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Analytica: Revista de Psicanálise

versão On-line ISSN 2316-5197

Analytica vol.6 no.11 São João del Rei jul./dez. 2017

 

ARTIGOS

 

A relação mãe-filha em "sonata de outono": considerações psicanalíticas

 

The mother-daughter relationship in "autumn sonata": psychoanalytic considerations

 

La relación entre madre e hija en "sonata de otoño": consideraciones psicoanalíticas

 

La relation mère-fille dans "sonate d'automne": considérations psychanalytiques

 

 

Maria Lúcia Mantovanelli OrtolanI; Patrícia Sayuri NakanoII; Sandra Aparecida Serra ZanettiIII; Maíra Bonafé SeiIV

IPsicóloga, residente em Saúde da Família pela Universidade Estadual de Londrina
IIPsicóloga pela Universidade Estadual de Londrina
IIIPsicóloga, mestrado, doutorado e pós-doutorado em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da USP
IVPsicóloga, mestrado, doutorado e pós-doutorado em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da USP, docente do departamento de Psicologia e Psicanálise e orientadora do programa de Mestrado em psicologia da Universidade Estadual de Londrina

 

 


RESUMO

Este trabalho se propôs a investigar, com base na Psicanálise, os encontros e desencontros da relação mãe e filha, dando enfoque ao processo de indiferenciação e diferenciação entre elas, a partir do filme "Sonata de Outono". Trata-se de uma pesquisa qualitativa com base na análise de filmes num enfoque de Psicanálise. Os dados foram coletados por meio da observação indireta e não participante, com registros de falas das personagens. O critério de escolha do filme deu-se pela articulação deste com alguns aspectos da temática da relação mãe-filha. Os resultados desta pesquisa indicam que pode haver um movimento da mãe abandonar a filha e esta desenvolver uma propensão em querer ser cuidada, insatisfeita quanto ao que a mãe pôde oferecer a ela, pois se entende que, paradoxalmente, a filha precisa da mãe para poder separar-se dela. No filme analisado, a dupla mãe e filha transitou ao longo da vida constituindo um dueto inseparável e ao mesmo tempo distante que parece não ter permitido à filha uma vida satisfatória.

Palavras-chave: Relação mãe-filha. Sonata de Outono. Psicanálise.


ABSTRACT

This study aimed to investigate, based on psychoanalysis, meetings and divergences of the mother and daughter relationship, giving focus to the process of indifferentiation and differentiation between them, from the film "Autumn Sonata". This is a qualitative research based on film analysis in a psychoanalytical approach. Data were collected through indirect and non-participant observation, with the characters speech records. The criteria for choosing the film was due to the articulation of this with some aspects of the theme of the mother-daughter relationship. The results of this research indicate that there may be a mother's movement to abandon her daughter and she develop a propensity to want to be looked after, dissatisfied as to what the mother could offer her, because it is understood that, paradoxically, the daughter needs her mother to be able to be separated from her. Over this film, both mother and daughter transited lifelong constituting a duet inseparable and at the same time apart, that seems to have allowed his daughter a fulfilling life.

Key words: The mother-daughter. Autumn Sonata. Psychoanalysis.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo investigar, basado en el psicoanálisis, encuentros y desencuentros de la relación entre madre e hija, centrándose en el proceso de indiferenciación y la diferenciación entre ellos, a través de la película "Sonata de otoño". Se trata de una investigación cualitativa basada en el análisis de la película en un enfoque psicoanalítico. Los datos fueron recolectados a través de la observación indirecta y no participante, con los registros de los personajes del habla. El criterio para la elección de la película se debió a la articulación de esto con algunos aspectos del tema de la relación entre madre e hija. Los resultados de esta investigación indican que puede haber movimiento de la madre a abandonar a su hija y ella desarrollar una propensión a querer ser cuidada, insatisfecha cuanto a lo que la madre podía ofrecerla, porque se entiende que, paradójicamente, la hija necesita a su madre para poder para separar de ella. Sobre esta película, madre y la hija transitaron durante la vida constituyendo un dúo inseparable y, al mismo tiempo separado de que parece haber permitido a su hija una vida plena.

Palabras clave: La madre y su hija. Sonata de otoño. Psicoanálisis.


RÉSUMÉ

Cette étude visait à étudier, basée sur la psychanalyse, les réunions et les désaccords de la relation mère et fille, en se concentrant sur le processus de indifférenciation et de différenciation entre eux, à travers le film "Sonate d'automne". Ceci est une recherche qualitative basée sur l'analyse de film dans une approche psychanalytique. Les données ont été recueillies par l'observation indirecte et non-participant, avec les enregistrements des discours des personnages. Les critères de choix du film est due à l'articulation de ce avec certains aspects du thème de la relation mère-fille. Les résultats de cette recherche indiquent qu'il peut y avoir le déménagement d'une mère d'abandonner sa fille et cela développer une propension à vouloir obtenir des soins, insatisfait de ce que la mère pouvait lui offrir, car il est entendu que, paradoxalement, la fille a besoin de sa mère pour être en mesure de à séparer. Au cours de ce film, la mère et la fille ont transité pendant la vie en mettant un duo inséparable et en même temps à part qui semble avoir permis à sa fille une vie satisfaisante.

