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Analytica: Revista de Psicanálise

On-line version ISSN 2316-5197

Analytica vol.6 no.10 São João del Rei Jan./June 2017

 

ARTIGO

 

Notas sobre transtorno obsessivo-compulsivo a partir de um caso clínico em psicoterapia psicanalítica

 

Notes on Obsessive Compulsive Disorder from a clinical case in Psychoanalytic Psychotherapy

 

Notas sobre el Trastorno Obsesivo-Compulsivo de un caso clínico en Psicoterapia Psicoanalítica

 

Notes sur le Trouble Obsessionnel-Compulsif d'un cas clinique en Psychotherapie Psychanalytique

 

 

Elson Eneas Cavalcante BezerraI; Cleber Lizardo de AssisII

IGraduado em Psicologia, Faculdades Integradas de Cacoal UNESC-RO
IIMestre em Psicologia/PUCMG; Doutor em Psicologia/USAL-AR; Pós-Doutorando em Filosofia-FAJE-MG; Docente do curso de Psicologia, Faculdade de Ciências Biomédicas de Cacoal FACIMED-RO

 

 


RESUMO

O Transtorno Obsessivo-Compulsivo é um transtorno crônico que afeta 2% da população e está associado entre os transtornos de ansiedade, o que causa sofrimento e traze prejuízos significativos na rotina e no relacionamento social do indivíduo. As obsessões podem ser compreendidas como pensamentos ego-distônicos recorrentes, enquanto as compulsões são ações que devem ser feitas para alívio da ansiedade. O presente artigo apresenta um caso clínico de uma paciente com pensamentos e comportamento obsessivos de verificação. O atendimento foi com base na teoria psicanalítica e foram realizados na Clínica-Escola de uma faculdade privada. Facilitadas por intervenções verbais do terapeuta, ocorreram insight, retificação subjetiva e processo de cura dos sintomas do transtorno e conclui-se que a clínica psicanalítica constitui-se num importante dispositivo de escuta e tratamento do Transtorno Obsessivo-Compulsivo, que vem se configurado na contemporaneidade como uma forma frequente de mal-estar mental, com especial relevância para os componentes psicossexuais como base etiológica.

Palavras-chave: Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Neurose. Transferência. Sexualidade. Psicoterapia Psicanalítica.


ABSTRACT

The Obsessive Compulsive Disorder is a chronic disorder that affects 2% of the population and is associated among anxiety disorders, which cause suffering and bringing significant losses in routine and social relationships of the individual; Obsessions can be understood as ego-thoughts dystonic applicants, while compulsions are actions that must be done to relieve anxiety. This article presents a case of a patient with obsessive thoughts and behavior verification. The service was based on Psychoanalytic Theory and were performed on teaching clinic of private colleges. Facilitated by verbal therapist interventions occurred insight, subjective rectification and curing the symptoms of the disorder process and concludes that the psychoanalytic clinic constitutes an important listening device and treatment of Obsessive-Compulsive Disorder that has been set in contemporary times as frequent form of mental malaise, with special relevance to the psychosexual components as etiological basis.

Keywords: Obsessive-Compulsive Disorder. Neurosis. Transfer. Sexuality. Psychoanalytic Psychotherapy.


RESUMEN

El Trastorno Obsesivo-Compulsivo es un trastorno crónico que afecta al 2% de la población y se asocia, entre los trastornos de ansiedad, que causan sufrimiento y traer pérdidas significativas en las relaciones rutinarias y sociales de la persona; Obsesiones pueden ser entendidas como ego pensamientos solicitantes distónicas, mientras que las compulsiones son acciones que se deben hacer para aliviar la ansiedad. Este artículo se presenta un caso de un paciente con pensamientos obsesivos y verificación de comportamiento. El servicio se basa en la Teoría Psicoanalítica y se llevaron a cabo en la clínica-escuela de una facultad privada. Facilitado por las intervenciones verbales del terapeuta ocurrieron visión, rectificación subjetiva y trato de los síntomas del proceso de desorden y llega a la conclusión de que la clínica psicoanalítica constituye un importante dispositivo de escucha y tratamiento del Trastorno Obsesivo-Compulsivo que se ha creado en la época contemporánea como forma frecuente de malestar mental, con especial relevancia a los componentes psicosexuales como base etiológica.

