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Analytica: Revista de Psicanálise

On-line version ISSN 2316-5197

Analytica vol.8 no.14 São João del Rei Jan./June 2019

 

ARTIGOS

 

O amor e a (re)invenção da vida no contemporâneo: Lacan com Badiou

 

 

Rebeca Espinosa Cruz AmaralI; Rogério Robbe QuintellaII

IMestranda em Teoria Psicanalítica na Universidade Federal do Rio de Janeiro, com bolsa CNPq. Pós-graduada em Psicanálise: Sujeito e Cultura pela Faculdade de Medicina de Campos dos Goytacazes. Graduada em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense
IIProfessor Adjunto do Departamento de Psicologia (PUCG). Doutor em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Editor da Revista Ecos - Estudos Contemporâneos da Subjetividade. Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o sujeito contemporâneo (Nepesc-UFF). Autor do livro O Supereu canibal: compulsão, impulsão e o desmentido da privação na atualidade

 

 


RESUMO

Desde os primórdios da humanidade, a presença do amor tem sido acompanhada de diversas tentativas, de diferentes campos, de versar sobre ele. Tendo isso em vista, o presente estudo se propôs, por meio de uma revisão bibliográfica, a pensar as postulações sobre o amor a partir de articulações possíveis entre as obras de dois autores de diferentes campos: Lacan, psicanalista que dá seguimento e avança nas teorizações feitas por Freud; e Badiou, filósofo e autor de um livro dedicado a essa temática. Evidenciou-se que ambos consideram o enlaçamento amoroso como o que se constitui como uma tentativa de "costura" frente ao impossível da relação sexual, que só se apresenta contingencialmente e se dá a partir de (re)invenções singulares. Abordou-se, nessa linha de pensamento, a aposta de Badiou no amor como uma contraexperiência frente ao mundo de interesses próprios no contemporâneo e a reinvenção do amor um dos possíveis pontos de resistência hoje à obscenidade mercantil.

Palavras-chave: Amor. Contemporaneidade. Invenção. Psicanálise. Badiou.


ABSTRACT

From the beginnings of humanity, a presence of love has been accompanied by several attempts, from different fields, to deal with it. With this in view, the present study of purposes, through a bibliographical review, a thought as postures on love from a work of articulation between two works of authors from different fields: Lacan, a psychoanalyst who follows and advances in theories made by Freud; and Badiou, a philosopher and author of a book dedicated to this subject. It has been shown that both methods relate as an attempt to attempt self-dealing with sexuality, which presents itself as an attempt to get rid of singular (re)inventions. It is against this line of thought that a bet is made in a way contrary to a struggle against the world of self-interest and a reinvention of a point of strength today to the mercenary obscenity.

Keywords: Love. Contemporaneity. Invention. Psychoanalysis. Badiou.


RÉSUMÉ

Depuis les débuts de l'humanité, la présence de l'amour a été accompagnée de plusieurs tentatives, venant de différents domaines, pour la gérer. Dans cette perspective, la présente étude des finalités, à travers une revue bibliographique, une pensée comme postures sur l'amour à partir d'un ouvrage d'articulation entre deux œuvres d'auteurs de domaines différents: Lacan, un psychanalyste qui suit et avance des théories fabriqué par Freud; et Badiou, philosophe et auteur d'un livre consacré à ce sujet. Il a été démontré que les deux méthodes se rapportent à une tentative d'autotraitement avec la sexualité, ce qui se présente comme une tentative d'élimination des inventions (ré)singulières. C'est contre cette ligne de pensée qu'un pari est fait d'une manière contraire à une lutte contre le monde de l'intérêt personnel et à la réinvention d'un point de force aujourd'hui à l'obscénité mercenaire.

Mots-clés: Amour. Contemporanéité. Invention. Psychanalyse. Badiou.


RESUMEN

Desde los primordios de la humanidad, la presencia del amor ha sido acompañada de diversos intentos, de diferentes campos, de versar sobre él. En el presente estudio se propuso, a través de una revisión bibliográfica, a pensar las postulaciones sobre el amor a partir de articulaciones posibles entre las obras de dos autores de diferentes campos: Lacan, psicoanalista que da seguimiento y avanza en las teorizaciones hechas por Freud; y, Badiou, filósofo y autor de un libro dedicado a esta temática. Se evidenció que ambos consideran el enlazamiento amoroso como el que se constituye como un intento de "costura" frente al imposible de la relación sexual, que sólo se presenta contingencialmente y se da a partir de (re)invenciones singulares. En esta línea de pensamiento se abordó la apuesta de Badiou en el amor como una contraexperiencia frente al mundo de intereses propios en el contemporáneo y la reinvención del amor uno de los posibles puntos de resistencia hoy a la obscenidad mercantil.

Palabras clave: Amor. Contemporánea. Invención. Psicoanálisis. Badiou.


 

 

Introdução

Há quase cem anos, em 1930, Freud postulava em seu texto "O mal-estar na civilização" a existência de uma semelhança entre os processos civilizatórios e os do desenvolvimento libidinal do indivíduo, vendo em ambos uma base comum e a obrigação de que as condições de satisfação sejam conduzidas por caminhos desviados. Citando o poeta Friedrich Schiller, ele diz, então, concordar com a afirmação de que são a fome e o amor que movem o mundo, acrescentando que, segundo ele, no que concerne à construção da civilização, da vida comunitária, o amor (Eros) é um de seus fundamentos,1juntamente com a compulsão para o trabalho devido à necessidade (Ananke) externa.

Assim, seja por meio do senso comum ou da opinião de especialistas, o amor é afirmado como fundamental para o desenvolvimento humano, e para a Psicanálise não é diferente, pois, para ela, assim como o processo civilizatório, o desenvolvimento libidinal do sujeito também se coloca a serviço do amor, de modo que é pertinente estudar o sujeito e seu processo de constituição atrelado ao amor, como já mostrava Freud em 1914 ao escrever "Sobre o narcisismo: uma introdução", e mesmo em textos anteriores.

A isso, Ravanello e Martinez (2013) acrescentam que, além de mover o mundo, o amor move também a teoria e a clínica psicanalítica, na medida em que estas não são dissociadas da cultura e que, desde seu início, as falas dos sujeitos em análise presentificam seus desencontros amorosos. É o que também afirma Lins (2012) em seu "O livro do amor, volumes 1 e 2", em que, ao traçar a história do amor da pré-história ao século XXI -afirmando que a conduta íntima humana é determinada por expectativas, crenças e valores que nos cercam culturalmente -, mostra as diferentes concepções e organizações concernentes ao campo amoroso ao longo dos séculos, destacando que, nesse sentido, o surgimento da Psicanálise foi responsável por grandes revoluções.

