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Analytica: Revista de Psicanálise

On-line version ISSN 2316-5197

Analytica vol.7 no.13 São João del Rei Jul./Dec. 2018

 

ARTIGOS

 

Aporias1 na tecnocultura: Alice

 

 

Hudson A. R. Bonomo

M.Sc. em Engenharia Mecânica pela COPPE - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Participante da Escola Letra Freudiana/RJ. Membro da Apertura para Outro Lacan (A.P.O.La) da Argentina. Pós-graduado em Clínica Psicanalítica na Universidade Santa Úrsula/RJ. E-mail: hudsonletra@gmail.com

 

 


RESUMO

Neste texto apresenta-se uma série de questões relativas ao tédio que, leva à fuga do sujeito em busca de um devaneio digital que seja mais satisfatório que a realidade da vida cotidiana. Passando por Freud e outros autores, podemos vislumbrar que ainda estamos em um terreno de incertezas e em construção. De um desejo inicial de Alice, nossa personagem, e navegando pelos questionamentos, espera-se que a reflexão seja iniciada no leitor para acompanhar a pesquisa que não para de ser lembrada, repetida e trabalhada por meio disso.

Palavras-chave: Tédio. Fuga da realidade. Devaneios, Fantasias. Gozo. Corpo.


ABSTRACT

This article presents a series of questions related to boredom that leads the escape of the individual searching for a digital daydream more pleasant than the reality of the daily life. Passing through Freud and other authors we can notice that we are still in a land of uncertainties and on development. From a starting desire of Alice, our character, and the questionings, we expect that the reflection starts with the reader to guide the research we keep reminding, repeating and working through the text.

Keywords: Boredom. Escape from reality. Daydreams. Fantasies. Pleasure. Body.


RESUMEN

Este texto aborda una serie de interrogantes relacionadas con el tedio que conduce a la fuga del individuo en busca un ensueño digital más placentero que la realidad de la vida cotidiana. Pasando por Freud y otros autores se vislumbra que todavía nos encontramos en un terreno de incertidumbres y en construcción. A partir del deseo inicial de Alice, nuestro personaje, y de la incursión en los cuestionamientos, se espera que la reflexión parta desde el lector y así acompañe la investigación que no se deja de mencionar, repetir y trabajar en el texto.

Palabras clave: Tedio. Fuga de la realidad. Ensueños. Fantasías. Placer. Cuerpo.


RÉSUMÉ

Cet article présente une variété de questions liées à l'ennui que conduit à la fuite de l'individu en cherchant une rêverie numérique qui soit plus jouissante que la réalité de la vie quotidienne. En passant par Freud et d'autres auteurs on rend compte que nous sommes encore dans un terrain d'incertitudes et en développement. En commençant par un premier désir d'Alice, notre personnage, et en naviguant par les questionnements, on n'espère que le lecteur commence la réflexion qui accompagne la recherche qu'on ne cesse pas de rappeler, de répéter et de travailler dans le texte.

Mots-clé: Ennui. Fuite de la réalité. Rêveries. Fantaisies. Jouissance. Corps.


 

 

Introdução

Parafraseando a frase bíblica "No início era o verbo... e o verbo se fez carne", poderíamos acrescentar: "...e a carne se fez em... bits2" não somente porque o "verbo fazer" vem se tornando um algoritmo3 cognitivo autômato - como nos carros que em que o motorista é um software4cognitivo - mas também porque a carne, em sua experiência de criação, se digitaliza.

Pensando ness pessoa que se fez em bits, cito a passagem do livro "Alice no país do Quantum", uma paródia da física quântica ao clássico de Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas":

Alice estava entediada... "Não sei por que não pode haver desenhos e programas mais interessantes na televisão", divagava. "Queria ser como a outra Alice [a do livro]. Ela estava entediada e descobriu o caminho para uma terra cheia de seres interessantes e acontecimentos estranhos. Se houvesse um jeito de encolher para flutuar através da tela... , talvez eu pudesse encontrar várias coisas fascinantes" (Gilmore, 1998).

Não acontece somente com Alice do quantum que deseja ser a Alice de Carroll. Como é retratado no artigo de Masson (2007), que tem por objetivo analisar os temas de imagens, simulacros e a noção de corpo e sua função ou não-função em espaços virtuais: o número de Alice cresce cada vez que uma delas se incorpora, mantendo ou ampliando o fascínio por um "lugar mais interessante".