Mots clés: La mère-fille. Sonate d'automne. Psychanalyse.


 

 

A temática do feminino é uma questão debatida em vários âmbitos, tanto científico quanto nas conversas do cotidiano. Frases como "Afinal, o que querem as mulheres?" se fazem tão populares exatamente pelo mistério que ronda a feminilidade. Mistério esse tão comum entre os psicanalistas, pois até o próprio pai da Psicanálise, Freud, se pôs em aberto quanto às mulheres, o que elas são e o que elas desejam. Além do desafio científico que é estudar as questões do feminino, há uma justificativa clínica social em se investigar a feminilidade, e não só a feminilidade em si, mas as relações entre esses femininos, entre as mulheres, entre mãe e filha, especificadamente: há uma demanda cada vez maior de mulheres chegando às clínicas, mulheres estas sofrendo por suas relações parentais conturbadas, filhas que se sentem não mais filhas, mas prisioneiras (Ribeiro, 2011). Este trabalho, então, se propôs a investigar os encontros e desencontros da relação mãe e filha, dando enfoque ao processo de diferenciação e indiferenciação entre elas, a partir do filme "Sonata de Outono", no qual é retratada uma relação entre mãe e filha.

 

Fundamentação teórica

A questão do feminino, segundo Wolff (2009), remete a uma dimensão psíquica arcaica, ligada à fundação do sujeito, e não atrelada às questões de sexo e/ou gênero. Vários autores (Laplanche, 1985; Stoller, 1993; André, 1996; Ribeiro, 2011) entendem que tratar de feminilidade é, antes de tudo, tratar da constituição psíquica do sujeito, seja ele do sexo feminino ou masculino. Para Wolff (2009), o feminino está ligado à capacidade de continência e de contemporização, refere-se ao que é receptivo, sendo constituído pelas identificações primárias e pelas transmissões parentais até mesmo antes do nascimento. Essa teorização do feminino se aproxima do que Ribeiro (2011) traz ao apresentar o termo passividade primitiva como antecedente da feminilidade. Observa-se assim que esse termo se mostra subsidiado pela teoria da sedução generalizada, de Jean Laplanche. Tal concepção coloca o bebê, independentemente do sexo, em uma situação originária (passividade originária): um feminino primário (Ribeiro, 2011).

Já Yi (2013), para conceitualizar a feminilidade, o ser feminino, dota-se do conceito da inveja do pênis, como se essa inveja proporcionasse um tornar-se mulher, por meio dos caminhos que esta impulsiona o sujeito psíquico a se constituir. Freud (1996a), ao discorrer sobre a sexualidade infantil, aborda a questão da inveja do pênis a partir da premissa fálica, fantasia na qual as crianças, antes da partilha sexual, acreditam que todos têm, ou tiveram em algum momento, o órgão fálico. Nesse sentido, os meninos se recusam a perceber a diferença entre os sexos, e as meninas reconhecem tal diferença sentindo-se prejudicadas por não o possuir. São, assim, tomadas pelo interesse por essa parte do corpo masculino, seguido pela inveja desse órgão, que concentra todas as atenções durante a infância, resultando no desejo de ter um órgão igual ao deles, ser um menino.

A inveja advém do desejo de possuir algo que ela sabe que não tem. A constatação da diferenciação sexual - e consequentemente a rejeição em ser-castrado -, segundo Yi (2013), suscita a inveja do pênis, a angústia da perda e a ambivalência original, constituindo-se, então, a estrutura que ordena a vida das mulheres. Nessa mesma linha de pensamento, Lima (2002) completa que a questão da mulher é, antes de tudo, encarada como um lugar, lugar esse que é vazio, não há significante/representante, assim como para o masculino há o falo, por exemplo. Com isso, ser mulher corresponde à busca por preencher esse lugar, preenchimento esse feito por algum semblante fálico, que inclusive pode vir a ser um filho.

Ao encarar a mulher como um lugar vazio, que precisa de um semblante, Lima (2002) problematiza a maternidade, o desejo de ser mãe, de ter um filho, como uma saída à feminilidade, uma resposta à pergunta "o que é ser mulher". Essa teorização é baseada na ideia de Freud (1996b) de que o desejo de ter um filho é vestigiado pela inveja do pênis, já comentada acima.

