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Analytica: Revista de Psicanálise

versão On-line ISSN 2316-5197

Analytica vol.8 no.15 São João del Rei jul./dez. 2019

 

O sem-sentido do sintoma: do significante ao insignificável

 

The symptom's nonsense: from the signifier to the insignificant

 

Le sans-sens du symptõme: du signifiant à l'insignifiable

 

Lo sin-sentido del síntoma: del significante al insignificável

 

 

Cleyton AndradeI; Isadora Veiga AssunçãoII

IPsicanalista. Membro da Escola Brasileira de Psicanálise-Associação Mundial de Psicanálise (EBP-AMP). Professor do curso de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Autor do livro Lacan chinês: poesia, ideograma e caligrafia chinesa de uma Psicanálise, 1º lugar no Prêmio Jabuti na categoria Psicologia, Psicanálise e Comportamento, em 2016
IIPsicóloga graduada pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Residente no Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família pela Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal)

 

 


RESUMO

O presente artigo visa abordar, inicialmente, o sintoma como formação inconsciente interpretável para, em seguida, abordá-lo como formação que deixa um "resto sintomático" sem-sentido. Este trabalho busca fazer algumas considerações acerca do sintoma, em Freud e Lacan, para além de uma concepção de sintoma "curável", e como elaboração singular do sujeito, que tem uma função de via de satisfação pulsional e como modo-de-gozo. A partir dessa noção de um sintoma que não se restringe ao regime do sentido, propõe-se pensar acerca das possibilidades de operação da interpretação analítica diante desse "modo-de-gozo" que escapa às significações. Logo, discute-se a interpretação analítica não apenas como trabalho significante, mas como aquilo que pode apontar algo no vazio de significação.

Palavras-chave: Sintoma. Satisfação pulsional. Gozo. Interpretação.


ABSTRACT

This article aims to address initially the symptom while an unconscious formation that is susceptible of interpretation, for then, pointed it as a formation that leaves a nonsense "symptomatic rest". This work seeks to make some considerations about the symptom, in Freud and Lacan, beyond a conception of "curable" symptom, but as a singular elaboration of the subject, a symptom that has a function as a Trieb's satisfaction form and mode of jouissance. From this notion of a symptom wich isn't restricted to the sense regime, this work proposes to think about the analytical interpretation's possibilities to operate, facing this mode of jouissance that escapes signification. Therefore, this article discusses the analytical interpretation not as just significant work, but as the one that can point something in the symptom's void of meaning.

Keywords: Symptom, Trieb's satisfaction, Jouissance, Interpretation.


RÉSUMÉ

Le présent article vise à aborder initialment le symptôme en tant que formation inconsciente interprétable, par la suite, désignée comme étant une formation qui laisse un «reste symptomatique» sans sens. Ce travail cherche à faire quelque considérations sur le symptôme, allant en Freud et Lacan, dans une optique qui va au-delà d'un symptôme «curable», afin de le voir comme une élaboration singulière du sujet et remplissant la fonction de voie de satisfaction pulsionnelle et mode-de-jouissance. Avec la notion d'un symptôme qui ne se limite pas au régime des sens, il se propose de réfléchir sur les possibilités d´opération de l'interprétation analytique devant ce «mode-de-jouissance» présent dans le symptôme et échappant aux significations. Pour finir, l'interprétation analytique sera, de même, discutée ici hors de son rôle de travail signifiant, mais comme celle qui peut indiquer quelque chose dans le vide de signification du symptôme.

Mots-clés: Symptôme. Satisfaction pulsionnelle. Jouissance. Interprétation.


RESUMEN

El presente artículo visa abordar inicialmente el síntoma mientras formación inconsciente interpretables; y, a continuación, abordalo como formación que deja un "resto sintomático" sin-sentido. Este trabajo busca hacer algunas consideraciones acerca del síntoma, en Freud y Lacan, bajo una óptica que va además de un síntoma "curable", y sí mientras elaboración singular del sujeto, y que posee una función de vía de satisfacción pulsional y modo-de-gozo. A partir de esa noción de un sintoma que no se restringe al régimen del sentido, se propone también pensar acerca de las posibilidades de operación de la interpretación analítica delante de ese modo-de-gozo en el síntoma, que escapa a las significaciones. Siendo así, se discute aún la interpretación analítica no más mientras trabajo significante, pero como aquella que puede apuntar algo en el vacío de significación del síntoma.

Palabras clave: Síntoma. Satisfacción pulsional. Gozo. Interpretación.


 

 

Introdução

Sigmund Freud, ao formular o conceito de inconsciente, surpreendendo a comunidade médica e científica de sua época -, partiu dos efeitos sintomáticos que afetavam o corpo, mais precisamente, que afetavam o corpo da histérica. Atribuiu-se a esse desarranjo entre corpo e pensamento, causador de sofrimento ao sujeito, o nome de sintoma (Santana, 2011).

A Psicanálise, partindo da razão inconsciente, considera que não há sujeito sem sintoma, e que os sintomas o afetam de diferentes formas. O inconsciente freudiano, tal qual retomado e demonstrado por Lacan, é feito de mal-entendidos que se inscreveram no sujeito e, de forma singular, instituem o que pode ser chamado seu destino (Miller, 1987).