Masson (2007, p. 12) introduz através da leitura da obra de 1940, "A invenção de Morel", de Casares (2016), um questionamento de "que espécie de loucura leva os homens a inventar máquinas para criar o engano, para jogar poeira sobre os olhos?". Lendo o precioso livro de Casares, que a inspirou no seu artigo, pude comprovar que as imagens têm autonomia sobre os corpos vivos que as originaram e isto nos leva, também a considerar estes que emprestam seus corpos a uma criação eternizada, que, mesmo que mascarada, vai fazer parte da vivência virtual de nossa Alice.

Poderia provocar a reflexão sobre o início - que talvez nem fosse o verbo, mas que fosse um quantum ou algum destes significantes que a ciência nos coloca todos os dias -mas não o farei. A reflexão, neste texto, será sobre o tédio e a fuga, sem julgamento do valor delas, mas através da contemplação desta flutuação que Alice nos fala através da tela, ou das telas - que são muitas - e dos personagens que emprestam seus corpos e os digitalizam para que tal experiência aconteça em um primeiro momento e em sua continuidade.

 

Corpos emprestados

Casares (2016) rompe, em sua obra, com a lógica, e nos provoca uma leitura alucinada e simbólica a ser decifrada por um único postulado fantástico, mas não sobrenatural, de que a máquina e desejo, unidos na geração de uma trama, capturam o personagem principal - um acusado da justiça que, para não ser preso, busca uma ilha deserta como lugar de fuga. Este "Alice" em fuga encontra o tédio na ilha, assim como a nossa primeira Alice, a do quantum.

Tive a oportunidade de encontrar uma versão arcaica, sem o rebuscar tecnológico da atualidade, e visualizar o texto em um trailer de filme5, constatando o impacto de um habitante de uma ilha deserta, que, talvez mal alimentado, alucinando, pudesse encontrar um grupo de pessoas que ele observa, mas que não o observam, e frustrar-se com estas simulações de vivos e a repetição de suas atividades toda a semana (porque a máquina de Morel gravou sete dias de vivência deste grupo de pessoas). Não fosse por seu desejo e paixão, a estória poderia ter traçado outro caminho. Posso citar o seguinte texto impactante que Morel deixa na ilha, e que também é citado no texto de Masson (p. 12):

Congregados os sentidos, surge a alma. Era lógico espera-la. Madeleine estava presente para a visão. Madeleine estava presente para a audição. Madeleine estava presente para o paladar, Madeleine estava presente para o olfato, Madeleine estava presente para o tato: já estava presente Madeleine (Casares, 2016, p. 76).

Assim como Morel se apaixona por Madeleine, nosso fugitivo apaixona-se por Faustine. Ele pode dormir aos pés de sua amada sem que ela perceba, sem autorização ou questionamentos. O tédio daquela ilha, daquela repetição, que a principio encanta mas depois decepciona dá lugar através do desejo pela sua amada Faustine a flutuar na simulação, renunciando a sua vida em busca deste amor, virtualizando-se junto a este, se dispondo a estar ali para o próximo habitante da ilha, o desejo de seu idealizador e construtor (Morel) e, agora, acrescentado pelo desejo deste homem, que agora é um "Alice" também, gravado e incluído na simulação em uma semana com Faustine, que se repetirá eternamente na ilha.

Na história, os corpos emprestados precisam morrer para que as imagens e experiências vivam eternamente. Para a nossa reflexão, a ideia que passo a divagar é de um corpo que precisa ser emprestado ou parcialmente morto para dar vida as imagens. O que chamo de parcialmente morto é que nas vivências em simuladores disponíveis atualmente, ou nas construções de redes sociais, uma boa parte do que somos desaparece, seja o simples ângulo de uma face perante uma câmera de celular, ângulo que não fotografa bem, seja um defeito físico ou uma voz que não agrada, seja uma máscara que encobre em parte. Ao participar da cena que vira produto, e sendo emprestada, de forma gratuita ou remunerada através de sintomas os mais diversos nasce um novo sujeito. E que sujeito será este?

Não é somente Alice que se dispõe, mas todos que já foram Alice adentram a esta cena. E como Masson (2007, p. 17) descreve "a novela de Casares põe em cena um mundo no qual as interações sociais somente são possíveis na condição de se entrar no jogo das imagens. Vemos que, nesta perspectiva (que já se enuncia), não será mais possível se ver sem a imagem".

Ficam, ainda, algumas perguntas de Masson (2007, p. 20) para a nossa reflexão sobre o tédio e a fuga: "O que é feito das pulsões neste universo? No que elas se transformam? Estariam elas também atuando de outra forma?".

