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Analytica: Revista de Psicanálise

versão On-line ISSN 2316-5197

Analytica vol.7 no.12 São João del Rei jan./jun. 2018

 

ARTIGOS

 

"Destruirás teu próximo como a ti mesmo": o fundamentalísimo islâmico e a prática religiosa do homem-bomba

 

 

Rosana Coelho

Psicanalista. Doutora em Psicanálise - Clínica e Pesquisa/Uerj. Professora em cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia

 

 


RESUMO

O presente artigo aborda o fundamentalismo religioso em sua dimensão discursiva. Tece considerações sobre o fundamentalismo islâmico e percorre os registros Simbólico, Imaginário e Real do corpo, articulando corpo e discurso para abordar a prática religiosa do homem-bomba. Aponta, por fim, os efeitos éticos e políticos dessa prática no campo do sujeito.

Palavras-chave: Fundamentalismo. Corpo. Ética. Política. Psicanálise.


ABSTRACT

This article approaches religious fundamentalism in its discursive dimension. It takes stock of Islamic fundamentalism and investigates the records Symbolic, Imaginary and Real of the body, articulating body and discourse to approach the religious practice of the suicide bomber. It points, finally, to the ethical and political effects of this practice in the field of the subject.

Keywords: Fundamentalism. Body. Ethics. Politics. Psychoanalysis.


 

RÉSUMÉ

Cet article aborde le fondamentalisme religieux dans sa dimension discursive. Il fait le point sur le fondamentalisme islamique et parcourt les registres Symbolique, Imaginaire et Réel du corps, articulant le corps et le discours pour aborder la pratique religieuse du kamikaze. Il signale, enfin, les effets éthiques et politiques de cette pratique dans le domaine du sujet.

Mots-clés: Fondamentalisme. Corps. Éthique. Politique. Psychanalyse.


RESUMEN

El presente artículo aborda el fundamentalismo religioso en su dimensión discursiva. Tece consideraciones sobre el fundamentalismo islámico y recorre los registros Simbólico, Imaginario y Real del cuerpo, articulando cuerpo y discurso para abordar la práctica religiosa del hombre-bomba. Por último, apunta los efectos éticos y políticos de esta práctica en el campo del sujeto.

Palabras clave: Fundamentalismo. Cuerpo. Ética. Politica. Psicoanalisis.


 

 

À guisa de introdução: o fundamentalismo religioso triunfará?

Se o islã não é político, não é nada.

(Aiatolá Khomeini, citado por Michel

Houellebecq em Submissão)

Em 1974, Lacan proferiu uma conferência intitulada O triunfo da religião e nela vaticinou que a religião triunfaria, não só sobre a ciência, mas também sobre a psicanálise (Lacan, 1974/ 2005). A julgarmos pela crescente intrusão do poder religioso na cultura e o recrudescimento de movimentos fundamentalistas, não é sem pertinência evocarmos o dito de Lacan com a interrogação que inicia este artigo.

O surgimento do fundamentalismo religioso remonta à década de 1970, como revela a detalhada pesquisa feita pela historiadora das religiões Karen Armstrong (2001) no livro Em nome de Deus - o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo. Nela vemos que os movimentos fundamentalistas, presentes nas três religiões monoteístas, guardam semelhanças na forma como reagiram aos efeitos da modernidade, ao destronamento da religião pela ciência, e ao papel subalterno que a elas foi conferido em termos de poder político (Armstrong, 2001). Na opinião da autora, esses movimentos têm como objetivo recuperar a identidade religiosa perdida com a modernidade. Em resposta a isso, criam uma "contracultura", formam nichos de resistência aos baluartes da ciência e do capitalismo. Mas, por outro lado, Armstrong também revela, com riqueza de dados históricos, que esse movimento reativo não foi uniforme e tão pouco homogêneo: houve "rachas" nos grupos encabeçados por líderes religiosos que se identificavam com aspectos do secularismo e propunham a incorporação dos dogmas científicos e das benesses do capitalismo aos dogmas religiosos (Armstrong, 2001).

No que toca ao islamismo, a autora afirma que, não obstante a experiência de uma modernidade que custou a instalar-se de forma mais decisiva e intensa para "desequilibrar" os poderes da religião, nas duas décadas seguintes à década de 1970 houve uma verdadeira revolução cultural e religiosa. Os muçulmanos

chegaram a muitas ideias e valores semelhantes a nossas noções modernas. Descobriram a sabedoria da separação entre religião e política, desenvolveram a concepção da liberdade intelectual do indivíduo e perceberam a necessidade de cultivar o pensamento racional. A paixão por justiça e equidade, presente no Alcorão, é igualmente sagrada no moderno etos ocidental. (Armstrong, 2001, p. 178)

Segundo Armstrong, ao terminar o século XIX, ilustres pensadores muçulmanos estavam encantados com o Ocidente, entendiam que possuíam valores comuns com os europeus, embora reconhecessem que estes tinham construído uma sociedade muito mais eficiente, dinâmica e criativa, a qual desejavam erguer em seus países. Intelectuais, políticos e escritores influentes de procedência iraniana disseminaram a ideia de que a fé convencional refreava o progresso. A verdadeira religião, acreditavam, significava esclarecimento racional e direitos iguais, "edifícios altos, inventos industriais, fábricas, expansão dos meios de comunicação, promoção do conhecimento, bem-estar geral, implementação de leis justas" (Armstrong, 2001, p. 179). Embora as aspirações desses reformadores destoassem das reais possibilidades socioeconómicas vigentes em seus países, eles viam as modernas instituições ocidentais como potentes máquinas, símbolos de progresso, ciência e poder. Acreditavam que "se os iranianos possuíssem um código de leis secular e ocidental (em lugar da Sharia)1 ou uma educação europeia, também seriam modernos e progressistas" (Armstrong, 2001, p. 180).

