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Analytica: Revista de Psicanálise

versão On-line ISSN 2316-5197

Analytica vol.9 no.17 São João del Rei jul./dez. 2020

 

ARTIGOS

 

Desejo e regressão na gravidez: uma perspectiva psicanalítica

 

Desire and regression on pregnancy: a psychoanalytical perspective

 

Désir et régression pendant la grossesse: une perspective psychoanalytique

 

Deseo y regresión en el embarazo: una perspectiva psicoanalítica

 

 

Raul Max Lucas da CostaI, II*; Macla Alice Bezerra de Oliveira Silva**

ICentro Universitário Dr. Leão Sampaio - Unileão - Brasil
IIAleph - Escola de Psicanálise - MG - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Na gravidez, são afetadas e modificadas todas as estruturas que circundam a mulher, sejam elas internas, sejam externas: sua relação com o corpo, com seu companheiro, com sua família, a ligação com filhos anteriores - no caso de multíparas, seu vínculo empregatício - se houver, seus relacionamentos sociais e, finalmente, a relação da gestante com suas elaborações interiores. A partir da união de teóricos eminentes concernentes a esse tema, foram abordados e discutidos influentes elementos subjetivos encontrados nesse período: a regressão da mãe, o aspecto ambivalente de seu desejo, sua constituição feminina e o retorno do filho como equivalente substituto do falo. Harmonizaram-se os escritos clássicos e mais antigos com a utilização de artigos científicos mais recentes, constituindo uma pesquisa de cunho bibliográfico. O presente artigo visa, portanto, abordar o processo gravídico no contexto desenvolvimental, por meio da perspectiva psicanalítica. Objetivou-se construir uma revisão de literatura para aprofundar os conhecimentos que permeiam o período gestacional, dando ao leitor, em um único trabalho, uma visão ampla e coerente dos elementos citados. Destes, pôde-se observar que, apesar de constar em diversas das obras consultadas, o conceito de regressão materna necessita de maiores aprofundamentos teóricos e práticos. Conclui-se que, pelo fato de o período gestacional unir elementos da pré-história da mãe e os somar à sua infância, à sua constituição feminina, ao seu desenvolvimento sexual e à elaboração do seu desejo, a mulher grávida carece de maiores cuidados, que devem exceder o físico e abranger toda sua constituição psíquica.

Palavras-chave: Gravidez, Desejo, Regressão, Feminilidade, Psicanálise.


ABSTRACT

On pregnancy, many structures that surround women are modified and affected, which would be related to their personal lives or others: their interrelation with their bodies, with their companions, with their families, their relationship with other children, in case of more than one pregnancy, their employment relationship when there is any, their social relationships, and their internal elaborations. From the gathering of eminent works about this topic, there were covered and discussed subjective influent aspects on different periods of a mother's life: the regression, the ambivalent aspect of her desires, her female constitution, and the image of the child as the phallus substitute. There was made a conciliation of classic and old writings through recent scientific articles, which resulted in a bibliographic research. This paper aims to address the gravid process in the development view of it through a psychoanalytical perspective. It was proposed to build literature reviewing to enhance knowledge about the pregnancy period allowing the reader to have a wide and consistent point of view of the abovementioned subjects. From these topics, it was noticed that the maternal regression concept needs theoretical and practical deeper studies. It could be concluded that once the pregnancy period assembles a mother's previous historical elements and add them to her childhood, her female constitution, her sexual development, and to her desire's elaboration, a pregnant woman needs greater care, which are beyond physical needs and have to include all of her psychic constitution.

Keywords: Pregnancy, Desire, Regression, Femininity, Psychoanalysis.


RÉSUMÉ

Pendant la grossesse, toutes les structures qui entourent les femmes sont affectées et modifiées, que ce soit interne ou externe: votre relation avec votre corps, avec votre partenaire, avec votre famille, la liaison avec les enfants précédents, s'il y a - dans ce cas des femmes multipares, leur relation de travail -, leurs relations sociales et, enfin, la relation de la femme enceinte avec vos élaborations intérieures. À partir de l'union de théoriciens qui recherche ce sujet, au cours de cette période, les éléments subjectifs influents et trouvés ont été abordés et discutés la régression de la mère, l'aspect ambivalent de leur désir, votre constitution féminine et le retour du fils comme substitut du phallus. Les écrits classiques et anciens ont été harmonisés avec l'utilisation d'articles scientifiques plus récents, pour constituer une recherche bibliographique. Donc, le présent article vise à aborder le processus de grossesse dans le contexte du développement, à travers de la perspective psychanalytique. L'objectif était construire une révision de littérature pour approfondir les connaissances qui imprègnent la période gestationnelle et permettre au lecteur d'avoir, en un seul publication, une vue panoramique et cohérente des éléments mentionnés. À travers ces éléments, il a été observé que, bien qu'apparaissant dans plusieurs ouvrages consultés, le concept de régression maternelle nécessite d'un approfondissement théorique et pratique. Il a été conclu que, du fait que la période gestationnelle réunit des éléments de la préhistoire de la mère et les ajoute à votre enfance, à votre constitution féminine, à votre développement sexuel et à l'élaboration de votre désir, la femme enceinte a besoin de plus soins, que doivent dépasser le physique et couvrir toute sa constitution psychique.

Mots-clés: La grossesse, Le désir, La régression, La féminité, La Psychanalyse.


RESUMEN

En el embarazo, todas las estructuras que rodean a la mujer, sean internas o externas, se ven afectadas y modificadas: su relación con el cuerpo, con su pareja, con su familia, la conexión con los hijos anteriores - en el caso de las mujeres multíparas, su relación laboral - si hay, sus relaciones sociales y, finalmente, la relación de la mujer embarazada con su funcionamiento interno. A partir de la unión de eminentes teóricos sobre este tema, se abordaron y debatieron elementos subjetivos influyentes encontrados en este período: la regresión de la madre, el aspecto ambivalente de su deseo, su constitución femenina y el regreso del niño como equivalente sustituto del falo. Los escritos clásicos y antiguos se armonizaron con el uso de artículos científicos más recientes, constituyendo una investigación bibliográfica. El presente artículo pretende, por tanto, abordar el proceso del embarazo en el contexto del desarrollo, a través de la perspectiva psicoanalítica. El objetivo fue construir una revisión de la literatura para profundizar el conocimiento que permea el período gestacional y permitir al lector tener, en un solo trabajo, una visión amplia y coherente de los elementos antes mencionados. De estos, se observó que, a pesar de aparecer en varios de los trabajos consultados, el concepto de regresión materna necesita una mayor profundización teórica y práctica. Se concluyó que, debido a que el período gestacional une elementos de la prehistoria de la madre y los suma a su infancia, su constitución femenina, su desarrollo sexual y la elaboración de su deseo, la gestante necesita más cuidados, que debe exceder lo físico y abarcar toda su constitución psíquica.

Palabras claves: Embarazo, Deseo, Regresión, Feminidad, Psicoanálisis.


 

 

1 Introdução

A mulher protagoniza em seu corpo, durante nove meses, mudanças físicas, psíquicas e sociais. Enquanto um novo ser é gerado, outro se forma e ao fim da gestação não apenas uma, mas duas vidas surgirão de maneira única, singular e impetuosa: mãe e filho (Maldonado, 2010; Simas, Souza & Scorsolini-Comin, 2013).