Palabras clave: Trastorno Obsesivo-Compulsivo. Neurosis. Transfer. Sexualidad. Psicoterapia Psicoanalítica.


RÉSUMÉ

Le Trouble Obsessionnel-Compulsif est un trouble chronique qui affecte 2% de la population et est associé parmi les troubles anxieux, qui font souffrir et qui porte les pertes importantes dans les relations de routine et sociales de l'individu; Obsessions peuvent être comprises comme ego-pensées demandeurs dystoniques, tandis que les compulsions sont des actions qui doivent être faites pour soulager l'anxiété. Cet article présente le cas d'un patient avec des pensées obsessionnelles et vérification de comportement. Le service a été basée sur la Théorie Psychanalytique et ont été effectuées sur clinique d'enseignement des collèges privés. Animé par des interventions verbales thérapeute s'est produite aperçu, de rectification subjective et guérir les symptômes du processus de désordre et conclut que la clinique psychanalytique constitue un dispositif d'écoute importante et le traitement du Trouble Obsessionnel-Compulsif qui a été mis à l'époque contemporaine comme forme fréquente de malaise mental, avec un intérêt particulier pour les composants psycho comme base étiologique.

Mots clés: Trouble Obsessionnel-Compulsif. Névrose; Transfert; Sexualité; Psychothérapie Psychanalytique


 

 

Introdução

O Transtorno Obsessivo-Compulsivo é considerado um transtorno crônico que afeta 2% da população, pois sua classificação no Manual Diagnóstico de Doenças Mentais - DSM-IV (APA, 1994) está associada entre os transtornos de ansiedade, o que causa sofrimento, consumindo em media uma hora por dia, trazendo prejuízos significativos na rotina e no relacionamento social do indivíduo.

Segundo Gazzola (2005), o Transtorno Obsessivo-Compulsivo começou a ser delineado no século XIX pela psiquiatria francesa como um constructo clínico.

Já para Freud (1923), as obsessões podem ser denominadas como ideias, imagens e/ou pensamentos que invadem a consciência de forma repetitiva, que pode aparecer relacionado ao comportamento de verificação, também de forma compulsiva e como mecanismo para aliviar uma ansiedade.

Na sequência, apresentamos um caso clínico de uma paciente com pensamentos e comportamento obsessivos de verificação, a partir de atendimento de teórica psicanalítica realizados numa Clínica-Escola de uma faculdade privada.

 

Método

Apresentação do caso

A paciente E.S1 tem 22 anos, trabalha como auxiliar administrativa e faz curso superior, mora com os pais e namora há oito meses e passa a maior parte do tempo na casa do namorado. Procura se distanciar do contato dos pais dela, pois não têm uma boa relação entre si, pois seu pai sempre esteve ausente em sua vida e, segundo ela, nunca lhe deu nenhum presente. Dentro do âmbito familiar, afirma que nunca recebeu orientação sexual, pois o pouco que soube foi na rua, e com pessoas inexperientes e que ficava incentivando-a para que perdesse a virgindade.

A paciente procurou o atendimento na clínica-escola relatando que sempre quando vai sair de casa tem de conferir todas as tomadas, janelas, portas e registro do gás, mesmo sabendo que está tudo organizado, pois tem o pensamento de que, se não conferir as coisas, a casa vai pegar fogo, apesar de não ter vivenciado algo dessa natureza.

Outra queixa relatada na primeira sessão foi o fato de não ter tido nenhum tipo de carinho do pai, pois ele não apresentava ter afeto a ela, mas apenas para seus irmãos, momento em que chora e diz ter nascido de uma gravidez indesejada, pois sua mãe tomou medicamento para abortá-la. As únicas lembranças que tem do pai no período da infância são dele batendo na mãe, e com medo de apanhar corria para se esconder.