Com efeito, a parceria da religião com a ciência é notória. Slavoj Zizek (2010) observa que os hackers digitais mais apaixonados estão entre os fundamentalistas religiosos, sempre inclinados a combinar a sua religião com as últimas descobertas da ciência. Uma vez que religião e ciência possuem uma irmandade no que diz respeito à natureza positivista de seus discursos, é possível testemunharmos que muitas injunções do Alcorão buscam corroborar seus dogmas escorando-se nos dogmas científicos. Um exemplo é a sustentação das consequências supostamente nefastas da proibição do incesto, tendo por respaldo os achados científicos de que crianças defeituosas nascem de relações incestuosas. E o autor ainda lembra, com pertinência, que é comum a ocorrência do termo "ciência" no próprio nome de algumas das seitas fundamentalistas - por exemplo, Ciência Cristã, Cientologia -, o que "não é apenas uma piada obscena, mas indica essa redução da crença ao conhecimento positivo" (Zizek, 2010, p. 143). Também é digno de nota que a inspiração nos ideais sociais da Revolução Francesa, cuja verve iluminista abriu as portas para o capitalismo liberal, está textualmente presente no capítulo II do Código de vida para os muçulmanos, no qual se lê que

Uma sociedade só poderá ser respeitada e honrada, se possuir as virtudes da organização, disciplina, afeição mútua e altruísmo, e se tiver estabelecido uma ordem social assente na justiça, liberdade e igualdade dos homens. Ao contrário, a desorganização, indisciplina, anarquia, desunião, injustiça e desequilibro social foram, desde sempre, considerados como manifestações de decadência e desintegração duma sociedade.2

Assim, em nível de política, penso que a concomitância entre a identificação com os dogmas da ciência e do capitalismo, e a luta ferrenha para recuperar o poder perdido com o destronamento da religião, permite formular a hipótese de que, para além da tentativa de resgate da identidade abalada pelo advento da modernidade, os movimentos fundamentalistas buscam recuperar o status político do qual a religião gozava outrora.

É preciso considerar, também, que a ideia de que há um "choque de civilizações" entre o Ocidente e o Oriente pode até fornecer, para alguns, certo conforto narcísico, mas ela tem contra si o fato de nublar nosso olhar para os efeitos de determinados discursos que, propagando a "guerra contra o terrorismo", também usam de certos "expedientes terroristas" e difundem uma suposta neutralidade do poder, ou, ainda, a crença de que há os "bons poderes", aqueles que nos salvam de atos extremos de atentado à vida, que seria o objetivo dos "maus poderes". E, de novo, é Zizek quem nos acompanha neste fio argumentativo quando analisa o ataque às Torres Gêmeas e aborda o terrorismo sob um prisma mais amplo e esclarecedor. Ao contestar a noção de "choque de civilizações", o autor mostra que a expressão encobre o fato de que há choques culturais no interior de cada civilização. Propondo uma ampliação do foco pelo qual pretendemos captar o fundamentalismo, e nos convidando a enxergá-lo como um movimento que não está fora da ordem socioeconômica global, mas que a ela diz respeito diretamente, Zizek problematiza:

Se o examinarmos com mais detalhe, de que trata o "choque de civilizações"? Não é verdade que todos os "choques" do mundo real estão relacionados ao capitalismo global? O alvo dos "fundamentalistas" muçulmanos não se resume ao impacto corrosivo do capitalismo global na vida social, mas também aos corruptos regimes "tradicionalistas" da Arábia Saudita, Kuwait, e outros. [...] Uma dose adequada de "reducionismo econômico" faria mais sentido nesse caso: em vez das infindas análises de como o "fundamentalísimo" islâmico é intolerante com relação às nossas sociedades liberais, e outros tópicos relativos ao "choque de civilizações", deveríamos voltar a focalizar o cenário econômico do conflito - o choque de interesses econômicos e dos interesses geopolíticos dos próprios Estados Unidos [...]. (Zizek, 2011, p. 61, grifos do autor)

Por fim, assinalemos que a trama social é tecida pelos sujeitos imersos em relações de poder, mas igualmente pelos sujeitos imersos em efeitos de significação. Como nos ensinou Foucault (1984), não há realidade política preexistente àquela forjada pelo régime du savoir que os sujeitos lançam mão para aparelhar o laço social.

Lacan, ao se aproximar da teoria da discursividade foucaultiana, mostrou que a "ordem dos discursos" pertence à dimensão simbólica, o lugar do Outro enquanto a dimensão que, para a psicanálise, o jogo político é jogado. Pensando em como o gozo circula no laço social e nas consequências políticas dessa circulação, Lacan (1969-1970/1992) articulou o campo da linguagem ao campo do gozo para criar sua teoria da discursividade e com ela nos mostrou que todo discurso tem como efeito um sujeito.

