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Analytica: Revista de Psicanálise

versão On-line ISSN 2316-5197

Analytica vol.6 no.11 São João del Rei jul./dez. 2017

 

ARTIGOS

 

Reflexões sobre o papel do pai na anorexia nervosa

 

Reflections on the role of the father in nervous anorexia

 

Reflexiones sobre el papel del padre en la anorexia nerviosa

 

Réflexions sur le rôle du père dans l'anorexie nerveuse

 

 

Vanessa Sajnaj FerreiraI; Caroline GuzzoniII; Nei Ricardo de SouzaIII

IDiscente de Psicologia na Universidade Positivo. Atua como monitora na disciplina de Psicologia da Saúde e Comunitária do curso de Psicologia da mesma instituição
IIDiscente de Psicologia na Universidade Positivo
IIIProfessor da Universidade Positivo, nas disciplinas de Psicanálise, Ciências Sociais e Saúde. Psicanalista, Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (2005). Especialista em Saúde Coletiva, com ênfase em Saúde da Família (2003), e graduado em Psicologia (1996) pela mesma Universidade

 

 


RESUMO

A anorexia é um transtorno alimentar em que há uma alta restrição alimentar, ocasionando a intensa perda de peso e outros prejuízos físicos, psicológicos e sociais, podendo inclusive levar à morte. Relatos da clínica psicanalítica apontam, no mecanismo de recusa, característico da anorexia, para aspectos além da questão alimentar e imagem corporal, deparando-se o analista, frequentemente, com vínculos e linguagem primitivos do sujeito anoréxico, os quais remetem aos primórdios da vida e da alimentação. Grande parte da literatura psicanalítica se ocupa da mãe em relação a esses vínculos, sendo ela destacada como alguém que mantém uma relação fusional com a filha, diante da qual o pai é excluído. Partindo da visão de Freud e Lacan, o presente trabalho investiga o papel do pai na anorexia, sendo abordada sua relação com o sujeito anoréxico a partir de dados e informações encontrados na literatura psicanalítica sobre o tema.

Palavras-chave: Anorexia. Pai. Psicanálise.


ABSTRACT

Anorexia is an eating disorder where there is an advanced alimentary restriction, causing an intense weight loss and others physical, psychological and social damages and may even lead to death. The reports of the psychoanalytic clinic show, in the refusal mechanism, typical of the anorexia, aspects besides the food question and the body image. The analyst is often faced with the primitive, links and language, of the anorexic, which refers to the beginnings of the life and feeding. Great part of the psychoanalytic literature emphasizes the mother in those relationships, whom is detached as someone that keeps a fusional relationship with her daughter, in which the father is excluded. Based on the vision of Freud and Lacan, this paper investigates the role of the father in anorexia, being discussed his relationship with the anorexic based on data and information found in the psychoanalytic literature on the subject.

Keywords: Anorexia. Father. Psychoanalysis.


RESUMEN

La anorexia es un trastorno alimenticio en lo que hay una gran restricción alimentaria, ocasionando la intensa pérdida de peso e otros perjuicios físicos, psicológicos y sociales, pudiendo incluso conducir a la muerte. Los relatos de la clínica psicoanalítica apuntan, en el mecanismo de rechazo, característico de la anorexia, para aspectos además de la cuestión alimentaria y la imagen corporal, encontrándose el analista, frecuentemente, con vínculos y lenguaje primitivos de la persona anoréxica, los cuales remiten a los primordios de la vida y alimentación. Gran parte de la literatura psicoanalítica se ocupa de la madre en estos vínculos, siendo ella destacada como alguien que mantiene una relación fusional con su hija, ante la cual el padre es excluido. A partir de la visión de Freud y Lacan, el presente trabajo investiga el papel del padre en la anorexia, siendo abordada su relación con la persona anoréxica a partir de los datos y informaciones encontradas en la literatura psicoanalítica sobre el tema.

Palabras clave: Anorexia. Padre. Psicoanálisis.


RÉSUMÉ

L'anorexie est un trouble du comportement alimentaire qui comprend une grande restriction alimentaire, provoquant une perte de poids intense et d'autres problèmes physiques, psychologiques et sociaux, y compris peut provoquer la mort. Les rapports de la clinique psychanalytique montrent, dans le mécanisme de refus, les aspects au-delà de la question alimentaire et l'image corporelle. À partir des observations de l'analyste, il est possible de capturer les relations et le langage primitif du sujet anorexique, qui renvoient au début de la vie et l'alimentation. La plupart de la littérature psychanalytique s'occupe de la mère par rapport ces relations, et c'est elle qui maintient une relation fusionnelle avec sa fille, devant laquelle le père est exclu. En partant de la vision de Freud et Lacan, le présent travail examine le rôle du père dans l'anorexie, en abordant sa relation avec le sujet anorexique par les données et les informations rencontrées dans la littérature psychanalytique sur le thème.

Mots-clés: Anorexie. Père. Psychanalyse.


 

 

1 Introdução

A anorexia nervosa, que acomete principalmente adolescentes e adultos jovens do sexo feminino, é caracterizada pela intensa perda de peso devido a uma alta restrição alimentar, ocasionando prejuízos biológicos, psicológicos e também sociais (Neto & Elkis, 2007). Entre os critérios diagnósticos para o transtorno estão a restrição da ingestão calórica; medo intenso de engordar, havendo então um comportamento persistente para evitar o ganho de peso; e uma perturbação no modo como o próprio peso é vivenciado, o que caracteriza uma distorção na imagem corporal. São classificados dois subtipos para a anorexia: o restritivo, em que a perda de peso ocorre essencialmente por meio de dieta, jejum e/ou exercício excessivo; e o compulsivo/purgativo, em que o indivíduo se envolve em episódios recorrentes de compulsão alimentar seguidos de comportamentos purgativos, como a indução ao vômito ou ingestão de laxantes (American Psychiatric Association, 2014).

