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Analytica: Revista de Psicanálise

versión On-line ISSN 2316-5197

Analytica vol.8 no.14 São João del Rei ene./jun. 2019

 

ARTIGOS

 

O inconsciente e a política: entre a estrangeiridade e a extimidade

 

Politics and the unconscious: between foreignness and extimacy

 

L'inconscient et la politique: entre l'étrangeté et l'extimité

 

El inconsciente y la política: entre la extranjeridad y la extimidad

 

 

Jacqueline de Oliveira Moreira

Professora da Pós-Graduação em Psicologia da PUC Minas. Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Mestre em Filosofia pela UFMG. Psicanalista. Bolsista Produtividade CNPq PQ2. Projeto Aprovado APQ-02862-17 - Edital Universal Fapemig. E-mail: jackdrawin@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

O presente texto se constitui em um ensaio teórico que objetiva produzir uma reflexão sobre algumas possibilidades de articulação entre Psicanálise e política. Dentre os diferentes caminhos que podem ser traçados para alcançar esse objetivo, optamos por eleger o conceito de política de Hannah Arendt como ponto de partida de nossa reflexão e localizar no texto freudiano as menções à palavra "política". Propomos pensar a ideia freudiana do inconsciente como um ato político subversivo, pois introduz a formulação do desejo e oferece voz aos sujeitos eclipsados pela massificação civilizatória. Concluímos que a formalização freudiana do inconsciente desvela a relação paradoxal do sujeito com o outro, visto que a condição de desamparo estrutural anuncia a dependência do outro e, paradoxalmente, a necessidade de mediar essa relação de mal-estar (Freud, 1930/1974). A noção de inconsciente traduz duplamente o tema da política, primeiro porque política e inconsciente são resultados da condição de desamparo, e, segundo, porque a política e o inconsciente representam tentativas de trabalhar o mal-estar produzido na e pela relação com outro (Freud, 1930/1974).

Palavras-chave: Psicanálise. Política. Freud.


ABSTRACT

This theoretical essay proposes a discussion concerning possible articulations between psychoanalysis and politics. Among the many different paths available to make this discussion possible, we chose as a starting point Hannah Arendt's concept of politics and proceeded with a search for mentions of the word "politics" in Freudian texts. Our intent is to reflect on the Freudian definition of the unconscious as a subversive political act, as it introduces the formulation of desire and gives voice to the subjects who have been eclipsed by civilizing massification. We concluded that the Freudian formalization of the unconscious reveals the paradoxical relationship of the subject with the Other, since the state of complete helplessness reveals the dependence on the Other and, paradoxically, the necessity of mediating this relationship of discontents (Freud, 1930/1974). The notion of unconscious gives a double translation of "politics", firstly because politics and the unconscious are results of the condition of helplessness and, secondly, because politics and the unconscious represent attempts to deal with the discontents produced in and by the relationship with the Other (Freud, 1930/1974).

Keywords: Psychoanalysis. Politics. Freud.


RÉSUMÉ

Le présent texte se constitue un essaie théorique qui a comme but une réflexion sur quelques possibilités d'articulation entre la psychanalyse et la politique. D'entre les différents parcours qui peuvent être tracés pour atteindre cet objectif, on a choisi d'élire le concept de politique de Hannah Arendt comme point de départ de notre réflexion et repérer chez Freud les mentions au terme "politique". On propose de penser à l'idée freudienne de l'inconscient comme un acte politique subversif, puisqu'il introduit la formulation du désir et offre la voix aux sujets éclipsés par la massification civilisatrice. On a conclu que la formulation freudienne de l'inconscient dévoile la relation paradoxal du sujet avec autrui, car la condition de détresse structurelle annonce la dépendance de l'autre et, paradoxalement, la nécessité de faire la médiation de cette relation de malaise (Freud, 1930/1974). La notion de l'inconscient traduit doublement le thème de la politique, premièrement parce que la politique et l'inconscient sont des résultats de condition de détresse, et, deuxièmement, parce que la politique et l'inconscient représentent les tentatives de travailler le malaise produit dans et par la relation avec l'autre (Freud, 1930/1974).

Mots-clés: Psychanalyse. Politique. Freud.


RESUMEN

El presente texto se constituye en un ensayo teórico que objetiva producir una reflexión sobre algunas posibilidades de articulación entre psicoanálisis y política. De entre los diferentes caminos que pueden ser trazados para atingir este objetivo, optamos por elegir el concepto de política de Hannah Arendt como punto de partida de nuestra reflexión e identificar en el texto freudiano las menciones a la palabra "política". Proponemos pensar la idea freudiana del inconsciente como un acto político subversivo, pues introduce la formulación del deseo y ofrece voz a los sujetos eclipsados por la masificación civilizadora. Concluimos que la formalización freudiana del inconsciente desvela la relación paradójica del sujeto con el otro, ya que la condición de desamparo estructural anuncia la dependencia del otro y, paradójicamente, la necesidad de mediar esta relación de malestar (Freud, 1930/1974). La noción de inconsciente traduce duplamente el tema de la política, primero porque política e inconsciente son resultados de la condición de desamparo, y, segundo, porque la política y el inconsciente representan intentos de trabajar el malestar producido en la y por la relación con otro (Freud, 1930/1974).

Palabras clave: Psicoanálisis. Política. Freud.


 

 

Introdução

A relação entre a Psicanálise e o tema da política não nos parece nem simples, nem linear, pois se apresenta de forma complexa, com diferentes tipos de aproximação e distanciamento. Segundo Checchia (2012), o conceito de política não é analisado de modo direto nem por Freud nem por Lacan. Corroborando essa afirmação, Goldenberg revela que "Freud nunca se ocupou da política como objeto de reflexão filosófica ou científica, nem fez dela um tema para a Psicanálise. Não por omissão, mas por interessar-se por ela antes como prática do que como teoria" (Goldenberg, 2006, p. 7). Não é por acaso que no texto "O interesse científico da Psicanálise" (19^/1995) Freud se dedique a pensar as contribuições da teoria psicanalítica para os âmbitos da Psicologia, Filologia, Filosofia, Biologia, desenvolvimento, História, Estética, Sociologia, Educação, mas não faz menção ao campo da política.