A paciente relatou que esses pensamentos e comportamentos de verificação ocorrem desde os 10 anos de idade, sendo que esse pensamento gera ansiedade e, como forma de aliviá-la, verifica os objetos. Na maioria das vezes, quando vai para o trabalho, volta para casa para conferir as tomadas, portas e registro do gás, pois tem o pensamento de "se eu não voltar para olhar, a casa vai pegar fogo".

E.S relatou ainda que, quando tinha 10 anos, seu irmão foi cozinhar ovos, esqueceu o fogo ligado e isso quase resultou em incendiar a casa, sua mãe brigou muito com ele e disse para todos os filhos prestarem mais atenção. A partir desse evento, E.S relata ter começado a conferir as coisas, com medo de acontecer algo de errado, e ser a principal culpada.

A cada atendimento, a paciente E.S trazia elementos para que pudéssemos organizá-los e trabalhar com mais precisão. Na segunda sessão, a paciente trouxe novamente elemento significante, o qual já havia verbalizado na entrevista inicial, relacionada ao comportamento de verificação, pois quando surgia o pensamento relacionado às tomadas, janelas e registro do gás, por mais que soubesse que estava tudo organizado, não conseguia controlar esse pensamento e isso desencadeava grande ansiedade, e como suporte para aliviar essa ansiedade, verificava todas as tomadas, janelas e registro do gás.

Procedimentos

A abordagem teórica utilizada para compreender e tratar o caso é de base psicanalítica, sendo supervisionado por um professor-supervisor, num formato de Psicoterapia Psicanalítica, sendo realizadas 22 sessões, nas quais foram colocadas em prática as principais técnicas, como associação livre, neutralidade, abstinência, amor à verdade e atenção flutuante (Freud, 1923).

Além das técnicas fundamentais, foi praticado e reforçado no enquadre elementos como a regra do sigilo e a construção de um contrato terapêutico que possibilitasse uma aliança terapêutica, para que a paciente pudesse falar livremente o que lhe viesse à mente, facilitando o andamento da psicoterapia com a obtenção de insights, elaboração de conteúdos traumáticos inconscientes e que se manifestam sob a forma de sintomas.

 

Resultados e discussão

Segundo Cordioli (2004) as obsessões estão relacionadas a pensamentos, ideias, imagens, palavras, frases, números ou impulsos que se manifestam na consciência do indivíduo de forma repetitiva e persistente. E na maioria das vezes estão acompanhadas de medo, angustia, culpa ou desprazer. Isso geralmente causa muita aflição no individuo, e como forma de se libertar dessa aflição, o indivíduo toma novas medidas. Uma dessas medidas é a compulsão, que pode ser definida como comportamentos ou atos mentais voluntários ou involuntários executados em resposta à obsessão ou também em virtude de regras que devem ser seguida de determinada maneira. Essa compulsão alivia momentaneamente a ansiedade, então, sempre quando a mente do indivíduo é invadida por uma ideia aflitiva, ele realiza esses rituais como forma de aliviar uma tensão nervosa.

A paciente se queixa de não ter recebido nenhum tipo de afeto por parte do pai e ela considera esse fato como o mais significante e prejudicial em sua vida. Relatou que os seus dois irmãos receberam total carinho do pai, e ela se identifica como a rejeitada, pois surgiu de uma gravidez indesejada, sua mãe tomou medicamento para poder abortá-la. E.S relatou que quando fala algo para o pai se orgulhar dela, ele diz que ela não fez mais do que obrigação.

A partir dessa fala da paciente, foi indagada pelo psicoterapeuta sobre como se sente, ao que respondeu sentir um total desconforto e grande ansiedade, porque sempre quando está em casa é criticada e rejeitada sem motivo, e como forma para se esquivar dessa situação passa a maior parte do tempo na casa do namorado.