Logo, a Psicanálise opera sobre esse sujeito perpassado pelo inconsciente, pela irrupção fortuita e pela desarmonia que isso lhe causa; e, sendo uma experiência de discurso, ela busca levar o sujeito a questionar tal posição de sofrimento e assumir a responsabilidade pelo seu desejo. A Psicanálise, portanto, visa trazer para o regime das palavras o que é da ordem do sofrimento; de forma a centrar-se no desejo e no bem-dizer do próprio sintoma (Jorge & Ferreira, 2005).

Em meio à experiência analítica, haverá um movimento de busca pelas origens, que é acolhido e também exercido pelo analista. E nesse caminho de busca, o sintoma pode dizer algo a respeito do estatuto do sujeito em questão, de maneira que, ao buscar a origem do sintoma, tende-se a buscar uma origem de si. Esse é o começo da análise, embora esta não se restrinja tão somente à queixa relativa ao sintoma (Vieira, 2009).

Pode-se dizer que Psicanálise é uma prática que não busca tamponar as feridas do sujeito, e sim colocá-lo perante o impossível do gozo e a ausência de sentido. E, dessa forma, torna-se possível a renúncia dos sintomas como formação entre o ideal e o real, permanecendo um sintoma criado como expressão de sua singularidade de gozo (Quinet, 2009).

Assim, o sintoma psicanalítico caracteriza-se como objeto de pesquisa deste trabalho, que visa investigar os conceitos acerca do sintoma, em algumas considerações a partir de Freud e de Lacan, sob uma óptica que vai além de um sintoma "curável" e puramente negativo, mas um sintoma como elaboração singular de um sujeito, um sintoma que tem uma função.

Objetiva-se, neste artigo teórico, abordar o sintoma como formação do inconsciente, que, além de implicar a existência de um sentido, como afirmado a princípio por Freud, pode também atestar uma saída ao real do próprio sintoma, como disse Lacan (1966/1967). Além disso, busca-se nos próximos tópicos falar do conceito de pulsão, de forma a apontar para o próprio sintoma como uma via de satisfação pulsional; e o tópico final visa abordar a interpretação analítica não mais como trabalho significante e método de decifração inconsciente, mas como a que pode apontar algo no vazio de significação do sintoma.

 

O sintoma freudiano

Freud (1914-1916) afirmou que os sintomas neuróticos são resultantes de conflitos e surgem como uma via substitutiva de satisfação da libido. As forças que antes lutavam encontram reconciliação no sintoma. É por isso que este se mostra, tão logo, imprescindível ao Eu. Assim, "o sintoma emerge como um derivado múltiplas-vezes-distorcido da realização do desejo libidinal inconsciente [...]" (Freud, 1914-1916, p. 362).

Os sintomas eram tidos por Freud como substitutos de satisfações frustradas e faziam a libido regredir a momentos anteriores de desenvolvimento, nos quais ela não era privada de satisfação. Porém, a sensação obtida pelo sintoma é estranha ao Eu. O sintoma se sustentaria em algo que o indivíduo não reconhece, de forma que a suposta satisfação é vivida como sofrimento, levando o sujeito à queixa (Freud, 1914-1916).

Assim, em nível da pulsão, o sujeito encontra satisfação, apesar de o mal-estar se fazer presente. Isso é conhecido. Observa-se então que toda enfermidade traz benefícios secundários, e que sob a queixa, sob a dor, há aí uma satisfação, um gozo (Miller, 1997).

Jacques-Alain Miller (1997, p. 175) afirmou que "A trama da experiência analítica consiste numa lamentação sobre o sintoma". O sintoma de que o sujeito se queixa é o que produz a dimensão terapêutica; e esse mesmo sintoma não é construído na objetividade, mas a partir da fala do sujeito - fala essa que foi incluída por Freud como matéria fundamental da clínica; definindo um caráter inovador para a sua época: o de não desqualificar o dito do sujeito. (Miller, 1997).

Ao falar em dimensão analítica, é possível reconhecer seu ser na falta, sua verdade no lapso, e até mesmo se reconhecer em seu sintoma. Dessa forma, nos atos falhos, associações livres, sonhos, sintomas, evidencia-se uma palavra que traz a verdade: a que tem seu sentido na equivocação. Assim, as palavras que tropeçam, por meio dos atos falhos, são também as palavras que confessam (Lacan, 1953-1954).

Freud então descobriu algo inusitado para sua época: o sintoma, assim como um sonho, é interpretável em função de um desejo, e é efeito de verdade. No entanto, em outro momento, Freud observa a persistência do sintoma mesmo após a interpretação. Assim, a permanência do sintoma o diferenciou das outras formações do inconsciente (Miller, 2011).

O sintoma freudiano implica a existência de um sentido, ele é passível de interpretação e o distingue, na época, da inibição, que era apenas a limitação de uma função, não havendo sentido e verdade em jogo. Para que houvesse sintoma, era exigida a duração do fenômeno. Nesse sentido "O sintoma é o que a psicanálise nos dá de mais real" (Miller, 2011, p. 9).