Os primeiros relatos sobre prováveis casos de anorexia datam da Idade Média e estavam relacionados à conduta religiosa de privação (Bidaud, 1998; Peixoto, 2012). Bell (1994), citado por Bidaud (1998), em seu estudo sobre as chamadas Santas Anoréxicas, aponta para uma tentativa de união física e mística com Deus e as descreve como "modelos de coragem, figuras protetoras para os crentes que disputaram a posse de suas relíquias e escutaram, com veneração, os pregadores que falavam de suas atitudes santas" (p. 118-119). Bidaud (1998), por sua vez, chama atenção para a significação do alimento dentro da relação com a figura materna na "anorexia santa", privilegiando-a em seu estudo sobre Catarina de Siena,1 para a qual a comida parecia ser repugnante e, ao mesmo tempo, tentadora, numa correspondência ao modo como olhava a mãe.

Em 1689, com a publicação de Tisiologia sobre a doença da consunção, por Richard Morton, aparece a primeira descrição clínica da anorexia. No livro, o médico inglês apresenta a "consunção ou atrofia nervosa", cujos principais sintomas eram a perda do apetite, amenorreia e um emagrecimento importante, causados pelo "sistema dos nervos". Quase um século depois, Nadeau, na França, descreve uma "doença nervosa acompanhada de uma repulsa extraordinária pelos alimentos" (Bidaud, 1998, p. 15). Em 1868-73, o inglês William Gull utiliza pela primeira vez o termo "anorexia nervosa" ao descrever quadros clínicos de privação de apetite. No mesmo período, Lasègue, na França, em trabalho clínico, situa pela primeira vez o transtorno no campo da histeria, apontando para uma perversão mental na satisfação pela inanição e comparando a atitude otimista da anoréxica à do alienado. Em sequência, Charcot, no ano de 1885, identifica a anorexia como um sintoma puramente histérico e propõe a existência de uma convicção delirante pelas anoréxicas acerca do que devem ou não comer (Bidaud, 1998; Cordás & Weinberg, 2006).

Freud, ainda que tenha abordado a anorexia como ponto central apenas em Um caso de cura pelo hipnotismo (1892-1893/1977b), fez diversas referências à recusa alimentar em seus textos, tendo discorrido sobre o que se poderia chamar de "anorexia histérica", funcionando o sintoma aqui como uma "anulação do desejo" para o sujeito. Um exemplo é o caso Dora, em que a perda do apetite seria a expressão de desejos que sofreram ação do recalque (Freud, 1905[1901]/1977c). Cabe destacar aqui também Emmy Von N., para quem a ideia de comer estava associada a lembranças de refeições repugnantes com seus irmãos na infância (Breuer & Freud, 1893-1895/1990). Nesse caso, a anorexia estaria relacionada a um trauma psíquico e à lembrança recalcada deste voltava por meio do alimento. Freud (1895/1977a) também considerou o sintoma anoréxico como resultado de algum processo na esfera da sexualidade, fazendo uma correspondência entre a perda do apetite e a perda da libido.

Outros autores da Psicanálise, em especial depois dos anos sessenta, adotaram como enfoque, para a anorexia, a relação mãe e filha e o lugar da alimentação nas primeiras relações objetais. Para Lacan (1956-1957/1995, 1958/1998), que deu destaque à amamentação, a anorexia é uma resposta à mãe onipotente que anulou os signos de amor da relação com a criança, oferecendo apenas uma "papinha sufocante" à filha. A recusa alimentar seria uma forma de o sujeito demonstrar que seu desejo em relação à mãe está além da demanda de alimentação, sendo a anorexia então um "comer nada".

Dolto (1984), citada por Bucaretchi (2003), coloca a anorexia como uma tentativa da menina de apagar os contornos femininos de seu corpo, disfarçando assim os desejos incestuosos pelo pai e agradando a mãe, destacando também a existência de um clima infantil e, assim, assexuado vivido pelo casal de pais da anoréxica. Já Bruch (1973), citada por Gonzaga e Weinberg (2010), fala sobre uma disposição da menina, na anorexia, para uma relação escravizante com a mãe, sentindo-se a criança impossibilitada de expressar seu desejo próprio e tentando, então, atingir a autonomia por meio da recusa alimentar, ressaltando que diversas mulheres tendem a resolver conflitos psicológicos pela manipulação do corpo.

Em contrapartida, raramente se fala na relação do sujeito anoréxico com o pai, sendo este quase sempre excluído diante de uma relação fusional mãe-filha e apresentado apenas como alguém ausente ou com pouca participação na configuração familiar e que tem dificuldade em constituir um par conjugal forte com a mãe. A função paterna, assim como a materna, é essencial para o desenvolvimento físico, afetivo e cognitivo do sujeito, já que a criança nasce num estado de desproteção que exige a repetição da antecipação e a nominação pelos pais em cada tempo do sujeito da infância (Flesler, 2012). Assim, levando em conta a escassez de pesquisas com um olhar voltado ao pai na anorexia, o presente trabalho busca fazer reflexões sobre o papel do pai na anorexia nervosa, a partir das quais há a possibilidade de se complementar o estudo do desenvolvimento emocional do sujeito anoréxico.

O trabalho consiste em uma revisão bibliográfica não exaustiva da literatura psicanalítica sobre anorexia e está dividido em dois capítulos, além desta introdução e das considerações finais. O segundo capítulo trata da constituição do sujeito anoréxico e tem como objetivo proporcionar ao leitor uma breve noção de como se configuram as funções materna e paterna para então ser explorado, no terceiro capítulo, o papel do pai na anorexia. Nas considerações finais serão retomadas algumas ideias desenvolvidas e, a partir destas, apontados os aspectos que consideramos importantes a serem investigados sobre o tema.

