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Analytica: Revista de Psicanálise

On-line version ISSN 2316-5197

Analytica vol.5 no.9 São João del Rei July/Dec. 2016

 

ARTIGOS

 

O tratamento do autismo: notas introdutórias

 

 

Angela Vorcaro

Profa Dra. do departamento de psicologia da Fafich/UFMG, membro do Centro Outrarte(Unicamp), do Lepsi (Usp/Ufmg), psicanalista da Association Lacanienne Internationale e pesquisadora Cnpq

 

 


RESUMO

Procura-se tratar das distinções entre as dimensões simbólica, imaginária e real na estruturação da realidade psíquica, de modo que possamos considerar a lógica das relações do sujeito com o objeto e com seus semelhantes. Desta forma, problematizamos as modalidades em que esta lógica comparece nos ditos autistas. Para tal, nos servimos das obras de Freud e Lacan, para situar o sujeito autista no campo da linguagem, procurando compreender sua relação com a alteridade, seja esta a imaginária ou simbólica. Propomos, como conclusão, alguns apontamentos introdutórios sobre a clínica psicanalítica do autismo.


ABSTRACT

We try to deal with the distinctions between the symbolic, imaginary and real dimensions in the structuring of psychic reality, so that we can consider the logic of the relations of the subject with the object and with its similars. In this way, we problematize the modalities in which this logic appears in the autistic sayings. For this, we use the works of Freud and Lacan to situate the autistic subject in the field of language, trying to understand their relation to otherness, whether imaginary or symbolic. We propose, as a conclusion, some introductory notes on the psychoanalytic clinic of autism.


RESUMEN

Se trata de tratar de las distinciones entre las dimensiones simbólica, imaginaria y real en la estructuración de la realidad psíquica, de modo que podamos considerar la lógica de las relaciones del sujeto con el objeto y con sus semejantes. De esta forma, problematizamos las modalidades en que esta lógica comparece en los dichos autistas. Para ello, nos servimos de las obras de Freud y Lacan, para situar al sujeto autista en el campo del lenguaje, buscando comprender su relación con la alteridad, sea ésta la imaginaria o simbólica. Proponemos, como conclusión, algunos apuntes introductorios sobre la clínica psicoanalítica del autismo.


 

 

Apresento, a seguir, a discussão e escrita das questões suscitadas pelos autismos, com colegas envolvidos nessa mesma problemática. Trata-se do fruto de trabalhos assim encaminhados, com as psicanalistas Ariana Lucero e Tânia Ferreira, de Belo Horizonte, Inês Catão, de Brasília e Mônica Rahme, de Ouro Preto.

Pretendo tratar aqui das distinções entre as dimensões simbólica, imaginária e real na estruturação da realidade psíquica de qualquer sujeito, de modo que possamos considerar a lógica das relações do sujeito com o objeto e com seus semelhantes. Em seguida, problematizarei modalidades em que estes comparecem nos ditos autistas.

Situar os objetos implica considerar que, a despeito de sua função específica de troca na cultura que os inventa, nenhum objeto tem significação pré-definida. Pelo contrário, essas significações são infinitas. Os autistas explicitam, em suas manifestações, que essas significações nem precisam ser partilhadas, mesmo quando participam das trocas. Nós nem sempre detemos o saber sobre alguns objetos colocados no jogo das trocas para que eles nos afetem profundamente. Vale também lembrar que é singularmente que um semelhante transmite significações desses objetos concretos na construção do laço social. Há ainda uma outra modalidade de objeto, do qual não temos ideia, que entretanto é ativo a ponto de causar o sujeito, que é seu efeito.

*

Diferentemente do que postularam os teóricos das ditas relações de objeto, não podemos fazer equivaler os objetos aos semelhantes com os quais modalizamos relações, uma vez que esses são sujeitos falantes e, como tais, estabelecem, com o sujeito-infans, modos sintáticos que estruturam relações. Não é em vão que Lacan (1995[1957-8]) conferiu a posição de agentes àqueles que sustentam o laço com o infans, especificando que os objetos, quando imantados por tais agentes como objetos de dom, são incluídos na ordem simbólica, na medida em que passam a representar seu agente, tido aí como Outro real para o infans. É dessas relações, como veremos1, que os diferentes objetos se destacarão. Quando nos limitamos a tomar os objetos concretos de interesse do bebê, podemos obturar o tecido da linguagem que emoldura a cena em que eles comparecem.

O envolvimento de Lacan em tal discussão provém de interrogações quanto à posição freudiana segundo a qual o recém-nascido estaria num funcionamento restrito ao autoerotismo, no qual não existiriam objetos (Freud, 2004/1915, p.158). A constatação da observação clínica de que desde o início da vida todas as espécies de objeto existem para o neonato teria motivado uma discordância entre psicanalistas, que se deveria à desconsideração da distinção entre o outro imaginário (o semelhante) e o Outro simbólico (Lacan, 1988 [1955-6], p. 287).

É o que torna necessário localizar os modos como Freud considerou o objeto. Freud localizou uma descontinuidade entre os dois princípios do funcionamento psíquico: o princípio de prazer, que tende a realizar o objeto de forma alucinada, e o princípio da realidade, que exige uma organização autônoma que condiciona a apreensão de um objeto diferente do desejado (Freud, 1992/1895 e 2004/1911). Assim sendo, ou o objeto é alucinado ou ele é diferente daquele que é desejado. Portanto, foi como "signo de uma repetição impossível", essencialmente conflitual (Lacan, 1995/1956-7, p. 13), que Freud localizou a busca do objeto da satisfação, já que todo suposto reencontro só testemunha que ele foi perdido.

Também, ao localizar os destinos da pulsão, Freud (2004/1915) demarca que o encontro do objeto da pulsão não está ligado originalmente a ela. Ao contrário, afirma que o objeto é o que há de mais variável na pulsão, asseverando não haver correspondência ou harmonia preestabelecida entre o objeto e a pulsão.

Se o objeto primário da satisfação é perdido, só retornando alucinatoriamente e se, desde então, a busca pulsional recorrente da repetição daquela primeira satisfação se faz com objetos inespecíficos, interessa situar os modos primários de organização psíquica para localizar algumas modalidades sobre as quais o objeto incide na primeira relação supostamente dual entre mãe e criança. O estudo da fobia (Freud, 1992/1909 e 1918) permitiu distinguir que o objeto é constituído para colocar o medo à distância, mantendo o sujeito a seu abrigo e ligado à emissão de um alarme. Assim, o medo dá, ao objeto, seu papel de sentinela avançada contra a angústia. Por outro viés, no estudo do fetiche (Freud, 1972/1905 e 2007/1927), o objeto também demonstra a função de proteção contra a angústia ligada à negação do órgão fálico no sujeito feminino. Aí o objeto tem função de complementar algo que se apresenta como um furo. Assim, sob o fundo de uma angústia fundamental, fobia ou fetiche são sintaxes que estruturam a medida de proteção ou de garantia do sujeito. São nessas estruturas que o objeto se destacará. É o que implica a constatação freudiana da ausência de nexo entre a mulher e a ausência de pênis, uma vez que a criança supõe, para ambos os sexos, somente o órgão masculino presente na mãe que, por estar ausente em alguns (nas meninas), é passível de ser perdido naqueles que o tem nos - meninos (Freud, 2011/1923). Desta forma, o falo foi introduzido na teoria psicanalítica como um objeto de ordem imaginária, que terá função de mediar, como terceiro, a relação angustiante à alteridade materna primária.

Dessa perspectiva, Lacan conclui haver uma distância entre uma construção do mundo e o estabelecimento da relação com o outro que fala, distância essencial a ser considerada para não se confundir o estabelecimento da realidade com a noção de objetividade e plenitude do objeto. Portanto, o objeto não é um simples correspondente do sujeito, cooptado segundo a demanda do sujeito. Ele é instrumento que mascara e enfeita o fundo de angústia da relação do sujeito com o mundo. Portanto, não basta falar que o objeto teria a propriedade de regularizar as relações com todos os outros objetos, pois Freud (1992/1930 e1933) também concluiu que a ideia de um objeto harmônico é contradita na experiência do homem e da mulher.

Enfim, seja alucinado, distinto do desejado ou na posição fálica, o objeto propriamente dito não comparece como tal. A função do objeto sempre se presentifica a partir da constatação de sua ausência, ou seja, à medida que ele falta. Nessa direção, Lacan (1995/1956-7) propõe as modalidades da falta de objeto que se introduzem na constituição do sujeito, organizando-as em três tempos lógicos. Interessa-nos, portanto, localizar a instância do objeto como referente de uma falta que se instaura mais além do objeto, nas relações de privação, de frustração e de castração, ao mesmo tempo em que consideraremos tais modalidades de objeto na insistência simultânea das diferentes dimensões, simbólica, imaginária e real incidindo sobre a criança.

