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Analytica: Revista de Psicanálise

versão On-line ISSN 2316-5197

Analytica vol.10 no.19 São João del Rei jul./dez. 2021

 

A questão da identificação em O estádio do espelho e sua relação com a alteridade em Jacques Lacan

 

The Question of Identification in The Mirror Stadium and its Relationship to the Alterity in Jacques Lacan

 

La question de l'identification au Le stade du miroir et son relation avec l'altérité de Jacques Lacan

 

La cuestión de identificación en El estadio del espejo y su relación con la alteridad en Jacques Lacan

 

 

Renan Cota Valle ScaranoI; Giovani Henrique PertileII

IDoutorando em Política Social e Direitos Humanos pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel). Mestre em Política Social pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel). Graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel). Graduando em Psicologia pela Faculdade Anhanguera de Pelotas
IIGraduado em Filosofia pela Universidade Católica de Pelotas. Pós-graduando em Neuropsicopedagogia clínica e institucional no Centro Universitário Internacional

 

 


RESUMO

O presente texto faz uma abordagem da questão da identificação na obra O estádio do espelho, publicada em 1949 por Jacques Lacan, relacionando tal momento ao surgimento da alteridade. Primeiramente, apresentam-se explanações sobre o conteúdo do texto; em seguida, abordam-se os conceitos de alteridade (pequeno outro e grande Outro). Em Lacan, o sujeito é entendido em seu contexto, sua personalidade forma-se com o contato das figuras presentes no meio em que vive. O Estádio do Espelho também é explanado em discussão psicanalítica, as três fases do estádio e o significado para Lacan de tal conceito. Em seguida, discorre-se sobre a questão do pequeno outro e do grande Outro na constituição do sujeito, abordando o papel da linguagem na relação de alteridade.

Palavras-chave: Lacan. Sujeito. Alteridade. Linguagem.


ABSTRACT

This text addresses the issue of identification in the work Mirror Stage published in 1949 by Jacques Lacan, relating this moment to the emergence of alterity. Firstly, explanations about the content of the text are presented, then the concepts of otherness (small other and big Other) are approached. In Lacan, the subject is understood in his context, his personality is formed with the contact of the figures present in the environment in which he lives. The Mirror Stadium is also explained in a psychoanalytic discussion, the three phases of the stadium and the meaning for Lacan of such a concept. Then, the issue of the small other and the big Other in the constitution of the subject is discussed, approaching the role of language in the alterity relationship.

Keywords: Lacan. Subject. Otherness. Language.


RÉSUMÉ

Ce texte aborde la question de l'identification dans l'ouvrage Le stade du miroir, publié en 1949 par Jacques Lacan, relatant ce moment à l'émergence de l'altérité. Dans un premier temps, des explications sur le contenu du texte sont présentées, puis les notions d'altérité (petit autre et grand autre) sont abordées. Chez Lacan, le sujet est appréhendé dans son contexte, sa personnalité se forme au contact des figures présentes dans l'environnement dans lequel il vit. Le stade miroir est aussi expliqué dans une discussion psychanalytique, les trois phases du stade et le sens pour Lacan d'un tel concept. Ensuite, la question du petit autre et du grand autre dans la constitution du sujet est abordée, abordant le rôle du langage dans la relation d'altérité.

Mots-clés: Lacan. Sujet. Altérité. Langue.


RESUMEN

Este texto aborda el tema de la identificación en la obra El estadio del espejo, publicada en 1949 por Jacques Lacan, relacionando este momento con el surgimiento de la alteridad. En primer lugar, se presentan explicaciones sobre el contenido del texto, luego se abordan los conceptos de alteridad (otro pequeño y otro grande). En Lacan, el sujeto se entiende en su contexto, su personalidad se forma con el contacto de las figuras presentes en el entorno en el que vive. El estadio del espejo también se explica en una discusión psicoanalítica, las tres fases del estadio y el significado para Lacan de tal concepto. Luego, se discute la cuestión del otro pequeño y del gran Otro en la constitución del sujeto, abordando el papel del lenguaje en la relación de alteridad.

Palabras clave: Lacan. Tema. Alteridad. Idioma.


 

 

Introdução

O estádio do espelho, texto apresentado por Jacques Lacan no XVI Congresso Internacional de Psicanálise no ano de 1949, aborda os mecanismos infantis para a formação da função "eu", tal como é revelada na experiência psicanalítica. Vale destacar que na língua francesa há duas formas de se nomear esse pronome pessoal, por meio do: je e do moi. A primeira é utilizada por Lacan para referir-se ao sujeito de desejo, ou seja, está mais relacionada ao inconsciente; já a segunda forma, refere-se ao eu consciente, ao ego; é uma maneira mais ampla de tratar o ego consciente.

Sendo um texto destinado ao aprofundamento das ideias de Sigmund Freud no tocante à formação da personalidade, e na melhor exploração do narcisismo primário, pode-se extrair dele alguns conceitos que refletem o debate filosófico em torno da concepção sobre o sujeito e, especificamente, em relação à questão da alteridade.