A gravidez é, portanto, um evento de alta complexidade, tanto para a mulher quanto para a família (Szejer & Stewart, 1997), e a maternidade torna-se um momento no qual a mulher atinge "novos níveis de integração e desenvolvimento da personalidade" (Maldonado, 1980, p. 9), demandando reestruturações em sua vida e papéis (Piccinini et al., 2008). É um período que se insere em um percurso desenvolvimental da mulher e é visto como um dos três marcos (somado à adolescência e climatério) cruciais de transição, nos quais as mudanças metabólicas atreladas às mudanças sociais são responsáveis por uma desestabilização da personalidade - "transição em termos identitários" (Simas et al., 2013, p. 26) - e requerem um ajustamento necessário para que uma nova construção subjetiva seja capaz de lidar com a demanda insurgente. Pode-se nomear inequivocadamente a gravidez de crise, já que a definição desta como "uma perturbação temporária de um estado de equilíbrio" (Maldonado, 1980, p. 12) casa-se perfeitamente com as mudanças desestruturantes da gravidez, em busca de um reajustamento necessário, chamado por Blum (1982) de crise integrativa.

As demandas externas podem provocar desestabilizações, causando uma busca de equilíbrio entre papéis sociais e desejo. Se o sujeito é desejo,1 na gravidez esse desejo é o responsável pela manifestação (consciente ou não) de meandros que culminam na equivalência simbólica e substitutiva do pênis pelo filho, corroborando a tese freudiana (1933 [2010]) da persistência do desejo fálico na mulher, findando, nesse caso, na gravidez.

A chegada de um filho é um evento biológico, mas também somático, psicológico e social (Piccinini et al., 2008). Ao ser concebida, a criança herda todo um contexto de elaborações e discursos fantasiosos que premeditam seu futuro, seu desenvolvimento e sua personalidade. Se a gravidez, biologicamente, começa na concepção, psicologicamente ela surgiria da história dos pais, da qual o filho nascerá (Simas et al., 2013). O bebê que surge no discurso dos pais, no decorrer de suas histórias de vida, também é citado por Szejer & Stewart (1997), discurso esse que precede até mesmo o desejo dos pais pelo filho. Então, antes, muito antes da concepção, já havia iniciado o processo de construção do ser/filho, denominado de pré-história da criança. Se esta nasce pela palavra e por causa dela, a que momentos seria atribuído o início de sua vida? A palavra deu origem à vida, e a vida nasce com a palavra. Assim, a criança perceberá logo de início que sua realidade é tangida pelo desejo de terceiros (Aulagnier, 1999) e, portanto, nasceria "[...] de certo 'banho de linguagem' composto dessas mil e uma palavras que precedem o ser humano, dando-lhe vida e forma" (Szejer & Stewart, 1997, p. 43). Lacan (2006 [1964-1965], p. 238) complementa: "a criança já tem seu lugar determinado, escolhido no universo da linguagem do nome, das ilustrações às vezes as mais superficiais [...]".

Ora, se a mulher é um vir-a-ser (Magdaleno Júnior, 2009), como definir a mulher que se constrói mãe? "Porque não se nasce mãe; torna-se mãe. É um longo percurso que redescobre um tesouro deixado de lado na infância, constituído na infância" (Delassus, 2003, p. 6). É, portanto, uma duplicidade de elaborações que, entrelaçando-se, resgatam elementos antigos da constituição da sua história de vida, retomando aspectos pré-edipianos e ligando-os aos novos mecanismos insurgentes, provenientes da explosão de hormônios e desestabilizações emocionais gravídicas. Nessa nova experienciação do estar no mundo, a grávida regressará a estados primitivos da infância, e se perceberá com necessidades de amparo e proteção, revelando uma identificação da mãe com o feto (Maldonado, 2010; Simas et al., 2013). O período gestacional trará então estruturas que remetem ao relacionamento da gestante com seus próprios genitores, antes, durante e após a elaboração do complexo de Édipo, que servirão de palco para inúmeros e possíveis desdobramentos (Freud, 1933 [2010]; Horney, 1966; Andrè, 1998).

Há questões que não são respondidas pela Medicina: o porquê de uma gravidez prosseguir enquanto outra se detém, ou a causa de certos sintomas que não são fundados em aspectos biológicos. "Por esta razão, tornou-se indispensável a abertura sobre outras abordagens que colocam em jogo o aspecto simbólico de eventos orgânicos" (Frydman apud Szejer & Stewart, 1997, p. 23). Buscando o lugar que o simbólico ocupa, seguiu-se (nos estudos teóricos e na perspectiva de homem) o viés psicanalítico, acreditando que diante dos aspectos regressivos, da sintomatologia como retorno do recalcado, da constituição da sexualidade feminina fundada no contexto pré-edipiano e da ambiguidade do desejo a teoria psicanalítica une elementos que embasam e iluminam esse caminho, principalmente por meio das formulações freudianas. Além de Sigmund Freud, há colaborações de outros autores, como Anna Freud, Serge Andrè, Lacan e Quinet, que, em conjunto, visam construir uma unicidade de pensamento na elaboração teórica dos temas aqui propostos.

A gravidez remonta à infância da mulher, mas pontua-se no presente e modifica o futuro, portanto, há em torno dessa temática muito a ser dito, e outro tanto a ser descoberto, afinal, "o ventre é um mundo; sem dúvida é um mundo a ser explorado. Será preciso mostrar a vivência do ventre para aquele que está dentro e para o que está em volta, totalmente em volta" (Delassus, 2003, p. 25). Finalmente, justifica-se este trabalho com o pensamento de Aulagnier (1999, p. 17), quando afirma que "esse saber sobre o corpo faz parte, bem entendido, de uma pesquisa que, além do corpo, interroga o conjunto dos fenômenos do mundo". Aqui se interroga um desses fenômenos: a maternidade.

 

2 Método

O presente artigo visa desenvolver uma pesquisa de cunho bibliográfico, segundo a perspectiva psicanalítica. Como leituras de referência, foram utilizadas fontes impressas e virtuais compostas por livros e artigos científicos (de base qualitativa e quantitativa). O critério de inclusão abrangeu e selecionou escritos condizentes à temática (gravidez e Psicanálise). Em virtude da escassez de material impresso atual, foram incluídos livros datados de décadas anteriores, entretanto, houve zelo na escolha de autores consagrados no tema em questão e na utilização de ideias que servissem ao propósito de embasar as pesquisas mais atuais. No âmbito da gravidez, as obras de Maldonado, Soifer e Szejer & Stewart (somadas a outras) balizaram a elaboração teórica, cujos livros foram escolhidos pela grande importância que têm ao tratar desse tema. São escritos conceituados e amplamente consultados em vários dos artigos científicos aqui utilizados, assim como em outras obras. Para a construção conceitual psicanalítica, destacam-se Freud, Lacan, Andrè e Quinet, que deram embasamento para uma melhor explanação de conceitos da Psicanálise. Laplanche & Pontalis, assim como Roudinesco & Plon, auxiliaram na elaboração concisa e no entendimento de termos específicos da abordagem psicanalítica.

Foram selecionados 11 artigos científicos e uma dissertação de mestrado. Devido ao grande número de publicações, a escolha se deu mediante a consistência da elaboração teórica contida no artigo. Para enquadramento no critério de busca dos sites SciELO, Pepsic e Google Acadêmico, foram utilizadas as palavras-chave: Psicologia, Psicanálise, maternidade, feminilidade, desejo, regressão, gestação e gravidez, havendo a obrigatoriedade de relação entre pelo menos duas destas. O parâmetro excludente constituiu na não utilização de artigos de fontes não científicas, como blogs e sites pessoais. Também foram descartados artigos com ênfase no âmbito medicinal e técnico, assim como os publicados em eventos e, por fim, aqueles discrepantes às palavras-chave.

 

3 Fundamentação teórica

3.1 Sexualidade feminina

A maternidade seria uma expressão feminina, uma manifestação do que é e como se desdobra o ser feminino? Seria possível a anatomia conter a essência da feminilidade? Freud (1933 [2010]) afirma que a característica componente da feminilidade não pode ser apreendida pela anatomia,2 tampouco pela Psicologia. Quanto à Psicanálise, esta poderia apenas discorrer sobre, sem pretender descrever o que é a mulher.