Assim, é também, como Freud, se deparando com esses impasses do amor na clínica, que Lacan (1972-1973/2008, p. 89) afirma que "falar de amor, com efeito, não se faz outra coisa no discurso analítico".

O amor está, pois, presente no seio de diversos conceitos centrais da obra psicanalítica como Pulsão (Freud, 1915/1996), Narcisismo (Freud, 1914/1996), Complexo de Édipo (Freud, 1924/1996), Castração (Freud, 1905/1996), Ideal do eu/Supereu (Freud, 1923/1996), dentre outros - bem como no avanço da obra lacaniana. Ademais, ele possui, tanto ao longo do desenvolvimento da obra de Freud, como, posteriormente, nas postulações de Lacan, um caráter plural, sendo, em diferentes momentos, entendido como: ligado ao narcisismo (Freud, 1914/1996; Lacan, 1949/1998), à idealização (Freud, 1921/1996; Lacan, 1953-1954/2009), à castração e ao Complexo de Édipo (Freud, 1924/1996), como fator de constituição dos sujeitos e das civilizações (Freud, 1930[1929]/1996), como dom (Lacan, 1956-1957/1995), falsidade (Lacan, 1964/2008), uma negação (Lacan, 1966), um monstro ou importuno (Lacan, 1967), um melaço (Lacan, 1968/2008), uma máscara (Lacan, 1971/2009), suplência (Lacan, 1972-1973/2008), ligado à poesia (Lacan, 1976-1977), dentre outros.

A Psicanálise, porém, não é a única a se debruçar sobre a temática do amor, pois temos notícias de sua existência desde tempos imemoriáveis2 e, desde então, diversos são os campos de estudos - Sociologia, Filosofia, Antropologia, Artes, Psicologia, Neurologia, dentre outros - que buscam explicações a seu respeito. Desse modo, desde "O Banquete" (Platão, 1991),5 parecemos ver, ao longo do tempo, beberem do vinho de Sócrates, Aristófones, Alcibíades, Agatão e Eriximaco - dentre outros presentes -, diversos cientistas, escritores, poetas, músicos, etc., numa tentativa de, como nesse célebre diálogo platônico, reconhecido como uma das mais importantes obras sobre o amor até os dias atuais, dizer algo sobre o amor.

Diante de todas essas tentativas, porém, consideramos importante destacar que, tratando o amor como um conceito - se é que podemos nomeá-lo dessa forma3-, por sermos perpassados pela Psicanálise, só podemos abordá-lo a partir de um lugar que atesta ser impossível dele falar em suas profundezas ou totalidade, pois, como diz Heloisa Caldas em prefácio a Kuss (2015), o amor é impalpável, só podendo ser tocado pela palavra, ao que acrescentamos, tocado parcialmente.

Tendo isso em vista, então, nos propomos neste trabalho - escrito por dois estudiosos da Psicanálise - a convidar os leitores para pensar sobre o amor com Lacan -psicanalista que, é importante destacar, traz sempre consigo Freud, fonte por meio da qual fez suas releituras e avançou na teorização da Psicanálise - e com o filósofo Alain Badiou, pensador do mundo contemporâneo, exímio leitor da Psicanálise, que traz reflexões sobre o amor inovadoras em seu livro "Elogio ao amor" (Badiou & Truong, 2013).

Assim, considerando o recorte deste trabalho - que visa, pois, pensar as postulações sobre o amor a partir dos pontos em que podemos notar algumas articulações entre as obras desses dois autores - nos concentraremos nas concepções de Lacan, principalmente em seus últimos seminários, e de Badiou em "Elogio ao amor" (Badiou & Truong, 2013), para pensar o amor como invenção e daí abordarmos a afirmação de Badiou (2013) sobre a necessidade de (re)inventarmos o amor na contemporaneidade.

 

Pensando com Lacan

Após trabalhar o amor pelo viés narcísico e como um dom, a partir de suas articulações à castração, no prosseguimento de sua obra, e dando destaque ao registro do real, Lacan (1972-1973/2008) vai proferir seu célebre aforismo "não há relação sexual". Tal concepção vem reafirmar a articulação entre o amor e a castração ao desmistificar o mito do complemento sexual e apontar que um sexo confronta sempre o outro com sua incompletude, sua castração, de modo que podemos notar aqui, para além da articulação simbólico-imaginária do amor, em que medida o amor toca e é tocado pela dimensão do real.

A partir, então, do aforismo lacaniano, refletindo sobre o modo como o amor se inscreve frente a isso, vemos que Lacan, (1972-1973/2008) ao afirmar que o amor faz suplencia à inexistência da relação sexual, não deixa de assinalar que, na medida em que o amor remete à incompletude do sujeito - pois, só ama quem se depara com a castração e com algo de inatingível, afirmando-se incompleto e não suficiente -, ao tentar obturar a falta, o amor também marca a existência desta, pois, do contrário, ele próprio cessaria. É nesse sentido que podemos afirmar que o amor vela e ao mesmo tempo revela a inexistência da relação sexual, pois, apesar de sua função de inscrever algo de simbólico, ele também faz com que os sujeitos se confrontem com o não todo, de modo que, ao contrário da relação sexual, ele existe, mas é "falho", impotente, em seu objetivo de velá-la por completo, havendo sempre algo do real que comparece.

Em "Não há relação sexual" (Badiou & Cassin, 2013), Badiou se debruça sobre esse aforismo lacaniano, tomando como ponto de visada o célebre escrito sobre "O Aturdito" (Lacan, 1973), abordando a dimensão do senso ab-sexo, àquilo que escapa ao sentido na relação sexual, mas que contém neste, ao mesmo tempo, uma condição da própria tentativa de dar sentido à relação. Aqui Badiou, leitor de Lacan, pontua que não se pode pensar o impossível, o fora-do-sentido, desatrelado da divisão do sentido operado pela cadeia significante, que deixa um nonsense como produção residual da operação simbólica. Em se tratando desse resto sem sentido na esfera sexual, ou do senso ab-sexo, Badiou (2013) pontua que o encontro sexual não une, mas separa, na medida em que o que se visa no gozo é a fantasia própria, e não o outro. A complementação é, portanto, impossível entre os sexos, o que mantém um esgarçamento de sentido na relação sexual. Se há um encontro e se há satisfação dos corpos, trata-se daquilo que se produz como objeto-causa, não captável nesse encontro. A satisfação é, nessa medida, um encontro faltoso, e se ela acontece do ponto de vista pulsional é porque a própria pulsão faz um retorno em circuito relativo às bordas erógenas do corpo que a caracteriza como pulsão parcial (Lacan, 1964/1985).