A inibição é distinta do sintoma, por caracterizar-se como uma restrição de uma função do Eu, que ocorre por empobrecimento de energia ou por precaução. Embora a inibição nem sempre esteja relacionada a algo patológico, ela pode ser um sintoma; mas nem toda inibição é um sintoma. Uma das principais diferenças entre eles é o fato de que, ao contrário da inibição, o sintoma não pode ser descrito como um processo que ocorre dentro do Eu ou que age sobre ele.

Freud (1926) coloca o sintoma como substituto de uma satisfação pulsional que não ocorreu, como consequência do processo de recalque. Esse processo pode ser compreendido como uma tentativa de fuga, na qual "o Eu retira o investimento (pré-consciente) do representante da pulsão a ser reprimida e o aplica na liberação de desprazer (angústia)" (Freud, 1926, p. 22). Assim, o sintoma viria como substituto também para evitar uma irrupção da angústia.

A formação sintomática surge de certo impedimento do fluxo da pulsão, provocado pelo recalcamento. É nesse sentido que Freud (1914-1916) afirma que o recalque deixa sintomas em seu rastro. Ele supõe, então, que o próprio recalque incide em formações substitutivas e sintomas, sendo esses últimos indicações de um retorno do recalcado.

Nesse contexto, é possível dizer que o sintoma aparece como substituto da força pulsional recalcada, porém, ele não é reconhecível necessariamente como uma satisfação, pois ele independe do prazer.

Mas o impulso instintual isolado também não fica ocioso, sabe obter compensação pelo fato de lhe ser negada a satisfação normal, produz derivados psíquicos que o representam, liga-se a outros processos que, mediante sua influência, também arrebata ao Eu, e enfim irrompe no Eu e na consciência como formação substitutiva irreconhecivelmente distorcida, gera o que denominamos "sintoma". (Freud, 1926, p. 152)

O processo de recalque, que se transforma em sintoma, atesta sua existência fora da organização do Eu. Logo, o sintoma se compara a um corpo estranho (Freud, 1926, p. 28), "Ocorre, é certo, que a luta defensiva contra o impulso instintual desagradável termine com a formação do sintoma".

Se num primeiro momento o Eu luta contra a força da pulsão, depois do recalque, passa a lutar paradoxalmente contra o sintoma. A luta se faz contraditória, pois o Eu, visando eliminar a estranheza do sintoma, busca incorporá-lo de alguma maneira a sua organização. Isso contribui para a formação sintomática, sendo assim um efeito colateral da defesa do Eu. Dessa forma, "O sintoma já está presente e não pode ser eliminado; agora é necessário haver-se com esta situação e dela tirar a melhor vantagem possível" (Freud, 1926, p. 29).

O Eu busca acolher o sintoma em sua organização, de forma que se torna difícil o rompimento desses laços conciliatórios no âmbito analítico. O sintoma torna-se imprescindível para o Eu por ser uma via de satisfação pulsional, sendo considerado como uma formação de compromisso. No entanto, a pulsão pode satisfazer-se por vias que causam sofrimento, de forma que também é função da análise buscar outros caminhos para a satisfação pulsional, que não pelo sintoma.

Em linhas gerais, Freud situou os sintomas como substitutivos de algo do conteúdo recalcado, sendo neste ponto que o sintoma ganha definição: como formação substitutiva que tem seu caráter essencial e o mais problemático. Torna-se possível entender, então, que do trabalho de Freud têm-se duas proposições distintas no sintoma: um objetivo de defesa pura contra os elementos recalcados; e uma via organizadora das neuroses, ao possibilitar uma satisfação pulsional desviada (Castanet, 2004).

 

Pulsão: o gozo no sintoma

Com o conceito de pulsão, Freud tenta tornar pensável aquilo que não pode ser representado, e mostrar que há no aparelho psíquico uma exigência de satisfação da pulsão, um apaziguamento e diminuição da tensão. E é nesse excesso pulsional que uma ruptura acontece. Pode-se dizer que o sujeito é o efeito dessa ruptura. Ele nasce do preço dessa tentativa de reparo. O sujeito é constituído a partir dessa não representação.

As formulações freudianas apontam que há pensamento no inconsciente, e o sujeito é ultrapassado pelo desconhecido, e não mais caracterizado pela transparência de suas ações (Iannini, 2009). Nesse sentido, pode-se dizer que as pulsões também circulam nessa esfera do desconhecido, caracterizando o impasse primário com que o sujeito deve lidar: o pulsional. O impasse irredutível ao ser mostra-se no encontro do sujeito com a pulsão, e o Eu está sempre submetido aos atravessamentos pulsionais (Vidal, 2012).

Para Freud, o aparelho psíquico é pensado inicialmente como uma membrana em inércia, que, apesar de se tornar cada vez mais complexo, mantém a racionalidade em torno de princípios e leis fundamentais. Há um modelo em que o acúmulo de estímulo na membrana resulta no desprazer. Assim, é exigida uma descarga de pulsão para diminuir a tensão e gerar alívio.

