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Analytica: Revista de Psicanálise

versão On-line ISSN 2316-5197

Analytica vol.7 no.13 São João del Rei jul./dez. 2018

 

ARTIGOS

 

Da pressa à urgência do sujeito - Psicanálise e urgência subjetiva

 

De la prisa la urgencia del sujeto - Psicoanálisis y Urgencia Subjetiva

 

From the haste to the urgency of the subject - Psychoanalysis and subjective urgency

 

De la hâte à l'urgence du sujet - Psychanalyse et urgence subjective

 

 

Elaine Azevedo

Mestre em Psicanálise pela Universidade Federal de São João del-Rei (2016). Atualmente é Professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Campus Coração Eucarístico e Professora da Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg) - Campus Divinópolis. Coordenadora do Serviço de Psicologia Hospitalar do Complexo de Saúde São João de Deus em Divinópolis

 

 


RESUMO

A Psicanálise, bem como os que se orientam por sua teoria e práxis, se depara hoje com o desafio de sustentar uma clínica dentro das instituições, expandindo suas fronteiras para além dos settings tradicionais. No hospital geral, o psicanalista com o seu saber-fazer busca valer-se da teoria inaugurada por Freud como prática possível de ser aplicada ao contexto da instituição hospitalar. É no espaço do hospital geral que o psicanalista é convocado a colocar seu saber-fazer em cena. E é a partir da pressa por concluir, própria da urgência médica, que o analista buscará privilegiar uma abertura temporal; uma pausa necessária para que o sujeito se ocupe de um outro tempo, possibilitando a ele, a partir da fala, uma abertura para um tempo de compreender, um tempo que vise a recolher os objetos a caídos e articulá-los a uma nova cadeia significante.

Palavras-chave: Psicanálise. Tempo lógico. Hospital geral


RESUMEN

El psicoanálisis, así como los que se orientan por su teoría y praxis, se enfrenta hoy con el desafío de sostener una clínica dentro de las instituciones, expandiendo sus fronteras más allá de los ajustes tradicionales. En el hospital general, el psicoanalista con su saber hacer busca valerse de la teoría inaugurada por Freud como práctica posible de ser aplicada al contexto de la institución hospitalaria. Es en el espacio del hospital general que el psicoanalista es que se ha convocado a poner su saber hacer en escena. Y es a partir de la prisa por concluir, propia de la urgencia médica, que el analista buscará privilegiar una apertura temporal; una pausa necesaria para que el sujeto se ocupe de otro tiempo. Posibilitando a éste a partir del habla, una apertura para un tiempo de comprender, un tiempo que apunta a recoger los objetos a caídos y articularlos a una nueva cadena significante.

Palabras clave: Psicoanálisis. Tiempo logístico. Hospital general.


ABSTRACT

Psychoanalysis, as well as those who are guided by their theory and praxis, now faces the challenge of sustaining a clinic within institutions, by expanding their borders beyond traditional settings. In the general hospital, the psychoanalyst with his know-how seeks to use the theory inaugurated by Freud as a possible practice to be applied to the context of the hospital institution. It is in the space of the general hospital that the psychoanalyst is summoned to put his know-how on the scene. And it is from the rush to conclude, proper to medical urgency, that the analyst will seek to privilege a temporal opening; a pause necessary for the subject to occupy himself with another time, allowing him, from the speech, an opening for a time to understand, a time that aims at collecting fallen objects and articulating them to a new significant chain.

Keywords: Psychoanalysis. Logistic time. General hospital.


RÉSUMÉ

La psychanalyse, ainsi que ceux qui se basent sur leur théorie et leur pratique, sont maintenant confrontés au défi de garder une activité au sein des institutions, en élargissant leurs frontières au-delà des cadres traditionnels. À l'hôpital général, le psychanalyste, avec son savoir-faire, cherche à utiliser la théorie inaugurée par Freud comme une pratique pouvant être appliquée dans le contexte de l'établissement hospitalier. C'est dans l'espace de l'hôpital général que le psychanalyste est convoqué à mettre son savoir-faire en scène. Et c'est en ayant hâte de conclure, propre à l'urgence médicale, que l'analyste cherchera à privilégier une ouverture temporelle; une pause nécessaire pour que le sujet s'occupe d'un autre temps, lui permettant, à partir du discours, une ouverture pour le temps de comprendre, le temps qui vise à recueillir les objets tombés et à les articuler à une nouvelle chaîne significative.