 

2 A constituição do sujeito anoréxico

2.1 A relação inicial com o Outro materno

O bebê humano nasce carente de todos os cuidados, em uma condição de "desamparo fundamental" (Hilflosigkeit), necessitando de alguém que lhe dê suporte físico e psíquico. A mãe, ao fornecer esse suporte à criança, satisfazendo sua fome e lhe protegendo contra os perigos do mundo externo, torna-se seu primeiro objeto amoroso (Freud, 1927/1990b). Lacan (1954-1955/1985a) nos apresenta a mãe, em sua condição de dar suporte à criança, como o grande Outro, cuja função encontra-se na fala. Conforme destaca o autor (1956-1957/1995, p. 192), "Desde a origem, a criança se alimenta tanto de palavras quanto de pão, e perece por palavras [...]". Como explica Jerusalinsky (2009, p. 68),

Diante dos estímulos endógenos do bebê é preciso um Outro encarnado que atribua intenção de comunicação ao seu grito e, por meio de uma interpretação, produza uma ação específica capaz de satisfazê-lo. Se há interpretação é porque já há linguagem ali. Mas é evidente que a linguagem não se inscreve por si. Não basta colocar um bebê na frente do rádio ou da televisão. [...] é preciso um endereçamento, é preciso um Outro [...]

Assim, é na relação com o Outro que surge para a criança a simbolização, fornecendo a mãe os primeiros significantes, os maternos, ao filho, inserindo-o num mundo simbólico. Jerusalinsky (2002) ressalta que a mãe, na interpretação do choro do filho, sustenta nele uma posição de sujeito, supondo no bebê um desejo que não necessariamente coincidiria com o dela. No entanto, conforme explica Lacan (1957-1958/1999), a criança, ao formular seu discurso próprio, por meio do grito, acaba por renunciar momentaneamente à sua fala própria, pois na fala da mãe percebe uma mensagem bruta do desejo desta. Assim, "O que a criança busca, como desejo de desejo, é poder satisfazer o desejo da mãe, isto é, to be or not to be o objeto de desejo da mãe" (Lacan, 1957-1958/1999, p. 197).

A condição inicial da criança de sujeito suposto (hypokeimenon), cuja vivência até então era a de um corpo despedaçado (morcelé), marcado pelas pulsões, é modificada a partir do estádio do espelho, que ocorre entre os 6 e 18 meses e no qual a criança forma uma representação de sua unidade corporal pela identificação com a imagem do Outro. Esse momento é definido pela experiência que a criança tem ao perceber sua imagem num espelho, por intermédio da qual criará uma demarcação de si, conquistando, então, um ponto de apoio na realidade, o que lhe permitirá começar a organizar sua subjetividade (Garcia-Roza, 2009; Lacan, 1957-1958/1999, 1968-1969/2008). No entanto, ainda que o estádio do espelho pareça representar uma distinção entre o desejo da mãe e o da criança, não o faz, já que "o sujeito só se entrega [à experiência do espelho] por ter de satisfazer o desejo do Outro [...]" (Lacan, 1957-1958/1999, p. 233), estando o privilégio dessa experiência em apresentar uma realidade a ser conquistada pela criança. "No primeiro tempo [do Édipo] [...], portanto, trata-se disso: o sujeito se identifica especularmente com aquilo que é o objeto do desejo de sua mãe" (Lacan, 1957-1958/1999, p. 198). Então, como explica Lacan (1956-1957/1995, p. 229),

A relação da criança com a mãe, que é uma relação de amor, abre a porta para o que se chama habitualmente [...] a relação indiferenciada primeira. De fato, o que acontece fundamentalmente na primeira etapa concreta da relação de amor, que é o fundo sobre o qual se dá ou não se dá a satisfação da criança, com a significação que ela implica? Trata-se de que a criança inclua a si mesma na relação como objeto do amor da mãe. Trata-se de que ela aprenda o seguinte: que ela traz prazer à mãe.

2.2 A função paterna

A entrada do pai na relação, que corresponde ao Complexo de Édipo em Freud e ao segundo tempo do Édipo em Lacan, representa a privação da mãe para a criança, cabendo à figura paterna estabelecer uma situação triangular e, assim, gerar uma distância entre a criança e a mãe (Coriat, 1997, citada por Thiesen, 2014). Freud (1900/1996a, p. 291) nos apresenta o pai como aquele que, em pessoa, instaura a lei do incesto e parricídio, recorrendo o autor ao mito de Édipo para ilustrar a vivência dessa situação triangular pela criança:

É destino de todos nós, talvez, dirigir nosso primeiro impulso sexual para nossa mãe, e nosso primeiro ódio e primeiro desejo assassino, para nosso pai. [...] O Rei Édipo, que assassinou Laio, seu pai, e se casou com Jocasta, sua mãe, simplesmente nos mostra a realização de nossos próprios desejos infantis. [...]. Ali está alguém em quem esses desejos primevos de nossa infância foram realizados [...]

O pai, explica Freud (1924/1976b), estabelece a lei de incesto e parricídio por meio da castração, que se apresenta sob a forma de ameaça no menino e como fato consumado na menina. O menino, ao manipular frequentemente seu pênis, que nessa fase já assumiu papel principal na sexualidade da criança como o representante do falo,2 recebe a ameaça de que essa parte lhe será tirada e, estando essa manipulação dentro da atitude edipiana para com a mãe, acaba por abandonar o investimento feito nesta, preservando assim seu órgão genital. O menino então reconhece na figura paterna o obstáculo à realização de seus desejos e evolui para uma identificação com o pai. Quanto às tendências sexuais em relação à mãe, parte destas é dessexualizada e sublimada; parte é transformada em afeto, ocorrendo no último caso uma inibição quanto ao objetivo da pulsão.