Se por um lado o princípio da inércia não se sustenta de fato, ainda assim permanece uma estrutura de um movimento que tem uma direção rumo ao escoamento ou apaziguamento. O aparelho psíquico exige a satisfação da pulsão, de forma a diminuir uma tensão acumulada. O modus operandi pulsional busca sempre o prazer de alívio diante de um excesso de estímulos, e não o prazer necessariamente relacionado a um estado satisfatório de alegria (Hanns, 1999).

O acúmulo de tensão pulsional ameaçaria produzir condições intoleráveis ao sujeito, de forma que o centro da questão, para Freud, seria que o sistema psíquico pudesse regular o processo que o autor nomeou como Alfuhr (descarga). O acúmulo pulsional é insustentável e, visando ultrapassá-lo, o aparelho psíquico dependeria desse processo.

No entanto, quando a descarga é falha ou insuficiente, o sujeito entra em sofrimento, gerando, assim, os sintomas como escapes substitutivos. "Há, assim, uma tendência das [sic] pulsões se reimporem ao sujeito, conseguindo, através da formação de sintomas, atingir alguma satisfação pulsional, apesar das defesas. A pulsão retoma sob a forma de sintoma" (Hanns, 1999, pp. 129-130).

Assim, os sintomas, produzidos diante do fracasso da descarga, possibilitam uma relativa satisfação pulsional que pode ajudar no reequilíbrio do sistema psíquico, mesmo que este atue por uma via mais prejudicada (Hanns, 1999). A pulsão não é apreensível, sendo representada ou substituída psiquicamente por palavras ou imagens. Dessa forma, o que o sujeito manifesta por meio de seus silêncios, falas, gestos - que podem vir na forma dos próprios sintomas - reflete os impasses do arco pulsional desse sujeito. Logo, o impossível de ser representado pode encontrar um espaço de representação no sintoma.

Sendo o sintoma também uma via de satisfação da pulsão, Lacan o reconhece, então, como um modo de gozo. Assim, na mesma medida em que este gozo é satisfatório - enquanto descarga da pulsão -, o modo de gozar pode estar no sofrimento.

Lacan se utilizou progressivamente do termo gozo para qualificar a satisfação inconsciente, a satisfação da qual não se sabe (Miller, 2005). Logo, "[...] é preciso supor que o sujeito se satisfaz com o seu sintoma, que este lhe traz gozo para justificar-lhe o apego e o fato de que não se desfaça dele com tanta facilidade quanto era de se esperar" (Miller, 1981, p. 77). Lacan retomou Freud nesse viés, visando apontar a função do sintoma como gozo.

No âmbito analítico, o sujeito encontra-se em posição favorável para simbolizar sua experiência, e para perpassar a linguagem e falar de seu gozo. Dessa forma, quando falado, é possível acontecer a substituição metafórica desse gozo pela linguagem (Miller, 1989). E, no início de seu ensino, Lacan enfatizou, sobretudo, o caráter metafórico do sintoma, "metáfora em que o representante - significante recalcado - encontra-se substituído em uma relação de associação com um outro significante" (Castanet, 2004, p. 27). Lacan descreverá o sintoma como metáfora, como substituição significante.

O sintoma também é descrito por Lacan como fala, uma vez que conclui da proposição freudiana acerca do sintoma histérico que a fala sintomática implica o discurso do Outro. O sintoma é um endereçamento que leva em conta o Outro, sendo um significante que tem a particularidade de ter seu significado recalcado, por isso é inconsciente (Miller, 2005). Logo, "[...] é um significante cujo suporte não é linguístico, mas emprestado da carne do corpo ou do registro do imaginário. O tratamento analítico consiste, assim, em encontrar o recalcado, definido como significado, em devolver ao significante seu significado, isto é, o sintoma" (Miller, 2005, pp. 52-53).

Porém, não seria possível interpretar um sintoma diretamente. É necessário pensá-lo a partir do Outro, e somente assim, há possibilidade de o sintoma falar e desdobrar-se. E é nos equívocos desse desdobramento que a verdade do sujeito aparece (Lacan, 2005).

A partir do momento em que o sintoma chama o complemento do psicanalista, o psicanalista vem em sua experiência analítica se juntar ao sintoma. Isso faz identidade, o sintoma toma forma própria, o que Freud diz é que somente na experiência analítica que os sintomas adquirem sua forma consistente na enunciação que é feita. (Miller, 1987, p. 47)

O sujeito neurótico crê no seu sintoma e em sua significação. Ele busca um sentido no seu sofrimento, sabendo, em certo nível, que tal sentido está além do seu alcance. Dessa forma, o sujeito demanda de um outro (analista) que desvele o que lhe é desconhecido (Garcia, 1994). O paciente busca o sentido do sintoma no Outro, sentido esse que o psicanalista não lhe fornece. "Decidir o sentido do sintoma implica uma neutralidade, não é sentido mas a privação dele que cura o sintoma" (Miller, 1987, p. 135).