De acordo com Checchia (2012, p. 14), "na teoria freudiana prevalece o método da apreensão da teoria psicanalítica para analisar fenômenos políticos e no pensamento lacaniano a dimensão política está associada à noção de técnica, ética, ato e discurso". Ainda no que tange à teoria lacaniana, segundo Calazans (2008, p. 20), "Lacan se refere à política de maneira depreciativa nas últimas lições de seu seminário sobre a ética da Psicanálise (1988:348, 362, 373). Essa depreciação se dá porque, para Lacan, a política é da ordem do serviço dos bens. E, como todo serviço dos bens, a política é feita em torno de um polo identificatório".

Todavia, a inexistência explícita e direta do estudo da categoria política não significa a ausência de reflexão sobre a problemática. Ainda que Freud e Lacan não se dediquem ao estudo, definição e vicissitudes do conceito de política, trabalham implicitamente o tema no interior das discussões sobre o inconsciente e sobre sintomas, bem como em análises sobre contextos sociais. Assim, pretendemos trilhar os caminhos freudianos em uma discussão sobre a categoria de política com o objetivo de colher os resultados dessa caminhada para uma movimentação da prática do analista cidadão. Como propõe Laurent (1999, p. 8), "Há que se passar do analista fechado em sua reserva, crítico, a um analista que participa; um analista sensível às formas de segregação; um analista capaz de entender qual foi sua função e qual lhe corresponde agora".

Em nosso estudo, pretendemos pensar a proposta de formalização do inconsciente como uma ação política, localizar as passagens casuais em que Freud afirma a existência de um mundo da política, refletir sobre a força subversiva das formações do inconsciente e, por fim, destacar as discussões que articulam metaforicamente política e as instâncias psíquicas. Contudo, uma tarefa se impõe: Como definir "política"?

Podemos definir a política como arte ou ciência da governança, ou como os tipos e modos de organização do governo, considerando, também, as políticas partidárias. No sentido figurado, o termo se refere à habilidade de se relacionar com outras pessoas de maneira polida. Parece-nos importante enfatizar que a aproximação com a palavra "política" é perpassada por preconceitos e afetos que circundam a vida contemporânea. Hannah Arendt (1950/2002, p. 10) nos revela que "uma das razões para a eficiência e a periculosidade dos preconceitos reside no fato de neles sempre se ocultar um pedaço do passado". A autora adverte que a concepção de política pode se perder nos preconceitos que a associam à ideia da defesa de interesse mesquinhos, de ideologias dominadoras, de políticos profissionais e, ainda, à noção de violência e ação de submissão. Essas práticas deturpadas da política "inflamam a pergunta atual sobre o sentido da política" (Sontheimer, 1992, p. 3).

Sontheimer (1992), no prefácio ao livro de Arendt O que é a Política?, apresenta a análise da autora sobre o totalitarismo, por ela definido como "uma forma mais extrema de desnaturação da coisa política, posto que suprime por completo a liberdade humana", sem distinção entre totalitarismo de direita ou de esquerda (Sontheimer, 1992, p. 3). Segundo o autor, "a compreensão da política para a qual Hannah Arendt quer abrir nossos olhos" se refere àquela "vinculada com as ideias da liberdade e da espontaneidade humana" (Sontheimer, 1992, p. 3). Nesse sentido, a política é rara na história da humanidade. Arendt (1950/2002, p. 10) anuncia que "a pergunta sobre o sentido da política e a desconfiança em relação à política são muito antigas, tão antigas quanto a tradição da filosofia política. Elas remontam a Platão e talvez até mesmo a Parmênides". A primeira ressalva que a autora nos oferece, no processo de construção e apropriação de um conceito de política, é a crítica à rápida associação da expressão Zoon politikon, animal político, com a ideia de uma essência humana política. Na posição arendtiana, seria um engodo considerar que o homem é essencialmente político; para a autora, a política surge na e pela relação entre os homens. O tema em evidência é a distinção entre essência e existência, ou seja, um homem não tem uma essência, mas uma ação permanente de se constituir. A política é uma necessidade imperiosa para a vida humana, tanto para o indivíduo quanto para sociedade. O homem depende do outro para sua existência, e "precisa haver um provimento da vida relativo a todos, sem o qual não seria possível justamente o convívio. Tarefa e objetivo da política é a garantia da vida no sentido mais amplo" (Arendt, 1950/2002, p. 17). Arendt lembra, ainda, que o convívio é entre homens e não anjos, e por isso é importante a figura do Estado para administrar a vida política.

Podemos afirmar, com a teoria freudiana, que o desamparo originário do homem anuncia sua dependência inexorável do outro. A verdade do desamparo possibilita a percepção da dependência entre os sujeitos. Parece interessante pensar que o termo alemão Hilflõsigkeit pode ser decomposto em três partes: Hilfe- significa "socorro", los- pode ser definido por "sem", e keit- é uma terminação substantivadora. Nesse sentido, podemos traduzir Hilflõsigkeit por "insocorribilidade". O desamparo coloca o sujeito humano em uma condição de insocorribilidade, portanto, de dívida eterna. A experiência do desamparo, que Freud revela como sendo a origem das ações morais, coloca em cena a figura do outro: "O fator biológico é o longo período de tempo durante o qual o jovem da espécie humana está em condições de desamparo e dependência. Sua existência intrauterina parece ser curta em comparação com a maior parte dos animais, sendo lançado ao mundo num estado menos acabado" (Freud, 1925a/1976, p. 179).

Assim, devido à imaturidade biológica do ser humano, o nascimento é vivido1 como uma experiência de desamparo (Hilflosigkeit).