Em relação à menina, o autor (1924/1976b) esclarece que ela, após descobrir sua condição genital, passa a rejeitar e rivalizar com a mãe que a privou do falo, surgindo então a inveja do pênis3 e, assim, o desejo de dar um filho ao pai, havendo o deslocamento do desejo do pênis para o de um bebê. Esse desejo é gradativamente abandonado, uma vez que jamais se realiza, permanecendo porém fortemente investido no Inconsciente da menina. Ocorre então que as tendências sexuais diretas em relação ao pai são transformadas em tendências de tipo afetuoso, assim como acontece no menino em relação à mãe. No caso da menina, porém, a transformação da libido em afeto não ocorre devido ao temor da castração, não havendo então uma "recompensa" pelo abandono do investimento feito no pai, como ocorre no menino, que tem seu órgão genital preservado ao renunciar à mãe. A entrada no Édipo pela menina funciona então como refúgio à sua condição de castração e, visto a ausência de uma "recompensa" pela renúncia ao pênis do pai, a menina permanece no Édipo por tempo indeterminado e o destrói tardiamente em comparação ao menino, e ainda assim de modo incompleto.

O pai então, observa Borges (2005), também serve como uma referência para identificações com o seu sexo para o menino e como referência de lugar de desejo do sexo oposto para a menina, sendo a partir da entrada desse pai que a criança aprende a articular seu desejo com a lei humana universal do incesto, que envolve as fantasias de parricídio, tornando-se assim um sujeito social. Então, a função de proteção, inicialmente exercida pela mãe, é substituída pelo pai "mais forte", castrador e detentor do falo, que passa a reter essa posição. Há, porém, a diferença de que o pai, no desempenho dessa função, constitui também um perigo, sendo então admirado e temido, a exemplo do pai da horda primeva, apresentado por Freud em Totem e Tabu (1913 [1912-13]/1990a). No mito, os irmãos assassinam o pai, que tinha o poder supremo sobre a tribo, incluindo o acesso exclusivo às mulheres. Culpados, criam leis para a comunidade e passam a eleger totens, como os deuses e demais figuras de autoridade, permanecendo o pai então ainda presente por intermédio de símbolos e, inclusive, tornando-se mais forte do que o fora vivo.

Lacan (1955-1956/1988, 1957-1958/1999), por sua vez, traz o pai de forma um pouco diferente, saindo das experiências cotidianas e familiares do indivíduo e apresentando o pai como metáfora da ausência da mãe, o significante que representa a falta: o Nome-do-Pai. Conforme o autor (1955-1956/1988, pp. 100-114):

O complexo de Édipo quer dizer que a relação imaginária, conflituosa, incestuosa nela mesma, está destinada ao conflito e à ruína [] é preciso aí uma lei, uma cadeia, uma ordem simbólica, uma intervenção da ordem da palavra, isto é, do pai. [] Essa Lei fundamental é simplesmente uma Lei de simbolização.

Lacan então nos mostra a dispensabilidade do pai físico no Édipo, apontando para um pai simbolicamente castrador. Esse autor (1957-1958/1999) ressalta que o Nome-do-Pai é válido não apenas para a criança, mas também para a mãe, já que a criança é objeto de desejo desta. Quanto a isso, Zalcberg (2003) esclarece que há uma necessidade da figura materna de encontrar na criança um substituto fálico para sua falta. Borges (2005) nos informa que o pai pode ser representado por um tio, um avô ou uma analista, o que demonstra que a interdição não precisa estar ligada a uma figura masculina. Cabe então destacar que a construção da identidade sexual se liberta da questão puramente biológica, sendo conquistada pelas expressões do desejo e identificações da criança a partir de seu contato com outras pessoas do mesmo sexo e do oposto (Kallas, 2010).

Após o primeiro tempo do Édipo, marcado pela relação fusional entre a mãe e a criança; e o segundo, que corresponde à privação da mãe à criança e vice-versa; sucede o terceiro tempo do Édipo, no qual o pai aparece não apenas na ausência da mãe, mas também em seu discurso, tornando-se a mensagem do pai a mensagem da mãe. A criança então se depara com a falta e passa a elaborá-la, já que "é no plano da privação da mãe que [...] coloca-se para o sujeito a questão de aceitar, de registrar, de simbolizar, ele mesmo, de dar valor de significação a essa privação da qual a mãe revela-se o objeto" (Lacan, 1957-1958/1999. p. 191). O pai é, assim, reconhecido como possuidor do desejo da mãe, como aquele que tem o falo - ou melhor, aquele que tem o dom, considerando que "[...] o que faz o dom é que um sujeito dá alguma coisa de maneira gratuita; na medida em que, por detrás do que ele dá, existe tudo que lhe falta, é que o sujeito sacrifica para além daquilo que tem [...]" (Lacan, 1956-1957/1995, p. 143). A existência do pai, então, depende da própria mãe, fazendo-se essa metáfora, na medida em que a mãe o traz como interditor, como aquele que evoca a lei (Garcia-Roza, 2009; Lacan, 1957-1958/1999).

Joel Dor em O pai e sua função em psicanálise (1991), citado por Borges (2005), aponta para a importância da mãe faltosa, que não alimenta a fantasia da criança de poder satisfazer todos os seus desejos, proporcionando a ela vivências de frustração para promover seu desenvolvimento. Conforme surge o Nome-do-Pai, os significantes maternos, que pressupõem uma relação alienante da criança como Outro, vão sendo recalcados, tornando-se seu significado inconsciente, o que permite que a criança efetive a renúncia à mãe, seu primeiro objeto de desejo (Ramirez, 2004). Caso a mãe, por aspectos narcísicos, não permita a entrada do pai, o filho fica como o único objeto que pode satisfazer o desejo da mãe e preso à relação fusional com ela (Dor, 1991, citado por Borges, 2005). Falar da carência paterna no Édipo, então, não significa a carência em uma dimensão realista, mas de um terceiro que permeie os desejos da criança e da mãe.

Seguindo agora pela resolução do conflito edípico, Freud (1939 [1934-1938]/1996b) aponta, pela ameaça da castração, para a internalização do superego,4 que assume a autoridade paterna e perpetua as proibições sobre o ego.