Para Freud (1894), os neuróticos antes do adoecimento desfrutam e gozam de boa saúde mental. Porém, em algum momento de sua vida, aconteceu um evento significante traumático, ou seja, seu ego foi confrontado com uma experiência, uma ideia ou sentimento que suscitou um afeto aflitivo gerando grande trauma, e se manifestando em forma de sintoma.

A paciente atribui a culpa de tudo o que está ocorrendo com ela hoje ao pai, pois na infância vivenciou varias vezes ele batendo na mãe. Na medida em que o pai ficava a maior parte do tempo fora, as únicas lembranças que tem é ele fora de casa, traindo, bêbado e batendo na mãe. E ela, para não apanhar junto, corria para o mato, permanecendo por horas e horas escondida do pai.

A paciente relata não ter tido orientação sexual em casa, pois o pouco que aprendeu foi com as amigas que já não eram mais virgens, e elas a incentivavam a ter relações sexuais. E.S diz que aos 15 anos teve a primeira tentativa de relação sexual com um garoto, porém não foi uma experiência satisfatória, pois o garoto não foi compreensivo. Depois dessa experiência, só conseguiu ter relações sexuais com outro garoto, depois dos 18 anos, época em que frequentava a igreja e depois dessa experiência a abandonou, pois acreditava não ser bem-vinda por não ser virgem, pois sempre ouvia de seu pai que uma mulher que perdeu a virgindade antes do casamento é como uma prostituta, o que a deixava inferiorizada e muito culpada.

Para Freud (1905), no bojo de sua teoria sobre o trauma sexual, a origem da neurose, a partir de uma fantasia inconsciente, de um acontecimento psíquico carregado de afeto, como uma ficção de uma cena traumática, é nomeada de fantasia. A paciente relata que sempre confere as tomadas, portas e registro do gás, porque se algo de errado acontecer, não que ser a culpada.

De acordo com Freud (1988), a característica fundamental na neurose obsessiva é a ligação com o sentimento de culpa; os neuróticos obsessivos usam objetos para aliviar ou até mesmo resolver seus conflitos internos, movidos por essa culpa inconsciente, que pode se deslocar sob a forma de pensamentos e comportamentos ritualísticos que fornecem certo alívio ao psiquismo.

A paciente diz sentir medo, de deixar de verificar as tomadas, o gás e as portas, e algo de ruim acontecer, como alguém roubar a casa, a casa pegar fogo, daí procura evitar a ocorrência disso para futuramente não ficar com o sentimento de culpa.

Segundo Freud (1923), as obsessões podem ser denominadas como ideias, imagens, pensamentos que invadem a consciência de forma repetitiva, já o comportamento de verificação surge de forma compulsiva como mecanismo para aliviar uma ansiedade, o que fornece um caráter egodistônico a esses tipos de sintoma. Essas obsessões estão associadas a pensamentos do tipo: "a tomada do ferro está ligada", e a partir desse pensamento o indivíduo cria várias outras ideias: "se eu não verificar, a casa vai pegar fogo e eu serei a culpada", o que cria mais ansiedade, como forma para alívio dessa ansiedade, sempre quando se tem o pensamento obsessivo, surge o comportamento compulsivo de verificar.

No entanto, é importante salientar que pensamentos e comportamentos obsessivos podem existir, de forma isolada, apenas pensamentos ou apenas sentimentos. Ou seja, segundo Baer e Jenike (1986), as queixas dos pacientes com transtorno-obsessivo compulsivo se situam em cinco categorias: rituais envolvendo checagem, rituais envolvendo limpeza, pensamentos obsessivo não acompanhado de compulsões, lentidão obsessivas e rituais mistos.