Voltando a Arendt, encontramos a definição de política como a "convivência entre diferentes". Nesse sentido, "os homens se organizam politicamente para certas coisas em comum, essenciais num caos absoluto, ou a partir do caos absoluto das diferenças" (Arendt, 1950/2002, p. 7). É importante ressaltar que a diversidade entre os homens é absoluta e não se refere somente às diferenças de povos, nações e culturas: cada homem é um ser único. Dessa forma, "a política organiza, de antemão, as diversidades absolutas de acordo com uma igualdade relativa e em contrapartida às diferenças relativas" (Arendt, 1950/2002, p. 8). Nesse ponto se situa um embaraço, pois o bem comum é necessário, mas, por vezes, injusto, cego ou violento em relação às diferenças.

Contudo, o ponto mais decisivo na definição de política em Arendt é a vinculação com liberdade. A autora argumenta que "Para a pergunta sobre o sentido da política existe uma resposta tão simples e tão concludente em si que se poderia achar outras respostas dispensáveis por completo. Tal resposta seria: o sentido da política é a liberdade" (Arendt, 1950/2002, p. 13). Resumindo, na Filosofia arendtiana, a política é uma necessidade humana decorrente de sua condição de fragilidade, que possibilita o encontro dos diferentes, no exercício da liberdade que trabalha o bem comum, a convivência, mas sem perder a singularidade de cada um. A política precisa associar igualdade, liberdade e amparo. A primeira definição de liberdade se refere à possibilidade de externar opinião. No "direito de ouvir opiniões de outros e de também ser ouvido" se encerra a possibilidade do agir e do falar. A liberdade da ação se baseia na ideia kantiana da espontaneidade, do "fato de cada homem ser capaz de começar uma série de novo por si mesmo. O fato de que liberdade de agir é equivalente a estabelecer um início", sendo a noção de iniciar algo devedora da ilustração alemã (Arendt, 1950/2002, p. 21). Na visão de Arendt, o homem do pós-guerra perdeu o sentido da política como liberdade.

Para concluir a definição de política que elegemos, cabe relacioná-la a quatro palavras: desamparo, diferença, alteridade e liberdade. A partir dessas palavras, nos aproximamos do texto freudiano para garimpar contribuições sobre a política. Parece-nos fácil pensar a relação entre a afirmação arendtiana da política como resposta à necessidade de "haver um provimento da vida relativo a todos" e a assertiva freudiana do desamparo como fonte das motivações morais. No entanto, a defesa de Arendt da política como uma ação que se organiza "a partir do caos absoluto das diferenças" (Arendt, 1950/2002, p. 7) possibilita um salto reflexivo para pensar as diferenças como o campo da alteridade. Sabemos que o outro é continuamente identificado com o estrangeiro, mas o estrangeiro, para a Psicanálise, é o eu, dividido, diferente de si mesmo. O conceito de inconsciente representa o princípio de alteridade por excelência da teoria freudiana. No momento em que Freud propõe o método da associação livre, ele coloca a questão de um pensar que ultrapassa o campo da consciência; é como se um outro, por meio de um sussurro, soprasse no ouvido as palavras que devem ser ditas livremente. Para escutar o outro que pulsa em mim, é necessário fazer calar o eu, a consciência controladora. Para escutar o outro, é preciso quebrar a arrogância da crença que postula o eu como igual a si mesmo e, assim, se abrir para a diferença. O sujeito, no seu cotidiano, é atropelado por um outro sujeito que lhe impõe uma fala que tem a marca da estranheza, da falta de sentido anunciando a existência de um outro dentro de si. Um outro a quem estou mais ligado do que a mim mesmo, pois esse outro é quem impulsiona meus movimentos e desejos.

O inconsciente expressa a primordial descoberta freudiana sobre o tema da alteridade, mas não podemos confinar as intuições freudianas sobre a alteridade a uma única definição. Podemos encontrar vários sentidos que deslizam e se articulam circunscrevendo um complexo semântico sobre o tema da alteridade em Freud, que, ainda que não tematize explicitamente o problema da alteridade, trata dele indiretamente em seus escritos. Para usar uma expressão de Lacan (1960/1998), o tema do outro aparece em Freud como uma "extimidade", ou seja, é o mais exterior e íntimo, terra estranha interior, exterioridade íntima. Assim, o inconsciente seria Outro exterior e íntimo, a quem estamos mais ligados que ao nosso eu, ainda que não queiramos saber nada disso. Miller (2010, p. 12) revela que o tema do outro é um tema "tão íntimo que Freud mesmo não o percebe. Tão íntimo que essa intimidade é extimidade. É um mais-além interno". Assim, no nível do discurso, o tema do outro goza de uma total intimidade na obra freudiana, mas essa condição de intimidade se repete no âmbito da constituição do psiquismo. A Psicanálise nos revela que no âmago de nossa intimidade temos o outro, o princípio alteritário que possui a verdade sobre nós mesmos, ou seja, o inconsciente que é a verdadeira realidade psíquica.

Similarmente, o tema da política, que trata em última instância da relação eu/outro, também se apresenta como uma extimidade no texto freudiano. Vejamos as possibilidades de captar essa dimensão íntima e exterior da política no freudismo.

 

Freud e o inconsciente: um ato político subversivo

"Penso, logo existo". Podemos considerar essa afirmação cartesiana como um ato revolucionário. A passagem da Era Clássica para a Moderna é marcada pela perspectiva revolucionária, visto que a revolução científica ou copernicana inaugura um novo modo de pensar. O descentramento astronômico anuncia tanto um descentramento antropológico a partir da ideia de espaço infinito (quem é o homem nessa imensidão do universo?) quanto um descentramento epistemológico consequência da descoberta do heliocentrismo (se o homem errou ao pensar que a terra era o centro do universo, o que mais pode estar errado?). Diante da vivência de ruptura e de dissolução da ordem, o homem tenta reorganizar, reinstaurar um polo ordenador. Neste momento entra em cena a Filosofia moderna com o paradigma da consciência, no qual impera a imagem de uma consciência solitária pensando sobre suas próprias experiências. Diante da falência das tradições, decorrente da abertura de novos e infinitos espaços, o recurso às experiências subjetivas passou a ser tanto uma possibilidade como uma exigência na tarefa de reconstruir critérios e valores de decisão seguros e confiáveis. O que nos resta depois da destruição do cosmos finito e de Deus? "O Eu", responde o pensamento moderno. Não podemos ter garantias quanto a nossa percepção exterior. O erro do conhecimento fundamentado na sensação (por exemplo: a visão informa-nos que o sol gira em torno da terra) reinou por séculos. Assim, o pensamento moderno propõe um novo paradigma para a ciência, em que questiona a produção de conhecimento fundamentada na sensação ingênua.