Em "Elogio do amor", Badiou (2013) acrescenta que, diferentemente da relação sexual, o amor visa ao ser do outro, na medida em que o amor visa a Um e busca fazer signo implicado na relação imaginária (Lacan, 1972-1973/2008). Não se pode nisso deixar de assinalar que o amor, nessa visada do Um, presentifica, ao mesmo tempo, ali mesmo, a falta de garantia de sucesso na relação, o impossível, o real, convocando o sujeito a assumir e afirmar novamente sua condição desejante, sua castração. A não relação é, portanto, uma condição inalienável entre os sexos, e o amor terá nisso um papel fundamental, capaz de propiciar um laço.

É, nesse sentido, que trazemos para esta discussão a postulação de Munoz (2011), que afirma que enfrentar a encruzilhada que se coloca diante da impossibilidade estrutural, do real que a não relação sexual supõe, é uma prova de amor que Lacan (1972-1973/2008, p. 197) chama de "coragem em vista desse destino fatal". Tal coragem, a autora define como o caminho de um reconhecimento, uma vez que Lacan (1972-1973/2008) afirma que o amor se baseia numa relação entre dois saberes inconscientes, de modo que, para ela, o amor se dirige ao saber do inconsciente - como acontecimento. E, como acontecimento, implica um nó com as três faces, sendo, assim, imaginário, simbólico e real. Ao não retroceder, então, diante do real do inconsciente, a prova de amor, ou, essa coragem em vista desse destino fatal "é um juízo ético" (Munoz, 2011, p. 45).

É tendo isso em vista que Allouch (2010) salienta o distanciamento de Lacan sobre a concepção do amor unificante, esse que supostamente faz Um, o amor na sua visada mais profunda. Allouch (2010) salienta a busca de Lacan por uma via de metamorfose do próprio amor, a postulação de um novo amor, que se situa justamente contra esse "fazer um" do amor. Eis o paradoxo. E isso Lacan efetivamente destaca em diversos pontos de sua obra, especialmente em seu "O Seminário livro 20" (Lacan, 1972-1973/2008), quando afirma, por exemplo, que por mais que o amor busque dar um significado ao que escapa da relação sexual, como dissemos anteriormente, ele o faz de forma grosseira, afinal, todos sabem que nunca aconteceu que dois sejam um só, ou ainda, quando afirma que o amor é impotente por ignorar que o desejo de ser Um conduz ao impossível de estabelecer uma relação dos dois sexos. Neste ponto, é importante assinalar que a formulação lacaniana de um novo amor sofre influência de uma das leituras que o autor faz do poema em prosa de Arthur Rimbaud intitulado "À une raison", no qual se lê:

A uma Razão

Um toque de teu dedo no tambor desencadeia todos os sons e dá início a uma nova harmonia

Um passo teu recruta novos homens e os põe em marcha.

Tua cabeça se vira: o novo amor! Tua cabeça se volta: o novo amor!

"Musa, nossos destinos, acabam com as calamidades, a começar pelo tempo",

cantam essas crianças, diante de ti. "Semeia, não importa onde a substância de

nossas fortunas e desejos", pedem-te.

Chegada de sempre que irá por toda parte. (Rimbaud, citado por Bernardes, 2009, p.101)

Bernardes (2009), comentando essa influência, afirma a princípio ser possível notar como arte poética e Psicanálise se aproximam como modos de tratar o real, e destaca da obra de Rimbaud sua busca de novas formas - que subvertem a lógica e a sintaxe para abrir caminho para um pensar e um dizer novos - que permitam dar lugar ao "desconhecido", e o fato de seu poema, ao qual aqui estamos nos referindo, se endereçar a uma Razão. Não a razão, ela frisa, pois Rimbaud não louva a racionalidade e de certa forma questiona as bases do racionalismo cartesiano ao defender que o eu é um outro. Para Rimbaud é errado dizermos "eu penso", pois deveríamos dizer "pensam-me" - o que também se acha relacionado à razão poética como criação artística. Na razão poética, não se trata de um saber do Eu. Sua Razão, segundo Bernardes (2009), parece anunciar, sobretudo, uma modificação que toca no singular de cada um, de modo que "o novo amor indica um novo laço social [...] parafraseando o poeta, que 'semeia a substância do desejo'" (p. 104). Isso está intrinsecamente relacionado à razão analítica, "regida" pela causa do desejo - razão essa que tem a "função" de suscitá-lo. Ou seja, esse novo amor tenta novamente encobrir um vazio que permanece como causa de desejo, e que permite um encontro com o real, abrindo a perspectiva da invenção de um enlace possível. Ela acrescenta ainda que

se a enganação do amor é tomar a contingência como necessário, substituindo o "pára de não se escrever" pelo "não pára de se escrever", [...] tenderíamos a propor que o Novo amor, razão imprevista, é o que do amor é a pura contingência. Algo da ordem de um acontecimento [...] que determina um novo começo ou, como define Alain Badiou (1993b: 38), é "o que nos constrange (contraint) a decidir uma nova maneira de ser". (Bernardes, 2009, p. 106)

Isso nos permite observar em que medida o amor pode deslizar da ilusão de fazer Um ao campo da invenção. Pois, afirmar o amor como de alguma forma articulado ao real, apontando sempre para algo da falta, não nos permite postular sua inexistência - como feito no que concerne à relação sexual. É justamente em função de, ao buscar o Outro, só encontrá-lo enquanto barrado, não-todo, que o amor pode perdurar e caminhar, não apenas como uma enganação, mas para além da repetição, em direção à invenção, a qual pode estabelecer sua existência. Diante das impossibilidades que apontamos, portanto, é preciso inventar possíveis enlaces entre dois seres de fala, que nunca se unirão em um só, mas que, enquanto sempre distintos, podem fazer um laço. Laço, porém, no qual, entre encontros e desencontros, sempre comparecerá a disparidade, cujo rastro deixa um vazio inapreensível e impreenchível.

Vale destacar ainda que a partir da obra lacaniana, em relação ao amor, no que concerne a essa invenção, esse é o papel das palavras e cartas de amor, o que demonstra que aqui a escrita tem um papel fundamental, na medida em que ela, assim como o amor, transporta o sujeito para um plano simbólico e imaginário a um só tempo, que lhe permite confrontar-se com os efeitos do real que o perpassa. Isso porque o amor não possui consistência - ou uma essência - anterior ao advento do significante, mas está constituído no nível em que o gozo se articula com o Outro do significante, como afirma Lacan (19711972/2012). Assim, ele promove uma escrita possível diante da impossibilidade de escrever a relação sexual, a relação entre os seres falantes. Em relação a isso, Munoz (2011, p. 40) afirma que "O amor forma parte desse real, considerado por Lacan como 'inexistência da relação sexual'; trata-se da maldição que recai sobre o sexo: o ser falante passar dessa impossibilidade a uma possibilidade por meio do inconsciente e da letra como acontecimento do dizer".