Cabe ao analista introduzir o sintoma em um discurso e, assim, articulá-lo aos significantes. Em meio a esse processo, aparece um fracasso, sem o qual a Psicanálise não se efetuaria: o fracasso do sentido em negativizar o gozo (satisfação). O sentido deve sucumbir para que se apresente o que está em jogo no gozo do sintoma. Tal falência de sentido já havia sido pontuada por Freud, mesmo sob um caráter sutil, quando o autor falou de restos sintomáticos (Miller, 2012). Nesse momento, Freud já propunha a existência de um não-sentido do sintoma, de um sintoma como real.

O sintoma concernente ao real situa-se para além de um retorno do recalcado, como fora a princípio apontado por Freud. Ele não cessa/apazígua em prol de um revelamento da verdade, pois ele não é interpretável. O real do sintoma escapa ao campo dos sentidos (Macêdo, 2012), visto que a única via de inscrição do real na estrutura é na sua impossibilidade. Lá, onde há sintoma, há sujeito: um sujeito como resposta do real (Quinet, 2009).

O que fora recalcado, dando lugar ao sintoma, retorna nele sob a forma de uma falta que não cessa de se escrever (Jorge & Ferreira, 2005). Quinet (2009) explica que o sintoma não cessa de se escrever, pois, segundo Freud, ele é advindo do recalque como um dos destinos da pulsão, a qual visa constantemente, devido à sua força, à satisfação. Ele não cessa de se escrever, pois está sempre promovendo a satisfação da pulsão, ao simbolizar o real do gozo.

Lacan, então, ao retomar o estudo freudiano, apontou em seu ensino dois momentos do sintoma: um primeiro, que abrange o sintoma em sua dimensão subjetiva, de divisão do sujeito, de mensagem a ser decifrada, de enigma que sugere um sentido a ser buscado; e um segundo, de um sintoma como saída ao real do próprio sintoma. (Quinet, 2009). "O real é aquilo que no sintoma resiste à interpretação, ou seja, o que não é do reino do sentido, como o que resta do sintoma após o fim da análise depois de ter-se esgotado o campo da interpretação. Trata-se, sem suma, do gozo do sintoma" (Quinet, 2009, p. 146). Logo, o sintoma encontra gozo no inconsciente.

O ponto enigmático no sintoma certamente revela seu caráter de opacidade, considerando que há um resto irredutível, que não cessa no âmbito analítico. Portanto, essa opacidade, nomeada por Lacan como gozo, aponta para a satisfação inconsciente no sintoma, sobre a qual não se pode extrair uma tradução. Nesse sentido, há um gozo no sintoma que não é decifrável pela interpretação: este que carrega uma opacidade subjetiva. (Lacan, 1966-67).

Em relação ao tratamento do sintoma - sob a óptica de Lacan -, supõe-se o registro simbólico do significante como moderador do gozo, como o registro que pode regular esse gozo pelo viés de sua representação significante. No entanto, há um resto, já pontuado por Freud, que não se deixa apreender pela representação significante (Miller, 2005).

Uma vez que o gozo existente no sintoma, escapa à simbolização, é nesse ponto que ele está relacionado com o registro do real, o qual está em jogo na experiência analítica (Lacan, 1974-75). A análise encontra o real como surpresa ou como trauma, e este ganha estatuto de real quando não há o simbólico para fixá-lo ou o imaginário para lhe fornecer um lugar de sentido (Vieira, 2009). Portanto, distanciando-se da proposição de seus primeiros ensinos - nos quais apontava o sintoma como metáfora e substituição significante -, Lacan afirma que o sintoma é real: ele escapa à produção significante.

Assim, o gozo que há no sintoma atesta a existência de um impasse na formalização simbólica, ao passo que o que falha, enquanto impasse de formalização, pode ser chamado de real. Esse registro é excluído da possibilidade de eficácia terapêutica pelo viés simbólico (Lacan, 1968-69/2008).

Diante da impossibilidade de "simbolizar" o real, Lacan fala, em seus últimos ensinos, do próprio sintoma como um tratamento do real. O sintoma analítico poderia configurar-se como um caminho para abranger algo desse real que o compõe, sendo viável um tratamento por meio do sintoma. Sendo isso posto, o real impossível de suportar não encontra espaço de cura, mas pode ser tratado pelo próprio sintoma (Marcos & Oliveira, 2013).

Considerar o âmbito terapêutico como um caminho para eliminação do sintoma, não condiz com a orientação de Lacan, visto que o sintoma tem uma função. Este é a forma singular como cada um sofre em sua relação com o gozo (Lacan, 1968-69/2008).

Logo, sob o ponto de vista do sintoma como modo de gozo, o sujeito encontra de fato uma satisfação. Assim, Lacan orienta que o sujeito encontre uma forma de lidar com seu sintoma que não seja reduzi-lo ou eliminá-lo. O autor propõe, como uma das vias de tratamento do sintoma, a existência, ao final da análise, de um saber fazer com sintoma - savoir-y-faire (Lacan, 1976-1977).