*

A dimensão do Simbólico estabelece uma estrutura que rodeia todas as ações estabelecidas com a criança, guia-as, suscita-as, no engajamento de cuidados e afetos, articulando e posicionando o sujeito e seus outros. A relação simbólica intervém estruturando a percepção, que estabiliza o mundo ao nomear os objetos:

O percipi do homem só pode manter-se dentro de uma zona de nominação. É pela nominação que o homem faz subsistir os objetos numa certa consistência. Se estivessem apenas numa relação narcísica com o sujeito, os objetos não seriam nunca percebidos senão de maneira instantânea. A palavra, a palavra que nomeia, é o idêntico. Não é a distinção espacial do objeto, sempre pronta a dissolver-se numa identificação ao sujeito, que a palavra responde, mas sim a sua dimensão temporal. O objeto, num instante constituído como uma aparência do sujeito humano, um duplo dele mesmo, apresenta, entretanto, uma certa permanência de aspecto através do tempo... Essa aparência que perdura um certo tempo, só é estritamente reconhecível por intermédio do nome. O nome é o tempo do objeto. A nominação constitui um pacto, pelo qual dois sujeitos ao mesmo tempo concordam em reconhecer o mesmo objeto (Lacan, 1987 [1954-5], p.215, grifos nossos)

Pela palavra, o reconhecimento mútuo dos objetos pode manter o mundo perceptivo. Portanto, de modo transversal à relação simétrica e recíproca entre a criança e o semelhante (o outro), a circulação discursiva da fala no campo da criança insemina a justa relação que o localiza, articula, orienta e concatena, por meio da diferenciação promovida pela ordenação de significantes.

Assim, nas formas mais primitivas de apreensão de sua tomada na linguagem, o infans recebe seu nome, na primeira rubrica de sua relação com o campo simbólico (o Outro-A), por meio de um semelhante (o outro-a). Produz-se, assim, a identificação simbólica primária que distingue a criança, referenciando seu lugar na trama simbólica. Assim, o grande Outro(A) pode ser tomado como lugar da verdade, na medida em que é o lugar onde a palavra, mesmo equívoca, se situa tomando lugar, instaurando essa ordem evocada e invocada cada vez que o sujeito articula alguma coisa (Lacan, 2002, [1958-9], p. 310).

A inserção do neonato na relação simbólica é extremamente precoce, pois a linguagem introduz a dimensão do sujeito no mundo, criando uma realidade de outra ordem, distinta do que se apresenta como realidade bruta, como mero encontro de duas massas (Lacan, 1987 [1954-5], p. 323). Interessa sublinhar que essa função não está situada por Lacan apenas naquele que fala com a criança, mas também nela, pois,

as imagens de nosso sujeito estão basteadas no texto de sua história, estão presas na ordem simbólica, em que o sujeito humano é introduzido num momento tão coalescente quanto possam imaginar com a relação original, a qual somos forçados a admitir como sendo uma espécie de resíduo do real. Logo que existe no ser humano esse ritmo de oposição, escandido pelo primeiro vagido e por seu cessamento, algo revela-se, que é operatório na ordem simbólica (Lacan, 1987 [1954-5], p. 323, grifos nossos).

Lacan situa algo de operatório na ordem simbólica que seria "uma espécie de resíduo do real", no qual podemos supor desde um mecanismo reflexo até uma resposta subjetiva à imposição feita pela exterioridade da ordem simbólica ao organismo. Mas interessa frisar que o que faz desse resíduo do real uma função operativa no campo simbólico é o fato de ser reconhecido pelo próximo como manifestação subjetiva, ou seja, por ter valor de resposta, estando, portanto, concatenada à ordem simbólica que lhe é imposta. Afinal, como Lacan nos lembra, o homem se apossa da natureza distinguindo suas formas, pela introdução, nelas, de uma noção de assimetria. Isso porque, na natureza bruta, a forma "não é nem simétrica nem assimétrica, ela é o que é" (Lacan, 1987 [1954-5], p. 56). Assim, quando um resíduo do real é qualificado como resposta, estabelece-se uma assimetria, distingue-se um sujeito.

Portanto, que seja de ordem biológica ou subjetiva, é a trama simbólica tecida em torno das reações do organismo o que lhe dá lugar subjetivo. Dessa perspectiva, esclarece-se a observação do interesse do neonato por tudo o que a sua percepção pode capturar. Mas entre a percepção e o balizamento simbólico do que ela destaca, um contingente temporal se impõe, escandido no que dizem a ela.

Numa relação suposta dual, a mãe interpreta a descarga tensional da criança como uma demanda à satisfação a que responde por meio da oferta do objeto (alimento) que visa satisfazer a necessidade. Estabelece-se assim o registro de uma matriz simbolizante mínima, na medida em que alterna presença (a sua presença coincide com a do objeto da satisfação que ela traz) e ausência (que a criança manifesta pela descarga da tensão de seu mal-estar). A possibilidade da presença está antecipada na demanda que requer o objeto, e a possibilidade da ausência está configurada desde que o objeto esteja presente.

Assim, as experiências do sujeito serão inscritas pelas respostas a seus apelos, já considerados pela mãe como demandas, nas tramas em que agente, infans e objeto mudam suas posições, circulando entre dimensões do real, do simbólico e do imaginário. É em relação a esse outro - o agente, agente materno -que o sujeito se constituirá como sujeito da fala, ou seja, sujeito de um desejo articulável. Ao posicionar-se como endereço dessas demandas, o outro materno exerce sua função, respondendo-lhe mesmo com sua ausência, desde que retome o jogo com sua presença, para em seguida ausentar-se novamente.

Por isso Lacan alerta que não nos deixemos fascinar pelo momento genético em que o infans brinca com o objeto:

A criancinha que vocês veem brincar fazendo um objeto desaparecer e tornar a aparecer, e que se exercita assim na apreensão do símbolo, mascara, se vocês se deixam fascinar por ela, o fato de que o símbolo já está ali, imerso, englobando-o por toda a parte, de que a linguagem existe, enche bibliotecas, transborda, rodeia todas as suas ações, guia-as, suscita-as, de que vocês estão engajados, que ela pode solicitá-los insistentemente a todo momento para que vocês se desloquem e sejam levados a alguma parte. Tudo isso vocês esquecem diante da criança que está se introduzindo na dimensão simbólica. Portanto, coloquemo-nos ao nível da existência do símbolo como tal, enquanto nós aí estamos imersos. (Lacan,1988[1955-6], p. 98, grifos nossos)

O contexto em que a criança apreende o símbolo ao manusear o objeto delimita a ordem simbólica que está, desde sempre, atuante, ali, onde podemos supor que ela se inicia. De tão presente, ela nos escapa até que nossa visão a constate no gesto organizado da criança que a testemunha, antes de a criança assinalar seu manejo nos jogos em que opera sua relação com a presença e com a ausência (como jogo do Fort-da distinguido por Freud, testemunha).

*

O fato da percepção nos mostra que dimensão do imaginário também orienta o neonato. Muito antes de interrogar-se sobre o que é ou supor-se um, ele se vê sob a forma do outro, posto que os animais vivos, inclusive o homem, são sensíveis à imagem do seu tipo (Lacan, 1987 [1954-5], p. 403). Mas, o homem, tem uma relação especial com a imagem que lhe é própria.

A superposição da imagem do outro constitui inicialmente, no homem, o Eu, na medida em que o sujeito coloca o outro em relação a sua própria imagem. Aqueles que lhe falam são aqueles a que o Eu se identifica. Essa forma do Eu identificável a uma forma de alienação imaginária num jogo interpsicológico é fundamental para a constituição dos objetos de troca:

É a imagem do seu corpo que é o princípio de toda unidade que ele percebe nos objetos. Ora, dessa própria imagem, ele só percebe a unidade do lado de fora, e de maneira antecipada. Devido a essa relação dupla que tem consigo mesmo, é sempre ao redor da sombra errante do seu próprio Eu que vão-se estruturando todos os objetos do seu mundo. (LACAN, 1987 [1954-5], p.211)

Entretanto, se inicialmente, no plano imaginário, o sujeito é idêntico às imagens biológicas que o guiam, fazendo o sulco preparatório do que vai atraí-lo pelas vias da voracidade e da cópula, o reconhecimento do semelhante como seu duplo também implica muito mais que isso. A ordem da imagem é insuficiente para articular a criança no laço social, pois, se o outro só fosse apreensível como idêntico, o infans permaneceria paralisado, ou seja, imobilizado numa "vacilação paralisante", sem permitir sua necessária diferenciação do outro em que se vê refletido.