Jacques-Marie Émile Lacan nasceu em Paris, no dia 13 de abril de 1901. Estudou Medicina e especializou-se em Psiquiatria. A partir de 1927, Lacan passou a trabalhar no Hospital Saint-Anne. Tal ocupação propiciou ao psiquiatra experiências clínicas voltadas às psicoses chamadas paranoicas. Em 1932 obteve o doutoramento em Psiquiatria Médica com a tese: Da psicose paranoica em suas relações com a personalidade. Em 1934, fazendo parte da Sociedade Psicanalítica de Paris, Lacan percebe as lacunas e o distanciamento de algumas correntes filosóficas e psicanalíticas do ideal freudiano, passando a elaborar obras com caráter considerado inovador no campo psiquiátrico, capazes de retomar a originalidade de Freud.

Com O estádio do espelho, Lacan apresenta noções acerca do desenvolvimento infantil, especificamente no período de seis a 18 meses de vida, período em que a criança passa por um momento constitutivo da própria identidade, com base nas relações com seus semelhantes. Pelo campo visual, o bebê antecipa sua unificação corporal, que neuronal e fisiologicamente ainda carecem de completude; apenas aufere essa presciência devido à imagem assumida por meio dos elementos externos.

O artigo está dividido em três partes. Primeiramente apresenta-se uma explanação acerca da obra O estádio do espelho, seu contexto de discussão no âmbito psicanalítico, as três fases do estádio e o significado para Lacan de tal conceito. Em seguida discorre-se sobre a questão do pequeno outro e do grande Outro na constituição do sujeito.

 

Lacan e O estádio do espelho

Após doutorar-se em Medicina e imbuído pelas noções da prática médica psiquiátrica e de perspectivas fortemente filosóficas, Lacan procura "elucidar [o] obscuro narcisismo primário" (Ogilvie, 1991, p. 101), que fora pouco explorado por Freud. Para melhor entender tal conceito, Lacan expõe o texto O estádio do espelho no Congresso de Marienbad em 1936, Congresso da Associação Psicanalítica Internacional.

Com a explanação do texto, ele acaba infundindo elementos baseados na Biologia e Psicologia Comparada, inovando a questão do entendimento sobre o narcisismo primário freudiano, fornecendo uma explicação filosófica e antropológica de como ocorre a formação do sujeito e sua entrada no campo simbólico. O espelho é utilizado como uma figura simbólica, capaz de edificar a noção de personalidade na criança, que recebe características do meio em que vive, especialmente na imagem de seus progenitores.

O estádio do espelho é elencado em três momentos. O primeiro momento é caracterizado pelo estranhamento da própria imagem; o segundo é caracterizado pela fase de transitoriedade; o terceiro é marcado pelo reconhecimento do próprio reflexo, este produzido pelo espelho ou pelos semelhantes humanos. A primeira apresentação do texto O estádio do espelho como formador da função do eu ocorreu em 31 de julho de 1936 no Congresso de Marienbad (República Tcheca). Sua participação foi considerada ponto de entrada no "movimento analítico" (Palmier, 1977, p. 20). O estádio do espelho envolve-se naquilo que se observa no ser humano "a partir da idade de seis meses [...] [e], se conserva para nós, até dezoito meses de idade" (Lacan, 1998, p. 97). A partir desse período, a criança inicia seu processo de reconhecimento, não apenas de seu próprio [eu], mas de alguns elementos da estrutura que a circunda.

De acordo com Palmier (1977), um dos motivos que levam Lacan a explanar o desenvolvimento infantil foi a observação clínica de uma menina, que visava à imagem refletida no espelho físico. "Uma imagem parece ter marcado Lacan muito cedo nessa descoberta: a de uma menina nua, contemplando-se num espelho e apontando, com a mão, sua carência fálica." (Palmier, 1977, p. 22). Nota-se que a visão tem papel marcante na fase do espelho, porque é por intermédio dela que o bebê tem as primeiras noções de espaço e de exterioridade. O ordenamento daquilo que está além do domínio de si e que ainda não é compreendido plenamente confere ao olhar um caráter assimilativo, por meio dele a "criança começa a conquistar a imagem da totalidade de seu corpo" (Zimerman, 2001, p. 128).

Por via do olhar e da figura observada no espelho, a criança passa à "assunção jubilatória de sua imagem" (Lacan, 1998, p. 97). O júbilo pelo reconhecimento da imagem visualizada ainda está mergulhado no campo da inconsciência, a qual permeará toda a vida do ser, mesmo com a tomada de consciência de si, a partir do terceiro momento do estádio especular. "O olhar não se situa simplesmente ao nível dos olhos. Os olhos podem muito bem não aparecer, estar mascarados. O olhar não é forçosamente a face de nosso semelhante, mas também a janela atrás da qual supomos que ele nos espia. É um 'x', o objeto diante do qual o sujeito se torna objeto." (Lacan, 2009, p. 286).