Nesse contexto, a Psicanálise pode ser apontada como um caminho pelo qual o analisando pode conhecer seu sintoma, saber o que fazer com ele e, em alguma medida, desvencilhar-se dele, manipulá-lo, no contexto de menor formalidade da clínica (Lacan, 1976-77). Assim, esse savoir-y-faire implica a possibilidade de amar esse caráter sintomático irredutível, de modo a se identificar com ele, como propõe Lacan. Observa-se, então, que o sintoma em Lacan ganhou estatuto de modo de gozo singular do sujeito, que implica sua forma de tratar o real.

Normalmente, na definição comum do sintoma, o final da análise deve constituir e supor o desaparecimento e a terapêutica do sintoma, mas, se este é visto a partir do gozo constante e secreto que contém, isso abre a porta: define o final da análise como a identificação com o sintoma, e o sujeito aceitando seu modo de gozar. (Miller, 1988, p. 383)

Agora, falando de um sintoma como singularidade de gozo, tem-se um sujeito que pode adotar seu sintoma, identificar-se com ele, em vez de lutar para desembaraçar-se dele (Quinet, 2011). Tal identificação já fora descrita por Freud (1926) quando afirmou que o Eu busca incorporar o sintoma à sua organização, a fim de eliminar a estranheza causada por este. Nesse momento, já há um sintoma distinto de um corpo estranho e de um sintoma parasita que incomoda e leva o sujeito à procura da análise. "A análise vai do sintoma-parasita ao sintoma-adotado" (Quinet, 2011, p. 147).

O sintoma que incomoda abrange um caráter de mensagem a ser decifrada, é aquele que contém um memorial histórico dos ditos do Outro, ao passo que o sintoma que pode levar o sujeito à identificação é o que resta do deciframento, mas que não deixa de ser sintomático. O esperado por Lacan, ao fim da análise, era que o sujeito pudesse lidar com seu sintoma, tendo como condição adotá-lo, ao saber que este é parte de seu gozo e de seu inconsciente (Quinet, 2011).

É visto, então, que o que resta de um deciframento sintomático - tido como resto - não é apreensível por um registro simbólico, e tampouco interpretável. Nesse sentido, o próximo tópico visa justamente apontar qual função a interpretação analítica pode exercer diante da ausência de sentido no sintoma.

 

Sintoma e interpretação

Partindo do resto sintomático, evidenciado por Freud e retomado por Lacan, como espaço vazio de deciframento, é possível falar de uma interpretação do sintoma para além da atribuição de sentido. Freud, apesar de não ter teorizado a existência de um limite ao sentido no sintoma, não recua diante da falta de palavras para expressar um objeto. Na cena em que os argumentos se esgotam e a Psicanálise se depara com os fueros, Freud ainda assim não recua (Iannini, 2009). Logo, é a partir dele que se torna possível formular a hipótese de um limite na interpretação do sintoma.

Nas fissuras de suas obras, Freud abriu espaço para apontar a linguagem como algo longe de ser lugar transparente da verdade, mas lugar de furo. Enquanto o discurso chamado cientificista visava afastar o desejo para que a verdade pudesse emergir na sua pureza essencial, a Psicanálise visou exatamente à verdade do desejo (Garcia-Roza, 2009).

No segundo tempo no descobrimento de Freud em relação aos sintomas, há um impasse na interpretação destes: a persistência dos sintomas, mesmo depois da interpretação; e a contradição do sintoma como puramente um ser de linguagem. Quando os seres de linguagem encontram-se em análise, são interpretados, reduzidos e reconduzidos ao nada. A contradição aqui seria a do resto. Logo, "há um x que resta mais além da interpretação freudiana" (Miller, 2011, p. 9).

Lacan, ao abordar o sintoma sob uma nova perspectiva, atribui dignidade ao resto pulsional - já evidenciado por Freud - que ultrapassa a interpretação. Lacan se vale desse resto, delimitando aí a particularidade da Psicanálise, pois confere a esse resto como o que há de mais íntimo na relação do sujeito com seu desejo e seu modo de gozo.

Pode-se dizer, então, que há algo que ultrapassa a interpretação, e que Freud chamou de restos sintomáticos, no qual o sentido falha. Dessa forma, tratar de um sintoma em análise consiste em privá-lo de sentido (Miller, 2012). "Com o nome restos sintomáticos, Freud chocou com o real do sintoma, com o que, no sintoma, está fora do sentido" (Miller, 2012, p. 10).

Freud situa o sentido como curso do processo psíquico, o qual só poderia ser reconstruído a posteriori. Assim, baseando-se nas palavras de Gilson Iannini (2009), pode-se dizer que a interpretação ou a construção não dizem respeito à reconstituição do sentido da palavra ou ao retorno do sintoma à sua razão inconsciente.

Numa interpretação, não se trata "da assunção mística de um sentido", de "uma experiência íntima", nem de "um conhecimento que seja de algum modo iluminante" [...] (Iannini, 2009, p. 175). A lógica que existe no sintoma, a partir de um novo regime, não é a lógica do sentido; é uma lógica regulada pela falta, pelo intraduzível.

Diante das considerações apresentadas acerca do sintoma em Freud e Lacan como via de satisfação da pulsão e modo de gozo; e tendo esse gozo um caráter que ultrapassa a eficácia terapêutica pelo viés simbólico, o que pode a interpretação analítica?