O superego [...] Mantém o ego num permanente estado de dependência e exerce pressão constante sobre ele. Tal como na infância, o ego fica apreensivo em pôr em risco o amor de seu senhor supremo; sente sua aprovação como libertação e satisfação, e suas censuras como tormentos de consciência. Quando o ego traz ao superego o sacrifício de uma renúncia instintual, ele espera ser recompensado recebendo mais amor desse último. A consciência de merecer esse amor é sentida por ele como orgulho. (Freud 1939 [1934-1938]/1996b, p. 132)

Freud (1924/1976b) destaca que, caso o ego da criança sofra apenas uma "leve repressão" diante do Complexo de Édipo, esse persiste no indivíduo de forma inconsciente, manifestando-se posteriormente sob forma patogênica. Essa possibilidade de "leve repressão", porém, cabe ao superego do menino, já que a menina permanece no Édipo por tempo indeterminado e o destrói tardiamente e de modo incompleto, o que exerce influência na formação de seu superego, não conseguindo esse atingir nela a intensidade e independência que alcança no menino.

Lacan (1972-1973/1985b) também faz relação entre o pai e o superego, apontando para esse como um correlato da castração. O autor (1953-1954/1986), no entanto, não nos apresenta o superego como um regulador instintual, que impõe a lei, como o de Freud, mas como aquele que impõe a destruição da lei, na medida em que esta se reduz a alguma palavra (como o "deves") que não consegue exprimir o verdadeiro sentido da lei, podendo-se dizer assim, inclusive, que o superego a desconhece. O sujeito então acaba por se identificar às suas experiências primitivas, que não coincidem com a lei, sendo o superego então aquele que impõe o gozo5 (Lacan, 1972-1973/1985b). Na medida em que não encontra o objeto perdido, de seu gozo, o sujeito se depara com a falta, o que fica evidente em trecho do autor (1954-1955/1985a, p. 118) acerca do Inconsciente:

[...] o Inconsciente é o discurso do outro. O discurso do outro não é o discurso do outro abstrato, do outro da díade, do meu correspondente nem mera e simplesmente o do meu escravo, é o discurso do circuito no qual estou integrado. Sou um dos seus elos. É o discurso do meu pai, por exemplo, na medida em que meu pai cometeu faltas as quais estou absolutamente condenado a reproduzir - é o que se denomina superego.

Retomando o mito da horda e articulando com o superego de Freud, percebe-se que o autor nos propõe um pai imaginário, que tem alcance à satisfação e a proíbe aos filhos, o que parece ocorrer na relação entre o superego e o ego. Lacan por sua vez nos propõe um pai - e um superego - também marcado pela falta, que impõe a busca pela satisfação porque já sabe que esta é impossível. Ou seja, nos propõe um pai cuja função é simbólica mas que em si é real, considerando que "[...] o real [...] define-se como o impossível [...]" (Lacan, 1968-1969/2008, p. 64) No entanto, apesar das diferenças, "Freud e Lacan formulam o supereu como resíduo aniquilador do desdobramento do sujeito contra si mesmo" (Gerez-Ambertín, 2003, citada por Pena, 2011, p. 16).

Assim, segundo Lacan (1955-1956/1988, 1956-1957/1995), a situação edipiana normal faz com que o sujeito se estabeleça dentro de certos limites, sendo o pai, como símbolo, que dá a forma na qual se insere o sujeito no nível de seu ser. Quando o pai não entra como função simbólica, isto é, quando há a foraclusão6 do Nome-do-Pai, o sujeito, psicótico, não se vê separado do Outro e surge um gozar ilimitado, em que não há a distinção entre si e o objeto de gozo, havendo então confusão entre a realidade psíquica e a exterior. Há, no entanto, uma compensação da ausência da falta na psicose, reaparecendo a interdição que não foi inscrita no simbólico no plano do real, emergindo de fora. Um exemplo é o delírio, servindo-se o sujeito de personagens que lhe deem um direcionamento, que lhe mostrem o que é preciso fazer. Há então na psicose uma relação de exterioridade, primitiva, do sujeito com o Nome-do-Pai.

Na neurose, ao contrário, o gozo é marcado pela falta, pelo Nome-do-Pai, estabelecendo assim a distinção entre o narcisismo e a relação com o objeto. Já no perverso há a denegação do Nome-do-Pai, isto é, uma recusa à lei pela erotização de algum objeto, que o sujeito coloca no lugar do Outro na tentativa de demonstrar que encontrou o objeto exclusivo de seu desejo, o objeto perdido, e que, assim, escapou à falta. Esse objeto porém está articulado à função do significante, havendo então uma objetivação do Nome-do-Pai pelo perverso (Lacan, 1969-1970/1992, 1957-1958/1999). Dor (1991) destaca a relação com o objeto fetiche como uma lei do desejo que se emprega para nunca ser referida ao desejo do Outro, sendo assim a perversão uma reafirmação do Nome-do-Pai.

Dessa maneira, é à vivência edípica, à relação estabelecida com o pai, que se deve a constituição do sujeito, valendo utilizar aqui a afirmação de Freud (1927/1990b, p. 114), segundo a qual "o destino, em última instância, não passa de uma projeção tardia do pai".

 

3 O pai na anorexia

Leal e Nodin (2005), em estudo sobre as representações paternas de pacientes com diagnóstico de Anorexia Nervosa do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, constataram a existência predominante de dois tipos de relação das anoréxicas com o pai: uma bastante próxima, por ligações do tipo de apoio ou ajuda; e outra tensa e indutora de angústia, havendo a tendência de o contato com o pai ser percebido como distante. No primeiro tipo de relação, os autores se depararam com um grande investimento afetivo no pai, sendo este descrito por alguns dos pacientes como alguém que "sempre pode ajudar", e apontaram para a possibilidade de a anorexia ter surgido num contexto de crise familiar como solicitação do auxílio do pai, sendo este visto de forma positiva, como um irmão ou amigo, e não como uma figura de autoridade.

Sobre o segundo tipo de relação, Leal e Nodin perceberam a presença de impulsos violentos em relação ao pai, destacando o aparecimento de "fantasmas" de parricídio. Houve também alguns pacientes com histórico de perda do pai, a qual porém só foi vivenciada com tristeza em alguns casos. Os autores informam ainda que a proximidade física entre pai e filha e a situação de sedução por parte da figura masculina é que pareciam provocar grande angústia nas anoréxicas, sendo a relação então, em muitos casos, sentida como indesejável.