 

Manifesto o nlife

O desenvolvimento da tecnologia e da comunicação tem um impacto radical na sociedade e afeta a condição humana, modificando a forma como nos relacionamos com nós mesmos e com os outros. A instabilidade domina esta rede através de um conjunto de transformações que são apresentadas por Floridi (2015) em seu The Onlife Manifesto. As transformações sugeridas neste manifesto são as seguintes:

(i) o embaçamento6 da distinção entre a realidade e a virtualidade;

(ii) o embaçamento das distinções entre o humano, a máquina e a Natureza;

(iii) a inversão da escassez de informações para a abundância de informações; e

(iv) a mudança da primazia das entidades para a primazia das interações.

É nesta pequena passagem pelo manifesto onlife que deixamos como pergunta, para seguir adiante a partir do último item apresentado acima: Já estamos vivendo uma sociedade das interações, uma sociedade de redes? Redes estas que dificultariam discernirmos a realidade do sonho ou a projeção do delírio? O sujeito da máquina? A versão virtualizada é uma sustentação que dá conta da manutenção do sintoma estabelecido em uma regressão do eu em direção e movimento ao outro, e vice-versa (já que agora Alice só existe como imagem)?

 

As redes

Segundo Castells (2008, p. 553), "as redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades e a difusão lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura". O autor escreve que o poder dos fluxos é mais importante que os fluxos do poder, que a presença na rede ou a ausência dela e a dinâmica de cada rede em relação às outras são fontes cruciais de dominação e transformação de nossa sociedade.

Castells (2003, p. 5) escreve que por muito tempo na história da humanidade, as redes eram o domínio da vida privada, e uma propensa centralização dava limites à produção por ela alcançada. Havia uma tentativa de controle, que agora, com a tecnologia da informação, escorrega pelos fios, pelas mãos de hackers, pela atribuição pública de grupos, pela falta de capacidade de retenção.

O saber vaza, os contatos vazam, o que é feito não pode ser controlado. Há um caos disfarçado por corporações - poucas, aliás - nomeando as redes, mas sem capacidade de identificação ou de ação defensiva intensa em casos de abusos por pessoas ou grupos, reduzindo sua diligência a denúncias e bem poucas ações concretas em prol do desejo de segurança dos conectados (nem todos). Segundo o autor, ser excluído dessas redes é sofrer uma das formas mais danosas de exclusão em nossa economia e cultura.

No final do século XX, três processos independentes se uniram, inaugurando uma nova estrutura social predominantemente baseada em redes: as exigências da economia por flexibilidade administrativa e por globalização do capital, da produção e do comércio; as demandas da sociedade, em que os valores da liberdade individual e da comunicação aberta tornaram-se supremos; e os avanços extraordinários na computação e nas telecomunicações possibilitados pela revolução microeletrônica. (Castells, 2003)

Estar conectado traz acesso a um grande volume de informações, nunca antes alcançado, porém repleto de dúvidas sobre a autenticidade das mesmas e de seus provedores de informações. Além disto, apresenta um fator de sincronicidade interessante, porque enquanto conectados a uma rede, estão desconectados de outras, às vezes dezenas delas, inclusive as de realização no mundo físico. Acabam se iludindo por uma conexão dessincronizada, que de tempo real tem somente o sinal sonoro de alguma das outras redes que não estão conectadas naquele instante (notificações assíncronas). Correm de um lado para o outro para atender demandas, sinais de outros que já não estão mais lá e/ou aproveitam para gerar demandas também para outros que estejam passando por essas mesmas redes.

A conexão digital favorece a comunicação simétrica. Hoje em dia, aqueles que tomam parte na comunicação não consomem simplesmente a informação passivamente, mas sim a geram eles mesmos ativamente. Nenhuma hierarquia clara separa o remetente do destinatário. Todos são simultaneamente remetentes e destinatários, consumidores e produtores. (Han, 2018, pp. 15-16)

A dicotomia que aqui apresento é a ilusão de uma falsa conectividade em rede pelas limitações dos humanos ou das máquinas, ou dos filtros que analisam os riscos do tráfego de dados. Alice anda por aí, de pontos em pontos de rede, em resposta a sinais de demandas vindas de aglomerações, mas ao chegar lá não encontra ninguém. Estão todos em outras redes e outras aglomerações.

O sujeito econômico neoliberal não forma nenhum "Nós" capaz de um agir conjunto [...] O socius ["social"] dá lugar ao solus ["sozinho"]. Não a multidão, mas sim a solidão caracteriza a constituição social atual. Ela é abarcada por uma desintegração generalizada do comum e do comunitário. A solidariedade desaparece. A privatização avança até a alma. (Han, 2018, p. 33)

 

Adeus ao corpo: como se dá isto?

