Há, propriamente, no que foi constituído por uma simbolização primordial entre a criança e a mãe colocação substitutiva do pai como símbolo, ao significante, no lugar da mãe. Veremos a que quer dizer esse no lugar da, que constituía ponto axial, a nervo motor, a essência do progresso representado pelo complexo de Édipo. (p. 186)

Para tanto, segundo Lacan (1957-1958/1999), o complexo de Édipo se compõe de três tempos fundamentais. No primeiro tempo, a criança se identifica com o desejo da mãe, em ser o falo. Essa primeira condição é de assujeitamento, não há ainda um sujeito propriamente. No segundo tempo, a intervenção do pai retira a criança da vinculação exclusiva ao desejo materno, contudo é a mãe, com suas identificações paternas, que insere o pai. Este é então reconhecido no discurso materno e sentido pela criança como castrador. Há uma proibição, um não que se impõe à criança, transmitido pela mãe, mas cuja mensagem primeira vem do pai. É uma mensagem da mensagem, como diz Lacan: "não reintegrarás seu produto" (p. 209). O pai então se apresenta com Outro, portador da lei.

Em vista disso, a criança é profundamente questionada, abalada em sua posição de assujeito - potencialidade ou virtualidade salutar, afinal. Em outras palavras, e na medida em que o objeto do desejo da mãe é tocado pela proibição paterna que o círculo não se fecha completamente em torno da criança e ela não se torna, pura e simplesmente, objeto do desejo da mãe. (p. 210)

Esse segundo tempo é um balizador para o desejo, que culminará no terceiro tempo: a saída do Édipo, efetivada na identificação ao pai pelos processos simbólicos. No menino, a metáfora paterna o levará a vivenciar seus poderes sexuais, como um título de direito à virilidade que carrega no bolso para ser usado depois, como afirma Lacan (1957-1958/1999). O menino identifica-se com o pai possuidor do pênis, sendo internalizado como ideal do eu, conforme também os apontamentos de Freud (1924/1981). Na menina, o reconhecimento de que é o homem quem possui o pênis, mas que carregue consigo a permissão de desejar o que lhe falta, tal como a mãe. Ela não precisa identificar-se à virilidade ou guardar esse título, "Ela, a mulher, sabe onde ele está, sabe onde deve ir buscá-lo, o que é do lado do pai, e vai em direção àquele que o tem" (Lacan, 1957-1958/1999, p. 202).

O sujeito se posiciona então perante as relações de identificação ao pai ao desejo materno, no que tange à castração. É nesse momento que a escolha do sujeito calcada no desejo pode ser alcançada. O percurso edípico dá suporte à metáfora paterna e o nome próprio, como um dos produtos dessa metáfora, singulariza, determina, faz marca. Segundo Lacan, ter o Nome-do-Pai também implica em se servir dele de alguma forma, fazer com ele destinos diversos.

No que compele ao corpo, a formação de uma segunda pele pelo nome próprio permite dar limites à pulsão, fazendo-a circular. Como marca, o nome traz uma referência ao sujeito, pelas identificações produzidas no complexo de Édipo.

 

Questões finais

A relação entre o corpo e o nome próprio comporta várias questões a serem discutidas no âmbito da Psicanálise. O nome próprio, por pertencer à esfera da linguagem, é encarnado no corpo, proporcionando um revestimento, uma segunda pele. Contudo, a passagem da pura carne ao corpo não é automática. Envolve o enfrentamento do desejo do Outro com a constituição do sujeito desejante. Assim, o corpo não é apenas uma entidade biológica, mas é impregnado de linguagem.

O desejo incorporado pela identificação mais primitiva antecede o sujeito e será vivenciado por ele no complexo de Édipo. A partir da identificação primordial ao pai teorizada por Freud, Lacan (1957-1958/1999) mostra, nos textos sobre os três tempos do Édipo, que a metáfora paterna envolve a passagem da identificação ao falo à identificação ao pai, com as implicações aí envolvidas para a menina e o menino.

O corpo nessa organização edípica, como objeto de prazer, fonte das pulsões sexuais, é convocado a se posicionar diante do desejo, constituindo destinos possíveis diante da lei, construindo formas de lidar com as excitações internas, com o pulsional. Corpse, aponta Lacan (1970/2003), como o corpo atravessado pelo simbólico, o que é possível pela travessia edipiana. A travessia se refere à operação da metáfora paterna, operação que substitui o significante do desejo materno pelo significante Nome-do-Pai no Outro.

Na clínica isso comparece nas queixas "somáticas" que o paciente traz, o que apontou Freud com os casos que propiciaram a teorização da Psicanálise. Cada queixa remete a uma história marcada pelo sexual. Com base nisso, Lacan apontou que, sendo o corpo humano revestido pela linguagem, é pela introdução do significante Nome-do-pai, com a constituição de um sujeito desejante, que o sujeito pode se dar conta, a cada vez na análise, que nunca haverá o objeto que irá lhe satisfazer plenamente. Se houvesse, não haveria desejo. E quanto ao nome? Lacan (1957/1998, p. 498) indicou que o sujeito, se pode parecer servo da linguagem, é ainda mais de um discurso em que "seu lugar já está inscrito em seu nascimento, nem que seja sob a forma de seu nome próprio". É um lugar marcado pelo desejo do Outro. Assim, os significantes que circulam em torno do nome conferido à criança, que sinalizam os investimentos e expectativas nela investidos, o narcisismo parental, são necessários para que ela possa se constituir e, a partir daí, construir a sua própria história do que recebe do Outro.

Com a concepção de pulsão, Freud (1915/2013) acentua suas metas como destinos pela renúncia à satisfação plena, interditada pela lei. Por mais que a obtenção de prazer se imponha ao corpo tentando formar um Eu-prazer purificado de toda relação com o que cause desprazer, o sujeito esbarra nas interdições impostas pela cultura. Para avançar nos destinos pulsionais, as identificações são incorporadas formando um ideal do eu. A história do sujeito vai se compondo, fazendo laço social. Nomear é fazer laço. É pela aposta de que há um sujeito em um corpo que lhe é conferido um nome.

 

Referências

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Recebido/Received: 14.12.2015/12.14.2015
Primeira revisão: 09/06/2016
Aceito/Accepted: 12.07.2016/07.12.2016

 

 

1 Pode-se indicar aqui que o conceito de pulsão de morte levará a outras questões quanto ao princípio de prazer, por exemplo, no masoquismo erógeno, que paralisa esse princípio em prol do prazer na dor (Freud, 1920/1981). Contudo, essas questões não serão discutidas neste trabalho.

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