Embora Freud tenha, a princípio, pensado a interpretação analítica como puro trabalho significante e método de decifração inconsciente, seus trabalhos, a partir de 1920, trazem novas proposições, que tornam possível pensar a interpretação como algo além da atribuição de significados às palavras; algo que faz aparecer a inconsistência do saber. A interpretação analítica pode, então, ser pensada não mais como aquela que se atém à literalidade da linguagem, mas sim ao que da linguagem gera equívoco e é esse equívoco que ela aponta.

O sujeito na experiência analítica imagina-se buscando uma verdade que reside no saber - uma verdade que remonta à significação falha diante dos furos. No entanto, o sujeito da Psicanálise encontra a falha como constituinte, e preenchê-la se apresenta impossível. Logo, a interpretação analítica não parte da palavra visando dotá-la de sentido "iluminante". Como bem disse Miller, (1987, p. 272) "Considerar uma interpretação 'brilhante' é uma perspectiva estética demais para experiência analítica. Numa interpretação o lugar deve ficar vazio".

O sujeito se constitui na sua falta-a-ser; e uma falta só existe quando se busca preenchê-la. Quando esta se torna incurável, deixa de existir como falta. Do mesmo modo ocorre com os sintomas que escapam à significação e deixam um resto opaco e sem-sentido, pois estes também ultrapassam uma queixa que aponta a falta, sendo reduzidos, em análise, à sua parte irredutível (Miller, 1987). E, como bem afirmou Soler (1998, p. 415), "[...] Identificar-se ao sintoma é, nesse caso como em qualquer outro, cessar de crer nisso e, após tê-lo reduzido ao indecifrável, colocar uma suspensão definitiva à questão que ele suscitava".

Freud, então, visando ultrapassar o domínio do sentido, aloja sua concepção de interpretação não no terreno dos motivos, como fazem, em geral, hermeneutas, neo-positivistas e filósofos analíticos, mas no âmbito de explicação causal. "Ultrapassar o domínio do sentido é pré-condição para perceber qual lógica preside o discurso, no contexto da associação livre" (Iannini, p. 175, 2012).

O termo psicanalítico de interpretação merece ser tido como algo que aponta a verdade não dita do que ocorre no discurso sobre o qual ela intervém, e não como interpretação no seu sentido hermenêutico (Teixeira, 2010). A arte de interpretar vale-se então muito menos do enunciado interpretativo - absolutamente variável segundo a situação em que ele se produz -; e muito mais do modo pelo qual o dizer da interpretação incide sobre a fala do analisante. Ela expõe a causa do desejo que ali se oculta. Só assim é possível produzir-se um efeito de significação não codificado no universo do seu discurso (Teixeira, 2010, p. 46): "O que está aqui em questão concerne menos ao dito da interpretação do que ao dizer interpretativo".

Pode-se dizer que esse movimento interpretativo é insignificável e também indispensável ao efeito da significação, sendo referido por Lacan como dimensão da causa do desejo, que não é isoladamente apreendida pelo sujeito em seu discurso. Assim, a interpretação não poderia sustentar uma relação codificada e aparente entre significante e significado - visto que entre significante e significado há algo que não se significa -, mas poderia abranger possibilidades do sujeito para um efeito de significação inédita, mediante a colocação em cena da causa do desejo (Teixeira, 2010).

É neste ponto, portanto, que há espaço para se pensar o sintoma na interpretação: no momento em que o resto sintomático aponta para a relação do sujeito com seu desejo e com seu modo de gozo. O sintoma aponta para a causa do desejo, causa esta que ganha espaço e valor de verdade no âmbito interpretativo. "A interpretação revela a causa de desejo, fora do sentido ordenado no interior de seu universo discursivo, na forma de um real que ali não pode ser dito" (Teixeira, 2010, p. 48).

Considerando que o desejo, apontado no sintoma, se constitui para o sujeito como efeito de sua falta-a-ser, é possível inferir que a interpretação, enquanto operação que incide sobre a causa do desejo, deve revelar aquilo que foge à cadeia significante e ao enunciado. A interpretação deve mostrar o ponto em que emerge, no discurso do sujeito, o objeto a - objeto de captura do gozo (Teixeira, 2010).

Verifica-se, então, que, a partir do sintoma ou o gozo recoberto pela interpretação, o sujeito confere ao seu modo de gozar um aspecto significativo, e quando este se esgota, é onde o sintoma mostra-se vazio (Maron, 2012). Portanto, ali onde há vazio, falta-a-ser, no lugar aberto pela inconsistência e incompletude do Outro, se aloja o objeto a. Lacan (2005) se utiliza da letra a como colocação metafórica, justamente a fim de escapar à indução significante, e é por isso mesmo que esse a indica ausência de significantização.