Munoz (2011) traz, então, a perspectiva de que a letra pode fazer passar do impossível ao possível, não da relação sexual, mas do encontro entre dois falantes, marcados pelo significante e determinados pelo inconsciente. Afirma ela, então, que "o que se interpõem entre dois falantes é um mundo, um muro e o amor, a carta de amor; a letra que pode escrever-se no muro, pode permitir o encontro" (p. 42).

Prosseguindo, diante da escrita Lacan (1972-1973/2008) afirma ainda ser necessária a poesia. Esta, cuja etimologia remete à língua grega onde significa "ação de fazer alguma coisa", é para Lacan o menos bobo dos dizeres - na medida em que não repete, mas inventa o que o Outro não saberia dizer - e o que de mais sério se pode fazer com o amor. Sério, pois ao ser efeito de sentido, mas também de furo, como afirma Lacan (1976-1977), ela sustenta nas entrelinhas o vazio que ampara a significação, incorporando-o, operando metáforas na tentativa de dizer algo do indizível e inscrevendo no simbólico as alusões a esse real. Esse vazio, o amor trazido por Lacan, também precisa admiti-lo e, diante dele, surgir como um amor mais digno que não espera complemento do Outro por se dar como um encontro contingente entre dois saberes inconscientes. Seres falantes que reconhecem o outro enquanto díspar e têm coragem diante do destino fatal, abrindo uma via inventiva, de criação, que ao vir como suplência implica um saber lidar com a impossibilidade, tecendo nas bordas do furo.

Neste ponto, destacamos ainda mais uma observação de suma importância feita por Lacan (1973-1974), qual seja, as postulações a respeito da singularidade do amor, que ele afirma ao dizer que este é o imaginário específico de cada um e que em relação a este, "cada um tece seu nó" (Lacan, 1973-1974). Cada invenção é, portanto, uma invenção singular e, frente ao vazio intrínseco aos seres de fala que buscam se enlaçar, o amor, pensado de certa forma como um saber criativo diante da hiância, precisa se (re)inventar constantemente.

É tendo em vista, pois, a singularidade dos enlaces - que além de entendermos como relacionada à forma como cada sujeito costura suas relações, compreendemos também como marcada pelo social e, portanto singular em cada época e cultura - que se desperta em nós a questão de como vem se dando tais relações - e, portanto, reinvenções - na contemporaneidade, como questiona Caldas (2008, pp. 2-3):

Que histórias os sujeitos precisam inventar para viver a parceria amorosa atualmente? Como os significantes da época se prestam a escrever sintomaticamente o gozo dos amantes? Como se acolhe hoje o que antes já foi proscrito? Que novidades podem prescrever as parcerias de nossa época? Como situar na clínica o tragicómico contemporâneo da sexuação?

Interessante pensar que, diante daquilo que vem por via da cultura como determinação simbólica, a não relação sexual e sua falta de sentido é o que viabiliza a possibilidade da inovação. Não codificado por coordenadas totalizantes, o sujeito do desejo é efeito de uma estrutura inconsistente - do Outro como lugar da palavra falada. O sujeito, representado pelo significante, dá de frente com uma indeterminação sobre seu próprio ser, na medida em que não há, no Outro, nenhum significante que responda sobre o ser último do sujeito. Sobre isso Lacan (1958-1959/2016, p. 322) pontua, desde o "Seminário 6":

/

S(A) quer dizer isto - que em A, que não é um ser, mas o lugar da palavra falada, onde descansa o conjunto do sistema significante, quer dizer, de uma linguagem, aí falta alguma coisa, alguma coisa que só pode ser um significante. Um significante falta ao nível do Outro. Este é, se posso dizer, o grande segredo da psicanálise - não há Outro do Outro. [...] Não há no Outro nenhum significante que possa no caso responder pelo que sou.

Essa inconsistência no Outro, esse buraco entre um significante e outro, entre uma determinação e outra, é o que permite ao sujeito a possibilidade de desejar e, nessa dimensão, inventar. Cabe aí um posicionamento que o singulariza, permitindo a decisão sem garantia de sucesso, sem nenhum Outro que responda pelo sujeito em seu ser. Quer o sintoma que tenta tamponar o furo deixado pelo Outro, quer a invenção, quer as saídas singulares do sujeito vida afora diante do non sense da relação sexual, trata-se do sujeito apanhar-se numa condição de indeterminação, e o amor pode acontecer como via para uma tentativa de resposta sobre o ser. Como afirma Miller (2008), "Ama-se aquele ou aquela que conserva a resposta, ou uma resposta, à nossa questão 'Quem sou eu?'" (Miller, 2008). O fracasso de sua busca é o que permite, ali mesmo, que o sujeito descubra, ao acaso, sua inventividade, fundamental para a sustentação de uma relação amorosa, tal como abordaremos adiante.

 

Um olhar para o contemporâneo

Conforme já salientamos, apesar de estar presente desde os primórdios da humanidade, enquanto fenômeno cultural, o amor modifica-se no decorrer dos tempos e de acordo com as mudanças dos espaços - é o que aponta Lins (2012) -, de modo a ser não só constitutivo da civilização, como o afirma Freud (1930^929^1996), mas também ser influenciado e transmutado por esta.

Avançando até os dias atuais, portanto, percebe-se que a concepção ao redor do amor se modificou com os movimentos do fim do século passado e o avanço tecnológico, de modo que hoje vemos que se modificaram as maneiras como os sujeitos contemporâneos vivem suas experiências, tanto no campo amoroso como nos demais. Diante disso, busca-se compreender o modo como essa subjetivação vem se dando hoje para, a partir disso, lançar luz às possibilidades de enlaçamentos amorosos na contemporaneidade com consequente sustentação da alteridade.