A relação entre feminilidade e maternidade também é debatida por Farias e Lima (2004) quando comentam sobre o mito do instinto materno e a teorização freudiana da equivalência pênis-criança. Assim, estabelece-se uma ligação entre maternidade e castração. Seguindo esse raciocínio, em uma relação mãe e filha, faz-se importante entender qual é o lugar que a maternidade tem para a mulher. Stellin et al. (2011) questionam a maternidade e a feminilidade e verificam que há recursos psíquicos necessários para que uma mulher se constitua como mãe, diferenciando o tornar-se mãe e o sentir-se mãe. A depender do lugar que a maternidade ocupa na vida da mãe, a criança pode vir a ser um sintoma ou um objeto da fantasia materna - a criança pode vir a preencher uma falta da mãe ou barrar essa mãe, fazer função de castração a essa mãe, denunciando-lhe a falta, apontando-lhe sua condição como mulher. Entender como é a maternidade para a mãe, e acima disso, entender como se dá a sexualidade para essa mãe é de extrema importância para que se esclareça a relação mãe-filha: "a maneira como a mãe experiência sua sexualidade, ou seja, aquilo que para ela (mãe) também é da ordem do enigmático, marca o psiquismo emergente de seu bebê" (Ribeiro, 2011, p.74).

Na tentativa de compreender o papel da relação mãe e filha, Seron, Del Prette e Milani (2011) estudaram o processo de construção da identidade feminina. Os autores problematizaram ainda o quanto que a identidade feminina de uma adolescente está atrelada à diferenciação que esta precisa se colocar em relação ao desejo materno. A construção da identidade feminina na adolescência sofre influências da relação entre mãe e filha, segundo os autores, pois as jovens procuram na figura materna um modelo, do qual com o passar do tempo conseguem se diferenciar, entretanto carregam consigo características essenciais vividas dessa relação.

Sobre o processo de identificação, Gomes e Zanetti (2009) entendem o vínculo mãe-filha como potencializador na construção da identidade feminina para a filha, em um processo de tornar-se mulher. Assim, o vínculo mãe-filha é explorado não em seu poder sintomático, e sim identitário. A identificação, diferentemente da cópia, coloca a adolescente diante do desconhecido, possibilitando a composição de uma identidade feminina própria apoiada em atributos compartilhados na relação com a mãe, mas que só puderam fazer parte dessa construção por causa da presença afetiva da mãe (Seron et al., 2011). Entender que a identificação com a mãe em um momento mais primitivo (na feminilidade primária) não é uma cópia, é pensar que esse processo "requer uma potência de liberdade e criação, mas sua produção sempre estará 'reproduzindo' a liberdade de uma outra potência produtora" (Ribeiro, 2011, p. 76).

A imago da mãe se fazer tão presente pode ter muitos aspectos melancólicos, angustiantes e depressivos que são relacionados com a fidelidade ao objeto materno (Yi, 2013), entendendo-se que a relação mãe-filha é perpassada por um conflito de ambivalência. Os conceitos de catástrofe (Freud, 1996c) e devastação (Lacan, 1972/2001) foram designados para ilustrar os efeitos psíquicos da relação da filha com a mãe. Evidenciam em suas teorizações o quanto a filha busca na mãe algo que a sustente como mulher, todavia, a mãe, por também ser mulher, não lhe responde. Assim, é evidenciado o poder da ligação ambivalente de mãe-filha, sendo que é nessa ligação que o sujeito psíquico se encontra com a falta estruturante.

Quando uma mãe gera uma filha, por tratar-se de uma relação entre semelhantes, ocorre uma via narcísica de identificação, na qual a fronteira entre o eu e o outro é mais delicada e de difícil diferenciação. Tem-se uma maior dificuldade para a menina na construção de sua identidade separada da mãe, o que pode levar a uma cilada narcísica, na qual há a formação de um duplo. As meninas precisam da mãe para diferenciarem-se delas, fato que as tornam mais suscetíveis às demandas e insatisfações da mãe. Experiências traumáticas nesse processo podem ocorrer, no sentido de a mãe aprisionar a filha aos ideais narcísicos maternos, resultando em um enredamento da menina nessa condição (Ribeiro, 2011).

Sobre a importância da relação saudável entre mãe-bebê para o desenvolvimento adequado do indivíduo, em que a função materna é crucial para que esse desenvolvimento possa ocorrer, Winnicott (1971a) discorre que o ser humano possui em sua constituição uma tendência inata para o amadurecimento, a integração e as relações interpessoais. Para esse autor, o processo de amadurecimento pessoal abarca três aspectos cruciais, sendo eles: a hereditariedade, o indivíduo e o ambiente, esse último compreendido inicialmente na relação mãe-filho, que pode atuar facilitando ou dificultando a realização dessa tendência. Ainda para Winnicott (1971a), um ser humano saudável é aquele que, nos estágios iniciais do desenvolvimento infantil, encontrou as condições necessárias para o amadurecimento e conseguiu caminhar para a integração. Ou seja, um estado por meio do qual se torna um indivíduo integrado, uma pessoa consciente de si mesma e da existência das outras pessoas, capaz de amadurecer e se relacionar com os outros e enfrentar as dificuldades existentes no mundo. Em contrapartida, para o autor, o adoecimento psíquico relaciona-se com a interrupção no processo de amadurecimento devido às falhas ambientais, que se equivale a falhas de uma mãe suficientemente boa. A mãe, quando suficientemente boa, é aquela que consegue se adaptar completamente às necessidades do bebê desde que ele nasce até que este seja capaz de ir se separando gradativamente dela. Nesse percurso, é importante que o bebê viva no início a ilusão de fusão com sua mãe, que produz a sensação de onipotência e da magia, guardando ao bebê o prenúncio de uma vida que poderá ser vivenciada com prazer, criatividade e espontaneidade, os princípios da saúde psíquica, para o autor.