 

Sobre o discurso fundamentalista

Em O Seminário, livro 16: De um Outro a outro, Lacan ([1968-1969], 2008) repete o que já havia dito em outros momentos de seu ensino: o lugar do Outro é aquele de onde depende a possibilidade do sujeito, o lugar desde onde o sujeito se formula. Ele correlaciona a emergência do sujeito a uma pergunta original - "Deus existe?" - para afirmar que é a crença na existência do Outro que lhe dá um corpo. Se acreditamos no Outro, ele existe. Logo, a questão da existência de Deus será uma questão de fato, o que significa dizer, em termos lacanianos, uma questão de discurso (Lacan [1968-1969], 2008, p. 117). Sobre o discurso religioso, embora ele não lhe tenha forjado um matema específico, penso que, dado o seu caráter dogmático, é possível identificarmos uma homología estrutural ao discurso do Mestre, tendo em vista que em ambos há a coagulação do sentido como instrumento privilegiado pelo exercício de poder com o qual discursos de mestria operam politicamente. Como assinala Marco Antônio Coutinho Jorge (1988, p. 51), é característico a todo discurso dogmático manobrar o uso do poder pela redução da pluralidade de sentido própria à língua, como o fazem os discursos médico, jurídico e publicitário. Acrescentemos a essa série o discurso religioso para apontar que se trata de uma modalidade discursiva em que há uma "colagem" do sujeito ao discurso do Outro, bem como sua positivação com significantes pré-definidos e determinados. Impregnado pelo imaginário, é um discurso que se nutre do poder do Um, que esposa as artimanhas do sentido unívoco. Aliás, não foi sem propósito que, ao final de seu ensino, justamente na Carta de Dissolução da Escola Freudiana de Paris, Lacan ([1980/2003] p. 320) enunciou que "a estabilidade da religião provém de o sentido ser sempre religioso". Considerando essa homología estrutural, podemos propor que o discurso religioso opera como o discurso do mestre, propagando um laço no qual o sujeito é tomado como objeto do saber do Outro, o que Lacan mostra, no matema deste discurso, ao inscrever S2 (saber) no campo do outro. O sujeito ($), situado sob a barra e no lugar da verdade, lugar que impulsiona o discurso, nos diz da "ambição" do mestre em fazer supor que a diferença - ou seja, a castração - poderia vir a ser apagada, como vemos grafado no matema do Discurso do Mestre:

Logo, o que vemos denegada é a verdade como causa: o sujeito nada quer saber de sua divisão subjetiva, do seu desejo como desejo do Outro, desejo alienado aos significantes que estão no campo do Outro religioso, como escrevera Lacan (1966/1998) ao falar da denegação da verdade como causa na religião.

Com efeito, a palavra Islã significa submissão, e os Textos Sagrados deixam claro que se trata da submissão como expressão da obediência a Deus e ao modo de vida guiado pelos postulados da lei islâmica, a qual regula a relação do homem com Deus Todo-Poderoso, e com os outros que partilham dessa mesma lei, independentemente de sua raça, cor ou território, como postulam tanto o Alcorão quanto o Código de vida para os muçulmanos. Visitemos brevemente esse último. O postulado que o inicia já deixa claro como a vida pautada pelo islamismo deve ser, e reitera que o Código é o guia legislador de todas as esferas da vida dos cidadãos muçulmanos.

A principal característica da ideologia islâmica é não aceitar nem conflitos nem separações significativas entre a vida espiritual e a mundana. Assim, não se limita apenas a purificar a vida espiritual e moral do homem no sentido restrito da palavra, o seu alcance estende-se a todas as esferas da vida. A ideologia islâmica propõe uma vida individual e uma ordem social, em moldes de tal maneira saudáveis, que o Reino de Deus possa ser instaurado verdadeiramente na terra e a paz, o contentamento e o bem-estar encham o mundo, assim como as águas enchem os oceanos. O modo de vida islâmico baseia-se nesta abordagem única da vida e num conceito específico quanto ao lugar que o homem ocupa no Universo. (Um código de vida para os muçulmanos, p. 4)

Em outra passagem, vemos expressa a proibição de qualquer outro modo de vida que se afaste do que está previsto nesse texto.

Igualmente, um grupo de pessoas ou uma sociedade de verdadeiros muçulmanos nunca se afastará da Lei do seu Senhor. A sua ordem política, a organização social, a cultura, a política econômica, o sistema legal e a estratégia internacional, tudo isso deve condizer com o Código de Direção revelado por Deus e de nenhuma maneira o poderá violar". (Um código de vida para os muçulmanos, p. 5)

O Código de vida para os muçulmanos é uma espécie de reedição do Alcorão, a lei máxima da religião muçulmana. Tanto no Código como no Alcorão, vemos que a injunção à obediência aos preceitos presentes nesses textos decorre da crença de que tudo que existe, incluindo os bens materiais, são de propriedade de Deus e cedidos por ele ao usufruto dos homens. Em troca, Deus lhes reserva o Paraíso, símbolo da felicidade eterna. Assim, todo o poder e todo o saber sobre o usufruto desses bens Lhe pertence, como expresso no Alcorão (Sura 2, versículo 284): "A Deus pertence tudo que está nos céus e tudo o que está na terra. Quer manifesteis os sentimentos que estão em vós, quer os oculteis, Deus vos pedirá conta deles. E Ele perdoa quem Lhe apraz e castiga quem apraz". Digno de nota também é lermos na abertura do Alcorão (sura 2, versículo 2) a proibição a põr em dúvida o que professam suas palavras: "Este é o livro de que não se pode duvidar, um guia para os que temem o Senhor".