As colocações psicanalíticas alinham-se ao desenvolvimento psíquico da criança, e clareiam o caminho desta que eventualmente se constituirá mulher. Eventualmente, pois, na menina, o falo será o "significante definido e balizador de angústias" (Magdaleno Júnior, 2009, p. 90), ao contrário do menino, no qual o falo inicia e encerra o complexo de Édipo.

Uma das distinções observadas nos escritos de Freud (1933 [2010], p. 268) ocorre no campo da passividade: "poderíamos pensar na feminilidade como caracterizada psicologicamente pela preferência por metas passivas". E essa estrutura passiva atrelada à atividade (às vezes necessária para alcançar uma meta passiva) constitui um mecanismo de adaptação e estruturação que marcará seu papel social e refletirá a maior ou menor restrição desse caráter em sua vida sexual. Em 1920 (2011, p. 149), Freud demonstra sua limitação quanto a essa aclamada definição de masculino e feminino:

mas a essência do que é chamado de "masculino" e "feminino", no sentido convencional ou no biológico, a psicanálise não pode esclarecer; ela adota os dois conceitos e os toma por base de seus trabalhos. Se procura examiná-los mais, a masculinidade se dissolve em atividade e a feminilidade, em passividade, o que é pouco.

O processo que envolve os elementos componentes evolutivos da menina em mulher é permeado de complexidade, "Daí provieram os esforços obstinados de Freud para encontrar o elo de derivação: como é que esse ser, ao mesmo tempo bissexual e apaixonado pela mãe, se tornava mulher" (Assoun, 1993, p. 102). O início é semelhante em ambos os sexos. Na fase fálica, há uma similaridade entre menino e menina: "temos de reconhecer que então a garota pequena é um pequeno homem" (Freud, 1933 [2010], p. 271), em comparação do pênis ao clitóris e à obtenção de prazer pelos atos masturbatórios. Ainda de acordo com Freud, "o homem tem apenas [...] um órgão sexual, enquanto a mulher tem dois: a vagina, que é propriamente feminina, e o clitóris, que é análogo ao membro masculino" (1931 [2010], p. 376). A naturalidade do processo, portanto, indica que o prazer obtido na região clitoridiana ceda à vagina sua obtenção de prazer, todo ou parcialmente, o que Freud nomeia como "uma das duas tarefas a serem cumpridas no desenvolvimento da mulher" (1933 [2010], p. 271).

A mudança objetal constitui a segunda tarefa a ser realizada pela menina. Se a mãe constitui o primeiro objeto amoroso para a menina, esta deve mover sua escolha objetal da mãe para o pai e, a partir dele, estabelecer a definição de objeto estável e permanente. Essa nova relação, entretanto, não faz desaparecer a relação anterior com a mãe, constituindo apenas um adiamento desta (Andrè, 1998). Portanto, na menina ocorrerão mudanças na zona erógena e na escolha objetal, enquanto no menino ambos permanecem intactos.

Surge então a intrigante reflexão dos meandros dessas mudanças. Qual seria o movimento impulsionador que alavancaria a menina da masculinidade à feminilidade? Nesse ponto, Freud afirma que "[...] não podemos compreender a mulher se não consideramos esta fase de ligação pré-edípica com a mãe" (1933 [2010], p. 273). Essa fase, que ocasionalmente dura até os quatro anos de idade, pode oportunizar fixações e predisposições, e essa relação da menina com a mãe será a mesma a ser transferida ao pai. Por conseguinte, a fantasia de sedução pela mãe e o desejo do amor da mãe e morte do pai estão presentes nesse contexto pré-edipiano. Em ambos os textos (1931 [2010]; 1933 [2010]), Freud alerta para a, até então, subestimação da fase e de sua importância no desenvolvimento da sexualidade da mulher, e passa a remontar também a esse momento o surgimento das neuroses (previamente consideradas exclusivas do complexo de Édipo). Esse período há de assumir na mulher maior importância que no homem.

Freud (1933 [2010]) elenca algumas hipóteses do afastamento da mãe e redirecionamento do amor ao pai, consequências da hostilidade e eventual ódio que a menina desenvolve pela mãe. Primeiramente, os motivos do início desse relacionamento afrontoso podem ser provenientes da insaciedade da criança pelo leite materno, o que resulta na recriminação de ter sido pouco ou mal alimentada (amada). Outra suposição é o aparecimento de um novo bebê na família, que interferiu em sua relação materna exclusiva e destronou a criança dos cuidados da mãe, irrompendo em ódio por ela e pelo novo irmão. Em ambas as queixas, encontra-se um único fator: o do desejo desmedido e incapaz de ser satisfeito plenamente, ou seja, fadado à decepção e consequentemente à hostilidade por aquele que não a satisfez.

Ainda ponderando sobre as fontes de hostilidade, um terceiro cenário seria a insatisfação e a inibição, por parte da mãe, dos múltiplos desejos sexuais, geralmente refletidas na proibição dos atos masturbatórios. Dessa forma,

talvez achemos que esta primeira relação amorosa da criança está condenada a acabar, justamente por ser a primeira, pois essas primeiras relações objetais são ambivalentes em alto grau; junto ao amor intenso há uma forte inclinação agressiva, e quanto mais apaixonadamente a criança ama seu objeto, mais sensível torna-se a decepções e frustrações da parte dele. Por fim, o amor tem de sucumbir à hostilidade acumulada. (Freud, 1933 [2010], p. 278).

Conforme dito anteriormente, essas circunstâncias se enquadram na esfera teórica de uma explicação da mudança objetal que a menina realiza. Apesar de aparentemente corroborarem para tal explicação, são insuficientes caso se pense que tudo o que foi descrito acontece de tal forma na relação do menino com sua mãe e não produzem mudanças na natureza e manutenção do amor daquele a ela. Qual seria o fator único e desencadeante da hostilidade à mãe? Freud, em 1933 (2010), atribui a queixa da menina ao complexo de castração e à culpa atribuída à mãe pela falta do pênis, passando a desvalorizá-la pela incompletude genital dela e sua (ferida narcísica). Com isso, ele reformula o que havia dito em 1931 (2010, p. 385):

se percorremos toda a série de motivos que a análise descobre para o afastamento em relação à mãe - que ela não dotou a menina do único genital verdadeiro, que a nutriu de maneira insuficiente, que a obrigou a dividir com outros o amor materno, que jamais satisfez as expectativas de amor e, por fim, que inicialmente estimulou e depois proibiu sua atividade sexual -, eles todos não parecem ainda bastantes para justificar a hostilidade final [...]. Mas talvez a ligação à mãe tenha mesmo que acabar, justamente por ser primeira e de tão grande intensidade [...].

Novamente se instaura uma diferença entre desenvolvimento psíquico no menino e na menina. Em ambos, o complexo de castração surge após o descobrimento do genital oposto. Entretanto, as vias de inserção assumirão características distintas, visto que o garoto se introduzirá pela via do simbólico (significante da falta), enquanto a menina pela via do imaginário (pênis dotado de função imaginativa). Ainda discorrendo sobre a discrepância entre os sexos, no menino surgirá o medo de perder o superestimado pênis, à medida que nela emerge a inveja que "deixa traços indeléveis em seu desenvolvimento [...], e mesmo em casos favoráveis não é superada sem grande dispêndio psíquico" (Freud, 1933 [2010], p. 280). O desejo pelo pênis perdura consideravelmente na vida da mulher, sendo mantido no inconsciente e usufruindo demasiado investimento de energia, podendo desembocar no desejo pelo filho, que substituirá o almejado e inalcançável falo - pênis faltoso ou suscetível à falta (Andrè, 1998). Ainda de acordo com Andrè (1998, p. 173),

se é o mesmo falo que menino e menina descobrem, respectivamente, no sexo anatomicamente oposto, esta descoberta se inscreve no registro da falta para o menino e no registro do véu, para a menina. O ingresso na problemática da castração ocorre para ambos, mas não ao mesmo nível.