René Descartes (1596-1650) irá, em suas Meditações sobre Filosofia Primeira (1641), construir um critério sólido de verdade. Nessa perspectiva, posso em um exercício de pensamento duvidar da existência de tudo, mas a dúvida é uma forma de pensamento, ou seja, se duvido, existo. Pode-se duvidar de tudo, mas uma certeza podemos ter, qual seja, a garantia de nossa interioridade. Na busca de uma garantia de certeza, a Filosofia moderna criou o sujeito epistêmico, sede e fundamento de todas as certezas. Dessa forma, a subjetividade emerge se transformando no referencial central para o conhecimento.

A categoria do sujeito entra em cena no mundo filosófico marcado pela presença da metafísica da consciência. O sujeito filosófico representa o substrato último de garantia do conhecimento, e é justamente contra essa tradição metafísica da presença do sujeito pleno que Freud e o conceito de Inconsciente centralizará a crítica à Filosofia moderna. Defendemos, pois, a tese de que a afirmação de Descartes pode ser pensada como um ato político revolucionário, e a fundação do inconsciente, por Freud, como um ato político subversivo.

Calazans (2008, 2008, p. 22), citando Slavoj Zizek, revela que o desejo é subversivo, e não revolucionário:

Se há algo que o desejo vai contra é a afirmação de ideais. [... ] tanto as posições revolucionárias como as reacionárias e progressistas são posições que giram em torno dos ideais e da identificação aos significantes mestres. [...] para Zizek, pensar a política é pensar apenas em condições de debate, de rupturas, e não de consensos.

Seguindo esse raciocínio, pensamos que a afirmação cartesiana, "Penso, logo existo", é revolucionária, porque opera um giro no pensamento, mas essa movimentação é guiada pelo ideal de construção de um saber totalizante.

Não podemos negar a importância dessa ação revolucionária. Lacan, inclusive, afirma que "o sujeito da Psicanálise é o sujeito cartesiano", pois, sem a revolução científica e a consequente produção da subjetividade por Descartes, não seria possível instituir uma ciência moderna. Nas palavras de Lacan (1964/1979, p. 49),

Face à sua certeza, há sujeito, de quem lhes disse há pouco que está aí esperando desde Descartes. Ouso enunciar, como verdade, que o campo freudiano não seria possível senão certo tempo depois da emergência do sujeito cartesiano, por isso que a ciência moderna só começa depois que Descartes deu seu passo inaugural.

Por outro lado, a formalização do inconsciente, representada neste artigo pela afirmação freudiana de que "o ego [a consciência] não é senhor em sua própria casa" (Freud, 1917/1976, p. 178), apresenta um caráter subversivo, porque substitui a discussão de um ideal totalizante para a cena do desejo singularizante. A teoria freudiana defende a necessidade e a legitimidade da introdução da ideia de um sistema inconsciente como forma de compreender os processos psíquicos que se manifestam na clínica. A tese fundamenta-se na crítica ao consciencialismo e aponta para o limite da consciência intencional. As parapraxias, os atos falhos, revelam uma dimensão que ultrapassa os poderes da consciência intencional, pois são aparentemente uma produção psíquica que se expressa na linguagem e na ação como desprovida de intenção e que, assim, escapa, como num breve fulgor, ao esforço do sujeito em manter sob controle o seu comportamento. Desse modo, os sonhos, os atos falhos e os sintomas neuróticos, todo um conjunto de fenômenos que viria mais tarde a ser denominado como "formações do inconsciente", permaneceriam ininteligíveis se insistíssemos em igualar e reduzir a totalidade do psiquismo à consciência, uma vez que não poderíamos, sem contradição, supor algo como uma intenção consciente subjacente a esses fenômenos que permaneceria, no entanto, imperceptível à consciência. Em consequência, Freud pode afirmar que a equivalência entre consciência e psiquismo levaria ao círculo vicioso típico de uma petitio principii.

Podemos dizer que Freud, no trabalho de afirmação da especificidade da Psicanálise, contrapõe o ineditismo e a irredutibilidade de seu objeto, o inconsciente, ao consciencialismo da Filosofia dominante. No texto "As Resistências à Psicanálise" (1925c/1976), Freud revela que a concepção consciencialista dos filósofos se "ergue como um novo obstáculo" para a aceitação da Psicanálise. Para a Filosofia dominante, o mundo da consciência coincide com a esfera do mental, ou melhor, "a mente não possui outros conteúdos senão os fenômenos da consciência" (Freud, 19250/1976, p. 269). Nesse sentido, Freud pergunta o que um filósofo pode dizer a uma teoria que reduz a consciência a uma qualidade e revela como verdadeira realidade psíquica o inconsciente. Em "Esboço de Psicanálise", Freud retoma a questão enfatizando a importância da contraposição entre a Psicanálise e a Filosofia: "Pode parecer que essa disputa entre Psicanálise e Filosofia fosse apenas uma frívola questão de definição - se o nome 'psíquico' deve ser aplicado a uma ou outra sequência de fenômenos. Na realidade, porém, este passo tornou-se da mais alta significação" (Freud, 1938, p. 183).