Penso que com esses recortes é possível observar que se trata de uma proibição que traz explícita a exigência de que, para estar ao abrigo das leis que esses textos promulgam, é obrigatório comungar da aliança entre proibição e temor (Legendre, 1983). Trata-se de textos dogmáticos, que impelem a uma leitura literal, leitura que solapa a dialetização de sentido própria à língua, texto que veicula um discurso no qual o Mestre é o Senhor do sentido, e governa segundo um modo de aparelhamento político do gozo que se dá pelo empuxo à alienação, a inflação de um imaginário em que o Outro é todo, detentor de todo saber-poder.

Observemos, por fim, que na seara religiosa, uma das expressões mais significativas dessa alienação encontra-se nos rituais sacrificiais, tão característicos das religiões monoteístas. Contudo, se no judaísmo há a imolação de um cordeiro, oferecido a Deus, em lugar do pecador para o perdão e expiação de sua culpa; e no cristianismo Jesus passa a ser o "cordeiro de Deus" que suporta todo o peso do pecado dos homens, e protagoniza sua morte na cruz; no sacrifício ao qual se devota o homem-bomba é seu próprio corpo o objeto do sacrifício. Ou seja, no monoteísmo islâmico o ritual sacrificial não se contenta em ter como totem um animal nem com a representação do mestre na imagem de Jesus: requer o sacrifício "na carne", sacrifício de alto impacto político, pois ao optar por despedaçar o seu corpo, o homem-bomba carreia consigo, compulsoriamente, o corpo do outro que com ele compartilha a cena pública.

 

Corpo-discurso, corp(o)ferenda

Uma das mais notáveis contribuições de Freud para a compreensão do psiquismo decorreu, sem dúvida, de sua coragem em abandonar a noção de corpo como organismo, noção tão cara à medicina de sua época, e que ainda perdura na nossa, diga-se de passagem. Quebrando paradigmas epistemológicos sobre o que quer e o que pode um corpo, Freud ouviu os sintomas histéricos e o que eles lhe diziam sobre o corpo erógeno, representacional e pulsional (Freud & Breuer, 1893-1895/1976; Freud, 1893/1976).

Lacan considerou as concepções freudianas sobre o corpo, mas avançou enormemente ao inscrever o corpo nos três registros da experiência do falasser: o Real, o Simbólico e o Imaginário. Comecemos lembrando a noção de corpo na dimensão do Imaginário. Concebido nessa dimensão, o corpo "brota" da experiência do estádio do espelho e ganha uma consistência imaginária (Lacan, 1949/1998). Aqui, o corpo é percebido como uno e completo e encena uma experiência jubilatória na qual o Ego emerge como "instância de engano" (Lacan, 1949/1998). Cenário que serve de matriz para a relação do Eu com o outro, é também o momento quando a palavra do Outro vem dar um primeiro suporte à imagem, palavra que tanto pode vir ratificar a imagem perfeita quanto frustrar a percepção de completude.

Na dimensão do Real, temos o corpo articulado ao gozo, às pulsões que "são, no corpo, o eco do fato de que há um dizer" (Lacan, 1975-1976/2007, p. 18). A dimensão Real do corpo também nos revela o gozo do sintoma, uma vez que esse é "um evento corporal", como disse Lacan (1979/2003) no texto "Joyce, o sintoma". Com efeito, não há gozo, se não do e com o corpo.

[... ] Gozar é gozar de um corpo. Gozar é beijá-lo, é enlaçá-lo, é fazê-lo em pedaços. Em direito, ter o gozo de algo é justamente isso, poder tratar algo como um corpo, quer dizer, demoli-lo, não é? É o modo de gozo mais regular, é por isso que esses enunciados têm sempre uma ressonância sadiana. (Lacan, 1971-1972/2003, pp. 27-28)

O corpo no registro do Real nos interessa particularmente, por isso será trabalhado mais detidamente quando o articularmos ao registro do Simbólico, o que permitirá desdobrarmos questões éticas e políticas.