Diferenciar-se do outro exige localizá-lo não só como biologicamente igual: o sujeito é atraído por um outro que é e faz como ele. Entretanto, se o outro (autre com a minúsculo) é a forma imaginária do campo no qual se estruturam, para o recém-nascido, os objetos, o outro é também o concorrente na disputa que doravante implicará a posse desse objeto que foi introduzido. Nessa medida, desde que haja um objeto circulando entre ambos, estabelece-se uma relação de concorrência: ou o sujeito ou o outro detém o objeto. A vacilação paralisante será efeito da antecipação na qual vislumbra ser possível ao sujeito aniquilar o outro e, portanto, que o outro possa excluir o sujeito.

*

Assim, nessa dimensão em que a imagem do outro funda um Eu narcísico e seus objetos de troca, isso não acontece pela acumulação de aquisições, mas porque, sob esse plano imaginário irá insistir a tensão original de um corpo despedaçado e anárquico que, mesmo assim, estabelece uma relação com as percepções. Nessa tensão original trata-se de um abismo, uma relação de hiância que testemunha uma discordância do semelhante a que se equivale. Alguma coisa é presa aí, fixada e subtraída, fazendo, do sujeito, algo de privado. Introduz-se aí algo que os filósofos reconhecem como uma nadificação, e que podemos chamar de -cp (Lacan, 2002/1958-9, p. 370). Afinal, trata-se da privação do ser.

É por que há um sujeito que se marca a si mesmo ou não com um traço unário, que é 1 ou -1, que pode haver um -a, que o sujeito pode identificar-se com a bolinha do neto de Freud e especialmente na conotação de sua falta, não há, ens privativum. Obviamente há um vazio e é daí que vai partir o sujeito...só o sujeito pode ser esse real negativizado, por um possível que não é real. O -1, constitutivo do ens privativum, nós o vemos assim ligado à estrutura a mais primitiva da nossa experiência do inconsciente, na medida em que ela é aquela não do interdito, nem do dito que não, mas do não-dito, do ponto onde o sujeito não está mais para dizer se ele não é mais mestre dessa identificação ao 1, ou dessa ausência repentina de 1 que poderia marcá-lo. (2003, lição de 28/02/62, p. 172, inédito)

A enunciação da privação deriva do agente, sujeito imaginário da onipotência, imagem invertida da impotência infans. É do enunciado do nada que toda enunciação parte. Tal discordância entre o protossujeito e o outro pode ser localizada como a dimensão do Real, atestada como aquilo que atinge a criança modo indeglutível, indizível e intraduzível, suscitando o afeto da angústia. É sob um fundo de angústia que a relação do sujeito com o mundo se estabelece. Tal angústia convoca uma medida de proteção e de garantia a ser estabelecida pelos modos como o sujeito se relaciona com os objetos. A angústia se introduz no jogo dialético que articula a identificação imaginária ao desejo do Outro, instalando uma interrogação (Lacan, 2005 [1962-3], p. 15), sinalizando um perigo. O surgimento da angústia se dá no momento em que o sujeito se vê diante do desejo do Outro, alienado nesse desejo. A angústia, signo do desejo do Outro que se produz no eu, é destinada a advertir o sujeito sobre um desejo. Enquanto para Freud (1975/1926) a angústia sinalizaria ao eu a iminência de um perigo interno, para Lacan,

Se o eu é o lugar do sinal, não é para o eu que o sinal é dado. Isso é bastante evidente. Se isso acende no nível do eu, é para que o sujeito seja avisado de alguma coisa, a saber, de um desejo, isto é, de uma demanda que não concerne a necessidade alguma, que não concerne a outra coisa senão meu próprio ser, isto é, que me questiona. Digamos que ele me anula... , dirige-se a mim, se vocês quiserem, como esperado, e, muito mais ainda, como perdido. Ele solicita minha perda, para que o Outro se encontre aí. Isso é que é a angústia. (Lacan, 2005/1962-3, p. 169)

O Outro é inconsciente e correspondente ao desejo na medida do que falta ao sujeito e do que ele não sabe. Por isso implica o sujeito que nada sabe de seu desejo e sem ter como sustentar desse desejo referido a um objeto. (Idem, p. 15-16).

Assim, a criança constatará a privação do objeto de sua satisfação (o leite), devido à "assimetria" da relação mãe-criança, desencontro fundamental causado pela defasagem temporal entre a demanda e sua resposta, que desalinha a relação entre a mãe e o bebê. "Para que o sujeito tenha acesso à privação, é preciso que ele conceba o real como podendo ser diferente do que é, isto é, que já o simbolize" (Lacan, 2008 [1956-7], pp. 54-55).

A demanda institui o outro a quem ela se endereça como aquele que pode estar presente ou ausente. Um Outro real, que é a primeira forma da onipotência dada ao Outro, responde gratificando ou frustrando essa demanda, na alternância presença/ausência que o fort-da discernido por Freud (2006,1920) demonstra.

O apelo se faz escutar quando o objeto não está lá. Quando está lá, o objeto se manifesta essencialmente como sendo apenas signo do dom, isto é, como nada em termos de objeto de satisfação. (Lacan, 2008 [1956-7], p. 186)2

Uma mudança no estatuto do objeto transformará o objeto concreto da satisfação que passa à categoria de objeto reivindicado. Trata-se da falta que se insinua sob a forma de dano imaginário e situa a inscrição da falta do objeto por meio da operação de frustração que é, por essência, o domínio da reinvindicação (1956-7, p. 36). Refere-se, portanto, à suposição da criança de um objeto como um "dom" que pode ser-lhe destinado. A mãe, até então na função de agente da operação de simbolização primária, fundida ao objeto presente ou ausente, será agora concebida como um bloco onipotente, real. Ela se destaca do objeto de satisfação almejado como uma instância que decreta a presença do objeto sem que se possa situar a ordem que preside sua oferta e sua desaparição. Assim a mãe confere a esses objetos o estatuto de objetos portadores de dons simbólicos, na medida em que, a seu critério, podem ou não ser oferecidos à criança. Nessa dialética está em jogo a suposição de que aquele de quem se poderia esperar o objeto só o faz na medida de seu capricho. A mãe, portanto, aparece nesse plano como Outro portador de um objeto-dom.

Quando os objetos da necessidade são tomados pela via simbólica, e portanto, reivindicados, transformam-se em objetos-dons e tornam-se signos do amor.

Sua presença junto à criança representa o amor dessa onipotência real que é o agente materno.

É nessa alternância presença/ausência que o objeto real da satisfação da necessidade passará a representar, para a criança, o dom de amor da mãe, quando ausente. Concebido imaginariamente pela criança como potência de quem depende, o agente materno poderá ser representado pelo objeto. Na posse deste, o infans buscará saciar sua decepção pela ausência daquele. Tal decepção é marca da incidência do objeto como simbólico, posto que é representante mas não equivalente à representação que se tem do agente materno. Mas, se marca sua falta, o substitui, no movimento em que a saciedade será obtida pela via não mais da presença da mãe, mas da erotização do objeto.

Introduzida na dinâmica dialética da frustração, a criança considera o objeto como dom de amor. Assim, embora o objeto real não se torne sem valor, ele perde aí sua especificidade: "Não é o objeto que desempenha, em seu interior, o papel essencial, mas o fato de que a atividade assumiu uma função erotizada no plano do desejo, o qual se ordena na ordem simbólica" (Lacan, 2008 [1956-7], p. 188)

Esta operação de passagem de estatuto do objeto real ao plano simbólico de objeto-dom assume função singularmente importante na inserção da criança no mundo simbólico.

Ao discernir que, nas respostas que recebe há também demandas implícitas, a criança localiza a presença de insatisfações também na mãe. A criança se oferece a si mesma como objeto-dom para a mãe, situando-se no lugar daquilo que falta à mãe, para assegurar-se da obtenção do amor da mãe. É justamente porque a mãe está situada num plano de proximidade à satisfação da criança que essa última se coloca simetricamente restituindo aquilo que falta à mãe, mantendo-se no jogo de alienação ao outro materno. A criança propõe-se assim a ocupar o lugar do falo materno, oferecendo-se na posição de objeto da satisfação para a mãe, encarnando a função que já havia atribuído ao objeto. Isso lhe permite alienar-se à dialética do jogo de identificações.