Mots-clés: Psychanalyse. Temps logistique. Hôpital général.


 

 

O analista no hospital geral entre a pausa e a pressa

O espaço do hospital nos mostra em primeiro lugar uma questão da qual há muito tempo a Psicanálise se ocupa, a constatação de que quando lidamos com corpos não estamos lidando apenas com a carne, com o biológico. Nesse sentido, no hospital, podemos observar que a prática do médico não impede que o sujeito apareça. Esse Sujeito pode se apresentar mediante suas queixas e demandas, fazendo exceção ao universal da ciência. A clínica é justamente a experiência da tensão entre o singular do caso e o geral da teoria, como nos diz Ansermet (2003, p. 7). Nesse momento, a teoria da Medicina se apaga ao deparar-se com a especificidade de cada caso, que coloca à prova o saber médico.

A clínica obriga o médico a confrontar-se com o que se encontra em questão na demanda do paciente, não sendo possível, nessa perspectiva, operar sobre o corpo excluindo a dimensão do que é subjetivo. O psicanalista precisa trabalhar, portanto, para que nesse encontro com a pedra no caminho, com o real, o sujeito possa inventar uma saída singular que lhe possibilite caminhar. A dimensão do tempo na urgência se mostra, então, necessária, pois, diante do encontro desvelado com o real do corpo - como podemos ver na clínica no hospital - sem as amarrações simbólicas e imaginárias, passamos da urgência de um corpo adoecido por sua ferida para uma urgência subjetiva, um sujeito adoecido em sua palavra

A pressa nesses momentos está presente no hospital, pois como efeito dessa pressa nos deparamos com um fazer nesses espaços que segue um protocolo predeterminado. No entanto, nesses momentos não lidamos somente com organismos, mas também com um sujeito que interpretará esse mal-estar orgânico no campo do mal-estar subjetivo. A temporalidade na urgência médica (pressa) é vivida de forma diferente pela equipe médica e pelo sujeito que procura o hospital. A pressa da equipe médica é de tratar o mal-estar do organismo em um curto espaço de tempo, buscando o reestabelecimento; porém a temporalidade do sujeito é diferente e introduz uma outra urgência, que a partir da Psicanálise podemos denominar de urgência subjetiva.

A urgência subjetiva demanda um trabalho do analista, pois, uma passagem da urgência para a urgência subjetiva, não se produz sem a oferta do analista, sem a oferta da palavra. Podemos notar que na urgência há um curto-circuito entre o instante de ver (O acontecimento) e tempo de compreender (esse acontecimento) utilizo aqui do "tempo lógico, tal como define Jacques Lacan (1945/1998). Essas contrações das etapas do tempo lógico nós podemos acompanhar em nossa prática no hospital, diante a urgência que se antecipa e a possibilidade de morte.

No hospital, podemos inferir que o sujeito, diante da urgência daquilo que se apresenta como uma pedra no seu caminho, um real impossível de simbolizar, se precipita diante o tempo do fim, da morte. O analista nesse espaço pode funcionar como um "facilitador", um destinatário da palavra, no qual o sujeito possa se representar.

Miller, em seu seminário "O osso de uma análise", proferido no VIII Encontro do Campo Freudiano e II Congresso da Escola Brasileira de Psicanálise de Salvador (em 1998), nos mostra que há uma pedra - um obstáculo fundamental - no caminho de uma análise, mas nos aponta, também, que essa pedra só se mostra como obstáculo porque o sujeito se pôs a caminho. Miller toma o poema de Carlos Drummond de Andrade para nos convidar a pensar nessa pedra, nesse obstáculo, que não se encontra em qualquer lugar, mas no meio do caminho, no percurso do caminho do sujeito. Tal passagem nos incita a pensar em nossa prática analítica no espaço hospitalar, espaço que aponta para o sujeito um caminho das pedras.