A descoberta do inconsciente coloca sob questão a autonomia e a liberdade da consciência, isto é, a Psicanálise põe sob suspeita a consciência enquanto lugar de decisões. Para Freud, este constitui-se no terceiro grande golpe sobre o narcisismo humano: o golpe psíquico. Nesse sentido, defendemos a tese da ação política subversiva da formalização do inconsciente por Freud. Não é por acaso que Lacan intitula um dos seus escritos como "Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano" (1960/1998), que, segundo Chaves (2002), é o sujeito do cogito cartesiano subvertido. Como revela Chaves (2002, p. 70, grifo do autor), é "no complexo de castração que Lacan encontra a mola mestra da própria subversão", "pois, propriamente desconhecido até Freud, que o introduz na formulação do desejo, o complexo de castração já não pode ser ignorado por nenhum pensamento sobre o sujeito" (Lacan, 1960, p. 835).

O autor continua:

A radicalidade da visão psicanalítica do sujeito está enfatizada nessa afirmativa lacaniana. O comentário desse texto da Subversão do Sujeito consiste em um trabalho eminentemente difícil; assim, na medida do possível, procuramos elucidar que, para Lacan, é o sujeito do Cogito cartesiano que é subvertido. Descartes inaugura, com o Cogito, o sujeito da ciência. (Chaves, 2002, p. 70)

Ora, a Psicanálise opera uma subversão no sujeito inaugurado por Descartes, apesar de Lacan (1964/1998) insistir que a diferença entre a Psicanálise freudiana e as práticas humanistas encontrase exatamente na possibilidade de a primeira produzir seus conceitos a partir da radicalidade científica do sujeito cartesiano. A leitura lacaniana do cogito cartesiano funda-se numa hermenêutica paradoxal, pois em Descartes o sujeito é consciente, racional e autônomo, enquanto a concepção de subjetividade freudiana aponta para a irredutibilidade do inconsciente, revelando que o inconsciente constitui a verdadeira realidade psíquica. De acordo com Lacan, a célebre proposição cartesiana - "Penso, logo existo" - anuncia a presença de um pensamento anterior ao "eu consciente". Descartes estaria afirmando um puro pensar desprovido das qualidades da consciência e, assim, semelhante ao que Freud designou como "pensamento inconsciente" (Milner, 1996, pp. 33-34). A interpretação lacaniana de Descartes é controvertida, pois não se coloca a partir da "ordem das razões", a partir da lógica interna do discurso cartesiano, mas visa demonstrar que a Psicanálise se inscreve na grande tradição da ciência moderna iniciada por Galileu e Descartes (Milner, 1996, pp. 36-38).

Assim, é preciso acolher uma relação paradoxal da Psicanálise com o cogito cartesiano, pois, de um lado, o cogito é a condição de possibilidade da formalização do sujeito moderno, ponto de partida da teoria psicanalítica; de outro, a Psicanálise opera uma subversão na afirmação "Penso, logo existo". A teoria lacaniana revela que "penso onde não sou", portanto sou onde não me penso. Segundo Lacan (1964/1998, p. 39),

Descartes nos diz - Estou seguro, porque duvido, de que penso, e - diria eu, para me manter numa fórmula não mais prudente que a sua, mas que nos evita debater o eu penso - Por pensar, eu sou. [... ] De maneira exatamente analógica, Freud, onde duvida - pois enfim são seus sonhos, e é ele que, de começo, duvida -, está seguro de que um pensamento está lá, pensamento que é inconsciente, o que quer dizer que se revela ausente. [...] Em suma, Freud está seguro de que esse pensamento está lá, completamente sozinho de todo seu eu sou, se assim podemos dizer, menos que, este é o salto, alguém pense em seu lugar.

Lacan anuncia, portanto, que o pensamento freudiano localiza no sonho uma forma de pensar, mas exatamente em um ponto onde o eu dorme. Assim, no sonho, o pensamento está completamente sozinho de todo o seu eu.

Sendo assim, defendemos a tese de que a formalização do inconsciente é um ato político subversivo, inclusive porque dá voz para um sujeito silenciado pela racionalidade moderna, em um primeiro momento, personificado pelas mulheres da Viena do fim do século XIX. O tema da escuta dos sintomas psíquicos como um ato político é um tema que nos interessa, mas no momento iremos nos dedicar às passagens dos textos freudianos que reconhecem a noção de um mundo da política e propõe análise sobre alguns acontecimentos políticos.

 

Freud e algumas considerações sobre a política de sua época

Acreditamos que a passagem freudiana mais consagrada que apresenta uma reflexão sobre o tema da política seja a afirmação das três profissões impossíveis. Governar, educar e curar são apresentadas por Freud como os ofícios impossíveis em dois momentos de sua obra: no "Prefácio à 'Juventude Desorientada' de Aichhorn" (1925^1976) e na "Análise Terminável e Interminável" (1937/1976). Essa assertiva denuncia as posições freudianas em relação à política. Podemos levantar a hipótese de que essa lucidez em relação às dificuldades da política tenha produzido uma retração do trabalho com o tema. Sem desconsiderar a escassez da discussão sobre política no texto freudiano, apostamos no movimento de nele localizar algumas referências.

Seguindo a epistemologia freudiana que elege o caso clínico como campo privilegiado de produção de conhecimento, colhemos uma referência ao tema da política na análise do caso Schreber. Parece-nos interessante mencionar que, na análise do caso, Freud (1911/1976, p. 30) considera um sinal de saúde a possibilidade de o juiz "interessar-se em acompanhar os acontecimentos do mundo da política, da ciência, da arte, etc.". Essa trecho despretensioso revela que Freud reconhece um campo próprio da política e a importância de o sujeito se dedicar a ele.

Todavia, a política não se reduz a um campo dos partidos e governos. Exemplo disso é o texto "A questão da análise leiga: conversações com uma pessoa imparcial sobre praticar a Psicanálise" (1926), em que Freud se dedica a pensar sobre uma política em relação à possibilidade de não médicos exercerem a Psicanálise.