Abordemos agora o corpo do Simbólico, o qual, como dito, está presente desde o nascimento do corpo em sua constituição imaginária, na presença da palavra do Outro como sustentação da imagem do sujeito no espelho (Lacan, 1949/1998). Em um escrito de 1967 - Da psicanálise em suas relações com a realidade -, Lacan (1967/2003, p. 357)) nos diz que "Como 'mais além' em sua relação com o gozo e com o saber, o corpo faz leito para o advento do Outro pela operação do significante". É a articulação entre corpo e significante que nos permite compreender a relação do sujeito com o saber que se decanta da palavra do Outro. Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano, texto de 1960, traz as principais premissas sobre o sujeito do inconsciente, e nele Lacan (1960/1998, p. 808) escreve que "o sujeito se situa por uma relação ao saber", fórmula que ele vai desdobrar em O Seminário, livro 17: O avesso da psicanálise, no qual constrói sua teoria da discursividade. Nesse seminário, Lacan (1969-1970/1992) aborda o saber como saber inconsciente - o "saber que não se sabe" -, mas também como saber que tem pretensão de verdade, referindo-se ao saber da ciência e da filosofia. Lembremos ainda que esse seminário é fruto de um longo percurso, no qual o Outro aparece em sua inconsistência, sem que, com isso, deixe de ter um corpo (Lacan, 1969-1970/1992).

Em Radiofonía (Lacan, 1970/2003), escrito contemporâneo ao seminário supracitado, Lacan afina a articulação entre corpo e discurso. Acompanhemos suas palavras:

Volto ao corpo do simbólico, que convém entender como nenhuma metáfora. Prova disso é que nada senão ele isola o corpo, a ser tomado no sentido ingênuo, isto é, aquele sobre o qual o ser que nele se apoia não sabe que é a linguagem que lho confere, a tal ponto que ele não existiria, se não pudesse falar. [... ] Façamos justiça aos estoicos, por terem sabido, com esse termo - o incorpóreo -, assinalar de que modo o simbólico tem a ver com o corpo... Mas é incorporada que a estrutura faz o afeto, nem mais nem menos, afeto a ser tomado apenas a partir do que se articula do ser, só tendo ali ser de fato, por se dito de algum lugar. (Lacan, 1970/2003, p. 406)

Ora, destacamos a dimensão simbólica do corpo para compreender que o corpo em psicanálise é um corpo habitado pela fala. Lacan (1970/2003, p. 406) chega mesmo a dizer que "é secundário que ele [o corpo] esteja vivo ou morto", pois a morte só retira do corpo a capacidade de ele ser a sede do gozo, mas não aquilo que o corpsifica pela linguagem, ou seja, "mesmo morto, resta um corpo, um corpo de falasser" (Askofaré, 2010, p. 88), que não se identifica nem se reduz ao corpo vivo.

Em seu vigésimo seminário, Mais, ainda, Lacan articula corpo, gozo e significante, e afirma que o discurso tem o corpo como suporte para o gozo. Afirma, igualmente, que esse gozo não é de um corpo, mas se "propaga" de corpo a corpo, o que certamente implica a categoria de discurso. Vejamos o que o ele diz:

Foi mesmo que Freud fez surgir, fez surgir isso que o que se produzia no âmbito do suporte tinha a ver com o que se articulava do discurso. O suporte é o corpo. É o corpo, e é preciso prestar atenção quando se diz que é o corpo. Não é forçosamente um corpo. Porque a partir do momento em que se parte do gozo, isso quer dizer exatamente que o corpo não está sozinho, que há um outro. [...] É próprio do gozo, quando há dois corpos, e muito mais quando há ainda mais, naturalmente, não se sabe, não se pode dizer qual gozo. É isto que faz com que possa haver, neste negócio, vários corpos envolvidos, e mesmo série de corpos. (Lacan, [1971-1972], 2003, p. 167, grifo do autor)

Com esses aportes teóricos, Lacan nos mostra um corpo tecido por palavras que buscam incessantemente responder ao irrespondível que o movimento pulsional não cessa de evocar. Por esse movimento o sujeito tenta inscrever-se, mas ao fazê-lo se depara com o enigma do desejo Outro, de modo que toda tentativa de inscrição está fadada ao fracasso, deixando sempre, em seu rastro, algo de uma perda. Lacan (1962-1963/2005)) deu a essa perda o nome de objeto a e conferiu a ela a função de causa do desejo. Mas, para que o objeto opere nessa função, é preciso que o mestre seja castrado. De fato, ele o é, mas o sujeito do discurso fundamentalista parece que disso nada quer saber, optando por alienar seu desejo a esse Outro-todo. Sobre o homem-bomba, podemos forjar a hipótese de que ele ousa alienar mais que seu desejo, ele aliena o seu corpo reduzido à palavra do Outro Absoluto, corp(o)ferenda ao Outro do fundamentalismo religioso para que este continue ocupando o lugar de senhor do gozo. No terrorismo, nome comum dado à prática do homem-bomba, o corpo como objeto não é metaforizado, não é colocado como mais um na série de objetos que poderiam servir de moeda de troca na relação dialética com o desejo do Outro. No terrorismo, o corpo-discurso é a moeda de gozo do Outro.