Em Fuks e Pollo (2010) pode-se perceber a relação com o pai na anorexia, em caso em que a menina, após o pai lhe dizer que estava mais gorda que a irmã, passou a jejuar e usar um barbante amarrado na cintura, alegando motivações estéticas. Após o falecimento do pai, a menina continuou jejuando e dizia desejar morrer para encontrar o pai. Também é possível perceber a relação com o pai na anorexia em Scazufca (1998), em caso em que a anoréxica começou a sentir nojo da comida após seu pai lhe dizer que ela estava comendo muito. Esse episódio coincidiu com a primeira menstruação da menina, o que a fez achar que sujaria de sangue o seu pai quando sentasse em seu colo e que perderia o amor dele por ter-se tornado mulher, tendo ela ficado com medo de ficar gorda e com barriga de grávida desde então. Percebe-se, nos dois casos, que não houve uma tentativa da anoréxica de apagar seus contornos femininos para despistar o desejo do pai, como em Dolto (1984), citada por Bucaretchi (2003), mas para convocá-lo.

Nasio (2007) aborda a convocação do desejo do pai na anorexia propondo uma identificação inconsciente da anoréxica com o irmão idealizado (real ou imaginário) como o favorito do pai. O autor cita uma paciente anoréxica e comenta sobre sua recusa em ser mulher devido à ideia de que isso equivale a ser castrada, fraca e desprezada pelo pai. A partir daí surgiu, na paciente, a inveja do falo e o sonho de tornar-se um menino e, então, a tentativa de apagar os contornos femininos do corpo. Haveria então, pela identificação, um menino com o desejo masculino de possuir e dominar; assim como uma menina com o desejo feminino de ser possuída pelo pai.

A partir das referências estudadas, é possível constatar que embora o pai não tenha aparecido como interditor, a anoréxica não esteve alheia à existência e à importância da figura paterna e solicitou, de alguma forma, que o pai desempenhasse essa função. Percebe-se em Leal e Nodin (2005) que o pai, como aquele que forma ou formou par com a mãe, ocupou lugar na anorexia, revelando-se na figura de um irmão ou amigo, a quem a anoréxica pode pedir ajuda pela interferência em sua conduta alimentar - ou seja, pedir interdição. O pai também apareceu, em Fuks e Pollo (2010), Scazufca (1998) e Nasio (2007), como objeto de desejo da filha, sendo a anorexia a forma de pedir o olhar do pai, pela tentativa de exibir o corpo mais magro do que a irmã, evitar ficar com barriga de grávida ou de assumir a forma masculina do irmão.

Justus (2004), citada por Neto, Martinez, Santos e Silva (2006), chama atenção, no Édipo, à necessidade de um olhar do pai que faça a filha se sentir desejada e pensar que poderá tomar o lugar de sua mãe, possibilitando que a menina faça uma conjugação das pulsões visual e oral. Oral, cabe destacar aqui, porque o incesto, segundo Freud (1915/1976a), está intimamente vinculado com o canibalismo, sendo a incorporação ou devoramento um impulso sexual em que se tenta abolir a existência separada do objeto amoroso. Caso a anoréxica não consiga ver no pai esse olhar, observa Justus (2004), citada por Neto et al. (2006), ela pode se modelar no intuito de rechaçar o olhar dos homens. Em caso apresentado em Marcos (2014), a anoréxica descreve as compras realizadas pelo pai, encarregado de pagar a pensão alimentícia, como insuficientes e define a convivência entre ambos como "pouco nutritiva". Pode-se pensar aqui na carência de um olhar do pai que "alimente" a filha anoréxica, em correspondência à carência das compras, tendo a menina inclusive afirmado que seu problema era a "falta do pai".

Ainda em relação ao olhar do pai na anorexia, é válido pensar também sobre um olhar excessivo daquele à filha, a partir de proposição de Kestemberg, Kestemberg e Decobert (1972). Os autores, citados por Leal e Nodin (2005), apontam para uma atitude de sedução da parte do pai, anterior ao aparecimento da doença, e que teria continuidade depois por meio da fascinação pela conduta anoréxica da filha. Vale lembrar aqui do sentimento de angústia percebido por Leal e Nodin em algumas das pacientes, cuja relação com o pai era tensa, sendo esse sentimento provocado por uma proximidade física e situação de sedução por parte do pai. Observa-se aqui que o pai aparece como aquele que representa a ausência da lei, já que se encanta com o transtorno da filha, não introduzindo então uma lei simbólica que regulamente a relação da menina com o alimento. Aqui podemos destacar Gabbard (1992), citado por Leal e Nodin (2005), que nos informa sobre a existência de referências a um pai que, ao sentir-se abandonado pela mulher, recorreria à filha em busca de alimento emocional.

Leal e Nodin (2005) ainda chamam atenção à existência de um estudo, de Vanderlinden e Valdereycken (1993), que aponta para uma incidência elevada de incidentes familiares traumatizantes no passado das pacientes anoréxicas, nos quais se incluem, além da rejeição parental e desacordos conjugais graves entre os pais, casos de abuso sexual por parte do pai. No último caso, o pai aparece novamente como aquele que representa a ausência da lei, visto que a lei de proibição do incesto é a base da organização social, conforme apontado por Freud (1913 [1912-13]/1990a). Em Além do princípio do prazer (1920-1922/1987), esse autor aponta, já nas brincadeiras infantis, para a repetição de experiências desagradáveis com o objetivo de dominá-las e poder simbolizá-las. Ou seja, há uma tentativa de vivenciar uma experiência angustiante de modo ativo para que se possa ter uma impressão mais poderosa dessa experiência do que se teve na forma passiva. Nesse caso, a anorexia parece ser uma repetição da experiência traumática de forma ativa: no abuso sexual, o pai transgrediu a lei quanto ao seu corpo e o de sua filha; agora, a anoréxica o faz, ultrapassando os limites de seu próprio corpo em busca de uma simbolização.