Mediante o estudo de vários autores contemporâneos, como Maurano (2001), Quintella (2018) e Žižek (2016), podemos vislumbrar que o que se vive na contemporaneidade é um esfacelamento da autoridade do pai, ou seja, uma falência do pai de amor - que atrela pai imaginário e pai real. Isso ocorre na medida em que este, outrora potente, é hoje humilhado por não lhe ser atribuído o direito da posse do falo, causando assim um declínio da autoridade ao nível do ideal do eu, que faz com que se diversifiquem as formas como o laço social se constitui (Quintella, 2018). Nisso é importante assinalar que a evanescência dos ideais (Quintella, 2014) leva, consequentemente, a uma fugacidade do amor nos enlaçamentos contemporâneos. Trata-se de uma circunstância subjetiva em que o pai não é colocado no lugar do ideal do eu - o que está implicado no declínio de sua função simbólica, aqui, especialmente, referida ao lugar daquele que detém o falo na constituição subjetiva infantil.4 Disso se conjectura a sobrepujança da imagem perdida da Criança Maravilhosa, tal como abordado por Leclaire (1975).5

Com efeito, o sujeito contemporâneo tende a rechaçar a castração de um modo diverso: coloca no lugar do ideal do eu sua fantasia de onipotência narcísica. Por não lançar mão do ancoramento do ideal paterno que antes lhe servia de base de um modo mais rígido, o amor também se apresenta na contemporaneidade com maior fugacidade, pois o sujeito contemporâneo em sua costura de laços sociais, na qual se incluem os relacionamentos amorosos, é um sujeito "desbussolado", como o diz Miller (2005), que, por não dispor desse norteamento calcado no ideal do eu, busca um nível mais acentuado de imediatismo na satisfação pulsional.

Desse modo, as relações amorosas encontram maior dificuldade de se sustentar porque, assim como o pai do amor, os parceiros nos relacionamentos amorosos contemporâneos também, muitas vezes desde o início, aparecem desimplicados em fazer laço ou mantê-lo ao longo do tempo.

Tais laços se apresentam, assim, de maneira cada vez mais instável, transitória, fugidia, e efêmera. E tal fenômeno, apontado aqui como um movimento de fugacidade do amor, já vem sendo evidenciado em diversos movimentos sociais e culturais da contemporaneidade e atestado por diversos autores que se dedicam a essas temáticas, como Bauman (2004), Giddens (1993) e Rios (2008), além dos já citados Maurano (2001) e Zizek (2016).

Assim, sobre as relações contemporâneas, Rios (2008), por exemplo, em seu artigo intitulado "O amor nos tempos de Narciso", faz uma análise social - articulada ao conceito psicanalítico de narcisismo - e afirma que atualmente presenciamos uma dificuldade do encontro amoroso em virtude de nossa cultura apresentar valores e modelos que estimulam o modo narcísico de subjetivação. Segundo ela, na experiência de amor o sujeito precisa passar pela fase do narcisismo primário, mas dela sair rumo à alteridade, o que nos dias atuais não vem ocorrendo, pois a falta de referências culturais que legitimam a experiência com o outro faz com que o eu tome cada vez mais a si mesmo como objeto de amor.

Outro autor que também faz postulações a esse respeito é Tavares (2010), que ao versar sobre o mal-estar na contemporaneidade, visando em seu trabalho a uma análise sobre a depressão como mal-estar contemporâneo, afirma, a partir da leitura de alguns desses autores, que a contemporaneidade é regida pelo esteio do capitalismo e do consumismo exacerbado, que se baseia em uma degradação do ser para o ter, transformando o outro em uma mercadoria que pode e deve ser explorada visando ao beneficio próprio. Segundo ele, isso faz com que as formas de relacionamento na contemporaneidade atendam a essa lógica e perpetuem um individualismo que transforma as relações em relações vazias, nas quais os vínculos são frágeis e supérfluos.

Maurano (2001) também fala a respeito disso, afirmando que vem se forçando na contemporaneidade a conexão do desejo ao objeto, enquanto um objeto adequado para a satisfação plena, que, entretanto, é postergada sempre para amanhã, o que abre espaço ao campo da economia de mercado e do sucesso do marketing - no qual o objeto vem sendo transformado em seu valor de mercadoria - e cria a "ilusão de poder negociar, dominar o que é inegociável, inapreensível" (p. 209). Assim, segundo Maurano (2001), é pela via da dimensão econômica da vida que vem se buscando dominar a existência.

Mas, diante disso, apontamos que mesmo apresentando um caráter fugaz o amor continua a ser buscado pelas pessoas de maneiras singulares. E mais do que buscado, ele continua a ser necessário, tendo em vista que Freud (1930[1929]/1996) já apontou seu caráter fundamental para a civilização, na medida em que seu propósito é unir indivíduos libidinalmente, barrando os impulsos agressivos derivados da pulsão de morte.

É tendo isso em vista que aludimos à aposta de Badiou (2013) de que o amor é uma contraexperiência frente ao mundo de interesses próprios no qual vivemos atualmente, ponto ao qual passamos neste momento.

 

Da invenção à reinvenção: Badiou em perspectiva

Como afirmamos anteriormente, no livro "Elogio ao amor" (Badiou & Truong, 2013), Badiou, dialogando com o jornalista Nicolas Truong, defende essencialmente que o amor é uma contraexperiência frente ao mundo de interesses próprios no qual vivemos hoje, e, que diante de tudo que o vem ameaçando, ele precisa ser defendido e reinventado dentro da inovação do mundo, pois é o que dá intensidade e significado à vida.

Segundo ele, o amor vem sendo ameaçado nos dias atuais por uma concepção securitária que prega, em nome de uma ilusória segurança pessoal, a ausência de riscos a partir de um não envolvimento afetivo e de um acordo que evita todo tipo de acaso ou encontro não planejado e controlado. Assim, o que vem acontecendo de acordo com o autor é que "liberal e libertário convergem para a idéia de que o amor é um risco inútil. E que podemos ter, de um lado, uma espécie de conjugalidade planejada, que se estenderá no bem-estar do consumo e, de outro, arranjos sexuais agradáveis e repletos de prazer que dispensam a paixão" (Badiou & Truong, 2013, p. 14).

É nesse sentido que ele aponta que o amor vem sendo ameaçado e precisa ser, principalmente pela Filosofia, defendido. Acrescenta que essa defesa pressupõe o já dito pelo poeta Arthur Rimbaud de que o amor precisa ser reinventado, o que, segundo ele, deve ocorrer dentro da inovação do mundo, reinventando-se o risco e a aventura a ele necessários. Isso, pois, para Badiou (2013), entendendo o amor como o que dá intensidade e significado à vida, essa doação à existência não pode implicar uma ausência de risco.

Segundo Badiou (2013), no amor há um encontro que se dá ao acaso e a partir deste se pode experimentar o mundo por meio da diferença, e não apenas da identidade. Por esse motivo, tendo em vista a concepção de que no mundo contemporâneo as pessoas seguem mais intensamente seus interesses particulares, é que o autor postula o amor como uma contraexperiência, pois ele deposita uma confiança no acaso e conduz os sujeitos àa experimentação do mundo a partir da diferença, tendo assim um alcance universal.

Recorrendo às postulações de Jacques Lacan sobre a inexistência da relação sexual, na afirmação de que o sexual separa, Badiou indica que o gozo é sempre o que visa à fantasia, e não ao ser do outro, ou ao signo do amor. Diante disso, o que vem suprir a falta da não relação sexual, o vazio que a sexualidade deixa, é o amor, em que o sujeito ultrapassa seu próprio narcisismo - não obstante carregar ali algo de narcísico -, mas vai em busca do outro para fazê-lo existir, tal como é, consigo mesmo. Assim, o amor faz com que algo permaneça no vazio deixado pela sexualidade.