Durante as sessões a paciente relata ser uma pessoa totalmente organizada, pois se os objetos de casa não estiverem todos em ordem e limpo, isso desencadeia sintomas como ansiedade, ficando trêmula, sudorese e com o pensamento de que se não organizar, as pessoas ao visitá-la vão identificá-la como relaxada e sem higiene. Sempre quando tem visita em casa, as pessoas a elogiam como limpa e organizada. Mas em seus relatos a paciente argumenta que nunca recebeu apoio e elogio dos pais, e o fato das pessoas irem à sua casa e elogiarem a deixa privilegiada e reforça seu comportamento de limpeza. Notamos nitidamente um forte desejo e, por isso, certa ferida narcísica em não receber todo o amor que espera dos pais, que em certa medida é ofertada por outrem. A demanda do sujeito neurótico é, nesse sentido, sempre amorosa, sempre sexual, mesmo que numa fantasia de não ser amada/desejada pelos pais.

Tal caráter inconsciente do conteúdo que fundamenta o TOC tem a ver com o que nos diz o DSM-IV, que o define como uma experiência traumática, como um evento que envolve a morte real ou ameaça à integridade física própria ou de outra pessoa, tendo como resultado o medo intenso, desamparo ou horror (APA, 1994).

Já segundo Rasmussen (1992), o transtorno de estresse pós-traumático está relacionado a experiências traumáticas, e estudos demonstram que o TOC também pode ser associado a mecanismos ainda não elucidados (e, aqui, hipotetizamos sobre seu caráter especialmente inconsciente).

Ainda nessa linha do estresse, para Horowitz (1975), as condições de estresse exercem total influência em relação ao aumento da frequência de pensamentos intrusivos, uma tendência de as memórias do evento traumático retornar à consciência, proporcionando grande ansiedade no indivíduo e um total desconforto, manifestando-se em forma de sintoma, do tipo: comportamento de verificação, porque a lembrança do evento traumático pode provocar uma ansiedade, então às vezes o indivíduo tem o pensamento, como na paciente, de ter deixado o registro do gás ligado e, se não verificar, "algo de ruim vai acontecer e eu vou ser a culpada", mas no momento em que o indivíduo verifica se sente aliviado desse sentimento de culpa, então sempre quando surge o pensamento obsessivo, surge o comportamento compulsivo.

De acordo com Freud (1907), podemos considerar que os sintomas neuróticos têm um sentido e relação conexa com a vida de quem os produz, sendo originado de um processo mal resolvido em conteúdos inconscientes, sendo feito um barramento pelo recalcamento pelo superego de conteúdos proibidos do Id ao ego, causando sofrimento, estando inconscientes esses conteúdos sexual e/ou agressivo, mas proibidos de serem aceitos pelo ego, e logo emergindo o sintoma como sinal. Um forte desejo sexual reprimido poderá sofrer um represamento orgânico da libido e ter como sintoma a ansiedade, o sentimento de angustia e de desamparo e, na maioria das vezes, esses conteúdos não estão manifestos na consciência, estando latente inconscientemente, mas se manifestando sob a forma de sintomas.

Nesse sentido, segundo Freud (1918), o sintoma neurótico teria origem em um mecanismo de defesa no qual o ego recalca uma ideia intolerável para o ego do individuo. Essa ideia consiste na recordação de um trauma sexual que não necessariamente precisa ser real, mas de cunho fantasístico.

Ainda de acordo com Freud (1923), a menina tem uma esperança em relação ao pai, mas sendo a função central do pai representar a lei, que proíbe a realização do impulso incestuoso e a satisfação desejada, o que impossibilita essa realização dos desejos sexuais da menina, o que pode ser como da ordem do trauma e que pode se manifestar em forma de sintoma.

Freud (1923) coloca em questão o fator sexual como o causador de um possível trauma, pois, em sua teoria do complexo de Édipo, salienta que a menina tem um desejo sexual pelo pai, mas esse pai não proporcionará a realização dos desejos sexuais, provocando um possível trauma na filha.

Ao analisar o caso da E.S, percebe-se a grande correlação com essa concepção de Freud, pois a paciente ao longo dos atendimentos se referia ao pai de forma angustiada, argumentando que ele desde a infância nunca teria lhe proporcionado carinho, que era ausente e nunca teria lhe dado um presente, como uma roupa ou uma boneca, o que nos remete à mesma cena de Cecile e sua boneca recebida do pai (vide filme Freud além da alma).