[...] estabeleci o que me parece falar em favor de uma política de laissez faire. Se a outra decisão for adotada - para uma política de intervenção ativa - então parece que em qualquer caso uma medida imperfeita e injusta de proibir implacavelmente a análise por não médicos será um resultado insuficiente. Algo mais terá de ser considerado nesse caso: terão de ser lançadas condições sob as quais a prática da análise será permitida a todos aqueles que procurem dela fazer uso, terá de ser estabelecida uma autoridade da qual se possa aprender o que é a análise e que espécie de preparo se faz necessário para isso, e as possibilidades de instrução em análise terão de ser estimuladas. Devemos, portanto, ou deixar as coisas em paz ou estabelecer ordem e clareza; não devemos precipitar-nos numa situação complicada com uma única proibição isolada. (Freud, 1926/1976, p. 269)

O pensamento freudiano anuncia dois extremos em relação a uma política sobre a prática da Psicanálise, uma política do laissez faire, ou uma política de intervenção ativa. Na última, seria preciso criar condições para autorizar a prática, condições de ensino e de avaliação. Ainda pensando sobre uma política interna à Psicanálise, Freud (19^/2012) pondera que a indiferença e a hostilidade em relação à Psicanálise pode ser resultado da política por ele adotada em que buscava evitar ampla publicidade. Segundo Freud (1914/2012, p. 291),

[... ] minha política de evitar ampla publicidade seja, em parte, responsável por isso. Se eu tivesse incentivado ou permitido tempestuosos debates com as sociedades médicas de Viena sobre a psicanálise, talvez eles tivessem servido para descarregar todas as paixões e para dar livre curso a todas as injúrias e ofensas que estavam na língua ou no coração dos nossos adversários - daí, talvez, o anátema contra a psicanálise tivesse sido superado e ela agora não fosse mais uma estranha em sua cidade natal.

Parece-nos que o ponto central dessa confissão é o pretenso rechaço de um elemento decisivo na política, que é o debate. Mas isso não nos parece verdadeiro, pois o debate se localiza exatamente no ponto do reconhecimento da diferença, na substituição dos ideais universalizante e totalizante para a escuta das singularidades e diferenças. Como argumenta Calazans (2008, p. 22),

Aqui, podemos dizer que a psicanálise e a política têm pontos em comum. Em primeiro lugar, como aponta Jean-Pierre Vernant, a política surge como meio de debate que implica necessariamente a palavra. Surge no momento em que a cidade não tem mais uma orientação divina, demandando, assim, um debate sobre os rumos da mesma. Desse modo, "a arte política é essencialmente a arte do diálogo, exercício da linguagem" (1981:35). Ora, onde temos debate, temos necessariamente diferença.

Uma outra investida da teoria freudiana no tema da política pode ser encontrada nas leituras de acontecimentos políticos, sejam míticos, como o assassinato do pai da Horda e a ação de Moisés na fundação de um povo, sejam de política internacional do pós 1a guerra. Não pretendemos acompanhar a complexidade da reflexão política presente no mito da Horda e no estudo sobre Moisés, pois essa tarefa se apresenta com um objetivo outro, cabendo aqui apenas uma rápida discussão. Podemos citar o trabalho de Enriquez (1999) como um consagrado estudo das questões políticas no texto freudiano.

No mito da Horda Primeva, discutido em "Totem e tabu" (1913b/1995), fica clara a complexidade da fundação de uma comunidade, sempre permeada por ambiguidades e ambivalências. Essa dimensão das complexidades da política no ato de fundação de um Estado/Nação aparece na análise que Freud faz de Moisés como fundador do povo judeu. No Capítulo II, "Se Moisés fosse egípcio", do estudo "Moisés e o Monoteísmo" (1939/1975), Freud afirma que a unidade política alcançada em breve se cinde em dois fragmentos, a saber, o reino de Israel e o reino de Judá: "Considerando esse ponto, podemos dizer que a nação surgiu da união de suas partes componentes, e a isso se ajusta o fato de, após breve período de unidade política, ela se ter cindido em dois fragmentos - o reino de Israel e o reino de Judá" (Freud, 1939/1975, p. 53).

Freud não teve a possibilidade de refletir sobre a política do povo judeu no pós-guerra, mas pôde pensar sobre algumas consequências políticas da 1a Guerra:

A descoberta dos metais - bronze e ferro - pôs fim a épocas inteiras de civilização e às respectivas instituições sociais. Realmente acredito que foram a pólvora e as armas de fogo que aboliram a cavalaria e o governo aristocrático, e que o despotismo russo já fora condenado antes de perder a guerra, porque não havia casamentos entre famílias reais da Europa que pudessem produzir uma raça de czares capaz de fazer frente à força explosiva da dinamite.

Com efeito, é possível que com a nossa atual crise econômica, que sucedeu a grande guerra, estejamos apenas pagando o preço de nossa última e extraordinária vitória sobre a natureza, a conquista do ar. Isso não parece muito esclarecedor, mas pelo menos os primeiros elos da cadeia são claramente reconhecíveis. (Freud, 1932/1994, p. 173)

São poucas as passagens no interior da teoria freudiana que trabalham os efeitos das políticas governamentais sobre as vidas. Podemos afirmar que os elementos que se destacam no texto freudiano para pensar a relação da política com a Psicanálise se referem à metáfora dos conflitos psíquicos como conflitos políticos e, ainda, à incidência política das formações do inconsciente (sintomas, atos falhos e outros) na vida social.

 

A política e a realidade psíquica: o conflito e os sintomas

Podemos afirmar que foi em torno da problemática do conflito psíquico que o freudismo formalizou uma teoria sobre o psiquismo. O tema do conflito aparece em textos anteriores à publicação de "Interpretação dos sonhos", mas nesse texto Freud (1900/1987, p. 544) associa à ideia de evitação do conflito a expressão "política de avestruz".

Essa evitação de lembrança de qualquer coisa que um dia foi aflitiva, feita sem esforço e com regularidade pelo processo psíquico, fornece-nos o protótipo e o primeiro exemplo do recalcamento psíquico. É comumente sabido que boa parcela dessa evitação do aflitivo -dessa política do avestruz - ainda é visível na vida anímica normal dos adultos.