Assim, inicialmente o júbilo do seu reconhecimento na forma oferecida pelo outro permite-lhe situar-se. Essa experiência lhe retorna deixando notar que essa forma em que se situa antecipa um ideal discrepante em relação a seu estado atual: seus movimentos não lhe obedecem, ou seja, são desprovidos de um eixo central, por faltar maturação biológica. Dessa forma, ao mesmo tempo aquém dessa imagem oferecida, constata estar além dela, já que não se reduz a ela. Aparece vacilação: o júbilo da adesão cega a essa imagem comporta o horror de limitar-se a ela: seria assim aniquilado. Tudo doravante dependerá de uma aderência a esse duplo da imagem ou da consideração de sua discrepância, mesmo que para servir-se dela. Nesse caso, será pressentida a dominância e a gerência do Outro na insistência das demandas dirigidas à criança.

Tendo pressentido a falta no agente materno, sua onipotência suposta decai e a partir daí poderá brincar de ocupar posições diversas, tentando algum domínio sobre a mãe, ao mesmo tempo em que, por não poder perdê-la, a ela se submete. Ao mesmo tempo, pode constatar a incidência do desejo do Outro em sua direção. Um resíduo retém o sujeito face a sua anulação pura e simples, como idêntico ao outro, em que equivaleria ao Outro. Por isso interroga esse desejo do Outro e se situa, a partir desse pedaço que denuncia sua diferença para com o Outro: esse resíduo, portanto, não é especular, ele escapa à identificação.

O sujeito pode agora situar-se como falta a essa equivalência, falta que acomete a ambos, a ele e ao Outro, buscando os meios de aparelhar-se para defender-se e orientar-se em relação ao desejo do Outro. Resto irredutível da entrada do sujeito na linguagem, essa falta causa o desejo. Lacan a demarca com uma letra: a, objeto dessubstancializada que aponta a imaterialidade do que causa o desejo do sujeito (Lacan, 1998[1960]).

É nessa permutação entre posições e funções desse circuito simbólico, imaginário e real que repetições diferenciais insistentes induzirão a criança a problematizar o que está em jogo. Tal interrogação demonstra uma separação, sendo que será preciso extrair algo dos elementos desse enlace corporal que seja prenhe de significância, que seja capaz de sustentar o estabelecimento de uma fantasia para, com ela, aparelhar-se para operar com ela e dela usufruir nas relações ao Outro, na escalada de seu desejo.

Assim, ao mesmo tempo em que pode tomar-se reconhecido pelo outro que lhe responde mais além do que ele lhe formulou em sua demanda, não encontra plena correspondência na resposta a suas demandas, pois o Outro, até então onipotente, comparece agora marcado pelas próprias necessidades da linguagem e se instaura como outro, lugar de articulação da fala.

Sem localizar o que lhe dê garantias, ou seja, para situar-se em sua condição de dependência, o sujeito é induzido a interrogar sobre o pacto entre ele e o outro: pode contar com o outro? O que pode esperar? Nesse nível, isso é tudo que o sujeito formula dele próprio.

O sujeito se suspende como Isso [o Es freudiano] sob uma forma interrogativa e se articula: "É?". Em estado nascente, em presença da articulação do Outro que lhe responde, esse conflito primitivo comandará a modulação inconsciente de seus comportamentos. A partir dessa demanda, um novo alcance será gerado, na medida em que a função de satisfazer uma necessidade se reveste um signo, uma barra que a situa como demanda de amor.

Nesse nível, a operação é divisão. O sujeito tenta reconstituir-se, autentificar-se, reunir-se na demanda dirigida para o Outro. A operação se detém... O quociente que o sujeito busca atingir ... fica aqui suspenso, em presença, no nível do Outro, da aparição desse resto por onde ele próprio, suprido, traz o resgate, vem substituir a carência no nível do Outro do significante que lhe responde. (Lacan, 2002 [1958-9], p.400, grifos nossos)

Tentando se apreender no além da fala, ele encontra no Outro o vazio, ou seja, nenhum significante garante a autenticidade da sequência dos significantes. Ele depende do querer do outro: nada garante a cadeia e a fala significante. Sem achar no Outro nada que o garanta de modo seguro e certo, autentificando-o, nada que lhe permita situar-se e nomear-se no nível do discurso do Outro, o sujeito se acha perpetuamente afrontado pela marca do momento de seu apagamento (Lacan, 2002 [1958-9], p. 400).

Assim, o quociente de sua divisão pelo Outro fica em presença do resto dessa mesma operação, sustentando-se um pelo outro, constituindo sua fantasia. Nesse impasse, o sujeito se serve da relação imaginária ao outro, em que parte dele está engajada. Surgindo no lugar onde se põe a interrogação sobre o que ele é, produz-se o objeto suporte ao redor do quê, no momento em que o sujeito se esvaece diante da carência do significante que responda sobre seu lugar, ao nível do Outro, ele encontra seu suporte nesse objeto.

É respondendo a esse momento que surge o suplente do significante faltante, esse elemento imaginário [a] que nós chamamos em sua forma mais geral, porquanto termo correlativo da estrutura do fantasma, o suporte de S como tal, no momento em que ele tenta indicar-se como sujeito do discurso inconsciente. ... E o desejo é aqui sustentado pela oposição, a coexistência dos dois termos que são o $, o sujeito na medida em que justamente nesse limite ele se perde, que ai o inconsciente começa... Aqui se detém toda possibilidade de se nomear. Mas nesse ponto de parada está também o índice, o índice que é trazido, que é a função maior,... sustentado diante dele que é o objeto que o fascina, mas que é também aquele que o retém frente à anulação pura e simples, a síncope de sua existência. E é isso que constitui a estrutura do que chamamos fantasma. (Lacan, 2002 [19589], p. 401, grifos nossos)

À medida que S tenta abordar a cadeia simbólica, para referir-se, ele não se encontra. Ele só está nos intervalos, nos cortes. Por isso, o sujeito recorre ao objeto imaginário no fantasma. Assim, os pedaços do corpo que ele próprio e o Outro rejeitam, cortam e se intercalam entre os dois serão escolhidos preferencialmente e erotizados. O objeto, ponto de esteio concreto das margens da consciência, é o suporte imaginário da relação de corte no simbólico que o sujeito tem de suportar. O recobrimento de dois sistemas de corte é a relação que ele encontra: corte concreto dos objetos reais recrutados no estreito laço entre as funções vitais do sujeito e a fenda da linguagem.

Para figurar a diferença entre a, esse resíduo singular, e o sujeito, Lacan introduziu ainda um termo que rompe o elemento fonemático, para apontar a síncope representada pelo punção tensionando a dificuldade e a ambigüidade da articulação entre sujeito e objeto, por ser ao mesmo tempo o que o divide e o que estabelece algo em comum. Inacessível ao simbólico e somente pressentido pelo imaginário, tal objeto sobra da operação subjetiva de inclusão na linguagem (Lacan, 2005[1962-3]). Esse objeto a só pode ser alcançado por um desvio imaginário que dá acesso, de forma artificial, à relação do sujeito com seu desejo: a fantasia. Tal acesso nunca é possível de maneira efetiva, porque o objeto a, suporte do desejo na fantasia, não tem imagem, é invisível na imagem do desejo para o sujeito.

Como vimos, o sentido em que o neonato é reconhecido pelo agente de seus cuidados o catapulta ao funcionamento por meio de relações imaginárias estruturadas pela linguagem. A dialética das permutações entre real, simbólico e imaginário recruta objetos empíricos e mobiliza partes do corpo e de seus produtos, em distintas funções sempre concernidas por concatenações significantes, na economia de trocas em que o infans transforma o objeto da necessidade em objeto simbólico nos polos em que a mãe se apresenta, até formar essa divisão do discurso que os efeitos do inconsciente expressam.

 

1 O autista no campo da linguagem3

A constituição do sujeito no campo da linguagem permitiu partir da consideração de que qualquer sujeito é efeito da relação estabelecida com a linguagem (grande Outro), o que se faz por meio do pequeno outro, o semelhante. É necessário que o infans tenha sido capturado no âmbito do campo da linguagem (grande Outro) para que estabeleça um modo de relação, uma espécie de sintaxe, a partir da qual localizará objetos e os semelhantes (pequeno outro).

Cabe destacar, entretanto, que no autista, a captura de seu ser pelo sentido dado pelo outro pode não acontecer. Mesmo sendo tocado pelo significante, o ser ficaria aquém da articulação significante, na substituição que o transportaria entre significantes.