No percurso desenvolvimental da menina, o complexo de castração é dotado de grande importância e suscitará resposta diferente na menina e no menino. A inveja do pênis resulta em sentimento de inferioridade e incompletude, ciúmes por aqueles que aparentam ter o que a ela falta, afastamento da mãe e cessação da atividade masturbatória clitoridiana. A partir desse momento, três caminhos são possíveis de serem seguidos: a inibição sexual (ou neurose), a inclinação à masculinidade e a feminilidade normal. O presente trabalho não se deterá nos dois primeiros e seguirá rumo à feminilidade. Nesse caso, a menina tomará "o pai por objeto", alcançando assim "a forma feminina do complexo de Édipo" (Freud, 1931 [2010], p. 379). Andrè (1998, p. 178) complementa dizendo que, ao se voltar para o pai, a menina entra definitivamente no Édipo, no qual "o pai substitui a mãe e, em consequência, o desejo do filho vem tomar o lugar do desejo do pênis". Dessa maneira,

desejando receber um filho do pai, a menina, no fundo, não renuncia absolutamente ao pênis. Simplesmente, ela busca um equivalente para ele. O que pode haver de melhor que um pênis, senão um filho? Esta passagem do pênis ao filho não parece realizar a produção de um significado novo - critério que assinala a metáfora. Que a criança constitua, à falta do pênis, o signo da identidade feminina é sempre apenas uma esperança, até mesmo uma denegação: a clínica nos ensina, assim, que a maternidade, sob este ponto de vista, é frequentemente acompanhada por uma depressão, ou por um contentamento de fachada, que é muito revelador. (Andrè, 1998, p. 179).

Todavia, essa substituição da mãe pelo pai não revela completude, e a relação com a mãe se esgueira e age por meio do pai, como se a menina fosse destinada a retornar à ligação materna, seja com o pai, seja com outros homens. Exemplificando essa teoria, Freud (1931 [2010]) menciona o casamento, que, segundo ele, tende a reproduzir essa emblemática relação materna, reproduzindo a hostilidade contida ali, nesse momento pré-edipiano.

Somada à mudança objetal, o complexo de castração também modifica a localização erógena, de clitóris a vagina. A atividade, mencionada inicialmente, é renunciada, juntamente com a masturbação clitoridiana, e assim a menina remove a atividade fálica para dar lugar à passividade, havendo considerável aumento de impulsos sexuais passivos.3 Nisso percebe-se a complexidade do desenvolvimento do feminino, pois "a menina deve abandonar a passividade para se destacar da mãe, mas deve também conservar esta passividade para se ligar ao pai" (Andrè, 1998, p. 187). Passará então a desejar o pênis do pai, e quando o pênis for substituído por uma criança, a situação feminina estará estabelecida. O bebê do pai é "o alvo mais forte do desejo feminino" (Freud, 1933 [2010], p. 285) e pode ser concretizado um dia por meio do filho, que trará o pênis almejado. "O filho, mais do que o deslizamento metonímico para o falo, representa o contato direto com a imortalidade da matéria e com o infinito, o abismo inominável, o anseio feminino." (Magdaleno Junior, 2009, p. 99). Assoun (1993) pontua que a maternidade representaria, nesse contexto, um retorno à fase fálica, uma volta ao objeto, permitido por um narcisismo secundário.

A partir do momento em que a menina transfere o "desejo do bebê-pênis para o pai" (Freud, 1933 [2010], p. 285), ela entra definitivamente no complexo de Édipo e tem sua hostilidade em relação à mãe fortalecida. Percorrerá o caminho quase oposto ao do menino. Enquanto ele abandona o complexo de Édipo em virtude do medo de perder o pênis, na menina o complexo de castração instaura o complexo de Édipo. Em virtude da inveja do pênis e do ódio à mãe por não tê-lo, a garota transfere seu amor ao pai, detentor do objeto desejado. O perigo de castração compele o menino para fora do complexo de Édipo, enquanto a menina permanece nele por tempo indeterminado, caracterizando um desenvolvimento normal de sua feminilidade. E reitera-se o dito de Freud (1931 [2010], p. 379): "provavelmente não será errado dizer que essa diferença na relação entre o complexo de Édipo e o da castração marca indelevelmente o caráter da mulher como ser social".

Como argumento do poder influenciador da inveja do pênis na vida da mulher, Freud (1933 [2010]) afirma que ela desenvolve características narcísicas que a permitirão compensar sua inferioridade sexual, enaltecendo seus encantos e encobrindo seu defeito (genitalidade incompleta). O narcisismo também influenciará sua escolha objetal "de modo que ser amada constitui, para a mulher, uma necessidade mais forte do que amar" (Freud, 1933 [2010], p. 290). O nascimento de um(a) filho(a) é outro fator desencadeante da suprimida inveja infantil do pênis, e essa inveja será revertida em múltiplos cenários, com uma possibilidade de satisfazer ambições e satisfações renegadas por meio do filho. A partir dos postulados de Lacan, é possível perceber que, mesmo na vida adulta, a mulher se estrutura ao redor dessa falta, o que a torna um "vir-a-ser, algo que tem de ser construído sobre uma realidade anatômica incontornável, que é da ordem de uma ausência" (Magdaleno Júnior, 2009, p. 92). Dessa forma, a mulher constrói-se mediante a falta de significante, e, ainda de acordo com Magdaleno Júnior (2009, p. 95), "se a mulher não existe, pois não existe um significante primordial feminino, ser mulher é um tornar-se a partir de um real inominável". Nesse ponto, Freud e Lacan assumem posturas um tanto diferentes, enquanto a obra freudiana realiza a elaboração da mulher mediante a inveja do pênis, Lacan a compreende a partir da falta, do que não é, e do que se constrói pelas bordas do furo.

A maternidade pode permitir o vislumbre da identificação materna da mulher e suas duas camadas: a primeira, que retorna a análise ao início do processo já descrito, a camada pré-edípica (caracterizada pela relação harmoniosa e amorosa com a mãe); e a segunda, a fase posterior que torna mãe e filha inimigas. E apesar de nenhuma das duas ser plenamente superada, a profunda e afetuosa ligação pré-edípica com a mãe constituirá o elemento crucial na aquisição de papéis sociais e sexuais da mulher, considerando os primeiros impulsos libidinais detentores de "uma intensidade superior à de todos que vêm depois, que bem pode ser qualificada de incomensurável" (Freud, 1931 [2010], p. 397).

Andrè (1998, p. 187) encerra suas formulações dizendo:

qualquer que seja o ângulo sob o qual se aborde o trajeto que a menina deve percorrer, da relação pré-edipiana à relação edipiana, vamos sempre esbarrar com a mesma objeção. Quer se considere esta passagem, do ponto de vista da troca de objeto, ou da mudança de identificação, de zona genital ou de modo de gozo, chega-se sempre à conclusão de que essas mudanças atuam menos como substituições do que como desdobramentos. Por conseguinte, os caracteres da relação pré-edipiana jamais são verdadeiramente eliminados, e estão sempre prontos a voltar à tona. O destino da menina aparece, assim, como o de uma metáfora impossível ou de uma luta permanente para se elevar do registro da metonímia para o da metáfora.

Diante de tais teorizações, pode-se afirmar que o ser mulher está intrinsecamente ligado à incompletude e à impossibilidade de voltar-se para um significante que atue como demarcador de angústias. Conclui-se e justifica-se esse preâmbulo acreditando ser parte inerente à compreensão do trabalho as principais colocações de Freud sobre a constituição da mulher e do feminino, entretanto, compartilha-se de seu pensamento ao afirmar que tudo o que foi dito é "incompleto e fragmentário" (Freud, 1933 [2010], p. 293), e seguiu o curso da função sexual, esquivando-se de teorizações sociológicas e antropológicas mais abrangentes.