 

O encontro com o psicanalista no hospital geral: entre a pedra e o caminho

Recordo-me de uma paciente, 83 anos, que repetia sempre de maneira imperativa que precisava ser "atendida" no ambulatório do hospital. Toda semana essa paciente ia ao ambulatório, sempre com a mesma queixa: "não estou me sentindo bem, tem alguma coisa que não me deixa melhorar", dizia ela ao médico. O médico a recebia e, toda semana, aferia sua pressão, monitorava a glicemia, verificava a temperatura. Em um atendimento, chegou a fazer exames mais elaborados, como ecocardiograma e tomografia; mas seu mal-estar no corpo era o que a vivificava, a mantinha ali, queixosa, mas viva. Toda semana estava lá com seu sintoma, fazendo valer, a partir dele, um ato (que se repetia) que lhe instaurava na condição de sujeito.

Toda demanda dirigida a um médico ultrapassa uma demanda de cuidados, da mesma forma que o tratamento de um corpo doente não se reduz ao orgânico, não se reduz à dimensão da necessidade. O termo demanda, aqui, deve ser tomado em seu sentido psicanalítico, reconhecendo que quando alguém nos pede algo não podemos tomá-lo como sendo exatamente o que ele quer. Voltemos ao fragmento clínico. Após algumas semanas, entre idas e vindas da paciente ao ambulatório, a psicanalista foi chamada para "avaliá-la". A analista, nesse momento, busca oferecer um lugar para a palavra do sujeito.

Ao entrar em uma sala improvisada para o encontro da analista com a paciente, ela lhe descreve todo seu percurso, "seu caminho das pedras", contou que morava sozinha há alguns anos, após ter ficado viúva, e que seu filho, "o Único", trabalhava muito e não dispunha de tempo para ela. Porém, relata que esse filho sempre ia buscá-la quando ela procurava o ambulatório do hospital: "é ele que vem me buscar no ambulatório ao final da tarde quando o Doutor me dá alta", dizia ela. Essa cena se repetia em todas as suas idas ao hospital: no fim do atendimento médico, ela ligava para o filho e ele a buscava e a levava para casa, fazia uma sopa para ela e assistiam à televisão juntos, conta. No momento em que a analista aponta para a paciente seu movimento, ela se põe a falar de seu mal-estar subjetivo e, dessa vez, agenda com a analista sua ida ao hospital, agora, para "tratar de suas feridas na alma". Nos diz Miller (1998, p. 28): "Se a linguagem servisse apenas para exprimir uma significação, bastaria dizer uma só vez: 'No meio do caminho tinha uma pedra'. [...] Referindo-se ao poema de Drummond, o autor eleva a pedra ao nível de um obstáculo fundamental, o obstáculo que impede que o sujeito prossiga o caminho, o caminho que decidiu percorrer.

Mostramos aqui, nesse fragmento clínico, que a oferta da palavra ao sujeito pode tirá-lo da repetição dos acting outs - de uma demanda ao filho - a uma demanda à psicanalista, a partir da transferência, podendo, assim, um trabalho ser feito.

Sabemos que a tentativa de reduzir o ser humano à sua dimensão biológica está inquestionavelmente fadada ao fracasso. O corpo não se reduz a carne. Ele pode ser modificado pela história das pessoas, que é carregada de palavras. Uma das importantes contribuições da Psicanálise foi sem dúvida nenhuma ter apontado para o fato de que o vivente ultrapassa as leis do organismo e que as palavras produzem efeitos sobre o corpo. No hospital, podemos ver como o mal-estar que hora se localiza no corpo denuncia um mal-estar subjetivo, algumas vezes não é nem mesmo a cura o que o paciente enfermo espera, mas quem sabe ser mantido na condição de doente, ou essa condição ser ratificada, como pudemos ver nesse fragmento clínico. Sendo assim, por mais que a equipe médica ou de enfermagem busque manter-se no registro da tecnologia, por mais que tente ater-se a um rim, um pulmão, ou a um coração, não podem deixar de ver em algum momento retornar o sujeito. Como nos apresenta Freud, em uma passagem de seu texto "Sobre o Narcisismo: uma introdução", de 1914, metaforizando o Poeta Wilhelm Busch, na dor de dente, o sujeito está inteiramente no orifício do molar. Ele aparece e insiste em mostrar seu caminho de pedras.