Com efeito, o amor, para Badiou (2013), inicia-se com um evento - que ele define como um encontro entre duas diferenças -, mas não se reduz a esse encontro, pois é a partir dele uma construção, que possibilita assistir ao nascimento de um novo mundo, vivendo uma experiência pelo prisma da diferença, a partir do Dois, e não do Um. Isso, segundo ele, opõe-se à concepção romântica e fusional do amor - já anteriormente rechaçada por Lacan quando afirma que, apesar de o amor fazer signo, é impotente em sua visada de tentar dar sentido à relação sexual - que se consuma apenas no encontro, a partir do qual um "heroísmo do Um" acontece em oposição ao mundo, num movimento fusional que Badiou aponta não raramente levar à morte. Salienta, com isso, que o amor é uma construção duradoura, uma aventura obstinada, em que o que lhe interessa não é meramente o encontro, mas sim a duração pela qual se cumpre. Para Badiou (2013, p. 26),

o amor inventa uma forma diferente de durar ao longo da vida. Que a existência de cada um, pela experiência do amor, confronta-se com uma nova temporalidade. O amor também é, sem dúvida, como diz o poeta, "o duro desejo de durar". Mais do que isso, porém, é o desejo de uma duração desconhecida. Porque, como é sabido, o amor é uma reinvenção da vida. Reinventar o amor significa reinventar essa reinvenção.

A partir disso, Badiou (2013) aponta também que há atualmente uma concepção moralista, inserida numa tradição cética, que, se inscrevendo no registro securitário, desqualifica o amor, afirmando sua inexistência e definindo-o apenas como uma construção imaginária que está atrelada ao desejo sexual. O autor, porém, defende a existência do amor e alega que este inscreve em seu devir a realização do desejo, usando a entrega de seus corpos como símbolo material de uma entrega total do ser por onde se reafirma a promessa de uma reinvenção da vida.

Badiou (2013) postula, então, que o amor é o que ele chama de procedimento de verdade por ser uma experiência por meio da qual se constrói uma verdade sobre o Dois, da diferença como tal. E acrescenta que, assim como todo procedimento de verdade, o amor também é desinteressado, ou seja, seu valor está para além dos interesses dos dois indivíduos nele envolvidos, é um valor que reside apenas nele mesmo. Diante disso, afirma o autor

Que o mundo possa ser encontrado e experimentado de outra forma que não seja por uma consciência solitária, essa é a nova prova que todo amor nos oferece. E é por isso que amamos o amor, como diz Santo Agostinho. Amamos amar e também amamos que os outros amem. Simplesmente porque amamos as verdades. (Badiou & Truong, 2013, p. 30)

Badiou (2013) afirma ainda que é preciso que do acaso surja uma fidelidade, não em seu sentido tradicional - até porque o autor considera que o amor não se reduz pela criação de um universo particular e nem pela reprodução -, mas sim enquanto a passagem de um encontro casual para uma construção, a invenção de uma duração. Desse modo, para ele "o amor continua sendo uma força. Uma força subjetiva. Uma das raras experiências em que, a partir de um acaso inserido no instante, ensaiamos uma proposta de eternidade" (Badiou & Truong, 2013, p. 34).

Dessa passagem de um encontro casual a uma construção, invenção de uma duração, é importante destacar o caráter inventivo. Isso, pois, retomando as postulações da Psicanálise, vemos, com Freud e Lacan, que o encontro amoroso constitui-se sempre como um encontro faltoso, pois a Psicanálise aponta para a existência de um obstáculo interno à satisfação completa que faz com que "o encontro amoroso com uma satisfação, não deixa de retornar ao sujeito como a presença de um obstáculo ou um impossível à unidade amorosa" (Paz, 2009, p. 103). Essa impossibilidade, é importante deixar claro, se deve à "parcialidade do objeto apontada pela imposição de uma cadeia 'infindável'" (Paz, 2009, p. 103) de objetos substitutos, pela qual é possível vislumbrar a queda do ideal de um objeto pleno, adequado para satisfazer plenamente o sujeito no amor.

Tal encontro faltoso, porém, não é exatamente um desencontro, mas um encontro em que há desencontros, um desencontro em que há encontros. Ao nascer procurando dar conta do vazio que nos estrutura, o enlace amoroso se constitui como um encontro no desencontro, uma tentativa de "costura" frente ao não haver da relação sexual, que só se dá como um equilíbrio instável, como afirma Miller (2013). O possível de uma escritura, portanto, só se apresenta contingencialmente, e, ao delinear também a borda do impossível, constitui uma estrutura de ficção. Desse modo, é só contingencialmente que o amor escreve aquilo que não cessa de não se escrever. Não é a toa que Lacan (19721973/2008, p. 156) afirma:

A contingência eu a encarei no pára de não se escrever. Pois aí não há outra coisa senão o encontro, o encontro, no parceiro, dos sintomas, dos afetos, de tudo que em cada um marca o traço de seu exílio, não como sujeito, mas como falante, do seu exílio da relação sexual. Não é o mesmo que dizer que é somente pelo afeto que resulta dessa hiância que algo se encontra, que pode variar infinitamente quanto ao nível do saber mas que, por um instante, dá a ilusão de que a relação sexual, pára de não se escrever? Ilusão de que algo não somente se articula mas se inscreve, se inscreve no destino de cada um, pelo quê, durante um tempo, um tempo de suspensão, o que seria a relação sexual encontra, no ser que fala, seu traço e sua via de miragem. O deslocamento da negação, do pára de não se escrever ao não pára de se escrever, da contingência à necessidade, é aí que está o ponto de suspensão a que se agarra todo amor. Todo amor, por só subsistir pelo pára de não se escrever, tende a fazer passar a negação ao não pára de se escrever, não pára, não parará. Tal é o substituto que - pela via da existência, não da relação sexual, mas do inconsciente, que dela difere - constitui o destino e também o drama do amor.

Ou seja, apesar de a experiência amorosa ser como uma passagem do contingente do encontro à sua concepção como necessária, essa necessidade não apaga a contingência primeira, de modo que Lacan as toma juntas e, assim, podemos dizer que essa construção a partir de um encontro só se dá por meio de uma escrita inventiva que, de alguma forma, retoma sempre o encontro, o acaso presente no instante.