 

3.2 Regressão

3.2.1 A regressão em Freud

Segundo Laplanche & Pontalis (2001, p. 440), o conceito de regressão é comumente usado na Psicanálise e se caracteriza, de maneira geral, como "um retorno a formas anteriores do desenvolvimento do pensamento, das relações de objeto e da estruturação do comportamento". Freud assumiu em sua obra o caráter constitutivo da história infantil, que constrói e permanece de maneira vitalícia, acreditando na imperecibilidade do passado. Em patologias e sonhos, por exemplo, o passado ressurge, e pode ser interpretado como "uma reposição em jogo do que foi inscrito" (Laplanche & Pontalis, 2001, p. 443). Assim, acreditando nesse retorno a elaborações passadas, serão comparadas a seguir a regressão materna4 e o estado regressivo do sonho, para elencar as similaridades e facilitar a compreensão do leitor.

O sonho, segundo Freud (1933 [2010]), tem um estado regressivo que, atrelado ao isolamento noturno da realidade, permite uma realização satisfatória de um desejo instintual, sendo um "retorno ao infantilismo psíquico" (Freud, 1913 [2012], p. 354). Correlacionando com o período gravídico, associa-se o estado de "ensimesmamento" da grávida (que tem similaridades com o estado narcísico5 (Piccinini et al., 2008) ao isolamento psíquico encontrado no sonho, e as regressões de ambos os estados se tornam similares, pelo processo de retorno a mecanismos primitivos. Freud (1933 [2010]) afirma que a intenção de alhear-se do mundo externo permite que o aparato psíquico regrida, pela diminuição da realidade e pelo enfraquecimento da resistência sobre o inconsciente. Da mesma maneira ocorre com a mulher grávida, que se distancia da realidade e se volta para si, o que permitiria que o processo de regressão estendesse seu domínio e promovesse a realização de um desejo.

Ainda nos escritos de Freud (1933 [2010], p. 237) a regressão torna a aparecer como um retorno "da organização da libido a um estágio anterior. Naturalmente isso pode dar-se apenas no Id, e, se ocorrer, sob influência do mesmo conflito que é introduzido pelo sinal de angústia". No "Complemento Metapsicológico à Teoria dos Sonhos" (1917/1915 [2010]), ele cita dois dos tipos de regressão: temporal (que se subdivide em desenvolvimento do Eu e da libido) e topológica (que produz a realização alucinatória do desejo).

Mesmo admitindo a possível existência de mais de um tipo de regressão, o pensamento freudiano afirma que elas: "são [...] fundamentalmente uma e ocorrem juntas, por via de regra; pois o que é mais antigo no tempo é mais primitivo na forma e, na topografia psíquica, situa-se perto da extremidade perceptual" (Freud, 1971, p. 86).

Para prosseguir no posicionamento de Freud, Silva (2007, p. 9) assinala dizendo que "Freud proporá inúmeras ordenações: regressão tópica, temporal, formal, da libido do ego versus libidinal, regressão ao narcisismo primário e à alucinação do desejo, regressão aos primeiros objetos versus a toda organização sexual e regressão do eu".

Finalizando as pontuações freudianas (1933 [2010]) e ainda discorrendo sobre a regressão, há que se arrematar com o pensamento de que a mulher tem sua situação - feminina - estabelecida quando o filho substitui o desejo pelo pênis (falo - equivalência simbólica), desejo esse que se funda no complexo de Édipo. O filho traz a realização, a conquista do tão almejado falo, refletindo o desejo infantil de possuir "um bebê do pai" (Freud, 1933 [2010], p. 285). "Apenas a relação com o filho produz satisfação ilimitada na mãe; é a mais perfeita, mais livre de ambivalência de todas as relações humanas" (Freud, 1933 [2010], p. 291). A gravidez assume o papel de completude, torna-se o ápice da construção da feminilidade.

As colocações sobre o conceito da regressão visam servir ao intuito de esclarecer e ampliar o entendimento desse processo na gravidez, que, mesmo ocorrendo em um período específico e atípico, demonstra claros sinais de similaridade com regressões de outros momentos.

 

3.2.2 Regressão e gravidez

A gravidez tida como uma experiência regressiva é considerada na obra de diversos autores (Blum, 1982; Maldonado, 1980; Sarmento & Setúbal, 2003; Silva, 2007; Simas et al., 2013; Soifer, 1980; Tachibana, Santos & Duarte, 2006), "tanto em seus aspectos negativos (ansiedade e sintomas) quanto em seus aspectos positivos (bem-estar e proteção); na qual predominam as características orais (hipersonia, voracidade, dependência) que indicam uma identificação básica da grávida com o feto" (Maldonado, 1980, p.15).

De acordo com Silva (2007, p. 22), a "regressão é uma palavra que remete a um campo fenomenológico e metapsicológico tão amplo que a aparente obviedade do sentido torna-se fonte de engano, quando se aborda o conceito".

Durante a gravidez, "parte das excitações psíquicas terá um caminho regrediente" (Silva, 2007, p. 9). Esse processo se vincula às definições de espacialidade e temporalidade do psiquismo, uma vez que retoma caminhos há muito vividos, enquanto lida, simultaneamente, com a realidade do presente. Nesse percurso gravídico, concorda-se com o pensamento de Horney (1966, p. 122), ao afirmar que "as doutrinas de regressão [...] são uma resultante da ideia de que as experiências de caráter emocional do passado tendem a ser repetidas. O denominador comum [...] é que as experiências de caráter emocional do passado podem ser revividas debaixo de certas condições".

É interessante pontuar que a duplicidade do ego pode ser ocasionada pela simultaneidade de forças que atuam em movimentos contrários, impulsionando a estabilização egoica em duas direções, promovendo uma disruptura desestabilizante: "as transformações corporais e a identificação com o feto", de um lado, e "a realização do desejo de ser mãe", do outro (Silva, 2007, p. 35). O encontro de tais forças promove uma desorganização do ego, mais presente e atuante no primeiro trimestre da gravidez. Entretanto, a ambivalência de sentimentos e desejos perdura durante os nove meses, remetendo a uma dissociação organizadora, presente tanto em Freud quanto em Winnicott, variando apenas a intensidade dessas sensações, sejam elas conscientes ou não (Silva, 2007). Essa dissociação iniciará seu caminho de volta à unicidade somente após o parto, que segundo Langer (1981, p. 215) será a experiência de "realidade tangível", afirmando ainda que apenas depois de dar à luz a mulher confrontará suas fantasias com a realidade tangível materializada no filho. Blum (1982) complementa dizendo que o ego da mulher se tornará incontestavelmente enriquecido por meio do renascimento de conflitos regressivos.

A regressão do companheiro é também pontuada durante o processo gestacional da mulher (Maldonado, 2010; Soifer, 1980), mas esse aspecto não será aprofundado nesse trabalho.

Esse processo regressivo na gravidez não assume - necessariamente - uma conotação patológica, mas insere-se no contexto desenvolvimental. Segundo Anna Freud (1971), nesse contexto não se pode esperar que o aparato psíquico comporte-se exatamente da mesma maneira que o aparato físico, ou seja, percorrendo apenas o caminho avante, sem retrocessos. Mesmo havendo uma elaboração progressiva na constituição da psiquê, o caminho a ser percorrido por ela não é dotado de apenas uma força que a impele para frente. As fixações e regressões atuam de maneira oposta e "somente o reconhecimento de ambos os movimentos, progressivos e regressivos, e das interações mútuas, é que nos pode levar a explicações satisfatórias dos acontecimentos nas diretrizes de desenvolvimento [...]" (Freud, 1971, p. 85).