Convenhamos que Alice não está de todo louca; o espaço cibernético, segundo Le Breton (2007, p. 141), "é um modo de existência completo, portador de linguagens, de culturas, de utopias. Desenvolve um mundo real e imaginário de sentidos e de valores que só existem por meio do cruzamento de milhões de computadores e do emaranhamento de diálogos, de imagens, de interrogações de dados, de discussões em chats [... ] que coloca provisoriamente em contato indivíduos afastados no tempo e no espaço e que às vezes ignoram tudo deles mesmos. Um mundo em que as fronteiras se misturam e em que o corpo se apaga [...]".

Um lugar favorável à onipotência do pensamento, liberando os limites do corpo para jogar todos os jogos, de movimentar-se à vontade - enfim, ser Alice. O espaço cibernético é a apoteose da sociedade do espetáculo, de um mundo reduzido ao olhar, à mobilidade do imaginário, mas à inspeção dos corpos que se tornaram inúteis e estorvantes (Le Breton, 2007, p. 142).

Alice, agora, pode sentir o mundo sem carne chegando a uma onipotência do espírito; não precisa temer os contratempos, nem os limites espaciais ou de linguagem (já existem bons tradutores simultâneos nos dias de hoje). Apesar disto, Alice pode fugir para outro lugar, teletransportar-se em bits quando não quiser mais aqueles dados, informações, avatares. Parece mais do mesmo? O tédio também está virtualizado? A fuga, com certeza, está, porque é fácil desaparecer, bloquear acessos, ocultar-se atrás de paredes de bits (firewall).7 "A identidade degenera em manuseio, é uma sucessão de 'eus' provisórios, um disco rígido que contém uma série de arquivos a serem ativados, dependendo das circunstâncias. O sujeito é uma autorização para a experimentação de possíveis" (Le Breton, 2007, p. 146).

Por que Alice aceitaria um único corpo limitado, se agora ela pode ter vários corpos-imagens ilimitados? Para nossa reflexão fica a contemplação desta nova maneira de ver o mundo - ou um mundo, o de Alice.

 

Freud e os devaneios dos escritores

Freud (1907/1996), no texto "Escritores criativos e devaneios", fica intrigado como os escritores criativos conseguem produzir nas pessoas emoções que até elas mesmas desconheciam até o momento em que deparam com a obra escrita. Ele desejava achar um modelo que pudesse capturar este tom para o sujeito comum. Busca na infância os primeiros traços desta habilidade - a criança brinca e joga intensamente, criando um mundo próprio. "Acaso não poderíamos dizer que ao brincar toda criança se comporta como um escritor criativo, pois cria um mundo próprio, ou melhor, reajusta os elementos de seu mundo de uma forma que lhe agrade?" (Freud, 1996, p. 135).

Pela citação acima, podemos ver a nossa Alice em sua felicidade de brincar, de forma séria, como Freud relata que as crianças brincam. Segundo ele, a antítese do brincar não é o sério, mas o real. Como estamos vendo durante nossas aporias, Alice tem um desejo regredido? De brincar seriamente neste seu novo mundo que realmente lhe agrade? Qual a distinção disto do sujeito que encontra paz em seus delírios?

Para Freud, o escritor criativo - e para nosso contexto, Alice - "cria um mundo de fantasia que leva muito a sério, isto é, no qual investe uma grande quantidade de emoção, enquanto mantém uma separação nítida entre o mesmo e a realidade (Freud, 1996, p. 136)". Em vez de brincar, agora ela fantasia como adulta, criando os chamados devaneios. Freud coloca que toda a fantasia é a realização de um desejo que corrige uma realidade insatisfatória.

Da mesma forma que Le Breton, Freud, muitos anos antes, destaca o sentimento heroico que invade este viajante: "Nada me pode acontecer!", e podemos, nisto, reconhecer de imediato Sua Majestade o Ego (Eu), o herói de todo devaneio e de todas as histórias inventadas para dar conta de fugir do tédio.

Em sua carta a Fliess em 7 de julho de 1898, Freud cita o romance O casamento do monge, de C. F. Meyer, para ilustrar o processo que ocorre nos anos posteriores na formação das fantasias.

[... ] as novas experiências, na fantasia, são reprojetadas no passado, de modo que as pessoas novas alinham-se com as velhas, que se transformam em seus protótipos. A imagem especular do presente é vista num passado fantasiado, que então se transforma profeticamente no presente. (Freud, 1986, p. 321)

Como vimos anteriormente, o fugitivo da ilha de Morel acaba por utilizar o mesmo método do construtor da máquina para, apaixonado, entregar a vida como o mesmo realizara anteriormente; porém, aperfeiçoando a vivência daquela uma semana que foi eternizada virtualmente - passado fantasiado, profetizado no presente da vida dele como amante.