É a partir de sua fala que o ser falante constrói seu caminho, deparando-se, assim, com as pedras que se encontram nesse caminho, não por que foram colocadas, mas por ser esse o caminho escolhido pelo sujeito: "é pelo caminho que a pedra existe, mas é também pela pedra que existe o caminho" (Miller, 1998, p. 31). Miller (1998, p. 35) continua: "digamos que - essa pedra - é o que Lacan chama de objeto pequeno a, um objeto suplementar em relação à ordem regulada pelo significante. Pequeno a é a pedra que existe em todo caminho da fala". No hospital, as pedras marcam o caminho do sujeito de forma avassaladora, e é com esse material rochoso que se depara, também, o analista no hospital. É preciso abrir um espaço para a palavra nesse caminho único e singular percorrido pelo sujeito, para que ele possa continuar falante. Ao contrário da Medicina, a Psicanálise não tem como "objetivo" "libertar" o sujeito, mas produzir um sujeito, sujeito esse que não é ser senão por falar.

 

Autorizar-se a aplicar a Psicanálise no hospital: o psicanalista aplicado

Disponibilizar uma escuta nesse espaço - onde o saber sobre o corpo biológico é imperativo, tal como vimos nesse fragmento clínico - é possibilitar um caminho da fala, para que o sujeito possa perceber que nesse caminho há Uma pedra, mas que também há um caminho e que é preciso fazer de seu caminho e sua pedra uma saída.

Diante da urgência subjetiva no hospital, o que temos é um obstáculo à fala, os sujeitos tomados pela angústia no momento de urgência nos mostram que os recursos simbólicos ou imaginários estão obstruídos, impossibilitando uma saída para o sujeito. O que se apresenta nesse momento é um vazio, um obstáculo no percurso (caminho) da cadeia significante - algo se rompe, desestabilizando o sujeito no tempo - que o deslocaliza de sua posição diante do outro. É aqui que um psicanalista atuando na instituição hospitalar pode ser instado a colocar o sujeito a trabalho. Situação que possibilita ao analista trabalhar para, enfim, emergir um enigma subjetivo - para o sujeito -, para além do ato médico e da presença da doença. Momento em que algo retorna após ter sido ejetado do campo da Medicina. Nesse espaço do hospital, a emergência e o mal estar subjetivo não precisa de convite, há algo do sujeito que não cessa de se apresentar, pois onde está presente a linguagem estão presentes também seus efeitos, inclusive aqueles que se situam para além da consciência.

Diante da falta de tempo na urgência, do encurtamento deste, para que o sujeito possa compreender algo de seu sofrimento, é importante que se introduza um outro tempo, uma pausa na pressa que se apresenta no momento de urgência. Nosso trabalho permite a abertura de um tempo em que o sujeito possa dizer de seu mal estar subjetivo, abrindo uma possibilidade de dar um contorno ao real que se apresenta, criando uma saída, mesmo que sem garantias. É propor um tempo para a palavra.

François Ansermet (2015) nos aponta que na crise, tomada neste trabalho como urgência subjetiva, há a possibilidade da abertura de um trabalho, sendo a crise um momento decisivo e propício para a abertura a partir do corte. Para esse psicanalista, a crise pode conter elementos decisivos para a construção de uma saída, permitindo a invenção a partir do não saber.