A "expressão política de avestruz" associada à evitação reaparece na série de textos de recomendações sobre a técnica psicanalítica para pensar no fenômeno da resistência no processo analítico.

Primeiro e antes de tudo, o início do tratamento em si ocasiona uma mudança na atitude consciente do paciente para com sua doença. Ele habitualmente se contentava em lamentá-la, desprezá-la como absurda e subestimar sua importância; quanto ao resto, estendeu às manifestações dela a política de avestruz de repressão que adotara em relação às suas origens. (Freud, 1914b/1969, p. 199)

As duas referências à palavra política revelam uma ação de governança e administração do conflito, entre as ideias inconscientes e a consciência, lançando mão de uma política de evitação, um movimento de "enterrar a cabeça na areia" diante de uma situação de perigo. Deduzimos que a força do recalcamento, que reaparece na resistência no interior do processo analítico, se pauta em uma modalidade de ação política de evitar o enfrentamento do conflito.

A metáfora da política para pensar a dinâmica entre as instâncias psíquicas se consagra na conferência XXXI, intitulada "A dissecção da personalidade psíquica", em que Freud (1933/1994, p. 83) afirma:

E aqui está outra advertência para completar essas observações, que certamente foram cansativas e talvez não muito esclarecedoras. Ao pensar nessa divisão da personalidade em um ego, um superego e um id, naturalmente, os senhores não terão imaginado fronteiras nítidas como as fronteiras artificiais delineadas na geografia política.

É interessante pensar na analogia entre as fronteiras geográficas artificiais e as fronteiras no psiquismo entre as instâncias. As fronteiras geográficas são artificiais, ou seja, produzidas pelo homem, mas são nítidas, pois expressam um consenso político internacional. As fronteiras no psiquismo não são nítidas, mas são produzidas a partir do conflito psíquico. A negociação entre os Estados-nação é feita com a mediação de órgãos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e outros dispositivos político-diplomáticos. A política, ou a comunicação, entre as instâncias psíquicas foi nomeada por Freud na sua metapsicologia como dinâmica. A metapsicologia freudiana pretende descrever as movimentações no aparelho psíquico a partir dos elementos tópicos, econômicos e dinâmicos. Assim, o conceito de inconsciente é abordado nas três dimensões que constituem a metapsicologia, isto é, nos aspectos tópico, dinâmico e econômico.

As discussões referentes ao registro topográfico versam sobre a distinção entre o inconsciente descritivo ou pré-consciente e o sistema Inconsciente que se refere ao conteúdo recalcado e que possui características próprias. Os comentários sobre a comunicação entre os sistemas constitui o tema central do processo psíquico no seu aspecto dinâmico. Já o ponto de vista econômico é abordado, sobretudo, quando Freud se dedica à tarefa de elucidação do processo de recalque e das vicissitudes da libido livre. É importante salientar que Freud não utilizou o termo "política", mas sim "dinâmica". Por vezes, a palavra "política" aparece como uma metáfora para descrever as movimentações dinâmicas entre os sistemas, especialmente na ideia da política de avestruz. Todavia, se localizamos a definição de política a partir Arendt, que privilegia o sentido de liberdade, podemos compreender a ausência do termo na descrição metapsicológica, pois o ponto da liberdade é exatamente o mais delicado no que tange à relação entre os sistemas.

Por outro lado, a força da manifestação das formações do inconsciente no espaço público tem um efeito político, no sentido de efetivar a verdade da diferença. Como afirma Arendt (1960/2002, p. 8), a humanidade é constituída da e "na diversidade absoluta de todos os homens entre si - maior do que a diversidade relativa de povos, nações ou raças - a criação do homem por Deus está contida na pluralidade". Freud se dedica ao estudo da diferença, do ponto de singularização do sujeito, e anuncia, assim, o caráter político de um chiste na cena pública.

Se derivamos, portanto, inequívoco deleite dos chistes ao nos transportarmos de um a outro círculo de ideias, por vezes remoto, através do uso de palavra idêntica, ou semelhante, (no 'Home-Roulard', por exemplo, passamos da cozinha à política), este deleite deve, sem dúvida, ser corretamente atribuído à economia na despesa psíquica. O prazer em um chiste, emergente de um tal "curto-circuito", parece ser também maior quanto mais diferentes seja. (Freud, 1905/1987, p. 118)

A passagem é interessante, pois destaca um trânsito do mais íntimo, a cozinha, para o público, a política, sendo o chiste, uma formação do inconsciente, o ponto de transição entre os dois campos. Em outra passagem, Freud anuncia a força política e pública de um lapso de linguagem, apresentando dois exemplos.

Em quase todos os casos nos quais um lapso de língua inverte o sentido, a intenção perturbadora expressa o contrário da intenção perturbada, e a parapraxia representa um conflito entre duas tendências incompatíveis. "Declaro aberta a sessão, porém preferiria que já estivesse encerrada" é o sentido do lapso de língua do presidente. Uma revista política, acusada de corrupção, se defende em um artigo cujo clímax deveria ter sido: "Nossos leitores serão testemunhas do fato de que sempre agimos da maneira mais desinteressada, pelo bem da comunidade." O editor a quem fora confiada a preparação do artigo, porém, escreveu "da maneira mais interesseira". (Freud, 1916/1976, p. 81)

Acreditamos não ser uma coincidência encontrarmos no texto freudiano um exemplo de um lapso de língua no texto de uma revista política. Parece que, no subtexto, o exemplo aponta para a força do inconsciente na vida política, tema que se concretiza no potencial crítico dos sintomas psíquicos sobre a sociedade. Corroborando nossa tese, citamos uma passagem do texto "Moral sexual civilizada e doença nervosa moderna", de 1908.