Leal e Nodin (2005) também encontraram, além da relação próxima e da tensa e indutora de angústia, a inexistência de relação com o pai. Essas pacientes, segundo os autores, tendiam a evitar também a relação com a figura materna, o que parecia ocorrer por essa relação ser demasiado conflituosa para a anoréxica. Pode-se verificar aqui que a anoréxica também não esteve alheia à figura paterna, estando esta presente como alguém que representa um conflito, um desacordo: a lei. No que diz respeito à figura materna, vale lembrar que a lei aparece não apenas em sua ausência como também em seu discurso. Evitar as figuras paternas, então, parece ser uma maneira de fugir à lei, sendo a anorexia o sintoma que representa essa fuga.

No que diz respeito especificamente à questão do Nome-do-Pai, é possível olhar para as considerações de alguns autores acerca da estruturação psíquica do anoréxico. Para Kestemberg et al. (1972), citados por Bidaud (1998), a anorexia está no campo da perversão, sendo o próprio corpo do anoréxico seu objeto fetiche a partir do qual nega a castração, levando a fome à sensação de gozo. Os autores ainda aproximam a perversão do anoréxico à organização psicótica devido à predominância dos investimentos narcísicos, diferenciando-a das psicoses estruturadas pela ausência das atividades delirantes presentes na clínica. Haveria então, pelo anoréxico, uma negação de sua realidade como sujeito humano e mortal, o que acarreta na magnificação de uma identidade ideal, evidenciada pela forma com que toma o próprio corpo. Já Valabrega (1967), citado por Bidaud (1998), propôs na anorexia um cruzamento de quatro ordens psicopatológicas: a neurótica, psicótica, perversa e a psicossomática, sendo o transtorno uma "estrutura em equilíbrio" ou "encruzilhada.

Sobre esses arranjos estruturais na anorexia propostos por Kestemberg et al. (1972) e Valabrega (1967), citados por Bidaud (1998), vale destacar aqui a noção de père-version, ou versão em direção ao pai, proposta por Lacan em O sinthoma (1975-1976/2007), a qual se refere ao pai como o sintoma que permite a ligação entre as dimensões do real, simbólico e imaginário.7 A versão em direção ao pai, ao contrário da função paterna, que tem um caráter universal como uma operação constituinte, diz respeito então ao modo singular como o pai funciona para cada sujeito, podendo-se dizer então que há várias "versões em direção ao pai". Como explica o autor, "Quando digo o Nome do Pai, isso quer dizer que pode haver aí, como no nó borromeano, um número indefinido. É esse o ponto vivo [...], afinal, não é só o simbólico que tem o privilégio desses Nomes do Pai, não obrigatoriamente está no buraco do simbólico conjunta a nominação [...]" ( Lacan 1974-1975, pp. 64-65).

A partir da preposição de Kestemberg et al., citados por Bidaud (1998), pode-se pensar na existência de uma falha na inscrição do Nome-do-Pai na anorexia, não estando o significante completamente foracluído, mas sendo negado no pouco que foi inscrito. Nesse caso, o Nome-do-Pai parece "passear" entre o Real e o Imaginário, já que na perversão "aquilo que estava articulado de maneira latente no nível do grande Outro começa a se articular de maneira imaginária [...]" (Lacan, 1956-1957/1995, p. 131), isto é, pelo objeto fetiche, que o sujeito elege para tentar suprir a falta do Outro. No perverso, "[...] o pai [...] entrou efetivamente em jogo como pai imaginário, e não mais como pai simbólico" (Lacan, 1956-1957/1995, p. 131).

Em Valabrega (1967), citado por Bidaud (1998), também é possível pensar em uma falha da inscrição do Nome-do-Pai na anorexia, estando presente o mecanismo de foraclusão, o qual porém não foi plenamente efetivo, havendo algum grau de inscrição do significante no Inconsciente, sendo parte dessa inscrição recalcada e outra, considerando a estrutura perversa, negada. Aqui presumimos que a anorexia é o fenômeno psicossomático que representa essa negação, já que este, segundo Lacan (1975), se passa como se algo estivesse escrito no corpo, sendo o sintoma do paciente um hieróglifo. Como já apontado por Kestemberg et al. (1972), citados por Leal e Nodin (2005), o corpo é tomado como objeto fetiche pelo anoréxico, sendo então a significação da rejeição do Nome-do-Pai. Pode-se dizer, pela preposição de Valabrega, que o Nome-do-Pai circula entre as dimensões do real, imaginário e simbólico, considerando as estruturas psicótica, perversa e neurótica, respectivamente, sendo a anorexia, como o sintoma que representa a negação de parte da inscrição do Nome-do-Pai, a père-version, ou seja, a forma particular como esse significante reaparece para o sujeito.

Quanto ao tratamento da anorexia, Zirlinger (1996), citada por Neto et al. (2006), aponta para a importância da elaboração dos vínculos estabelecidos com as figuras parentais para que ocorra uma melhora, o que demonstra que não apenas a relação com a mãe está envolvida no transtorno, mas também a com o pai. Justus (2004), citada por Neto et al. (2006), de forma semelhante, afirma que a cadeia de significantes do anoréxico deve "rodar", para que possam aparecer metáforas que possam levar a uma provável cura, e que o psicanalista pode favorecer esse "rodar" partindo de uma função paterna que está em declínio, isto é, da carência de uma instância interditora que realmente represente o "não é possível", o Nome-do-Pai.

 

4 Considerações finais

O pai é quase sempre tomado como elemento dispensável de investigação na anorexia, servindo, quando citado, apenas como subsídio para evidenciar a relação com a mãe, apontada como central na investigação sobre o transtorno. Diante das referências encontradas, ficou evidente a ausência da função paterna na anorexia, já mencionada em bibliografia sobre o transtorno. Em nossa pesquisa, no entanto, pudemos ter uma melhor compreensão acerca dessa ausência, tendo sido investigadas as relações do anoréxico com o pai em uma dimensão física e também metafórica, isto é, com o Nome-do-Pai.