Que desejo é este que Alice tem da lembrança de uma experiência anterior, na sua infância, que dá forma a este desejo que encontraria guarida em ser do tamanho de um pixel8 em uma tela? Que bit é este?

O que Freud sinaliza é que, apesar da complexidade da fórmula dos escritores, das emoções que o leitor viverá, ela provavelmente levará a resultados também insatisfatórios. Alice ainda terá seu tédio, e precisará fugir - continuará fugindo.

 

Considerações finais

"A subjetividade humana é, hoje, mais do que nunca, uma construção em ruínas" (Haraway; Kunzru e Tadeu, 2016, p. 9). A questão colocada no livro "Antropologia do Ciborgue" não é mais quem é Alice, mas: queremos ainda ser Alice? Quem tem nostalgia de Alice? O que vem depois de Alice? "A tecnologia não é neutra. Estamos dentro daquilo que fazemos e aquilo que fazemos está dentro de nós. Vivemos em um mundo de conexões - e é importante saber quem é que é feito e desfeito" (Haraway; Kunzru e Tadeu, 2016, p. 32).

Porém, Alice vaza por todos os lados; ela chama este gozo de tédio e quer fugir: do que, de quem, para onde? Só encontra ele novamente: o tédio. Acho que não há respostas, neste momento de nossa reflexão. Alice ainda está na fase de entregar-se à corrente, a plugar-se, ligar-se, seja na tela, seja na máquina, seja no devaneio ou no delírio, ou à outra Alice ou até mesmo a um ciborgue. Talvez Alice ainda seja apenas eletricidade, e o que ela vai ligar, emprestar energia, ainda irá surgir, ou apenas será uma energia que se perde por aí, transformada em calor, que sentimos, mas não vemos - gozamos.

 

Referencias

Castells, M. (2003). A Galáxia da Internet: Reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar.         [ Links ]

Castells, M. (2008). A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra.         [ Links ]

Casares, A. B. (2016). A invenção de Morel (4a ed.). São Paulo: Biblioteca Azul.         [ Links ]

Floridi, L. (2015). The Onlife Manifesto (pp.7-13). Cham: Springer International Publishing.         [ Links ]

Freud, S. (1986). Carta de Freud a Fliess em 7 de Julho de 1898 (carta 92). In J. M. Masson (Ed.). A correspondência completa de Sigmund Freud para Wilhelm Fliess - 1887-1904 (pp. 320-321). Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Freud, S. (1996). Escritores criativos e devaneios. In Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira (pp. 135-143, Vol. IX). Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Gilmore, R. (1998). Alice no país do quantum: a física quântica ao alcance de todos. Rio de Janeiro: Zahar.         [ Links ]

Han, B.-C. (2018). No Enxame: perspectivas do digital. Petrópolis, RJ: Vozes.         [ Links ]

Haraway, D. J., Kunzru, H., & Tadeu, T. (2016). Antropologia do Ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autentica.         [ Links ]

Le Breton, D. (2007). Adeus ao corpo: antropologia e sociedade. Campinas: Papirus.         [ Links ]

Masson, C., & Medeiros, S. (2007). Uma parábola literária para aproximar o universo virtual de Second Life. A invenção de Morel: fantásticas imagens. Psicologia Clínica, 19(2), 11-21.         [ Links ]

 

 

1 Aporias no sentido de incerteza ou hesitação diante do que se pretende dizer.
2 O bit é o nome dado a simplificação de digito binário que pode assumir somente dois valores, 0 ou 1. É utilizado na computação como a representação lógica da passagem ou corte de energia por um elemento de armazenamento de informação temporária ou permanente.
3 Algoritmo é o anunciado, em uma linguagem bem definida, de uma sequência de operações para resolver um dado problema.
4 Software é uma sequência de instruções a serem seguidas e/ou executadas, na manipulação, redirecionamento ou modificação de um dado/informação ou acontecimento.
5 Botelho, J. A. A Invenção de Morel [s.d.]. Recuperado em 4 maio, 2018, de https://goo.gl/tvEq9
6 Traduzi livremente por "embaçamento" para dar uma ideia ainda maior de obscuridade, de opacidade.
7 8 Firewall é um dispositivo de uma rede de computadores que tem por objetivo aplicar uma política de segurança a um determinado ponto da rede.
8 Pixel é o menor ponto que forma uma imagem digital, sendo que o conjunto de pixels formam a imagem inteira.

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