 

Submissão <> transgressão

Estudos psicanalíticos que versam sobre o fundamentalismo religioso e sobre a prática do homem-bomba são escassos. Encontramos em Homem-bomba. O sacrifício das pulsões (Asnis, 2013), um estudo qualitativo que poderia ser deveras interessante, não fosse o autor conceber o ato de explosão do próprio corpo como a expressão do desejo de suicidar-se. Isso porque, caminhando pelas vias de uma psicanálise ortodoxa e fortemente matizada por um viés biológico, o autor conclui que há na mente do homem-bomba uma predisposição mental a sucumbir à pulsão de morte (Asnis, 2013). Penso que a démarche teórica assumida por Asnis encobre a faceta política do fundamentalismo islâmico ao elevar a adesão à prática do homem-bomba a uma vulnerabilidade de ordem estritamente psíquica. O curioso é que, mesmo restringindo suas conclusões à temática do suicídio e ancorando suas elaborações em uma noção mentalista da pulsão de morte, ele traz citações de autores que destacam as variáveis socioculturais e políticas que concorrem para a adesão de adeptos do islamismo aos preceitos fundamentalistas. Assim, percorrendo o livro de Asnis, ficamos sabendo que a escolha do homem-bomba obedece a critérios rigorosos: o candidato deve ser emocionalmente influenciável, de família economicamente desfavorecida, desempregado, não ter relacionamentos amorosos e ter assiduidade intensa nas rezas. No recrutamento, é garantido ao candidato a concessão de benefícios materiais a sua família, o que leva o recrutado a sentir-se honrado ao ser escolhido (Stern, 2004, citado por Anis, 2013). O autor também menciona o trabalho desenvolvido por Nasra Hassam (2001) em um campo de Gaza. Indo ao encontro do artigo de Hassam, ficamos sabendo que a autora entrevistou homens com idades entre 18 e 38 anos, selecionados para ataques suicidas e que claramente expressavam a honra sentida por terem sido escolhidos para esse tipo de causa e também por poderem ir direto para o Paraíso (Hassam, 2001, p. 95). Essas informações nos levam a uma pergunta singela, mas que merece ser feita: o que ganha o homem-bomba com isso? Na vida terrena, é óbvio, não ganha nada. Contudo, encontramos no artigo de Fernando Reinares (2004) informações de que a assunção a explodir o seu corpo leva o homem-bomba a um paraíso celestial, onde ele será banhado por rios de leite e vinho, terá acesso a abundantes lagos de mel, terá direito a 72 virgens, verá o rosto de Alá e se reunirá com seus familiares prediletos. Além do que, nesse paraíso, o seu pênis estará eternamente ereto. 3 Convenhamos, não é pouca coisa!

Brincadeiras à parte, parece ficar claro que questões subjetivas, tanto quanto questões socioeconômicas e políticas estão fortemente em jogo na decisão de voluntariar-se como homem-bomba. Desde nossa visada, trata-se de apontar que nesse "paraíso" não há lugar para a palavra que bordeja o objeto e relança a sua falta. Em vez disso, nele há demanda plenamente satisfeita, empuxo ao gozo e silenciamento do sujeito do desejo.

É sabido que nos países em que o poder teológico-político governa de forma soberana não há a possibilidade de uma subjetivação que não se curve aos seus ditames. E aqueles que, por ventura, ousam escapar desse jugo correm o sério risco de verem-se segregados e punidos, não raro com a morte. Logo, se não cedermos ante a miopia de uma visada um tanto obscurantista, que termina por culpabilizar o sujeito ao imputar-lhe rótulos biologizantes, com facilidade ficaremos sabendo que não só homens, mas mulheres têm explodido seu corpo em nome de Alá.4 Mauro Mendes Dias (2010), em um interessante artigo, indaga: por que se explodem as mulheres? Destaca, de saída, que no ato de explodir o próprio corpo há "a presença maciça do gozo. O gozo da explosão" (Dias, 2010, p. 1). Traz como ilustração dessa interpretação a declaração em vídeo da mulher-bomba Reem Saleh Riyashi, que francamente declara: "Por Deus, eu desejava ser a primeira mulher a executar uma operação em busca de martírio, em que meu corpo pudesse ser espalhado no ar" (Dias, 2010, p. 1).5 O autor também destaca que a possibilidade de atuar como mulher-bomba é decorrente de certa secularização dos costumes islâmicos, pois há algum tempo essa prática era vedada às mulheres. Uma vez permitida pelas autoridades religiosas, tal prática passa de uma proibição a um dever, isto é, passa a ser prescrita pelo Outro do discurso fundamentalista, capturada discursivamente e submetida ao seu poder.s

Mas, provavelmente, a esta altura o leitor se perguntará: o que cimenta a submissão? Retomemos os aportes lacanianos sobre a crença. Dissemos anteriormente que ela é inerente ao nascimento do sujeito e, portanto, todos cremos na existência do Outro. Com Lacan compreendemos que ela é um fato de estrutura, logo, ninguém "escapa" à crença, o que não quer dizer que todos os crentes sejam fundamentalistas. Pelo que vimos expondo até aqui, podemos aventar a hipótese de que a crença, no fundamentalista, se ancora em um núcleo duro que resiste, definitivamente, a reconhecer que o Outro é castrado - Lacan diria a submeter-se à dialética do significante -, o que tem por efeito um sujeito algemado ao polo imaginário da experiência, ou seja, aderido profundamente ao significado que emana da palavra do Outro religioso. Um sujeito - é possível dizer - maciçamente aderido à economia do dever. Freud foi brilhante ao forjar essa figura que se ocupa dos preceitos morais e define os paradigmas punitivos à qual ele deu o nome de superego (Freud, [1923] 1976). E à sua astúcia intelectual não passou despercebido que a obediência é o "fermento" que "engorda" o superego, tornando-o tão cruel quanto sádico. Como resultado, o sujeito fica refém da íntima relação entre dever e culpa pela impossível conformação ao ideal, seja por um ato consumado ou mesmo por um reles pensamento. Ora, o que resulta de tal dinâmica subjetiva nos mostra que, paradoxalmente, ao fundar-se em injunções superegoicas e propalar a soberania da consciência moral, em vez de proibir o gozo o superego o transforma em um dever.