Tendo em vista tais aspectos, objetivou-se neste trabalho compreender os encontros e desencontros no processo de indiferenciação/diferenciação entre mãe e filha a partir da análise do filme "Sonata de Outono", tendo como escopo um referencial psicanalítico.

Quando se pensa na relação mãe e filha, na Psicanálise, mais especificamente, e nos exemplos particulares de cada um, pode ter-se a visão da mãe devoradora: "um grande crocodilo em cuja boca vocês estão - a mãe é isso. Não se sabe o que lhe pode dar na telha, de estalo fechar a sua bocarra" (Lacan, 1969[1970]/1992, p. 105). Todavia, a partir do filme "Sonata de Outono" e das leituras feitas para possibilitar a análise deste, a pergunta não mais seria por que a mãe devora, por que a mãe ignora a Lei que a proíbe introjetar o fruto de seu ventre (Lacan, 1957[1958]/1999). A pergunta agora é convocada ao ser que é engolido ou que tem a possibilidade de ser devorado: qual a implicação, ou melhor, qual a responsabilidade da filha na relação com a mãe devoradora? A princípio, parece que pode haver um "deixar-se devorar", ou até mesmo um "querer ser devorada". Por que, para que e como esse processo ocorre? Ao apresentar a metáfora da "grande aranha que é prisioneira da teia que tecia" (Ribeiro, 2011, p. 10), indaga-se sobre a participação que a filha tem na construção da teia da mãe, participação essa que torna tão difícil para a menina separar-se de sua mãe.

Dessa maneira, a cena do filme em que as autoras desta pesquisa sentiram-se convidadas a produzirem um saber foi quando Eva, após sete anos sem ver a mãe faz-lhe um convite para passar um tempo em sua casa. Então, a análise do filme perpassa, principalmente, tentando entender essa reivindicação de Eva: por que Eva clama por essa mãe? Por que ela faz um convite para a mãe? Mãe essa que, ao decorrer do filme, entende-se que a fez sofrer tanto E, como desdobramento dessa pergunta inicial, tem-se outra indagação que, inclusive, ajuda a responder a primeira: por que Charlotte, a mãe, aceita o convite de ir ao encontro da filha?

 

Método

O método de trabalho desta pesquisa apoia-se no tratamento dos dados de maneira qualitativa, tendo como procedimento visual o filme Höstsonaten, intitulado no Brasil como "Sonata de Outono", lançado em 1978 sob a direção de Ingmar Bergman. A produção trata do relacionamento entre Charlotte, uma mãe pianista bem-sucedida, e sua filha Eva, emocionalmente fragilizada.

A pesquisa qualitativa com base na análise de filmes já foi muito usada e validada no meio acadêmico (Loizos, 2002; Neiva-Silva & Koller, 2002; Ratcliff, 2003). Ressalta-se que este artigo analisa o filme citado pelo viés da Psicanálise, o que enquadra esta pesquisa num enfoque de uma Psicanálise aplicada (Froemming, 2002). A análise fílmica enquadra-se como uma estratégia de observação não participante, indireta, na qual o observador, em tese, não influencia o ocorrido do fenômeno (Flick, 2004), tornando a análise menos tendenciosa (Cooper & Schindler, 2003; Leite, Nishimura & Leite, 2010). Sobre a utilização da análise fílmica, Freitas Leite et al. (2015) e Araújo, (2015) consideram o cinema uma arte que proporciona ao indivíduo a percepção do todo acompanhado de elementos temporal, visual e sonoro. Segundo Denzin (1989), os filmes são textos visuais que, ao serem transcritos, podem ser analisados como tal, afirmando, então, a validade da análise de um filme para produção de materiais científicos, por exemplo.

Os dados dessa pesquisa foram, então, coletados por meio da observação indireta e não participante, com registros de falas das personagens. Duas pesquisadoras assistiram ao filme, separadas e sem interrupções, discutindo-o posteriormente. O critério de escolha do filme deu-se pelo valor de articulação deste com alguns aspectos da temática da relação mãe-filha, a partir de uma leitura psicanalítica do filme. Por mais que o filme não tenha um roteiro baseado em uma história real, entende-se que este retrata uma das facetas possíveis em um relacionamento entre mãe e filha.