O incremento das comunicações resultante da rede telegráfica e telefônica que envolve o mundo alteraram completamente as condições do comércio. Tudo é pressa e agitação. A noite é aproveitada para viajar, o dia para os negócios, e até mesmo as "viagens de recreio" colocam em tensão o sistema nervoso. As crises políticas, industriais e financeiras atingem círculos muito mais amplos do que anteriormente. Quase toda a população participa da vida política. Os conflitos religiosos, sociais e políticos, a atividade partidária, a agitação eleitoral e a grande expansão dos sindicalismos inflamam os espíritos, exigindo violentos esforços da mente e roubando tempo à recreação, ao sono e ao lazer. A vida urbana torna-se cada vez mais sofisticada e intranquila. Os nervos exaustos buscam refúgio em maiores estímulos e em prazeres intensos, caindo em ainda maior exaustão. (Freud, 1908/1976, p. 189)

Destacamos a atualidade do texto freudiano e a vinculação entre sintoma e vida política, seja na forma como os sintomas denunciam as massificações dos sujeitos, seja na força de produção de sintomas pela vida em sociedade. É nesse sentido que Miller propõe uma leitura para o aforismo lacaniano que afirma que "o inconsciente é a política". Segundo Miller, acompanhar Lacan na ideia de que "o inconsciente é a política" consiste em "considerar o que Freud constrói em sua análise do chiste, ou seja, que a formação do inconsciente é um processo social" (Miller, 2011, p. 4). Lacan (1967, p. 4) afirma: "Eu não digo que a política é o Inconsciente, mas, apenas, que o Inconsciente é a política". Parece-nos interessante ressaltar que a assertiva lacaniana se inicia com uma denegação: Eu não digo. No modelo denegativo, afirma que a política da Psicanálise é o inconsciente, pois a prática orientada pela Psicanálise trabalha com a escuta do sujeito do inconsciente por meio da regra de ouro da associação livre. Por outro lado, o inconsciente é a política porque o estatuto do inconsciente é ético e não ôntico. O inconsciente é estruturado no e pelo discurso do outro. Como argumenta Miller (2011, p. 6),

a definição do inconsciente pela política tem raízes profundas no ensino de Lacan. "O inconsciente é a política" é um desenvolvimento de "O inconsciente é o discurso do Outro". Essa relação com o Outro, intrínseca ao inconsciente, é o que anima desde o início o ensino de Lacan. É a mesma coisa quando estabelece que o Outro é dividido e não existe como Um. "O inconsciente é a política" radicaliza a definição do Witz, do chiste como processo social que tem seu reconhecimento e sua satisfação no Outro, enquanto comunidade unificada no instante de rir.

O inconsciente se define pelo próprio princípio da alteridade, que pode ser definida como: 1. Diverso do primeiro, diferente de pessoa ou coisa específica. 2. Diferente, diverso, distante. 3. Seguinte, imediato, ulterior. 4. O resto, o restante. 5. Mais um. O "diferente" é o outro, mas aquilo que "resta" ou o "mais um" também é o outro. Essa colocação nos sugere uma aproximação com as características definidoras do conceito de Inconsciente, que se apresenta como o diferente, pois a construção desse conceito se difere da lógica identitária e consciencialista. Mas é o que resta do encontro constitutivo e traumático com o outro, e, ainda, é o mais um, o além do um, que porta a marca da diferença. A discussão do inconsciente como o princípio da alteridade, como o diferente, possibilita um diálogo com elementos da definição de política de Arendt. Assim, a afirmação de que o inconsciente é político é um desdobramento da assertiva de que o inconsciente é o discurso do outro.

 

Considerações finais

Nosso objetivo foi refletir sobre algumas possibilidades de articulação entre Psicanálise e política. Dentre os diferentes caminhos que podem ser traçados para alcançá-lo, optamos por localizar no texto freudiano as menções à palavra "política". Nossa primeira defesa é pensar a proposta freudiana do Inconsciente como um ato político subversivo, pois introduz a formulação do desejo e oferece voz aos sujeitos eclipsados pela massificação civilizatória.

Concluímos que a formalização freudiana do inconsciente desvela a relação paradoxal do sujeito com o outro. A condição de desamparo estrutural anuncia a dependência do outro e, paradoxalmente, a necessidade de mediar essa relação de mal-estar. A noção de inconsciente traduz duplamente o tema da política, primeiro porque política e inconsciente são resultados da condição de desamparo, e, segundo, porque a política e o inconsciente representam tentativas de trabalhar o mal-estar produzido na e pela relação com outro. Assim, se definimos política como uma ação de suprimir as diferenças e propor o bem comum, um ideal de unidade, a Psicanálise seria apolítica, pois o princípio da Psicanálise é exatamente a diferença, a alteridade. Como argumenta Calazans (2008, 21),

A prática psicanalítica é contrária a toda identificação, vai em direção ao questionamento dos significantes que pretendem dizer qual é o bem do sujeito. A psicanálise, como uma clínica do sujeito, não é uma prática que visa o bem, mas que visa pensar e questionar o mal que é feito [...] desse modo, podemos concluir que se a psicanálise se opõe à política é no sentido de que a política é sempre a tomada de partido em função de um ideal. Logo, a acusação de que a psicanálise é apolítica não se trata de uma alienação em relação aos temas políticos, mas uma posição tomada em função de uma ética contrária aos avatares da identificação.

Entretanto, se considerarmos a definição de política de Hannah Arendt, que destaca as ideias de desamparo, liberdade, singularidade, diferença e alteridade, localizamos uma possibilidade de diálogo profícuo. Assim, a escuta psicanalítica do sujeito na sua diferença mantém sua força política subversiva, mas localiza a Psicanálise em uma posição êxtima e estrangeira em relação às políticas púbicas que trabalham a partir da lógica da massificação dos sujeitos.

 

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1 Na verdade, a imaturidade biológica impossibilita uma consciência do desamparo no nascimento. Zeferino Rocha convida Luís Cláudio Figueiredo para pensar na estranha temporalidade da angústia. As experiências arquetípicas não encontram seu verdadeiro sentido no momento em que são vividas, mas só no nachtrãglich (Rocha, 2000, p. 111).

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