Aqui encontramos o que Lacan, acompanhando Freud, tão bem nos ensinou sobre o paradoxo do gozo: o fato de que há, por um lado, um nó estreito entre desejo e Lei e, por outro, um gozo embutido na Lei, o qual serve, simultaneamente, ao reforço da interdição e à vontade de transgressão. Lacan explicita esse paradoxo em uma passagem de O Seminário, Livro 7: A ética da psicanálise.

[... ] Todo exercício de gozo comporta algo que se inscreve no livro da dívida na Lei. E muito mais ainda, é preciso que algo nessa regulação seja, ou bem paradoxo, ou bem lugar de algum desregramento, pois ultrapassagem da falha no outro sentido não é equivalente. Freud escreve o Mal estar na civilização para nos dizer que tudo o que passa do gozo à interdição vai no sentido de um reforço sempre crescente de interdição. Todo aquele que se aplica em submeter-se à lei moral sempre vê reforçarem-se as exigências, sempre mais minuciosas, mais cruéis de seu supereu. (Lacan, [1959-1960], 2008, p. 212, grifos no original)

E é nesse ponto que o paradoxo do gozo nos mostra a impossibilidade de alcance do Soberano Bem, que se desvelam importantes questões de cunho ético e político, concernidas ao discurso fundamentalista e seus rituais. À possível argumentação de que não há nos Textos Sagrados uma ordem expressa para destruir o outro, encontra aqui uma refutação à altura, pois, de que outra forma poderíamos compreender o fato de o sujeito, em um só ato, curvar-se diante da lei e transgredi-la ao carrear, na explosão do corpo próprio, o corpo do outro?6

Para dizermos um pouco mais sobre isso, lembremos que, se o sujeito é efeito do discurso do Outro e encontra nele as balizas do seu desejo; o Eu não "existe" sem o outro, o que o "condena", por um lado, a só poder apreender o outro pelas mesmas lentes narcísicas com que se mira e, por outro, à dependência perene desse outro para fazer a sua "regulação narcísica", para encontrar o seu quinhão de gozo. Sabemos o quanto essa dependência radical do outro é fonte de inquietante estranheza (Freud, [1929] 1976). Estranheza que ora se traduz em fascínio, o que leva o Eu a medir-se com o outro e buscar igualar-se a ele no plano do ideal; ora é fonte de insuportável angústia que precisa ser projetada, precisa ser percebida "do lado de fora". Freud situou essa projeção na figura do estranho. E quem melhor do que o estrangeiro para encarnar a figura do estranho? Estrangeiro que não precisa ser, necessariamente, o Outro do país vizinho, bem pode ser aquele que está ao meu lado, o próximo que insiste em um modo de gozar que me é êxtimo. E, mais que isto, pois para o sujeito da modernidade o gozo existe e, se ele não goza, é porque o outro lhe usurpou o gozo que era seu por direito. Então,

não há mais tolerância possível, não há como suportar o gozo desse Outro estrangeiro, seja ele judeu, negro, asiático ou apenas uma mulher. Esse Outro estrangeiro personifica um gozo que não possuímos; por isso, não há como suportá-lo. Aliás, basta ver como comemora feriados diferentes e os festeja de forma estranha... Trabalha demais, verdadeira besta de carga, sempre pronta a roubar meu trabalho... ou, então, trabalha de menos, verdadeiro bicho preguiça que se diverte e descansa enquanto eu trabalho por ele! (Koltai, 2000, p. 118)

Este é o ponto, também, em que a intolerância norteia o que convenientemente se nomeia de justiça. Em nome dessa justiça, palavras e atos justificam que a figura do estrangeiro seja evacuada, banida, segregada, não fazendo mais que encobrir o objetivo de manter o Real fora de si mesmo. Operação fadada ao fracasso, bem o sabemos, uma vez que é próprio do Real retornar, não cessar de não se inscrever. Pois, diferentemente do que "sonha" o Eu ideal, o que o Eu odeia no outro diz de uma falta que lhe concerne, logo, não vindo do outro, o que tamponaria essa falta, o Eu se pensa privado e a culpa disso é depositada no outro. No momento em que o gozo do outro põe em questão o gozo do sujeito, fissura a crença na onipotência de Deus. O que disso resulta em angústia pode ser investido, na mesma proporção, na crença de que o outro é portador do mal. Tal dinâmica psicológica, alicerçada na articulação entre crença e culpa, é deveras presente tanto nos sistemas religiosos quanto nas ideologias partidárias. Christian Dunker observa que a culpa é um afeto que frequentemente nos leva a invertermos as relações de causa e efeito, com vistas a tentarmos achar justificativas para nossos pecados e/ou encontrarmos o perdão. Essa inversão "constitui uma gramática elementar para muitas de nossas crenças, que se exprimem em tendências de autoconfirmação" (Dunker, 2016, s/p). Isso porque a origem do sentimento de culpa não decorre só da nossa relação com a Lei, com a qual gozamos ao nos curvarmos aos seus caprichos. Ela também decorre do descompromisso com nosso desejo, o que nos renderá sempre algo a pagar quanto a isso. Mas o culpado não quer pagar o custo pelo "leite derramado", ou seja, não quer encontrar-se com a sua castração. A "saída" encontrada é colocar a culpa no outro, nas circunstâncias e até mesmo no destino. "Todo este universo de indeterminações é substituído pelo seu oposto psicológico para formar a convicção punitiva" (Dunker, 2016, s/p, grifo meu). Para que isso seja possível, o sujeito se apega à crença e em sua mais importante função: a de dar o status de verdade àquilo que acreditamos, impedindo, com isso, que se faça o confronto do que acreditamos com a realidade (Freud, 1927/1974). E o reflexo disso no campo político é nefasto, pois, para que o outro não venha a "encarnar" o espelho com o qual não queremos nos mirar, é preciso eliminá-lo, canalizar a agressão para aqueles que não comungam do mesmo credo ou que acreditam de forma diferente. É essa faceta poderosa da crença que transforma o desejo de justiça e equidade em mera convicção punitiva.