Para análise dos dados, fez-se um levantamento bibliográfico, por meio das seguintes palavras-chave: feminilidade, mulher, feminino, relação mãe e filha, maternidade e transmissão geracional/psíquica. Além disso, a discussão alicerçou-se no trabalho de Ribeiro (2003, 2004, 2010, 2011), com ênfase na obra "De Mãe em Filha - a Transmissão da Feminilidade" (Ribeiro, 2011).

 

Análise e discussão teórica sobre o filme

Como dito, o filme analisado foi Höstsonaten, intitulado no Brasil como "Sonata de Outono", lançado em 1978 sob a direção de Ingmar Bergman. Após ter sido uma mãe ausente por anos, Charlotte (Ingrid Bergman), uma renomada pianista, vai até a casa de sua filha Eva (Liv Ullmann) para lhe fazer uma visita. Ela se surpreende ao encontrar sua outra filha, Helena (Lena Nyman), que tem problemas mentais. Eva tirou Helena da instituição que Charlotte a havia internado para cuidar dela em casa. A tensão entre mãe e filha começa a crescer devagar até elas colocarem tudo em panos limpos, dizendo tudo que sempre gostariam de dizer.

Inicia-se a reflexão relativa às perguntas deste trabalho, propondo-se pensar sobre a precária relação de Charlotte com Eva. O filme mostra como Eva foi negligenciada por Charlotte, como se o crocodilo se recusasse a abrir a boca para acalentar seu filhote, mostrando-se uma mãe totalmente narcisista, que usa o trabalho para sustentar um eu frágil. As autoras deste trabalho entendem que seja importante ressaltar que Charlotte não foi negligente no sentido "proposital", por "maldade".

A rejeição de Charlotte em relação a Eva e a conturbada relação entre elas pode ser observada na fala de Eva: "Na realidade, você detesta Helena e eu. Eu a amava, mas você me achava repulsiva, burra e fracassada. Você conseguiu me ferir para o resto da vida, assim como você está ferida" (Helena é filha de Charlotte. Ela foi acometida por uma paralisia e agora mora com a irmã Eva. Charlotte quase não vê Helena, e pelo o que o filme deixa mostrar, a relação delas também se dá de maneira conturbada). Assim, a precarização desse primeiro vínculo entre mãe e filha pode ser uma resposta para o enlaçamento tão forte entre as duas, pois "quanto mais precário ou insatisfatório, mais ardentemente desejado é o encontro com a mãe" (Ribeiro, 2011, p. 121).

Tão desejado esse encontro que após um hiato de sete anos as duas - as duas, pois uma convoca (Eva) e a outra faz suplência ao chamado (Charlotte) - ainda precisam "acertar as contas". Ao mesmo tempo em que mãe e filha desejam se encontrar, elas sabem, em algum grau, embora tenham a esperança do oposto, que esse encontro desemboca no fracasso, pois é a tentativa de reviver algo que na verdade nunca foi vivido. Sobre esse "algo que nunca foi vivido", Ribeiro (2011, p. 121) conceitua o termo nostalgia como "algo que não aconteceu no passado, não acontece no presente, porém é sempre desejado".

Nesse encontro, a conversa entre elas é carregada de emoção e sentimentos ambivalentes, como exemplificado no diálogo em que Eva compara como se sentia em relação à sua mãe no passado e no presente: "Quando eu era criança, eu a admirava demais. Depois, eu me cansei de você e de seus pianos. Agora, eu a admiro de novo, mas de outra forma". Como resposta, Charlotte, questiona: "Ainda resta uma esperança?" e Eva, então demonstrando uma ponta de esperança, responde: "Creio que sim".

O encontro, que concretamente era a vinda de Charlotte à casa de Eva, simbolicamente faz referência ao momento de ilusão, como posto por Winnicott (1971b). É nesse momento que se pode falar sobre os desdobramentos do processo de indiferenciação. No estágio da dependência absoluta, o bebê precisa experienciar uma relação com o objeto primário que lhe dê uma confiança para caminhar rumo à integração e à separação eu/não-eu (Galván, 2012). É importante que nesse momento mãe e bebê possam viver juntos essa experiência para que ele sinta que vale a pena investir no mundo que lhe está sendo apresentado. "O papel do ambiente no momento de dependência absoluta é a adaptação sensível e total às necessidades do bebê. Ao fazer essa adaptação, a mãe suficientemente boa permite que o bebê viva a ilusão de onipotência" (Galván, 2012, p. 45).

A ilusão de onipotência se faz necessária no desenvolvimento emocional do bebê porque é nessa fase que se prepara terreno para a introdução da realidade externa. Essa ilusão só ocorre de maneira satisfatória caso a mãe esteja identificada com o seu bebê permanentemente a fim de trazer a ele o mundo de uma maneira que lhe será compreensível e menos traumática possível, adequando-se às necessidades do bebê (Winnicott, 1971b). Esse é um dos tipos mais primitivos de relacionamento mãe-bebê, uma fase que aponta para uma indiferenciação.