Conforme Silva (2007), é imprescindível que se pontue e compreenda a construção do aparelho psíquico como uma localidade, atribuindo-lhe o sentido de uma organização na qual as excitações psíquicas percorrem um caminho, obedecendo a uma direção e temporalidade próprias. Essa compreensão é fundamental para a absorção da ideia de fluidez, seja ela progressiva, seja regressiva, mas uma fluidez que segue determinados padrões e caminhos, não estando a esmo na sua travessia: "o conceito de regressão permitiu pensar o movimento psíquico, fundamentalmente, como fluxo, observado e delineado nas configurações sintomáticas, desejantes e representacionais, formadas dos deslocamentos regressivos" (Silva, 2007, p. 15).

A regressão precisa ser entendida não como uma involução do processo desenvolvimental, mas como um mecanismo de defesa que protege a estrutura do ego, enquanto este se estrutura para lidar com a realidade. Constitui um espaço que permite prover satisfação, diante das mudanças ocorridas no que antes era um lugar conhecido.

Segundo Soifer (1980), logo no início da gravidez a hipersonia manifesta internamente o início do processo regressivo. Essa sonolência reflete a identificação com o feto, e se origina "na percepção inconsciente das mudanças orgânicas e hormonais e na sensação de incógnita" (Soifer, 1980, p. 22). As manifestações externas são caracterizadas por retraimento e afastamento dos demais (ensimesmamento), o que torna a gravidez inconscientemente perceptível ao marido e filhos (se houver).

Esse processo de desvinculação ou distanciamento da realidade durante a gravidez perpetua-se no pós-parto, mantendo o vínculo de identificação da mãe com o bebê, em um nível adequado, provendo-lhe as necessidades físicas e psicológicas, até que este dê o primeiro passo rumo à independência materna.6 Para que isso aconteça, a mãe deve ter acesso à realidade de maneira gradual, tornando-se independente do filho à medida que o filho não necessita mais dela. Dessa forma, a "crise" instaurada na gravidez não se encerra no parto, mas assume uma nova conotação. De acordo com Maldonado (1980, p. 15), "o puerpério deve ser considerado como a continuação da situação crítica, pois implica em novas mudanças fisiológicas, em consolidação da relação materno-filial e em grandes modificações da rotina e do relacionamento familiar".

Prosseguindo, a regressão é um forte e atuante mecanismo e, à medida que se une às representações inconscientes reprimidas, é provida de substrato necessário que permite atingir as camadas mais primitivas e os níveis mais primários. Sobre os fatores desencadeantes da regressão, Silva (2007, p. 45) pontua que pode haver mais de um: "seja uma resistência à entrada de um pensamento na consciência, seja a possibilidade de um caminho mais curto para a satisfação alucinatória de um desejo, seja motivada pela invasão do aparelho por uma excitação vinda de uma representação inconsciente, despertada por restos diurnos".

O palco onde acontece esse conflito psíquico na gravidez é o ego, ou melhor, a cisão deste, resultando em uma manutenção de contato com a realidade enquanto sofre regressão. Ocorre então uma simultaneidade de movimentos progressivos e regressivos ininterruptos (Langer, 1981), e, em conformidade com Silva (2007, p. 21), há, na gravidez,

a suspensão do transcorrer do tempo, eixo organizador do processo secundário; uma inusitada simultaneidade de passado e presente, um esmaecimento de fronteiras e a necessidade de reasseguramento entre realidade e fantasia; elementos regressivos e atuais convivendo; mecanismos de defesa em ação, apesar da permanência na consciência dos pólos de conflito.

Retomando o pensamento de Langer (1981), a relação médico-paciente é outro desdobramento no contexto regressivo. O vínculo inconsciente da mulher/menina com a mãe, no contexto dessa relação atual, torna visível a configuração da relação primitiva, edipiana, ora revelada pela submissão ao médico (este incorporando a mãe má), ora na cumplicidade médico-paciente (tornando o médico a mãe boa). O médico ocupa uma posição que impulsiona a gestante para a atividade ou passividade em seu contexto gestacional. Silva (2007, p. 37) arremata que "o pêndulo entre atividade e passividade, na relação transpassada pela regressão, propiciará ou complicará a travessia deste delicado terreno em direção à autonomia", o que torna o médico um agente atuante e de grande influência não apenas sobre a saúde física, mas também psíquica da mulher, nesse percurso que culminará no parto, assumindo novos desdobramentos a partir de então.

Quanto à carga libidinal, há o aumento desta na gravidez, provocado por um processo biológico, ressaltando dois fatores presentes: a atualidade de concentração da libido e sua origem somática. "A estase é um processo econômico [...] em que a libido deixa de encontrar caminhos para descarga e acumula-se sobre formações intrapsíquicas" (Laplanche & Pontalis, 2001, p. 162). Nessa perspectiva, a regressão assumiria o papel de escoar parte da carga libidinal, poupando o organismo psíquico da estase.

Portanto, a gravidez assumirá um papel que, enquanto elabora - um novo ser - permite reelaborar, e, por meio de retrocessos e desestruturações, torna-se estruturante. Apesar de não haver consenso sobre cada pormenor desse processo regressivo demasiadamente complexo, é indiscutível sua existência como fenômeno que torna fluidas certas composições psíquicas da mulher, em um fluxo que se desloca, mantendo-se em constante movimento, tornando-se, para a protagonista desse processo, uma experiência estruturante e viabilizando a elaboração de conflitos por meio de uma projeção regressiva. Esta, segundo Tachibana et al. (2006), une-se ao desejo pela maternidade com o intuito de reviver uma situação infantil mal/não elaborada. Nessa perspectiva, a criação de um novo ser (filho) recriaria um aspecto do passado, fazendo-se presente nas fantasias da gestante como uma ajuda em termos sublimatórios.7 "Neste processo, conteúdos inconscientes podem tornar-se conscientes ou aparecer disfarçados sob a forma de sonhos e sintomas. Assim, há possibilidade de que conflitos psíquicos sejam elaborados [...]" (Piccinini et al., 2008, p. 64).

Concluindo a breve explanação acerca da regressão, concorda-se com Silva (2007) acerca do caminho reverso que as excitações psíquicas tomam e que as encaminham para um momento pré-edipiano, a conceituação primitiva do complexo de Édipo, que dará estrutura para a fertilização e crescimento do Édipo, permitindo que ele se instaure na menina. Nesse momento, vivências e significações assumirão papel crucial na construção da subjetividade, influenciando toda uma gama de elaborações futuras. Na gravidez, a quebra/divisão do ego mantém uma parte deste ligada a essas significações primitivas, e pode, no presente, atribuir novos significados a essas experiências do passado, conduzindo a uma fantasia que, construída sobre o feto, remeterá a estados da primeira infância, nos quais foram vividos o complexo de Édipo (incluindo sua pré-história) com suas elaborações (incesto, amor/ódio aos genitores, medo da castração). Porém, esse conflito causado pela dualidade do ego é capaz de promover uma reconstrução e reelaboração de vivências infantis.

Encerra-se com o pensamento de Blum (1982, p. 153), ao afirmar que

a gravidez representa culminação de desejos que começam na infância e oscilam em intensidade, para reaparecer com força total no momento que a realização se torna possível [...]. Nos nove meses de gestação, fantasias desenvolvidas desde a infância e elaboradas na adolescência tornam-se integradas nas representações correntes e nos pontos de vista adultos [...]. Ao regredir às fases mais primitivas da espera da criança, cada mulher grávida tem nova oportunidade de resolver os conflitos entre si e sua mãe [...].

Viu-se, portanto, que a maternidade firma suas raízes em um eu profundo e antigo e é originada em uma constituição infantil da mulher.