Retornando, então, a Badiou (2013), vemos sua afirmação de que no amor "a diferença absoluta que existe entre dois indivíduos - que é afinal uma das maiores diferenças que se possa imaginar, porque é uma diferença infinita - pode ser transformada por um encontro, por uma declaração, e uma fidelidade, numa existência criadora" (Badiou & Truong, 2013, p. 39).

Em virtude disso, ele postula que o inimigo do amor é o egoísmo, e o sujeito que quer a identidade em oposição à diferença. A tal postulação podemos acrescentar que o sujeito contemporâneo vem perseguindo seu eu ideal diante de um pai que não é colocado em posição de ideal do eu. Com isso tende a rechaçar a castração e a alteridade, como dito anteriormente, o que traz consequências para os relacionamentos amorosos, na medida em que o amor implica a confrontação com a castração, de modo que ao rechaçá-la prende-se à imagem da Criança Maravilhosa, dificultando a sustentação do desejo.

É nesse sentido que podemos retomar uma passagem de Freud (1921/1996) em "Psicologia das Massas e Análise do Eu", na qual ele afirma que o pai da hora primeva, enquanto líder - ou seja, aquele que é colocado no lugar do ideal do eu - amava apenas a si próprio e não possuía muitos vínculos libidinais, não amando ninguém. Isso se dava por sua natureza independente, totalmente narcisista, de um ponto de vista mítico, já que a totalização narcísica do pai é impossível e seu lugar nenhum sujeito castrado pode ocupar. Diante disso, Freud (1921/1996, pp. 127-128) afirma que "sabemos que o amor impõe um freio ao narcisismo, e seria possível demonstrar como, agindo dessa maneira, ele se tornou um fato de civilização". Ao dizer isso, Freud demonstra que, uma vez que o investimento na alteridade, enquanto investimento amoroso, implica a aceitação da castração - mesmo que visando a um certo retorno narcísico -, o amor impõe um certo freio ao próprio narcisismo. É isso que permite, segundo a leitura de Freud (1930^929^1996), a sustentação da civilização, pois o sujeito troca sua liberdade e satisfação irrestrita por uma parcela de segurança.

Com isso, do conflito entre a identidade e a diferença, Badiou (2013) afirma resultar, então, o drama amoroso, pois diz que o amor nem sempre é pacífico e, muitas vezes, é uma das experiências mais dolorosas na vida dos sujeitos. Declara, pois, que "é preciso mostrar que existe de fato uma força universal do amor, mas que essa força é simplesmente, para nós, a possibilidade de realizarmos uma experiência positiva, afirmativa e criadora da diferença" (Badiou & Truong, 2013, p. 43).

Apontamos, porém, que essa relação do amor com a alteridade na contemporaneidade é, de certa maneira, paradoxal, na medida em que, ao deparar-se com a castração, o sujeito, ao mesmo tempo, depara-se, consequentemente, com a alteridade, podendo ali sustentá-la. Mas, talvez esse seja também um dos motivos pelos quais ele vem sendo ameaçado. Pois, possivelmente, um dos motivos pelos quais o amor é concebido como um risco seja justamente pelo fato da confrontação com a castração, com a alteridade, essa sim encarada pelo sujeito como uma ameaça. Atualmente, então, nas neuroses dos dias de hoje, esse outro, enquanto diferença, é cada vez mais encarado como uma ameaça, de modo que reagimos rechaçando-o. Com efeito, os percalços da vida amorosa implicam para o sujeito contemporâneo o desafio de fazer algo de inventivo diante da condição inalienável da alteridade e da falta.

Isso nos indica um paradoxo no que concerne às relações amorosas na contemporaneidade, pois, se por um lado apresenta-se a fugacidade do amor, de outro vemos que as pessoas continuam buscando-o de certa maneira: o amor continua a ser exaltado e visto muitas vezes como a salvação para nossa crescente solidão no contemporâneo.

Além disso, pensamos que também a sexualidade na contemporaneidade, por estar dissociando-se do amor, faz com que os sujeitos encontrem por trás de si cada vez mais o vazio, já que ao prometer-se a felicidade e a satisfação plenas, estas são sempre adiadas para o amanhã, como diz Maurano (2001). Tais fatores fazem, assim, com que o amor, talvez mesmo em função de seu caráter fugaz, seja intensamente buscado como tentativa de suprir o desamparo que ele mesmo vem engendrando com cada vez mais força ao somar-se ao vazio da sexualidade. Podemos afirmar, ainda, que isso se dá em função também de o evanescente ser o ideal do eu primário que serve de base às idealizações posteriores, mas a busca por uma completude imaginária pela via amorosa ainda é presente.

Vale destacar, nessa linha de pensamento, que, para Badiou (2013), o amor é um momento em que um evento traspassa a existência, e como tal não é uma possibilidade, mas antes uma superação de algo que poderia se configurar como uma impossibilidade. Ou seja, como mostramos anteriormente com Lacan, o amor escreve um possível frente ao impossível, numa escrita inventiva que não se propõe a fornecer todos os sentidos e preencher todas as arestas. Tal como a poesia, ao ser efeito de sentido, mas também de furo, o amor sustenta nas entrelinhas o vazio que ampara a significação, incorporando-o, operando metáforas na tentativa de dizer algo do indizível (Lacan, 1976-1977).

É diante disso, portanto, que fazemos coro também à postulação de Badiou de que é a reinvenção do amor um dos possíveis pontos de resistência hoje à obscenidade mercantil - que tenta capturá-lo, talvez, justamente, por encará-lo como uma ameaça a seu avanço. Afinal, seguindo suas próprias palavras, "amar é, para além de toda solidão, estar às voltas com tudo o que no mundo é capaz de animar a existência" (Badiou & Truong, 2013, p. 63).

Entretanto, diante disso podemos questionar sobre o modo como pode se dar essa reinvenção do amor na contemporaneidade, a que ele serve e como pode se sustentar.

Um caminho possível pode ser o apontado por Miller (2010a), que ao versar sobre o fim de análise afirma que a descoberta de que não há Outro do Outro dá lugar a uma invenção que permite nos curarmos do amor como repetição. Isso porque, segundo ele, toda a teoria freudiana que cerca o amor o mostra enquanto uma repetição ao tratar o encontro do objeto como um reencontro, diretamente ligado ao Édipo.

Miller (2010b) avança afirmando que a originalidade da teoria lacaniana é postular o amor para além da repetição, a partir de uma invenção, de modo que "a boa nova lacaniana é que há novos amores possíveis" (p. 15). É importante inclusive deixar claro que Lacan (1964/1985), ao postular a repetição como um dos conceitos fundamentais da Psicanálise, de acordo com as bases freudianas, afirma não ser a repetição apenas uma reprodução, mas também implica na possibilidade de produção de um novo.