Durante as sessões foi realizado um aprofundamento maior, em relação a esse sentimento de perda e insegurança, mesmo que de caráter irreal e fantasístico, uma vez que para o psiquismo a fantasia é a verdade para o sujeito. Focando nos conteúdos relacionados à sexualidade, foi possível observar durante as sessões que no momento em que falava sobre fatores sexuais, a paciente não falava com tanta propriedade verbal, esquivando-se para outros assuntos, e sempre quando a fala era direcionada para as questões sexuais, comentava que não queria falar sobre isso, daí a necessidade de focar nesse assunto para a identificação de conteúdos latentes e proibidos que se manifestavam sob a forma de sintomas.

Numa perspectiva econômica e dinâmica do psiquismo, o Ego ocupa uma posição de pivô, tendo de servir a três senhores exigentes ao mesmo tempo: o id, o superego e a realidade. Portanto, quanto mais intensos forem os conflitos entre essas três instâncias, mais energia psíquica é exigida para sua resolução, restando cada vez menos energia para o indivíduo executar outras atividades (Davidoff, 2001).

Nesse sentido, podemos dizer que a saúde mental exige um ego forte, que proteja o indivíduo contra a angústia e ansiedade, caso contrário, se o indivíduo possuir um ego fraco, pode se desestruturar diante dos muitos conflitos entre id, superego e essa realidade. Dessa maneira, se essa desestruturação for algo muito completo, o indivíduo poderá sofrer de um quadro psicótico (esquizofrênico), desligando-se completamente da realidade, mesmo sob a forma do TOC (Cloninger, 1999).

Com base nesse conceito, podemos levantar a hipótese de que a paciente se encontrava com um ego fraco incapaz de protegê-la contra a angústia e ansiedade, em que os mecanismos de defesa do ego diante das exigências do Id, do Superego e da própria realidade apresentavam-se ineficazes diante dos conflitos.

A racionalização é um processo pelo qual o indivíduo procura apresentar uma explicação coerente, do ponto de vista lógico, ou aceitável, do ponto de vista moral, para uma ideia ou sentimento inconsciente (Laplanche, Pontalis, 2001). Esse mecanismo de defesa possibilita ao indivíduo diminuir a dor e a frustração de eventos desagradáveis e a se sentir bem consigo mesmo e com a vida (Davidoff, 2001).

A sublimação é considerada como um dos mecanismos de defesa mais positivos, pois faz com que uma pulsão de origem sexual seja descarregada por atos e comportamentos socialmente aceitáveis, como o trabalho, as atividades artísticas e as investigações científicas (Laplanche & Pontalis, 2001).

A paciente relatou que estava preocupada em relação ao concurso público e estava estudando muito, pois se levantava de madrugada para estudar e no momento em que estudava diminuía sua tensão, uma vez que não tinha mais o pensamento de que seria reprovada se sentia aliviada. Como esse alívio era algo gratificante para ela, então passava a maior parte do tempo estudando, colocando em extinção essa tensão nervosa provocada pelo momento em que não estudava.

Alguns desejos são impedidos de chegar ao nível do ego, isto é, desejos cuja existência o "eu" sequer toma ciência devido à censura das barreiras morais internalizadas pela pessoa; nesse sentido, o superego atua como protetor do ego, pois sem ele as pulsões tornariam insuportável a vida do indivíduo em sociedade.

Sobre a condução do tratamento, Freud (1995) salienta sobre a importância da ocorrência transferencial entre o paciente e o terapeuta, resvalando ser um processo importante para a ocorrência da cura dos sintomas do paciente.

Ainda em relação ao manejo do caso, em seus aspectos técnicos, destaca-se o uso de intervenções verbais pelo psicoterapeuta psicanalítico, que visam à clarificação. Essa intervenção por parte do terapeuta proporciona o assimilamento e interpretação, ensinando para o paciente um modo de perceber a própria experiência. Ele aprende a observar seletivamente, a percorrer a massa dos acontecimentos e de suas vivências e a fixar pontos marcantes, chegando à autocompreensão pela discriminação.