 

3.3 A ambivalência do desejo materno

Badinter (1985) desconstrói a ideia mantida e aceita por séculos da inerência do instinto materno na mulher. A "tendência primordial que cria em toda mulher normal um desejo de maternidade [...]", segundo o dicionário Larousse do século XX (Badinter, 1985, p. 11), não é mais factual. Após décadas de (des)construção, o conceito maternal foi expandido, revisto e reincorporado na sociedade.

Atualmente e socialmente falando, é dada à mulher a opção de ser ou não mãe, gerar ou não um filho.8 A ideia da universalidade dos instintos maternos e da compulsão à maternidade tem sido abolida e há esferas femininas que recusam radicalmente o ser mãe (Neri, 2005). Seria possível então viver de acordo com o desejo. Seria, se não fosse pelo fato de que, na maioria das vezes, o desejo real permanece oculto. Sim, nem sempre o que se demanda é o que se deseja (Tachibana et al., 2006). A demanda está ligada à ordem do consciente, enquanto o desejo ao inconsciente. E nem sempre ambos coincidem, o que torna o querer tão complexo e paradoxal, visto que, enquanto se aparenta querer algo, no íntimo se quer o oposto.

É importante distinguir o desejo da demanda, portanto, para realizar essa distinção, serão trazidos os postulados de Quinet (2011), unindo-os às considerações concernentes à gravidez. A Psicanálise organiza o sujeito em torno de um furo, uma falta que se remete a um objeto perdido e que é fonte ilusória de satisfação plena. Na menina, a inveja do pênis (que se transforma, por equivalência simbólica, em filho/bebê do pai) é mantida e essa falta explica o porquê da vida sexual feminina estar

de tal modo centrada no amor e na demanda do amor, ou seja, na demanda de se fazer dar, pelo Outro, aquilo que ele não tem. A falta da mãe, com relação à filha, deve ser então vista como uma dupla falta: falta do significante de uma identidade feminina, por um lado, e falta do falo, por outro lado. (Andrè, 1998, p. 196).

Se a falta é inerente ao desejo, este se descreveria como uma procura constante por uma satisfação plena (e utópica), um preenchimento do furo: "é o vetor que se desloca de um significante (S1), representado pelo traço da excitação da necessidade [...], para outro significante (S2), representado pelo traço do objeto que a satisfaz [...]"9 (Quinet, 2011, p. 88). A demanda expressa a necessidade,10 e é nela que "se desenrola o desejo. Na demanda, há sempre pedido de restituição de um status quo ante, de um estado anterior de complementação que o sujeito supõe existir ou ter existido" (Quinet, 2011, p. 88). A hipótese lançada por Freud (1931 [2010]; 1933 [2010]) é de que, a mulher, em sua vida adulta, perseguiria esse ideal de plenitude, o alcance do falo, que pode materializar-se (momentaneamente) no filho.

Essa discrepância entre os discursos manifestos e latentes pode resultar em uma gravidez não planejada (conscientemente), mas desejada na esfera inconsciente. O contrário também ocorre, quando a mulher anseia por uma gravidez e se prepara para ela, mas não percebe que em seu aparato psíquico há muitos mecanismos que se oporão a essa efetivação da concepção, ocasionando infertilidade com ou sem correlatos biológicos (Simas et al., 2013).

Maldonado (2010, p. 289) afirma que

o medo de gerar filhos forma os alicerces de inúmeros casos de infertilidade e de transtornos de fecundação, tanto na mulher quanto no homem [...]. O desejo, frequentemente aliado ao medo, pode provocar alterações psicossomáticas de intensidade variada, desde o simples atraso menstrual [...], até as impressionantes manifestações da pseudociese, verdadeira "psicose corporal" que fabrica um bebê imaginário construindo um corpo falsamente grávido, numa dramática demonstração do poder do desejo.

Segundo Quinet (2011, p. 16), "o sujeito é desejo. A existência do sujeito é correlativa à insistência da cadeia significante do inconsciente [...]". Nessa esfera do desejo, este é premissa para o acontecimento da gravidez, reafirmando a tese freudiana (1933 [2010]) da persistência do desejo fálico na vida da mulher. Sempre que uma gravidez ocorre, existe na mulher o desejo (inconsciente, manifesto ou não) de ser mãe, como resultado de uma soma de fatores psíquicos e biológicos (Tachibana et al., 2006). Soifer (1980, p. 27) pontua que "[...] quando uma mulher engravida, é porque sua tendência à maternidade superou amplamente o terror aos filhos". O desejo pelo filho se fará presente e intrínseco em qualquer gestação, mesmo em casos de estupro, ressaltando o desejo que é, sobretudo, inconsciente e não manifesto.

O inconsciente se revela de grande valia na manipulação de fatores que corroborem para a realização de seu desejo. Szejer & Stewart (1997) e Maldonado (2010) citam o esquecimento da pílula ou da camisinha como exemplos de atos falhos que visam revelar e alcançar o desejo de engravidar mesmo em mulheres que expõem avidamente o oposto. Quinet (2011, p. 49) explica que esses atos "equivalem a uma confissão do sujeito. [...] Nessa confissão, a dimensão do Outro está sempre presente: o sujeito envia, assim, sem querer querendo, uma mensagem inconfessa".

Alguns autores ressaltam as tendências ambivalentes do desejo na gravidez (Blum, 1982; Maldonado, 2010; Sarmento & Setúbal, 2003; Soifer, 1980, Tachibana et al., 2006). Piccinini et al. (2008, p. 70) afirmam que "é inevitável falar de ambivalência, que é parte do desejo e, por isso mesmo, muito natural na gestação". Dessa maneira, concorrerão concomitantemente o querer e o não querer, o "desejo e contradesejo" (Soifer, 1980, p. 23). "Mesmo nas gestações planejadas e desejadas, um certo grau de ambivalência se faz presente sob a forma de dúvidas, temores, insegurança; mesmo nas gestações indesejadas, há uma busca inconsciente do filho ou da afirmação da fertilidade como fonte de valorização pessoal" (Maldonado, 2010, p. 289).

Ainda de acordo com Maldonado (2010, p. 290), em um cenário normal, a simultaneidade de sentimentos opostos encontra a via somática como intermédia de expressão, resultando em "náuseas e vômitos, hipersonia, intensificação da irritabilidade, dores por espasmos musculares, alterações do apetite", inclusive no homem (em virtude da identificação e da inveja). O sintoma, "como um derivado do recalcado, é uma formação do inconsciente, ou seja, uma formação substitutiva do significante recalcado [...]" (Quinet, 2011, p. 48). Essa rejeição ao filho resgata elementos do complexo de Édipo e seus conflitos, em especial o conflito de caráter persecutório. Nesse momento, a negação como mecanismo de defesa beneficia a mulher, que projeta a rejeição em seu companheiro, permanecendo com o que acredita ser aceitável para ela e para a sociedade (Tachibana et al., 2006). Quando não há o estabelecimento dessa projeção, o bebê pode assumir a imagem de algo destrutivo e avassalador, que cresce, ganha forma e força e visa acabar com a vida da mãe. Ver o inimigo crescer gera angústia e terror, e cria o desejo de tirá-lo dali, mesmo prematuramente (Maldonado, 2010).

Portanto, o desejo parental, consciente ou inconsciente, repercutirá no discurso e se imporá sobre a criança, acompanhando-a em seu desenvolvimento social. No contexto da pré-história da criança, o desejo se faz presente como peça-chave. De acordo com Szejer & Stewart (1997, p. 78), a concepção será a união, o entrelaçamento de três desejos: do pai, da mãe e do filho: "ora, para que um filho nasça, é preciso que dois desejos (inconscientes [...]) se articulem para dar origem a um terceiro desejo de vida que virá se encarnar no corpo do filho". Esse desejo, entretanto, pode ser fonte de conflito, se há discrepância entre o desejo consciente e inconsciente. O desejo sempre é ambivalente e essa ambivalência é constitutiva do desejo. Impulsiona o sujeito a querer duas coisas que são incompatíveis. Então atrelado ao querer está a escolha (na gravidez é comum o sentimento de querer o filho, e não desejá-lo ao mesmo tempo). Esse sentimento de ambivalência pode atingir seu ápice no período de incerteza que antecede à confirmação da gravidez. Quando ela desconfia e se pergunta: estou realmente grávida? O talvez se insere como possibilidade de vivenciar ambas as situações, estar e não estar grávida, mover-se entre as duas escolhas, ao mesmo tempo (Szejer & Stewart, 1997).