É no desabamento da crença de que há um objeto que possa suturar a fenda constitutiva do sujeito que o outro, semelhante na diferença, vem denunciar a castração. E então o ódio ou, dizendo com Lacan, o amódio, se realiza na palavra que injuria, ofende e rebaixa, no escárnio com que a referência ao outro intenta torná-lo insignificante. Mas pode também ir além, canalizar esse afeto para o corpo do outro: com a pulsão de morte no irrestrito comando, o ato do homem-bomba realiza um gozo-todo e nos deixa ver o mandamento de amar ao próximo em seu avesso sinistro: "Destruirás teu próximo como a ti mesmo".

 

Referências

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1 Sharia, Shariah, Shari'a ou Syariah, é o nome que se dá ao direito islâmico. Recuperado em 4 outubro, 2017, de www. https://pt.wikipedia.org/wiki/Sharia
2 Criado por Aliman Ala Abdul Maududi, o Código de vida para os muçulmanos (1989) é um conjunto de direitos e deveres que os muçulmanos devem colocar em prática e que espelham os mandamentos do Alcorão. Maududi foi um importante líder político muçulmano no século XX, na Índia e no Paquistão. Foi um estudioso islâmico, além de jornalista e teólogo. Fundou o partido renovador islâmico Jamaat-e-Islami e criou o Centro de Divulgação do Islam para a América Latina, em 1989. Propunha que o Islam fosse lido em consonância com a ética científica. Conforme "O islam - Um código de vida para os muçulmanos". Recuperado em 4 outubro, 2017, de www.http://www.islamemlinha.com/index.php/biblioteca/islao/item/o-islam-um-codigo-de-vida-para-os-muculmanos
3 No Alcorão consta que essas recompensas (rios de leite, mel, mulheres virgens, etc.) estão à espera daqueles que se propõem a aceder ao paraíso, embora não fale em quantidades. Porém, tanto Asnis (2013) quanto Reinares (2004) comentam que ao logo do tempo a essas recompensas têm sido acrescidas determinadas informações (por exemplo a quantidade de virgens e mancebos) e transmitidas oralmente. Sobre essa transmissão oral, vide, por exemplo, o site do Centro Apologético Cristão de Pesquisas. Recuperado em 13 novembro, 2017, de http://www.cacp.org.br/de-onde-vem-as-72-virgens/
4 É ainda mais desconcertante sabermos que, conforme reportagens jornalísticas, mulheres-bomba têm adotado a estratégia de levar bebês em seus braços para despistar a fiscalização ao realizar o ato de explosão do seu corpo. Recuperado em 4 abril, 2017, de www.https://oglobo.globo.com/mundo/mulheres-suicidas-usam-bebes-em-atentados-na-nigeria-1-20816969
5 O vídeo pode ser recuperado em www.https://www.youtube.com/watch?v=uRDuKzC23GI
6 É costumeiro ouvirmos o argumento de que não há, no Alcorão, uma ordem expressa para matar. Se formos ao texto, veremos que esse argumento se justifica parcialmente, embora não se possa, evidentemente, desprezar que qualquer interpretação de um texto é diretamente tributária do desejo do sujeito que o interpreta. Sobre o ato de matar, eis o que reza o Alcorão: "Por isso, prescrevemos aos filhos de Israel que quem matar um homem, a não ser pela lei de talião ou porque corrompia a terra, é como se tivesse matado todos os homens; e quem salvar a vida de um homem, é como se tivesse salvo a vida de todos os homens. E Nossos Mensageiros foram a eles com as provas. Assim mesmo, muitos continuaram a cometer excessos na terra" (Sura 5, versículo 32). E no versículo seguinte lê-se: "O castigo dos que fazem a guerra a Deus e a Seu Mensageiro e semeiam a corrupção na terra é serem mortos ou crucificados ou terem as mãos e os pés decepados, alternadamente, ou serem exilados do país: uma desonra neste mundo e um suplício no Além" (Sura 5, Versículo 33).

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