A personagem Eva parece não ter vivido com satisfação essa primeira fase, que seria a fase de total identificação com a mãe, favorecendo uma indiferenciação necessária, que propicia a ilusão onipotência, necessário, segundo Winnicott (1971b), para o posterior processo de diferenciação saudável. Por isso Eva clama tanto pela mãe, não pela mãe real, mas pela mãe que lhe faltou. Mãe que, ao dar para o trabalho um status fálico, esquece de dar lugar à filha, fazendo com que Eva fique, a vida inteira, tentando entender qual posição ocupa em relação ao desejo da mãe. A confusão de Eva quanto ao lugar que ocupa em relação à sua mãe fica evidente na fala que Eva dirige a Charlotte:

eu era uma boneca que você brincava quando tinha tempo, se eu adoecia ou era malcriada, você me passava para a babá [...]. Eu não me atrevia a dizer "não" para não a aborrecer, mas uma coisa eu entendia: você jamais me amaria ou me aceitaria como eu era. Você era obcecada, meu medo aumentava e eu me anulava. Eu falava o que você mandava e imitava o seu jeito. Eu não me atrevia a ser eu mesma nem quando estava sozinha porque eu detestava tudo que era meu.

Esse trecho evidencia o que Winnicott (1971d) propõe quanto à construção de um falso-self. O ser humano somente poderá ser criativo e sentir-se real a partir do desenvolvimento de um verdadeiro self, que exige do ambiente a aceitação incondicional daquilo que a criança apresenta. Do contrário, ela sente a necessidade de se submeter ao que lhe é exigido, e no lugar do verdadeiro self, temos o nascimento de um falso-self.

Além disso, há um jogo muito grande de projeções e expectativas diante de uma gravidez (Mannoni, 1981), expectativas essas que estão fadados ao fracasso. Uma mãe sempre espera algo de seu filho, principalmente de sua filha, algo que jamais será encontrado ali (Ribeiro, 2011), consequenciando, assim, a decepção, a frustração. As reedições e as tentativas de elaboração dos conflitos entre mãe e filha se dão por toda a vida dessas mulheres: em cada fase do desenvolvimento de uma filha, ela tem que lidar com a correspondência que sua mãe lhe deposita das sensações que ela (mãe) viveu nesse mesmo período. A relação entre mãe e filha traz como especificidade o fato de que se trata de uma relação entre iguais, o que pode levar à facilitação do fenômeno da ilusão simbiótica, na qual há um fracasso no momento em que deve haver a separação entre elas (André, 2003). Ao mesmo tempo em que parece tão ameaçador - e é -, essa relação tão fusional, ela se faz de extrema importância como um pré-requisito de uma diferenciação posterior saudável, como apontou Winnicott (1971b), a fim de proporcionar uma feminilidade mais adequada à menina e elaborações mais efetivas por parte dessa mãe (Ribeiro, 2011).

A Psicologia infantil, no geral, e especificamente a Psicanálise infantil, entendem o quão importante é o vínculo mãe-bebê e quanto o bebê está totalmente dependente dessa mãe. Com Winnicott (1971b), pode-se problematizar essa dependência, esse vínculo, o quanto ele deve estar estabelecido de uma maneira que se possa falar de uma "mãe suficientemente boa" - aquela que se adapta ativamente às necessidades da sua criança - e de um bebê que consiga plenamente, sentir-se integrado.

Uma boa adaptação da mãe para com o seu bebê proporcionará à criança ilusão de onipotência, como já posto, a partir de uma identificação consciente da mãe com o bebê, mas também uma identificação extremamente inconsciente, "mais poderosa" (Winnicott, 1971b). Essa ligação inconsciente se dá por meio do que o autor chamou de "Preocupação Materna Primária", estado esse em que a mãe está totalmente voltada ao seu bebê, é um conceito winnicottiano e se refere ao estado psicológico da mãe, no qual sua sensibilidade em relação ao filho torna-se exacerbada (Esteves, Anton & Piccinini, 2011).

A implicação dessa fase, como aponta Winnicott (1971b), é que algumas mães ou não têm condições psíquicas para se disponibilizarem aos seus bebês, ou elas se configuram em uma entrega tão grande ao filho que chega um a ponto no qual não conseguem se desligar, prejudicando, assim, o desenvolvimento de uma criança independente, autônoma, criativa e saudável.

Pensando nesse processo de entrega da mãe ao seu bebê e posteriormente uma necessária separação gradual nesse tipo de relação, entende-se que para a mãe e sua filha, do mesmo sexo, o processo se dá de maneira mais complicada. Segundo Ribeiro (2011, pp. 85-86), "a dupla mãe-bebê do sexo feminino funda e inaugura a vida psíquica a partir da semelhança, isto é, de uma relação homo, entre iguais", e entendendo a semelhança, há uma dificuldade de diferenciar-se. É um encontro com o mesmo que precisa encontrar alguma forma de não ser mais o mesmo, sendo que no princípio precisava ser o mesmo. É o que diz André (2003) quando postula o "império do mesmo".