[... ] com a perda do ser, não se ganha automaticamente o sentido, pode-se ficar a meio caminho, hesitante entre um e outro, vale dizer, congelado. Dito de outro modo, o gelamento não é exterior nem anterior à alienação. (Bastos, 2003, p. 146, grifos nossos)

Nesse caso, a discretização significante parece não operar uma produção de sentidos, permitindo que o autista neutralize a rede da linguagem ou tente manter-se alheio a seus efeitos.

Interessa notar que as premissas lacanianas privilegiam o campo do Outro, na medida em que o pequeno outro, o semelhante, está necessariamente imiscuído no lugar do Outro, sendo geralmente assim considerado. Todavia, para tratar o autismo, essas premissas não prescindem do pequeno outro, o semelhante, já que só em relação a um pequeno outro encarnado há funcionamento pulsional. Especialmente no tratamento dos autismos é imprescindível melhor explicitar a diferença entre Outro (linguagem) e outro (semelhante), para que possamos chegar a tratar essas crianças.

A consideração da transferência por Lacan oferece o testemunho de que não basta a história do sujeito para localizar e tratar suas repetições, uma vez que aí elas estão mortificadas. A atualização da repetição é imprescindível, porque só nela o vivo da pulsão pode comparecer. Isso nos permite dizer que o Outro (a linguagem) necessita do outro (semelhante) para vigorar: por isso mesmo a linguagem é não-toda.

É o que nos permite retomar a afirmação de que o autista responde à indeterminação do desejo do Outro pela retração, que apagaria a falha desejante do Outro (Calligaris,1986).

A indeterminação do desejo do Outro é estrutural. Afinal, o valor de cada unidade da linguagem só existe quando ela é localizada na rede que a concatena e em que se distingue das demais. Isso implica o gap entre o enunciado da demanda, que espera uma resposta e sua significação modalizada na resposta como uma demanda invertida. A indeterminação do desejo só sai do anonimato depois de produzir um suposto sujeito a esse desejo. É, entretanto, identificado a esse outro-semelhante que um suposto sujeito, assim produzido, vigora.

Nesse ponto de vista, mesmo que por retração, o autista responde, ou seja, independentemente da qualidade de sua resposta, ele faz uma operação de linguagem. No caso do autismo, o sujeito do desejo não se produziria, estaria subsumido à estrutura do Outro, sem destacar-se dela. Obviamente, nessa situação, o laço da criança com o outro não comportaria essa produção de um sujeito do desejo. Podemos distinguir a ausência de inversão, operação também atinente à estrutura da linguagem, já que toda demanda evoca sua forma transposta segundo certa inversão: o autista realizaria diretamente a demanda, sem inverter a exclusão que a estrutura simbólica (o Outro) lhe propõe (Jerusalinsky,1993). Nesse caso, em vez de localizar-se no que falta ao Outro da linguagem, consentindo em alienar-se nela ele responde ativamente. Encarnando o anonimato, permaneceria onde foi colocado: sem lugar definido, mas agindo, talvez, para buscar ancoragem.

O campo do Outro, indeterminado e anônimo, será então imaginarizado como bloco inabordável, intransponível e ameaçador. Não se pode brincar com isso, que é, portanto, evitado pelo autista, que não o diferencia para localizar seus agentes. Por isso, muitos clínicos testemunham que as manifestações dos autistas podem significar movimentos para barrar uma presença experimentada como intrusiva e/ou excessiva do Outro.

[...] Se não há simbolização primordial, o Outro se apresenta como um Outro maciço, completo, que não comporta a escansão presença/ausência, nem a concomitante extração do objeto que o descompletaria. Um Outro que é pura presença e, portanto, intrusivo, ou pura ausência, o que também deixa a criança à mercê do excesso, do trauma deixado pela ausência do Outro materno. (Ribeiro, 2005, p. 40)

Essa notação de um Outro maciço, completo e intrusivo anuncia que o Outro é tomado imaginariamente pelo autista como causa de angústia. A emergência de um outro, semelhante, anunciaria o perigo representado pelo Outro.

As unidades da linguagem não foram discretizadas, testemunhando que a apreensão da estrutura da linguagem fica limitada a sua dimensão imaginária. O autista também não teria sido distinguido como sujeito, entretanto, deixando supor que seus comportamentos, aparentemente sem sentido, obedeçam "a uma espécie de estratégia frente à demanda do Outro" (Ribeiro, 2005, p. 19).

Por outro lado, ao agenciar este campo do Outro, da linguagem, o outro semelhante, quando entra em função, encarna algo irredutível ao Outro, ou seja, o modo singular de transmitir sua suposição de sujeito do desejo, sustentando a presença de um resíduo irredutível:

[...] a irredutibilidade de uma transmissão - que é de uma outra ordem, distinta daquela da vida segundo as satisfações das necessidades , mas que é de uma constituição subjetiva, implicando a relação com um desejo que não seja anônimo. (Lacan, 2003 [1969], p. 369, grifos nossos)

Esse irredutível permite apontar que o sujeito é resultante de uma relação peculiar estabelecida entre a criança e o outro-semelhante, agente materno do Outro, pois só assim singulariza sua inserção no dispositivo simbólico. Para isso, o neonato é referido pelo agente ao campo da linguagem, em que primeiro ele representa alguma coisa para alguém para, posteriormente, se transportar entre significantes. Mas essa singularidade só incide sobre o neonato ordenada numa estrutura que a implica e que a ultrapassa: o campo da linguagem. Assim, afetado pelos atos do agente, ao mesmo tempo específicos quanto ao desejo e comuns quanto à ação da estrutura de linguagem, o neonato se situa concernido a esse campo, que inclui a singularidade de seu agente e estabelece a sua.

Interessa aqui considerar a hipótese de que a singularidade da incidência do agente transmissor da ordem simbólica não tenha sido presentificada e capturada nas primeiras relações do autista com o simbólico. A singularidade do desejo articulada no circuito pulsional dos corpos só fará laço social desde que aparelhada pelo Outro, mas o aparelho da linguagem não opera sem o fisgamento pulsional do outro. Como aparelho, o Outro da linguagem só aparelha o ser efetivamente quando agenciado por um outro-semelhante, presença também necessária à subjetivação.

Bergès e Balbo (2002) qualificam a especificidade da presença do outro considerando as interrogações, incertezas, vacilações e hesitações com que responde às demandas supostas ao neonato, ou seja, endereçando-se à criança a partir de certo não-saber que preservaria o lugar para a manifestação da criança. Sem a intermediação do outro, o Outro ganha um caráter maquínico, sem dar lugar para novos sentidos, para o equívoco e para a descontinuidade, ou seja, sem lugar para a emergência de um sujeito. A máquina da linguagem despulsionalizada poderia, talvez, ser um modo de nomear o grande Outro do autista.

A presença de outro sujeito nas relações da criança ao Outro da linguagem, o grande Outro, não é de qualquer ordem. Tornar-se um sujeito desejante, não prescinde do golpe de força (BERGÈS & BALBO, 2002) sobre o organismo dado por outro sujeito em posição desejante que, por seu ato de convocação, é capaz de inscrever marcas, localizando-o num corpo erógeno distinto de seu organismo: o outro cunha nesse organismo, a sua passagem por ali.

 

2 O autista e os objetos empíricos4

Retomaremos as relações de objeto a partir do que Freud localiza como uma energia libidinal que vai se organizar primariamente voltada para o próprio organismo, estado que ele denomina de narcisismo e cuja possibilidade de satisfação é autoerótica. Para Freud, "O Eu-sujeito é passivo em relação aos estímulos externos e ativo por meio de suas próprias pulsões" (Freud, 2004/1915, p. 158). Freud acrescenta ainda que "O mundo externo não está, nesse momento, investido de interesse (falando de modo geral); para a satisfação pulsional ele é irrelevante" (Idem). Nota-se a importância de distinguir o objeto de que se trata nessas passagens que o psicanalista escreve. Antes de estar balizado pelo simbólico (A), há percepção, que entretanto não diferencia o que é próprio do que é externo por faltar a ordem que pode categorizá-lo.