Foi possível perceber a existência de ligações entre o sujeito anoréxico e o pai, como a de apoio ou ajuda, a qual embora não corresponda à função paterna demonstra que o pai esteve de alguma forma presente na vida do sujeito anoréxico, não sendo simplesmente esquecido. O desejo da menina pelo pai também apareceu, tendo sido encontrado inclusive relato em que a anoréxica revela esse desejo, a carência de um olhar do pai. Encontramos também a possibilidade de um olhar excessivo do pai à filha, sendo o pai aquele que, numa relação de sedução para com a filha, não realiza a interdição, passando inclusive a se deslumbrar com o transtorno na menina.

Ainda foi encontrada referência a um histórico de incidentes familiares traumatizantes na vida das anoréxicas, nos quais se inclui o abuso sexual por parte do pai, podendo ser a anorexia nesse caso uma repetição da experiência traumática, relacionada aos limites do corpo, a fim de melhor simbolizá-la. Quando não houve relação com o pai, foi observado que a figura paterna era evitada, juntamente à figura materna, por representar um conflito para o anoréxico, sendo então ambas as figuras reconhecidas e parecendo ser esse evitamento uma maneira de fugir à lei.

Quanto ao Nome-do-Pai, foi feita investigação acerca da estrutura psíquica do sujeito anoréxico, a partir da qual foi possível refletir sobre esse significante no transtorno. Com base nas considerações de Lacan sobre as estruturas psíquicas e sua relação com o significante paterno e em outros autores que apresentaram hipóteses sobre a(s) estrutura(s) presente(s) na anorexia, pudemos concluir que há uma falha da inscrição do Nome-do-Pai no transtorno. Todavia, essa falha não quer dizer que o sujeito anoréxico não se relacione com esse significante, podendo o Nome-do-Pai surgir no plano do Real ou no Imaginário, considerando as estruturas psicótica e perversa, respectivamente. Essas diferentes formas de relação do sujeito anoréxico com o Nome-do-Pai devem ser consideradas no tratamento do transtorno, valendo lembrar aqui de Justus (2004), citada por Neto et al. (2006), que afirma que o psicanalista deve tomar como ponto de partida a existência de uma função paterna em declínio no anoréxico.

Deparamo-nos, em nossa pesquisa, com a ausência da realização da interdição pelo pai, em sua dimensão física, e uma falha da inscrição do Nome-do-Pai na anorexia. É importante lembrar, a partir de Lacan, que a interdição não é feita necessariamente pelo pai físico, sendo da ordem da palavra. Vale então apontar para Roudinesco (2003), que ao abordar as mudanças na instituição familiar fez referência à decadência do pai como "chefe de família" e a um abalo dos direitos do pai sobre o filho em diversos países ao longo dos anos.

Marcos (2015), citando Miller (2003), destaca o caráter relativo das classificações diagnósticas, sendo o sujeito um deslocamento em relação à classe e seu sintoma uma reinvenção da regra que lhe falta, o que se pode perceber pelos diferentes arranjos estruturais propostos no transtorno. Diante disso, pensamos ser importante, na investigação sobre a anorexia, um olhar ao pai como membro da família e, assim, elemento da vida do sujeito anoréxico, assim como a relação deste com o Nome-do-Pai. Cabe olhar a forma de gozo do sujeito anoréxico, isto é, como ele se relaciona com seu objeto de desejo, o que permitirá que se veja a sua père-version.

 

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1 Santa Catarina de Siena, após recusar-se a casar com o noivo arranjado por seu pai, entrou no convento e praticou a abstinência de alimentos até a morte (Bucaretchi, 2003).
2 Lacan (1957-1958/1999) explica o falo como sendo o significante do desejo, sendo daquele, então, que o indivíduo extrai seu poder de sujeito. Nesse caso, então, "[...] o falo é um pênis fantasiado, idealizado, símbolo da onipotência e de seu avesso, a vulnerabilidade" (Nasio, 2007, p. 22).
3 Sobre a inveja do pênis pela menina, Nasio (2007, p. 53) nos diz que "o pênis não a interessa, e, às vezes, inclusive a repugna; o que a interessa e apaixona é o poder que ela lhe atribui e que a deixa com inveja".
4 Superego é a tradução para o inglês de Über-Ich, termo originalmente utilizado por Freud para se referir a uma das três instâncias psíquicas da segunda tópica, sendo utilizados também supereu (em português), superyó (em espanhol) e surmoi (em francês).
5 Lacan coloca o gozo como a busca de um objeto perdido (objeto a) que supra a falta do Outro, sendo então uma tentativa de ultrapassar os limites do prazer. Essa busca gera sofrimento, o que não impede porém que o sujeito continue a fazê-la (Plon & Roudinesco, 1998).
6 Lacan elaborou o conceito de foraclusão para designar a rejeição (Verwerfung) de um significante. Quando ocorre essa rejeição, o significante não é integrado no Inconsciente e retorna no plano do real, por alucinação ou delírio na fala ou percepção do sujeito. A diferença da foraclusão em relação ao recalque e denegação, mecanismos da neurose e perversão, respectivamente, é que nestas o significante foi incluído no Inconsciente (Plon & Roudinesco, 1998).
7 Lacan utiliza a expressão nó borromeano para designar as figuras topológicas do Real/Simbólico/Imaginário. O imaginário se define como o lugar do ego, com seus fenômenos de ilusão, captação e engodo. O simbólico se refere a um sistema de representação baseado na linguagem, isto é, em signos e representações. O real diz respeito àquilo que é impossível de simbolizar, o irrepresentável. Esses três registros psíquicos se articulam, formando uma tríplice aliança, sendo assim inseparáveis (Plon & Roudinesco, 1998).

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