Assim, tendo em vista a possibilidade apontada por Miller (2010b), podemos vislumbrar que se hoje vivemos, como aponta Zizek (2016), num período pós-edipiano, que dessa maneira já engendra em si uma ultrapassagem do Édipo, devemos pensar o amor também como uma trilha de (re)invenções, de modo que, na contemporaneidade, sua sustentação seja possível, dado seu caráter elementar e fundamental para a cultura e para os sujeitos.

Aqui podemos assinalar, então, um estatuto ético do amor, do ponto de vista psicanalítico, que se relaciona com a ética do desejo insatisfeito, na medida em que o amor, na interface da necessidade de invenção para além da repetição, é capaz, somente assim, ao nível da invenção e da reinvenção, de sustentar o desejo. Não só por ser constitutivo, mas também por ser uma via que nos protege da morte. Afinal, já dizia Freud (1914/1996, p. 92) há mais de cem anos: "num último recurso, devemos começar a amar a fim de não adoecermos".

 

Considerações finais

Considerando nossas ponderações no decorrer deste trabalho, podemos localizar entre as postulações psicanalíticas de Lacan, principalmente em seu "O Seminário livro 20" (Lacan, 1972-1973/2008), e as do filósofo Alain Badiou em "Elogio ao amor" (Badiou & Truong, 2013), diversos pontos de articulação no que concerne a uma tentativa de versar sobre o amor.

Assim, ao nos debruçarmos sobre as obras desses autores, que pertencem a campos que, apesar de poderem dialogar e serem ambos considerados como pertencentes ao campo maior das ciências humanas, são campos de saberes diferentes - a Psicanálise e a Filosofia -, vemos nos dois uma teorização do amor articulada à invenção. Isso, pois, enquanto Lacan, no seminário citado, aborda o amor a partir da impossibilidade da relação sexual como uma suplência que, na medida em que remete à incompletude do sujeito, ao tentar obturar a falta, também marca sua existência, permitindo que deslizemos da ilusão do Um à possibilidade de uma invenção que possibilita sua existência; em Badiou vemos o amor postulado como o que faz com que algo permaneça no vazio deixado pela sexualidade, como o que inventa uma forma diferente de durar ao longo da vida, e como uma contraexperiência frente ao mundo de interesses próprios no qual vivemos na contemporaneidade. Diante de tudo que o vem ameaçando, Badiou afirma a defesa do amor reinventado dentro da própria inovação do mundo, pois é o que dá intensidade e significado à vida.

Inferimos, assim, a necessidade de refletir sobre as (re)invenções do amor por vislumbrarmos que, fugindo de suas concepções idealizadas do senso comum, o amor na contemporaneidade, apesar de apresentar-se como fugaz, é o que, enquanto contraexperiência e campo de (re)invenção, possibilita sustentar não só uma relação com a alteridade, tão assaltada na contemporaneidade, como também a relação fundamental com o desejo.

 

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1 Sobre o amor, relata que quando a satisfação genital deixou de ser uma hóspede repentina e passou a ser um inquilino permanente ela fez com que o homem tivesse um motivo para conservar junto a si seus objetos sexuais, assim como a mulher teve que permanecer com o mais forte em prol de seus rebentos.
2 Lins (2012), em seus "O livro do amor, volumes 1 e 2", traça a história do amor da pré-história ao século XXI e nos mostra não só que o amor é uma construção social, mas também que suas definições são múltiplas, e que estudá-lo é passar também por questões relacionadas à cultura, à economia, aos tempos e espaços, ao sexo, ao desenvolvimento científico e tecnológico, às religiões, às convenções e movimentos sociais, etc.. Pois, segundo ela, nossa conduta íntima é determinada por expectativas, crenças e valores que nos cercam, de modo que se mostra necessário recorrer ao passado e ao caminho trilhado até aqui, mas não dando atenção somente ao histórico dos indivíduos, do qual é possível ter notícias pelo inconsciente individual defendido pela Psicanálise, e sim, também se atentando para o outro eixo de estudos dessa linha, o da identificação da atuação do inconsciente social e cultural sobre a vida amorosa. Assim, é trilhando os passos do amor partindo de 40 mil anos atrás e passando pela pré-história, pela Grécia dos anos 4500 a.C. a 146 a.C., Roma dos anos 146 a.C. ao século III, a antiguidade tardia dos séculos III ao V, a Idade Média dos séculos V ao XV, a Renascença dos séculos XV ao XVII, o Iluminismo dos séculos XVII e XVIII, o Romantismo dos anos 1800 a 1914, a primeira metade do século XX e o seu pós-guerra, que Lins (2012) chega ao período das revoluções, que iniciou-se nos anos 1960 e vem caminhando até os dias de hoje.
3 De um modo geral, esse diálogo de Platão (1991), "Tù sumpósion" é traduzido como "Banquete"; entretanto preferimos mais fidelidade ao encontro dos dialogadores sobre o amor em que eles beberam bem mais do que comeram: Tù sumpósion alude à ideia de um festim, em que se bebe mais do que se come.
4 No que concerne à obra de Lacan, Borges e Abramovich (2011) destacam que ao contrário de outras noções que foram objeto das construções teóricas desse autor, em relação ao amor, não há nela uma escrita lógica no sentido de uma formalização deste como conceito ou escrita. Essas autoras afirmam, então, assim como faz Allouch (2010), que Lacan recorre a estratégias surpreendentes para falar sobre o amor, fazendo suas elucubrações por meio da Literatura, da poesia, dos mitos e das artes em geral, e, com isso, proliferando ditos, adjetivações e fórmulas que passam como aforismos. Entretanto, tais adjetivações acabam por nos atordoar, pois são compostas de "ditos carregados de ambiguidade, fórmulas enigmáticas, semidizeres que cortam qualquer possibilidade de um pensamento unívoco quanto ao amor" (Borges & Abramovich, 2011, p. 8).
5 Esta análise é mais profundamente realizada alhures em "As funções do pai: pensando a questão da autoridade na constituição do sujeito contemporâneo a partir de um estudo psicanalítico do ideal do eu" (Quintella, 2014).
6 A Criança Maravilhosa é um conceito desenvolvido por Serge Leclaire (1975) que caracteriza o fundamento da experiência "primária" do narcisismo, "[...] é uma representação inconsciente primordial, na qual se entrelaçam, mais densos do que em qualquer outra, os anseios, nostalgias e esperanças de cada um" (p. 11). A Criança Maravilhosa aparece na obra de Leclaire como posição subjetiva à qual o sujeito é convocado a renunciar a fim de sustentar sua condição desejante. Assinalamos que a renúncia à Criança Maravilhosa no complexo edipiano funciona atrelada à instauração do ideal do eu que opera, tal como reverberou Freud (1914/1996), o afastamento do narcisismo primário.

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