Ao formular a perspectiva do autoerotismo, Freud partira do fato de que nesse primeiro momento, sem diferenciar a realidade da alucinação, o neonato não distinguia interno e externo, dentro e fora. Apegava-se "tenazmente a fontes de prazer disponíveis" (Freud, 2004[1911], p. 67) e "desviava-se do desprazer" (Idem, p. 68). Se, primitivamente, o neonato tomava o que lhe era prazeroso como próprio e o que era fonte de desprazer como alheio, os objetos fonte de prazer seriam partes do Eu-prazer, portanto, incorporados ao que havia de Eu nesse momento. Por isso,

Se há algo de que o lactente não dá ideia é de se desinteressar pelo que entra em seu campo de percepção. Que haja objetos desde o tempo mais precoce da fase neonatal é o de que não há a menor dúvida. Autoerotisch não pode absolutamente ter o sentido de desinteresse em relação a eles. (Lacan, 1988[1964], p. 180)

Desse ângulo, pode-se supor que os objetos empíricos percebidos sejam tomados pelo sujeito como partes não destacadas de si mesmo ou reatáveis a si mesmo. Talvez essa seja a razão de sua "preocupação com imutabilidade" (Kanner, 1997/1943), descrita como a impossibilidade de a criança suportar a interferência sobre ela ou sobre o espaço. Entretanto, ela mesma não se mantém inerte. Ela pode romper essa situação, por meio do recurso da movimentação de objetos empíricos.

O objeto empírico tomado de seu meio pelo autista para ser manipulado de formas diversas funciona como um elemento central na abordagem psicanalítica do autismo. Reconhece-se que o objeto favorece um movimento de suplência diante da falha estrutural presente na constituição subjetiva, o que pode conduzir à estabilização do quadro (Pimenta, 2003).

A noção do objeto qualificado como autístico foi proposta por Tustin, na década de 1970, e retomada, de modo crítico, por Maleval (2009).

Para Tustin (1975), os objetos autísticos consistem em uma parte extra do corpo da própria criança ou em partes do mundo externo que ela experimenta como sendo uma continuação de si mesma. Diferentemente do objeto transicional (Winnicott, 1951, 1993), que significa a primeira posse de um objeto não-eu, Tustin (1975) sublinha o fato de o objeto autístico ser completamente experimentado como um eu. Tustin (1984) destaca que os objetos autísticos não são utilizados com referência à função para a qual foram criados, mas, sim, de maneira idiossincrática a cada criança, para quem são completamente essenciais. Se a criança perde esse objeto, fica tensa, como se houvesse perdido uma parte de seu próprio corpo, mas se acalma assim que há uma substituição desse objeto por outro. Esse fato ocorre, segundo a psicanalista, porque se tratam de objetos fundamentalmente dominados pelas sensações. Nesse sentido, não é o objeto em si que interessaria - como no caso do objeto transicional -, mas sim as sensações por ele proporcionadas. Segundo Tustin (1975), a criança pode tomar a mão de outra pessoa como objeto autístico, "usando-a como coisa destituída de vida ou [de] vontade própria" ou como uma "poderosa extensão de si", para atingir as finalidades por ela almejadas (p. 81).

A lógica do objeto autístico se liga às vicissitudes da perda pela criança da mãe e do seio materno, tomadas inicialmente como uma extensão onipotente de sua própria boca. A criança vive, nesse caso, a perda desses objetos como uma perda de parte de seu próprio corpo. Se assim ocorre precocemente, a criança tende a buscar satisfações autísticas a partir da estimulação corpórea, chupando a própria bochecha ou a língua ou se colando a um objeto externo. Esses objetos passam, então, a ser usados de uma única forma: como se fossem uma porção extra da própria boca (Tustin, 1975).

Posteriormente, a autora (1984) assinala que a criança se fecharia radicalmente em relação ao mundo exterior por experimentar uma série de "choques" (conflitos), no momento em que seu mecanismo neuromental ainda não se encontrava suficientemente protegido para suportá-los. A autora ressalta que os objetos autísticos se dirigem à sobrevivência do corpo e têm como principal objetivo

[... ] afastar o perigo que ameaça [...]. A dureza [dos objetos] ajuda a criança macia e vulnerável a se sentir salva em um mundo que parece ameaçá-la com perigos indescritíveis, em relação ao qual ela sente um medo extremo. Esses objetos ajudam a impedir a conclusão da separação corporal e promovem o delírio de que as imposições do mundo exterior são obstruídas. (Tustin, 1984, p. 136)

Assim, os objetos autísticos funcionariam como proteção para a perda, desempenhando tanto uma função protetora quanto uma função patológica.

 

3 O outro como parceiro e objeto5

Retomar o lugar do outro-semelhante não implica de modo algum uma tentativa de reestabelecer a ideia de déficit de interação de uma equívoca díade mãe-bebê. Afinal, o que não se coloca em jogo, longe de ser referido a esse suposto binarismo complementar dos termos em presença, visa a situar o termo ausente dessa articulação: o falo. No caso da resposta autística, é a referência mútua a esse termo ausente, mas incidente, que inexiste: não há significação do falo para operar a relação entre criança e mãe. Sua inoperância é que pode impedir a estruturação subjetiva, e não a inoperância do agente materno.

Se recorrentemente constatamos que o autista neutraliza ativamente o encontro com o semelhante (outro), evitando-o e esquivando-se dele, este comparece para o autista. Por vezes, o outro-semelhante é imaginarizado como massa indeterminada e anônima, brutal e perigosa. Grande Outro colossal, só pode ser intrusivo demais e, portanto, insuportável.

Mais que isso, sem ser agenciado por um outro, o lugar anônimo e invasivo do Outro não se implanta no corpo. Entretanto, sem desconsiderar a importância de sua incidência agenciada para constituir o sujeito, poderemos ponderar sobre o que permite certa abertura ao outro-semelhante. Assim, tornamos nossa a interrogação de Ribeiro (2005) a partir da consideração da condição do autista em trabalho. O que a proximidade do outro causa ao autista? O que definiria estas condições de abertura ao outro, que, mesmo pontuais, lhe permitem viver melhor? Qual estatuto teria aí o outro?

Diferentemente da afirmação corrente que localiza o autista no real (Lefort & Lefort, 1998), trabalhamos a hipótese de algum nível de imaginarização do Outro, aliado à captura do que o Outro tem de funcionamento maquínico. Afinal, como agente do Outro, a proximidade do outro implica constatar a imaginarização incidente no autista, já que é, nesse caso, imaginarizado como um Outro avassalador a ser evitado. Esse Outro, pressentido como exterminador, situaria o autista como sua presa: a isso o autista recua, mesmo apresentando ensaios em que tenta capturar o que há de maquínico no simbólico. Entretanto, a totalidade do fracasso desse encontro impossibilita ao autista aparelhar-se com ele e desfrutar dele para constituir um anteparo que lhe sirva de medida de sua separação e diferenciação.

No recuo do autista diante do outro, esse anteparo é estabelecido sem, entretanto, contar com a partilha que o aparelho da linguagem permite. Trata-se, portanto, de um anteparo, também, imaginário: uma medida de distância vigilante e neutralizadora, já que inexiste a unidade de medida que a simbolizaria (o Nome-do-Pai). Testemunha disso é sua exclusão ativa, manifesta sistematicamente quando se posiciona "de costas" para o semelhante, sem sincronia nem movimento reflexivo ou identificatório, referido no outro. Geralmente evitando o encontro de olhares, vendo, sem deixar que o vejam ver, evita qualquer fisgamento que o enlace ao olhar do outro. Fonando, não se serve da fala para operar a linguagem e as partilhas simbólicas. Ouvindo, tapa os ouvidos para se antepor à articulação de um falante, denotando suas tentativas de neutralização dos efeitos causados pelo que toma como proximidade excessiva do outro (massa bruta do real ou, ao contrário, presença da incompletude do simbólico?).

O lugar do outro no autismo implicou explicitar a função do objeto empírico, na medida em que o autista tanto elege objetos empíricos particulares quanto chega a eleger o outro, seja em função de instrumento mediador ou alçado à condição de anteparo ao Outro. Observa-se ainda que o autista pode suportar relações com os seus semelhantes, sem se incomodar ao ser reduzido a objeto de disputa entre os outros.

Ao contrário da angústia suscitada pelo desnudamento do objeto causa do desejo, os objetos autísticos, em sua presença e uso estereotipados, tranquilizam: estabelecem uma borda ao Outro indiferenciado e anônimo na ausência do destacamento da falta que atinge a ele e ao Outro. Vale notar aí a lógica desse valor de uso e nunca de troca, que os objetos assumem. Como registra Ribeiro (2005), a binariedade do ritmo ou do movimento dos objetos não passam ao simbólico, uma vez que não contemplam a articulação estrutural entre dois significantes, só concatenados para significar a ausência de um outro significante, que se opõe a eles num par. Isso condenaria a criança ao trabalho forçado de tentar, em vão, reuni-los. Tentando estabelecer um mais e um menos, a criança visaria inscrever um S2 no real6. Nesse sentido, poderíamos interrogar se a relação entre esses sinais biunívocos seria de especularidade plena, já que se remetem infinitamente um ao outro, como o sumidouro do espelho, sem ponto de ancoragem, pois não se referem ao que estaria ausente, se ali houvesse ao menos um.