É possível dizer, então, que o sintoma tem sua função sob uma dupla óptica: a do sentido e a do sem-sentido; a de sintoma enquanto mal-estar ou enquanto identificação. A primeira óptica aponta para uma divisão do sujeito e para a busca de um sentido; enquanto a segunda aponta para o "sintoma-letra" (Quinet, 2011, p. 145), que fixa um gozo no inconsciente, e que é impossível de ser representado. E o sujeito pode encontrar vias de significantizar o vazio de seu sintoma em âmbito analítico, justamente ali na ausência de significado; ali, onde o sujeito encontra seu sintoma como modo-de-gozo, como falta-a-ser, como pequeno a.

Então, ainda que a lógica do sentido interpele o sintoma, sempre haverá um limite nesta e dois regimes coexistirão: o do sentido e o do não-sentido. Tal lógica dos sintomas é semelhante ao "ponto intraduzível/indizível" da obra literária - exposto por Jacques Rancière, quando ele fala como algumas obras são ditas e mostradas demais ao espectador, de forma a ir além do limite da visibilidade. Esse limite é instituído pela palavra, que por si só não pode tudo dizer, tal como a própria interpretação encontra um limite na leitura dos sintomas.

Certas obras fazem ver demais, "fazem saber cedo demais o que deveria permanecer ignorado" (Rancière, 2009, p. 19). A catástrofe do saber insuportável pode ser comparada ao hiato no curso da significação do sintoma. Aquilo que não pode ser dito, e tampouco interpretado no sintoma, é o ponto que ultrapassa a lógica do sentido.

Logo, comparar a lógica do que há de sentido e de não-sentido no sintoma com a do pensamento e não-pensamento é dizer também que uma palavra literária que fala, também se cala. É de colocar essa palavra literária num mesmo espaço da palavra de sintoma (Rancière, 2009), por essa última também repousar sobre a dupla potência da palavra muda. Duplicidade que se mostra, de um lado, com a palavra escrita, que é reconduzida à sua significação de linguagem, por meio da tradução e da reescrita; e, do outro, com a palavra surda, sem nome, que se mantém por trás de toda consciência e de todo significado.

 

Considerações finais

Diante do que foi abordado, observou-se que, a princípio, o sintoma para Freud, mostrou-se como formação inconsciente passível de interpretação, tal como o próprio sonho. Freud situou os sintomas como substitutivos de algo do conteúdo recalcado e como defesa pura contra esse conteúdo. O sintoma seria substituto da força pulsional e, após o recalque, haveria uma luta contraditória contra o próprio sintoma, pois, visando eliminar a estranheza deste, o Eu buscaria incorporá-lo a sua organização. Isso contribui para a formação sintomática.

O sintoma logo ganha um caráter imprescindível para o Eu por ser uma via de satisfação pulsional, sendo considerado como uma formação de compromisso e, tão logo, como uma via organizadora das neuroses. Nesse sentido, pode-se dizer que há implicação do sujeito em seu sintoma; ele não quer ser curado e, mesmo diante do sofrimento que tal formação inconsciente lhe causa, esta também lhe fornece uma satisfação (Miller, 2005). Tal satisfação pulsional, propiciada pelo sintoma, foi apontada por Lacan como modo-de-gozo. O autor se utilizou progressivamente do termo gozo para qualificar a satisfação inconsciente, a satisfação da qual não se sabe (Miller, 2005), retomando Freud nesse viés.

Foi visto que o sintoma enquanto gozo do sujeito perderia seu caráter de "mensagem a ser decifrada", revelando seu caráter de opacidade. Portanto, essa opacidade, nomeada por Lacan como gozo, aponta para a satisfação inconsciente no sintoma, sobre a qual não se pode extrair uma tradução. Haveria um resto sintomático irredutível - já apontado por Freud - que não cessa em âmbito analítico.

Tendo isso em vista, este trabalho também se propôs a pensar acerca das possibilidades de operação da interpretação analítica diante desse modo-de-gozo existente no sintoma, que escapa às significações. Mesmo que Freud tenha, a princípio, pensado a interpretação analítica como puro trabalho significante, a partir de 1920, seus trabalhos trazem novas proposições, que tornam possível pensar a interpretação como algo além da atribuição de significados às palavras.

A interpretação não viria para revelar uma verdade iluminante ao sujeito, mas esta poderia abranger possibilidades do sujeito para um efeito de significação inédita, mediante a colocação em cena da causa do desejo (Teixeira, 2017). Seria nesse ponto, portanto, que haveria espaço para se pensar o sintoma na interpretação: no momento em que o resto sintomático aponta para a relação do sujeito com seu desejo e com seu modo de gozo. O sintoma aponta para a causa do desejo, causa essa que ganha espaço e valor de verdade no âmbito interpretativo.

Por fim, evidencia-se que, mesmo sendo possível pontuar, por meio de Freud e Lacan, o registro simbólico enquanto significante moderador do gozo, pelo viés de sua representação significante, há um resto que não se deixa apreender por essa representação. Assim, o sintoma sempre abrangerá duas lógicas: a do sentido e a do sem-sentido; a de sintoma enquanto mal-estar ou enquanto identificação. A primeira aponta para uma divisão do sujeito e para a busca de um sentido; enquanto a segunda aponta para o "sintoma-letra" (Quinet, 2011, p. 145), que fixa um gozo no inconsciente, e que é impossível de ser representado.

 

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