Com as intervenções verbais, a paciente, na obtenção de insights, pôde comparar seu comportamento passado com o momento atual.

Foram ainda resguardados os elementos éticos, como o sigilo, a confidencialidade e uma relação empática entre psicoterapeuta e paciente.

 

Considerações finais

Em relação à evolução do caso, na primeira sessão, na qual foi feita uma entrevista inicial com a paciente E.S, ela se apresentava ansiosa, com sudorese e trêmula, mas nas sessões seguintes não apresentava tais sinais e sintomas de ansiedade, falando livremente e sem receio.

Em relação à queixa inicial, percebe-se uma maior segurança por parte da paciente, pois nas primeiras sessões ela ficava ansiosa apenas em olhar para as tomadas da sala, sendo que atualmente até coloca a mão na tomada, relatando que a tomada não a incomoda com a mesma frequência de antes do início do tratamento psicológico.

Diante do que foi relatado nas sessões, foi possível uma melhor compreensão a partir de conceitos teóricos de base psicanalítica, produzindo um aprendizado amplo em termos teórico e técnico em relação ao setting terapêutico, colocando em prática nos atendimentos clínicos as teorias aprendidas no contexto sala, e observando os efeitos desses conceitos a partir dos resultados obtidos com a paciente.

Na 19a sessão a paciente não se queixava mais do comportamento de verificação, relatando que isso já não era mais problema e que passava por uma fase ótima, ao investigar essa fase, a paciente relatou que está tendo um bom relacionamento com os pais e que sua vida mudou radicalmente, atribuindo esse melhoramento ao tratamento terapêutico.

A partir da 20a sessão, foi comunicado para a paciente que poderiam ser finalizados os atendimentos, na medida em que ela apresentava melhoras e sem as queixas iniciais, ao que paciente manifestou o desejo de continuar e o medo de os sintomas voltarem novamente, quando o psicoterapeuta sinalizou a possibilidade de nova busca da clínica, mediante essa demanda. Essa dificuldade da paciente em aceitar o encerramento das sessões, mesmo sabendo que não está necessitando mais de psicoterapia, é devido ao fenômeno transferencial.

Segundo Freud (1995), a transferência é o deslocamento do sentido atribuído a pessoas do passado para pessoas do nosso presente, tendo um caráter inconsciente e sendo fundamental para o processo de cura.

Na Psicanálise, a transferência é um fenômeno que ocorre na relação entre o paciente e o terapeuta, quando o desejo do paciente se apresentará atualizado, com uma repetição dos modelos infantis, as figuras parentais, e seus substitutos serão transpostos para o analista e, assim, sentimentos, desejos, impressões dos primeiros vínculos afetivos poderão ser vivenciados na atualidade. O manuseio da transferência é a parte mais importante da técnica de análise.

Com a psicoterapia de base psicanalítica, identificou-se, portanto, que os conteúdos trazidos pela paciente como queixa principal, em especial aqueles ligados ao Transtorno Obsessivo-Compulsivo, não se manifestava mais. Com isso passou-se a trabalhar com ela o encerramento das sessões, verificando com a paciente as mudanças ocorridas, quando sua queixa inicial era o comportamento de verificação e, no momento, não apresentavam mais como demanda.

Conclui-se que a clínica psicanalítica constitui-se num importante dispositivo de escuta e tratamento do Transtorno Obsessivo-Compulsivo, que vem se configurado na contemporaneidade como uma forma frequente de mal-estar mental, com especial relevância para os componentes psicossexuais como base etiológica.

Quanto à elaboração da perda transferencial do psicoterapeuta-estagiário, essa se constituiu o elemento decisivo para a paciente, uma vez que se constitui numa perda de objeto amoroso, mas que deve ser elaborado com a vida e para além do consultório.

 

Referências

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1 Diversos elementos de identificação serão omitidos para proteção do sigilo da paciente.

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