Também esses objetos não são imantados dos valos simbólicos, dom do outro, ficando aparentemente reduzidos à função de saturar uma compulsão ou de aplacar a insaciedade produzida pelo simbólico. Dessa perspectiva, as tentativas de automutilação ou a insistência em furar poderiam ser tomadas como da ordem desta mesma biunivocidade que tenta articular o corpo e o Outro, desta vez por via da interpenetração?

 

4 O autista e o trabalho do duplo7

Pode acontecer, em qualquer sujeito, que algo do real se insira na dimensão do imaginário: aparece então a imagem do objeto a. Daí a expressão dos Lefort "espelho no real" (1998, p. 223), localizando o Outro daquele que não se constitui no espelho. O sujeito defronta-se com o estranho e é paralisado em seu movimento desejante. Ele vacila como sujeito e depara-se com seu duplo, um Outro com estatuto real, colosso, presença de coisa de outro mundo (Pardo, 2005).8 Como veremos, o duplo pode diferenciar-se do horror que causa aos sujeitos constituídos. No autismo, além desse horror, a função do duplo poderá assumir, por vezes, características apaziguadoras e protetoras.

O sujeito reconhece, na imagem do objeto, que é seu real irredutível mais próprio, aquilo que o conduz a perder-se como sujeito. A deriva do labirinto de imagens duplicadas desse objeto que anulam a única imagem que ele reconhece rompe o anteparo que permite medir a distância suficiente para as relações ao Outro.

Podemos supor que, sem o recurso a uma fantasia, o autista trabalha para construir anteparo ao Outro, que emerge como colosso incomensurável. Lacan sinaliza que

partes de nosso campo da experiência, relacionam-se com esse campo das etapas pré-edipianas do desenvolvimento do sujeito, quais sejam, a perversão de um lado e a psicose de outro... Quer consideremos a perversão ou a psicose, sempre se trata da função imaginária ... qualquer um pode perceber a importância especial da imagem nesses dois registros, sob ângulos diferentes, claro ... o termo imaginário, aliás, parece render mais frutos do que o termo fantasia, que seria impróprio para falar das psicoses e perversões (Lacan, 1999[1957-8], pp.168-9, grifos nossos)

A fantasia, pela qual se edifica a gramática pulsional, faz suplência à inexistência de objeto do desejo inconsciente, revelando tal impossibilidade, ao mesmo tempo em que lhe confere significação. Nessa lógica, que emoldura o mundo, trata-se da invenção do sujeito para lidar seja com o desamparo, seja com a lacuna do Outro, sem saturá-la com seu corpo.

Por sua vez, o fenômeno do duplo imaginário, muitas vezes presente nos autistas, parece ter algum nível de solidariedade com a função da fantasia: um trabalho de proteção contra a angústia e de abertura para o Outro (Ferreira & Vorcaro, 2013).

Freud afirma que "originalmente ... [o] duplo era uma segurança contra a destruição do eu, uma enérgica negação do poder da morte ... [e pode] receber novo significado dos estádios posteriores do desenvolvimento do eu ... [em três níveis:] Duplicação, divisão e intercâmbio ... [há situações em que o sujeito] já não sabe quem é o seu "eu" ou substitui o seu próprio "eu" por um estranho ([1919], pp. 293-4). Nessa trilha, reconhecendo a função do duplo nas paranoias, Lacan (1955-6) remontou aos fenômenos do transitivismo normal de crianças, a experiência do duplo, quando a criança confunde seus próprios afetos com aqueles do semelhante.

Por sua vez, Maleval (2003) discute a criação dos duplos por alguns autistas, em que não é um perseguidor, mas, antes, um "protetor a partir do qual pode vir a operar uma ligação dinâmica" (2009, p. 11), encarnado em objetos concretos. Vale lembrar ainda que, por vezes, diante de seus duplos, os autistas podem desvanecer, esvair-se, morrendo para o mundo.

Entretanto, o duplo pode não estar ao alcance do sujeito nos autismos, situação em que se automutila, quebra, urra e, na melhor das hipóteses, recorre a comportamentos "autossensuais" (Maleval, 2003).

Mesmo nessas ocorrências, há algo além de meros comportamentos ou estereotipias sem nexo. Afinal, nesses atos supostamente acéfalos, presentifica-se o que há de sujeito, mesmo que como Es cristalizado, que insiste num trabalho vão de ensaiar um corte, sem, entretanto, localizar o que cortaria, nem do que se destacaria. Afinal, o isso freudiano (Es) já implica uma organização e articulação, não sendo apenas uma realidade bruta: "O Es é aquilo que no sujeito é susceptível, por intermédio da mensagem do Outro, de tornar-se Eu" (Lacan, 1995, p. 45).

 

5 Autismos e o sujeito mudo da pulsão9

Ao tratar as impulsões, Diana Rabinovich (1989) traz questões que, nos termos de Tânia Ferreira (2013), também atravessam a clínica do sujeito nos autismos. Ela refere-se, às impulsões presentes em anorexias, bulimias, adicção, nas quais estaria em jogo o "sujeito mudo da pulsão", no lugar do sujeito desejante. É um sujeito que não nos pede nada, mas mostra em ato esta "satisfação muda que lhe dá o personagem particular que desempenha" (p. 18), em que o sujeito apresenta-se do lado da pulsão e não do lado do desejo (p. 70).

Os "comportamentos ou gestos estereotipados" e uma gama de "movimentos" e "ações enlouquecidas" aparentemente desordenados e sem sentido são "ações" que denotam uma "crise" constante, podendo ter importante função psíquica, como Ferreira localizou.

As ditas ações enlouquecidas foram tomadas como "agitação motora" (Ferreira & Vorcaro, 2013, inédito). Entretanto, os "comportamentos" ou "gestos estereotipados" foram alvo de interesse de muitos autores, ganhando o estatuto do trabalho do sujeito de barrar o Outro intrusivo e maciço no autismo (Baio & Kusniereck, 1993) ou "como tentativas de inscrever um S2, de estabelecer um mais e um menos, um fort-da" (Ribeiro, 2007, p. 41), ainda que esses movimentos de ritmo binário não passem pelo simbólico, mas se façam no real - daí seu caráter de repetição - e possam condenar as crianças "a um trabalho forçado no sentido de concatenar significantes" (Bastos, 2003).

 

6 Notas sobre o tratamento do autista: um esboço

Ao destacar três pontos fundamentais do relato inaugural de Kanner, Ribeiro (2005) sistematizou a condição subjetiva do autista. Assim, além da precocidade de sua manifestação e a evitação sistemática do Outro, a autora salienta as eventuais aberturas ao outro:

[... ] primeiro, o fato da síndrome autística apresentar-se desde o início da vida, o que nos remete a questões que dizem respeito à constituição do sujeito. O segundo ponto é o fato de o exterior ser construído como intrusivo, o que nos levará à pergunta sobre como se constitui o campo do Outro para as crianças ditas autistas; e o terceiro: o fato de que, sob algumas condições, um outro pode incluir-se no "mundo" da criança autista. (Ribeiro, p. 28, grifos nossos)

Efetivamente, como vimos, a constituição do sujeito envolve a presença específica de outro sujeito para o estabelecimento de um Eu narcísico e seu corte, na torção fomentada pelo circuito pulsional que franqueia a inversão da demanda na estrutura da linguagem. Entretanto, a consideração do semelhante nos estudos sobre o autismo foi encoberta pela prevalência do aspecto estrutural em jogo na constituição subjetiva, em que o agente é subsumido ao lugar do Outro. Entretanto, o anonimato do Outro nos obriga retomar e distinguir a constituição do sujeito sem negligenciar o campo pulsional efetivamente articulado pelo outro, mesmo que este só possa vigir sob a ordem do Outro. Afinal, Lacan nos lembra:

Não se esqueçam que é nesse momento que [as primeiras adequações do sujeito à sua própria identidade], nessa relação a mais radical, que todos os autores se colocam em um comum acordo, situam o lugar das anomalias psicóticas ou parapsicóticas do que se pode chamar a integração de tal ou qual termo das relações autoeróticas do sujeito consigo mesmo nas fronteiras da imagem do corpo. (Lacan, 2002[1958-9], p. 235)

Nesse percurso, a constituição da realidade não depende e nem se deduz unicamente das relações da criança com um objeto que a satisfaz. Só após haver um "mínimo de espessura da irrealidade dado pela primeira simbolização, já existe um referenciamento triangular da criança, uma relação ... com o desejo do sujeito materno que ela tem diante de si" (Lacan, 1999 [1957-8], p. 232)

Assim, a criança só consegue situar sua posição a partir da inauguração da dimensão do símbolo. Não é o objeto que inicialmente ela situa, mas a si mesma, em relação ao duplo polo da mãe renovado na sistemática alternância em que às vezes está presente e, às vezes, ausente. A partir daí, ela vai situar os pontos que gravitam nesse eixo. No estágio do espelho, a criança conquista o ponto de apoio da imagem no limite da realidade, que se apresenta a ela de maneira perceptiva mas que se isola da realidade, atraindo e capturando uma certa libido do sujeito. No ser humano, a imagem é enganadora e ilusória, vindo ao socorro do sujeito que se entrega a ela para satisfazer o desejo do Outro, almejando iludir esse desejo. A atividade jubilatória daí decorrente testemunha a oferta de uma realidade virtual a ser conquistada. Por outro lado, as margens dessa imagem, o campo simbólico, pontua essa realidade virtual com referenciais por meio dos significantes, formando o ideal do eu ao oferecer a possibilidade de a criança realizar suas primeiras identificações (Lacan, 1999 [1957-8]). Esse processo distingue, das identificações, o recurso autístico ao duplo, seja objeto empírico ou o outro.