Toda crise coloca em jogo a relação com o tempo e o espaço. Se joga em um instante. Instante de ver, para retomar este primeiro tempo do "tempo lógico". Na crise temos às vezes a impressão de que o momento de concluir se apresenta antes do instante de ver. Para tratar a crise, para sair dela, há que reestabelecer o tempo. O tratamento da crise é um tratamento do tempo. Há que se criar uma abertura. Se trata de fazer um corte: porém um corte que liberta. (Ansermet, 2015, on-line).

Desse modo, torna-se fundamental pensar, a partir de nossa clínica no hospital, como ficam as aberturas quando o que está em cena em primeiro lugar nesse espaço é a angústia, e não o sintoma. Leonardo Gorostiza (2007), no texto de abertura do livro Clínica de la Urgencia (2007), nos indica que, diante da falta de tempo na urgência, do encurtamento deste, é importante que se introduza um tempo, uma pausa na pressa que se apresenta no momento de urgência. Portanto, a dimensão do tempo é central na urgência e se torna preciso pensar no trabalho do psicanalista nesse espaço, pois, no momento de urgência, diante do "não há mais tempo" - do sujeito, embaraçado na pressa - o trabalho do psicanalista propõe a possibilidade da abertura de um tempo, há um tempo, você tem todo o tempo, fale.

Essa abertura de um tempo na pressa pode possibilitar ao sujeito dizer algo acerca de si e de sua relação com o Outro, com seu sintoma, com seu gozo. Para Inés Sotelo (2007), nosso trabalho permite a abertura de um tempo em que o sujeito possa dizer de seus laços e como este poderá operar com o real que se apresenta, criando uma saída, mesmo que sem garantias. A conclusão é o tempo que possibilita uma saída para o sujeito. É propor um tempo para a palavra.

Desse modo, prossegue Sotelo (2007), a intervenção do analista nesses momentos de urgência "aponta para um ponto de basta, é um freio que permite a localização de um instante de ver sua própria urgência, um tempo de compreender as coordenadas que surgem como o horizonte para um momento de conclusão".

Para a Medicina, a urgência aparece como um problema que deve ser resolvido o quanto antes. Supõe a resolução de um problema que requer atenção por parte da equipe médica, uma assistência rápida e a tempo. Para a Psiquiatria, a urgência se dá em determinada situação, na qual o sujeito se encontra em um estado disruptivo do pensamento, do afeto, de suas condutas, e uma intervenção deve ser feita imediatamente sobre o acontecimento, buscando resgatar a integridade do sujeito e de terceiros, operando sobre a gravidade do quadro psíquico do paciente. Para a Psicanálise, a urgência está intimamente ligada ao conceito de sujeito e à dimensão do tempo. O sujeito da Psicanálise se localiza entre um significante e outro que o representa. Na urgência, esse sujeito fica deslocalizado perante a ruptura da cadeia significante que o impede de responder do lugar de sujeito.

Na urgência subjetiva, o sujeito experimenta um limite que também requer uma intervenção imediata. A urgência subjetiva é o que aparece para o sujeito como um impossível de suportar, enquanto a intervenção da Medicina está marcada pela pressa, uma intervenção caracterizada pelo tempo cronológico, a Psicanálise também se apoia em uma intervenção imediata sobre a urgência, mas a partir de uma pausa lógica, para que o sujeito possa se apresentar a partir de sua condição de sujeito, privilegiando a abertura de um tempo para a palavra.

 

Para concluir

No hospital, os sujeitos se apresentam de várias formas diante do encontro desvelado com o real. Há um certo embaralhamento temporal que impossibilita ao sujeito uma manobra de saída. Na urgência subjetiva, temos um curto-circuito do instante de ver e do momento de concluir, levando o sujeito desorientado no tempo a passagens ao ato ou aos actings outs. A clínica dos ato como resposta à angústia está muito presente no hospital e intimamente ligada à clínica da urgência. No hospital, o corpo se mostra aniquilado, despedaçado, e a pressa por concluir, própria da passagem ao ato, nos mostra essa colagem do instante de ver e o momento de concluir. O analista, portanto, propõe outro tempo, um tempo de pausa na pressa, para que a palavra possa passar ao dizer.