Nessa esfera do desejo, este

pode ser a simples projeção sobre outro, considerado como um outro si-mesmo, da necessidade de continuar a se beneficiar da atribuição do Originário; esse desejo é mais feminino do que verdadeiramente materno. O desejo de maternidade é o estado de espirito que corresponde à necessidade pessoal de fornecer ao outro a própria matéria do Originário, sob suas formas psíquica ou física. (Delassus, 1999, p. 133).

O desejo (ou os desejos consciente e inconsciente), de acordo com Szejer & Stewart (1997), pode manifestar sua força em processos geralmente atribuídos a causas biológicas: um aborto sem razões aparentes, ou uma manutenção da gravidez mesmo após a tentativa de aborto. A força das barreiras inconscientes é tamanha que pode, mesmo por anos, impedir que um casal gere filhos, atuando no psiquismo da mulher, do homem ou de ambos. Maldonado (2010) cita casos frequentes, nos quais, após a adoção de um filho, a mulher engravida, em consequência da mudança de cenário, enfrentamento de medos e relaxamento das rédeas do inconsciente.

 

4 Considerações finais

A trajetória que a mulher perfaz é composta de uma multiplicidade de fatores que tornam seu caminho complexo e dinâmico. A constituição da feminilidade, o estabelecimento de vínculo com os genitores, a elaboração de papéis sociais e a construção da subjetividade, são exemplos de desdobramentos na vida da mulher e em seu desenvolvimento. Não é possível, portanto, esgotar as possibilidades de estudo e teorizações acerca de qualquer um desses temas. Dessa forma, apesar da utilização de diversos autores que embasaram esta pesquisa, há a certeza de que ainda há muito a ser dito, e muitas possibilidades de construções teóricas e práticas, com a colaboração de outros renomados estudiosos, utilizando seus escritos de maneira mais densa e contundente.

O leitor pode considerar o trabalho uma miscelânea de obras, que, embora se digam psicanalíticas, assumem abertamente suas divergências umas às outras. Esse fato não escapou à percepção e constitui-se uma possibilidade de aprofundamento em um estudo futuro: a escolha de um segmento teórico apenas, seja de vertente lacaniana, winnicottiana, kleiniana, seja de outrem. Acredita-se que em cada um desses autores existe a possibilidade de aprofundamento conceitual, o que não objetivou este artigo, em virtude da impraticabilidade de união de múltiplos conceitos divergentes. O leitor pode, em decorrência desses fatos, assumir a postura de considerar a obra atual abrangente e rasa, já que não propôs aprofundamento em correntes específicas. Em contrapartida, o caro leitor também tem a oportunidade de tornar esta construção uma válida fonte de conhecimento que viabilizou a confluência de ideias semelhantes, mesmo que provenientes de pensadores diferentes.

Esse campo de pesquisa necessita de aprofundamentos que visem também à intervenção no campo social, o que possibilitará a melhoria nos quesitos saúde física e psíquica de mãe e filho. Conclui-se, portanto, dando ênfase na implementação de medidas que objetivem o acompanhamento da gestante por um profissional, visando a um cuidado especializado que lhe permita vivenciar a gravidez com suporte adequado. A intervenção une-se aos postulados teóricos, e ambos devem constituir trabalhos bibliográficos e de campo, formando uma teia indissociável e complementar, propositando o desbravamento de um campo eminentemente complexo, contemporâneo e instigador: a maternidade.

 

 

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Endereço para correspondência
Raul Max Lucas da Costa
E-mail: raulmax@leaosampaio.edu.br
Macla Alice Bezerra de Oliveira Silva
E-mail: psi_alice@hotmail.com

 

 

*Professor do Curso de Psicologia do Centro Universitário Dr. Leão Sampaio (Unileão). Doutor em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Graduado em História pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). Graduado em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Psicanalista. Membro do Aleph - Escola de Psicanálise (MG).
**Pós-graduada em Investigação Criminal pela Unyleya. Pós-graduada em Psicologia Forense e Criminal pelo Centro Universitário Dr. Leão Sampaio (Unileão). Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário Dr. Leão Sampaio (Unileão).
1Sujeito-desejo; sujeito-falta: "o sujeito para a psicanálise é [...] esse significante que falta, esse vazio de representação em que se manifesta o sujeito" (Quinet, 2011, p. 13).
2A diferença em nível anatômico não ocorre - tal qual, no nível psíquico: "neste, só se inscreve aquilo que é consequência desta diferença, ou seja, o complexo de castração" (André, 1998, p. 171).
3A menina expressa sua atividade ao reproduzir, nas brincadeiras infantis, o que fazem a ela. Assim, o brincar de bonecas pode ser visto como sinal típico de feminilidade precoce. É, sobretudo, uma demonstração do caráter ativo dessa feminilidade. Nessa relação, predomina o jogo de poder, no qual se luta para determinar quem devorará quem (André, 1998; Freud, 1931 [2010]).
4Regressão materna, ou na gravidez, são termos utilizados para descrever o processo que a mulher protagoniza ao retornar, na gestação, à sua constituição primária infantil, e resgatar aspectos pré-edipianos.
5"Narcisismo significa aquele estado de ânimo, aquela atitude espontânea do homem, em que o indivíduo se elege a si próprio, ao invés de aos outros, como objeto de amor" (Horney, 1966, p. 75). Nesse ponto, caberia um estudo detalhista acerca das diferenciações entre narcisismo primário e secundário. Pontuando brevemente: narcisismo primário refere-se a um estado no qual a criança promove um investimento total da libido em si mesma; narcisismo secundário remete-se à retirada de libido dos investimentos objetais e um retorno desta ao ego (Laplanche & Pontalis, 2001).
6Essa disponibilidade da mãe é mais bem descrita por Winnicott em seu conceito de preocupação materna primária. É um estado psíquico diferenciado, composto de retraimento do mundo exterior para estabelecer um canal de comunicação com o bebê, promovendo a saúde física e psicológica do filho. A mãe, portanto, deve estar apta a entrar e sair desse estado especial (Vaisberg & Granato, 2006; Granato & Vaisberg, 2009).
7Segundo Roudinesco & Plon (1998), esse é um termo conceituado por Freud em 1905 para descrever um tipo de atividade que, mesmo não tendo relação com a sexualidade, retira sua força da pulsão sexual e a reposiciona para uma atividade não sexual. A "energia do eu, como libido dessexualizada, é passível de ser deslocada para atividades não sexuais" (Roudinesco & Plon, 1998, p. 734). Portanto, a sublimação une-se à dimensão narcísica do eu e atua como mecanismo de defesa objetivando a resolução de conflitos infantis.
8Aqui, opção na perspectiva casuísta e principalmente biológica, alavancada pela propagação de meios contraceptivos. Na Psicanálise, a escolha está sempre atrelada a fatores subjetivos e, em sua maior parte, inconscientes.
9
10Por conseguinte, é imposto diferenciar demanda de necessidade. Quinet (2011, p. 89) afirma que a demanda é a expressão da necessidade, enuncia algo a alguém (é minha voz ao Outro). A necessidade diz respeito a algo mais primitivo, e "tem sempre um objeto que a satisfaz, como o alimento para a fome".

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