Especialmente devido aos limites impostos pela coletivização no tratamento do autista nas instituições, essa inclusão eventual do outro merece destaque, pois ela poderá lançar alguma perspectiva para a direção do tratamento. Entretanto, problematizamos o que perdura na consideração do outro pelo autista, pois é enquanto objeto empírico que o outro não pulsionalizado pode ser incluído na esfera do autista. Tal consideração implica interrogações: se o autista esquiva-se do Outro por tomá-lo como real, ou seja, como monólito indiferenciado, é justamente à medida que o outro se diferencia, comparecendo em falta e, portanto, demandando, que o autista insiste em neutralizar sua presença? Por mais paradoxal que essa questão se apresente, ela nos indica que longe de as demandas do outro serem tomadas como manifestação da falta no simbólico, elas talvez adquiram, para o autista, o estatuto de realização da própria perda, implicando sua própria aniquilação: o autista não suporta a incompletude do simbólico que, por isso, só é passível de ser suportado, para ele, no estatuto maciço de real. Se assim for, ele exclui por esse meio a possibilidade de singularizar-se. Por isso, vale investigar o modo como o autista lida com algo que lhe faz alguma exterioridade: os objetos autísticos que não suportam a pulsionalidade do outro talvez permitam manter sob controle a permanência do Outro no real. É o que torna tão fecundas as afirmações dos Lefort, de Calligaris e de Jerusalinsky, aqui tratadas.

Mesmo que Tustin (1984) tenha sublinhado a importância desses objetos como extensão do próprio eu, ela também os situou como impeditivo para o desenvolvimento mental, acreditando que eles provocariam uma "pseudoproteção" impeditiva do aprimoramento dos meios mais genuínos de proteção da criança.. Segundo a autora, o uso desses objetos deveria ser desencorajado, ou mesmo proibido, a fim de ajudar a criança a desenvolver meios mais apropriados de aliviar sua tensão.

Entretanto, Maleval (2009) problematiza essa posição de que os objetos autísticos seriam nocivos, baseando-se em relatos de autistas considerados de alto desempenho, evidenciando a importância desses objetos como organizadores de uma energética pulsional. Para Maleval (2009), com esse posicionamento, Tustin ficou impedida de discernir uma das principais funções desses objetos, que seria a "busca por uma animação libidinal de seu ser" (p. 230). Para o autor, não seria casual, nesse sentido, o fato de muitos objetos autísticos serem duros e dinâmicos, o que permitiria um tratamento da imagem corporal e uma animação pulsional. Talvez por isso, a presença de um outro - desde que despulsionalizado - pode permitir o investimento libidinal do autista um pouco além do uso meramente maquínico.

Além disso, Maleval (idem) distingue o objeto autístico simples do objeto autístico complexo, mais raro e peculiar aos sujeitos que chegam a construir um objeto que afasta o gozo do seu próprio corpo para "localizá-lo em uma borda, que não é mais somente barreira ao Outro, mas também conexão com a realidade social" (p. 235).

Os objetos autísticos simples, mostram-se ligados, por sua vez, a objetos que buscam uma satisfação autossensual, fazendo barreira ao mundo exterior, como indicam as formulações de Tustin (1975; 1984). Essa forma de proceder indicaria que o sujeito autista se percebe "como um objeto no mundo dos objetos, mostrando que se sente inanimado, o que revela um não funcionamento da dinâmica pulsional" (Maleval, 2009, p. 231). Assim, o sujeito buscaria nos objetos o movimento do qual se encontraria despossuído.

A ausência do funcionamento pulsional observada por Maleval, no autismo, situa a posição de objeto, a ausência do outro e o limite ao Outro. É nas relações aos objetos que o autista promove alguma animação pulsional de seu ser, alguma borda corporal ao Outro que, pelo movimento, o conectam e o separam minimamente. Em sintonia a tal perspectiva, as ditas estereotipias do autista no próprio corpo (gestos e ritmos repetitivos e binários) ou com o uso de objetos (acender/apagar; encher/esvaziar, abrir/fechar) são consideradas modalidades de trabalho do autista para barrar a intrusão do Outro (Baio & Kusnierek, 1993).

Ribeiro (2005) sistematizou, de modo muito claro, as condições necessárias ao tratamento do autista:

1. deixar-se regular pelas construções que a criança já realiza para tratar seu Outro sem lei;

2. colocar-se na posição de presença-ausente, dirigindo-lhe uma oferta sem demanda, como um S2 esvaziado de sentido;

3. tomar o lugar de notário, notificando a mensagem do sujeito como recebida;

4. ocupar-se como parceiro, junto com a criança, no tratamento do Outro;

5. manejar para que a própria criança instale o analista nesse lugar.

Assim, desde que o outro se ofereça como um objeto empírico entre outros, talvez seja possível introduzir aí algo de simbólico no trabalho da criança, na medida em que se possa prendê-lo numa cadeia significante, articulando-o a esta.

A partir daí, como o articula Maleval (2009), um objeto autístico pode ser elevado, descolando-se do duplo para se articular de maneira estreita ao Outro de síntese (Outro intelectualmente desenhado pelo autista): se o duplo chega a se articular ao Outro de síntese, esboça-se uma via de saída do universo autístico.

Por outro lado, pondo em relevo a relação dos autistas ao outro e aos objetos, poderemos, talvez, aproximar e diferenciar acting-out, passagem ao ato e impulsões. Assim, poderíamos ainda localizar nos autistas a dignidade de "ato" de um "sujeito mudo da pulsão", por ela agido, na tentativa paradoxal de dar lugar a um corte separador, onde não há. Se assim for, como diz Ferreira (2013, inédito) em vez de calar ou conter o autista em "crise", trata-se de considerar tal crise como um trabalho por meio do qual um sujeito se anima.

 

Referências

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1 Essa sessão faz parte de trabalho escrito em conjunto com Ariana Lucero, Entre Real, Simbólico e Imaginário: leituras do autismo e com Inês Catão: Invocação e endereçamento: sobre a sustentação teórica de umapráxis com o "infans".
2 Lacan destaca um fenômeno importante que se verifica em torno desta passagem do objeto ao plano do dom. Se ele menciona o jogo em que a criança inverte sua dependência, a mãe, ao rejeitar o alimento oferecido (Lacan ib. id, p. 190), podemos considerar sua especificidade no funcionamento autístico, em que também o objeto é anulado como simbólico.
3 Esta sessão tem como referência o trabalho escrito conjuntamente com Mônica Rahme: "Interrogações sobre o Outro e o outro nos autismos".
4 Escrito em conjunto com Mônica Rhame, opus cit.
5 Escrito em conjunto com Mônica Rahme, opus cit.
6 A autora utiliza afirmações de Lacan (1956-7, 1995) e Bastos (2003) nessa construção.
7 Este tópico é parte da pesquisa de Tânia A. Ferreira "O tratamento psicanalítico dos autistas", em andamento no Programa Nacional de Pós-doutorado (PNPD) Capes/UFMG, coordenado por Angela Vorcaro.
8 Vale lembrar que, desde a antiguidade, para os gregos, o colosso era um duplo incomensurável que relacionava este mundo ao mundo dos mortos. O duplo do morto não é uma imagem, mas trata-se de pedra inerte, monolito, uma indicação e não um retrato.
9 Esse item conta com o desenvolvimento de Tânia Ferreira no escopo de seu pós-doutorado Capes/PNPD/UFMG.

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