A urgência toca o real. Nossa clínica no hospital geral nos possibilita pensar que é nesse lugar onde a programação falha que algo do traumatismo aparece como um real que ora toca o corpo, impossibilitando ao sujeito um recurso à palavra. O psicanalista diante do insuportável próprio do traumatismo - que contraria a programação da ciência - busca dar voz ao sujeito. Conduz o ser falante a acreditar em sua história, reinstalando o sujeito novamente em sua cadeia significante e buscando reorientá-lo diante desse insuportável que se apresenta em forma de um acontecimento contingente que desestabiliza esse sujeito. No hospital geral, onde nossa prática se faz presente, o psicanalista precisa fazer algo com o que do traumatismo se apresenta, apostando no real desvelado por este e possibilitando a partir da abertura de um tempo para a palavra evitar que o traumatismo se torne um destino para o sujeito, como nos apontam Ansermet e Borie (2007).

Embora a Psicanálise tenha encontrado no hospital geral uma possibilidade de trabalho, encontramo-nos muito distantes do discurso que ali opera de forma imperativa. Nossa posição e nosso discurso não estão amparados no discurso médico ou do mestre, não sendo, portanto, o de compreender ou de curar. Buscamos ocupar um lugar que acolha a contingência, o imprevisto, as surpresas, o encontro com o real, possibilitando, assim, a abertura de um tempo de compreender que possa ser marcado pela possibilidade de um instante de ver e um momento de concluir a posteriori.

A angústia é cada vez mais uma forma de apresentação dos sujeitos nas consultas dos serviços de urgências dos hospitais. Os sujeitos atropelados pelo tempo, efeito do traumatismo que o acomete, se veem liquidados por um tempo da entrada do Real em jogo. É apostando na singularidade de cada caso que o psicanalista aplicado ao hospital geral possibilitará ao sujeito a construção de uma possível resposta perante o real que se apresenta diante da angústia que se antecipa ao sujeito. Contudo, o que tomamos como ponto essencial deste trabalho é demostrar como a angústia em que se veem imersos os pacientes numa vivência de urgência pode se converter em um sintoma possível de ser manejado pelo psicanalista.

Pudemos verificar em nossa prática que esses sujeitos precisam de tempo, um tempo que foge aos protocolos da instituição hospitalar, um tempo que não se reduz a um tempo cronológico. Um tempo subjetivo, que possa localizar o sujeito em si mesmo, em seu lugar de sujeito. Um tempo que se inaugura a partir do encontro com o analista, um encontro que abre a possibilidade de passar de um impossível de dizer a um bem-dizer em que o analista se vale de sua única arma, bem simples, mas que pode fornecer aos sujeitos invenções outras: a escuta, possibilitando a abertura de um tempo para a palavra do sujeito, tal como nos ensinou Freud.

 

Referências

Ansermet, F. (2003). Clínica da origem: a criança entre a Medicina e a Psicanálise. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria.         [ Links ]

Ansermet, F. (2015). La crisis, entre el corte y el tempo. Recuperado em 26 de novembro, 2015, de http://jornadanelsedecaracas.blogspot.com.br/2015/06/en-cuenta-regresiva-21.html        [ Links ]

Ansermet, F., & Borie, J. (2007). Apostar na contingência. In Pertinencias da Psicanálise Aplicada: Trabalhos da Escola da Causa Freudiana reunidos pela Associação do Campo Freudiano (V. A. Ribeiro, Trad., pp. 152-158). Rio de Janeiro: Forense Universitária.         [ Links ]

Gorostiza, L. (2007). Prólogo. In I. Sotelo Clínica de la urgencia (pp. 15-21). Buenos Aires: JCE Ediciones.         [ Links ]

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Miller, J-A. (1998). O osso de uma análise. Seminário proferido no VIII Encontro Brasileiro do Campo Freudiano e II Congresso da Escola Brasileira de Psicanálise. Bahia: Biblioteca Agente.         [ Links ]

Sotelo, I. (2007). Clínica de la urgência. Buenos Aires: JCE Ediciones.         [ Links ]

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