O processo se faz mais difícil ainda quando se pensa a organização dessa mãe e o quanto estão bem elaboradas as questões dela com a sua própria mãe (Mannoni, 1981). No filme, fica explícita como a organização psíquica de Charlotte (mãe) também foi fragilmente estruturada, como se observa na fala que dirige a Eva: "Eu me lembro de muito pouco da minha infância. Não me lembro de meus pais tocando em mim, fosse fazendo carinho ou me castigando. Eu não sabia nada das coisas ligadas ao amor, carinho, contato, intimidade, calor. Estou morta de medo. Eu jamais amadureci".

Quando, em meio a esse processo, fala-se de uma dificuldade patológica de descolar mãe e filha, fala-se, então, de um risco de instaurar-se o fenômeno do duplo (Freud, 1919[1996]), ou, para Halberstadt-Freud (2001, p. 145), uma "ilusão simbiótica, que seria um fracasso total da separação mãe e filha". O paradoxo da relação de encontros e desencontros entre mães e filhas é que essas filhas precisam de suas mães para diferenciar-se, posteriormente, delas. Esse precisar da mãe, esse quase se fundir à mãe, é perigoso, pois se pode cair nessa ilusão simbiótica e também faz com que a criança esteja bem mais exposta às demandas da mãe, ao desejo materno, desejo esse que pode trazer à tona muitas insatisfações narcísicas dessa mãe. Tem-se, então, um segundo risco dos processos de indiferenciação e diferenciação: a Cilada Narcísica (Bidaud, 1998). Faz-se, então, com que a filha seja um receptáculo de idealizações a fim de ser a protagonista de uma vida que a mãe sonhara para ela própria - a filha como um duplo de si mesmo, o que acarreta numa dificuldade de diferenciação filha-mãe, em decorrência das projeções da última fazendo com que a filha se sinta responsável em dar sustento a essa mãe (Ribeiro, 2011). Sobre essa exposição da filha à demanda da mãe, a fala de Eva exemplifica o exposto anteriormente:

Eu tinha 14 anos e você dirigia toda sua energia reprimida contra mim. [...] Eu tentei me defender, mas não tive chance. Aí você vomitou suas opiniões com uma voz preocupada. Nenhum detalhe escapava de sua afetuosa energia. Eu andava curvada, você dizia "Você precisa corrigir com ginástica". Você achava que meu cabelo era comprido demais e mandou cortar curtinho. Ficou horrível. Aí você cismou que meus dentes eram tortos e eu pus aparelho. Eu fiquei medonha. Você falou que eu não podia mais usar calças e mandou fazer vestidos sem perguntar minha opinião.

Como consequência essa filha pode, em algum grau e de certa maneira, "rebelar-se". E então falamos das relações de ódio entre mãe e filha. Klein (1963/1991) dedicou-se a estudar esse tipo de vínculo e constata que muito provavelmente uma relação entre mãe e filha pautada no ódio remete à fantasia da filha em sentir-se não amada suficientemente por essa mãe. Tendo em vista que amor e ódio são dois lados da mesma moeda, Godfrind (1994) teoriza que o ódio nessa relação pode apontar um contrainvestimento: a filha entende que é tão dependente emocionalmente da mãe que precisa se proteger caso esse objeto vá embora ou não seja bom o bastante, pois isso seria muito desestruturante, assim, ataca o objeto em forma de hostilidade.

O ódio na relação entre elas, seja por uma vertente de contrainvestimento ou por fantasia de não ser amada, é uma forma de escancarar a impossibilidade de diferenciar-se dessa mãe, como se estivessem ligadas pelo ódio. A dependência e a ambivalência emocional de Eva em relação à sua mãe ficam evidenciadas na passagem que ela dirige à Charlotte:

Eu a amava, mamãe, era uma questão de vida ou morte. Mas eu não confiava em suas palavras. Elas não expressavam o que seus olhos diziam. Você tem uma voz linda. Quando eu era criança eu a sentia no meu corpo todo. Mas eu sentia que não falava de coração. Eu não conseguia entender suas palavras. [...] Eu não percebia que a odiava, pois achava que nos amávamos. Eu não podia odiá-la, e meu ódio se tornou um medo insano.

Geralmente, relações pautadas nesses moldes apontam para uma falha no objeto mãe, que foi faltoso em alguma instância: "não é possível, ou torna-se mais difícil, separar-se de uma mãe com quem realmente (e prazerosamente) não estivemos juntos" (Ribeiro, 2011, p. 54).

A singularidade dessa relação entre iguais aponta ainda para o risco que se corre se a mãe, tomada por uma nostalgia em relação ao encontro com a sua própria mãe, escolher reeditar essa cena com a sua filha (Godfrind, 1990), enlaçando, assim, um caso que falha nos processos de indiferenciação e diferenciação mãe-filha. Acarretam-se complicações psíquicas para essas duas mulheres, como a relação delas com um terceiro masculino. Nesse sentido, Ribeiro (2011) entende que o encontro com a mãe ser vivido de forma "suficientemente boa" é requisito para um relacionamento adequado com um homem, posteriormente.

Entendendo que houve uma falha, houve algo que não se deu satisfatoriamente, em algum ponto da relação entre Charlotte e Eva, a filha tenta voltar, de alguma maneira, ao ponto dessa falha para que, assim, possa elaborar o que foi impedido de ser simbolizado, podendo seguir com o seu desenvolvimento psíquico. Por isso que se interpreta o convite de Eva a Charlotte para ficar em sua casa como uma tentativa de reencontro no ponto da falha, uma tentativa de elaboração. Percebe-se que esse movimento ensaiado por Eva é muito semelhante ao processo de regressão no setting analítico, postulado por Winnicott (1971c) e comentado por Galván (2012, p. 45) como um curso em busca da cura.

A regressão nesse contexto [...] indica um retorno a uma condição anterior ao congelamento da situação da falha, na qual é essencial a adaptação do ambiente às necessidades do indivíduo como uma nova oportunidade deste encontrar a provisão ambiental adequada e, assim, descongelar a situação da falha. Trata-se, aqui, de regressão à dependência.

Ressalta-se aqui a diferença do conceito de regressão para Winnicott e para Freud. O primeiro interpreta como algo necessário em prol de um desenvolvimento saudável, enquanto o segundo postula regressão em um caráter mais patológico. A regressão, nesses moldes do setting foi tentada por Eva, todavia a diferença é que Charlotte, ao "voltar" com Eva no ponto da falha, não lhe ofereceu um ambiente que propiciasse a adaptação de Eva, e assim o descongelamento da situação da falha - o que, provavelmente, teria acontecido caso Eva regredisse em análise, por exemplo.

Finalizando, o que se pode entender, com referência aos objetivos deste trabalho, é que Eva reivindica a mãe em uma tentativa de reeditar seus conflitos com ela para que possa elaborá-los de maneira satisfatória e poder ter um desenvolvimento mais saudável. Especula-se, por exemplo, que a relação de Eva com seu marido seria diferente caso seu conflito com Charlotte fosse elaborado, pois, pelo o que se pode ver no filme, seu marido tenta fazer uma função materna: tem uma postura resignada, acolhedora, não se importando com os ataques que Eva faz a ele ou mesmo quando ela diz que não o ama.

Dessa maneira, conclui-se que houve falhas no processo de indiferenciação e no de diferenciação, nesse caso, pois, para se dar de maneira suficientemente boa esses processos, eles precisam ocorrer na presença, e não na ausência da mãe, e ainda que esta seja "suficientemente boa".

Para finalizar, Eva, no fim do filme, faz uma explanação que traduz muito o que a Psicanálise entende da relação mãe e filha.

mãe e filha, que mistura terrível mistura de sentimentos, confusão e destruição. Tudo é possível e tudo se faz por amor e por preocupação. As cicatrizes da mãe são passadas para a filha. As falhas da mãe são pagas pela filha. A infelicidade da mãe é a infelicidade da filha. Parece que o cordão umbilical nunca foi cortado. É isso? Será que a infelicidade da filha é o triunfo da mãe? Mamãe, será que a minha tristeza é a sua satisfação secreta?

 

Considerações finais

Ao longo deste trabalho, foi possível observar o quanto a relação mãe-bebê é complexa, envolvendo o processo de indiferenciação/diferenciação, importante para o desenvolvimento posterior. As consequências de tal processo estão em operações que são constitutivas a todo humano. Contudo, percebe-se que a questão é ainda mais complexa e marcada por singularidades quando a criança é do sexo feminino, em que os desdobramentos dependem dessa relação entre semelhantes e a presença da mãe é necessária para que a filha possa diferenciar-se dela, dificultando para a menina a construção de sua identidade separada da mãe e podendo torná-la mais suscetível às demandas da mãe. Dessa forma, tem-se uma relação ambivalente que deixa uma marca nos próximos relacionamentos que possam vir a acontecer.

O filme "Sonata de Outono" nos ajuda a pensar o quanto a filha (Eva) em sua busca por sustentação psíquica para organizar sua vida demanda respostas da figura materna (Charlotte), que se assemelha a ela. Mas, apesar de supor que a mãe tem as respostas para seus questionamentos, ambas estão diante dos mesmos impasses, pois a mãe, por ter tido uma fragilizada constituição egoica, que tende mais para uma organização narcísica, também está inserida a essa lógica psíquica.

Entende-se que estudos como este podem contribuir para a compreensão e ilustração de processos psíquicos apresentados pela teoria psicanalítica, ampliando a aplicabilidade de seus conceitos. Quanto aos estudos futuros, pensa-se ser pertinente a investigação do papel do masculino, do terceiro, do outro, na relação entre mãe e filha.

 

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