Lacan argumenta que, por ainda estar em processo de reconhecimento da imagem com a ajuda do espelho (e nas figuras externas), a criança inicia sua empreitada na necessidade de fazer-se parte do contexto que a cerca, e faz isso mediante uma linguagem, especialmente expressa pelo choro e mímica. A criança, para ele, "é um ser humano, de que nasceu num estado de impotência, e que, muito precocemente, as palavras, a linguagem, lhe serviram de apelo, e de apelo dos mais miseráveis, quando era de seus gritos que dependia sua comida." (Lacan, 2009, p. 207).

Os olhos são constituintes, mas não os únicos constituidores, "não somos um olho" (Lacan, 2009, p. 193). Essa frase esclarece que os olhos possuem caráter de constituição do sujeito, porém os sentidos como um todo também desempenham o papel assimilativo ao psiquismo na criança, mais precisamente à formação do [eu]. Ou seja, não é um organismo biológico isolado que se estrutura e constitui-se como sujeito. Ao desejar, ver e tocar a mãe, a criança participa de um todo que ainda não se sente imersa, precisa aprender que a sociedade tem uma forma de estruturar-se, eis sua luta primordial.

Há uma influência buscada na Biologia para explicar o processo de desenvolvimento da criança no texto O estádio do espelho (sobretudo tendo como base algumas noções provenientes da corrente darwiniana). Lacan mostra que a ideia da prematuração humana não provém originalmente da Psicanálise: "Essa prematuração do nascimento não são os psicanalistas que a inventaram. Histologicamente, o aparelho que desempenha no organismo o papel de aparelho nervoso, ainda sujeito a discussão, está inacabado no nascimento." (Lacan, 2009, p. 199).

Lacan utiliza-se das ideias explanadas pelo psicólogo Henri Wallon,1 especialmente de seu artigo intitulado "Como se desenvolve na criança a noção de corpo próprio" (1931), publicado cinco anos antes de O estádio do espelho, para fundamentar a noção de unificação corporal, faculdade presente também em outros animais, que é capaz de fornecer características de totalidade a alguns animais, mesmo estes ainda estando mergulhados pela carência e debilidade motoras.

O emprego das ideias de Wallon visava demonstrar com mais saliência o pensamento de que o ser humano, mediante a interação com o meio em que convive, assume características constitutivas à sua personalidade: "Wallon aderia à ideia darwiniana, segundo a qual a transformação de um indivíduo em sujeito passa pelos desfiladeiros de uma dialética natural" (Roudinesco, 2001, p. 125).

Portanto, em Wallon já se manifesta o pensamento de que a criança passa por um processo de reconhecimento e assimilação, relacionando-se com imagens das quais recebe influência. Envolvida por um movimento de formação de identidade, a criança se depara com o meio que a circunda, por intermédio de etapas de desenvolvimento. No que se refere à cognição motora,

é um estágio predominantemente afetivo, onde as emoções são o principal instrumento de interação com o meio. A relação com o ambiente desenvolve, na criança, sentimentos intraceptivos e fatores afetivos. O movimento, como campo funcional, ainda não está desenvolvido, a criança não possui perícia motora. Os movimentos infantis são um tanto quanto desorientados, mas a contínua resposta do ambiente ao movimento infantil permite que a criança passe da desordem gestual às emoções diferenciadas. (Wallon, 2008, p. 119).

A relação com o campo social e a ideia da falta de coordenação motora da criança são fatores comuns entre Wallon e Lacan. Lacan desenvolve em O estádio do espelho a noção estudada por Wallon, afirmando que as experiências infantis são direcionadas e aprendidas em contato com o ambiente, essas vivências se guiam por figuras externas: "nunca é com seus próprios olhos que a criança se vê, mas sempre com os olhos da pessoa que a ama ou a detesta" (Chemama, 1995, p. 5). Portanto, é com os olhos do outro que a criança aprende a se ver e a desejar. Isso marca o célebre aforismo lacaniano de que "o desejo humano está inteiro exposto, no sentido mais profundo do termo, ao desejo do outro" (Lacan, 2009, p. 288). Ao desejar o outro, a criança aprende elementos (linguagem) para a sua própria síntese de eu estruturado culturalmente.

Basta compreender O estádio do espelho como uma identificação, no sentido pleno que a análise atribui a esse termo, ou seja, a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem - cuja predestinação para esse efeito de fase é suficientemente indicada pelo uso, na teoria, do antigo termo imago.2 A assunção jubilatória de sua imagem especular por esse ser ainda mergulhado na impotência motora e na dependência da amamentação que é o filhote do homem nesse estágio de infans parecer-nos-á, pois, manifestar, numa situação exemplar, a matriz simbólica em que o [eu] se precipita numa forma primordial, antes de se objetivar na dialética da identificação com o outro e antes que a linguagem lhe restitua, no universal, sua função de sujeito. (Lacan, 1998, p. 97).

O momento especular tem eixo no reconhecimento de uma imagem, seja de si ou de um objeto externo (as pessoas também são vistas como objeto nesse caso), e na sua identificação. Os três momentos de identificação d'O estádio do espelho podem ser observados e, a partir de então, tomados como uma dedução, firmando-se em teoria. A abordagem toma lugar de estádio após o momento chamado autoerótico3 infantil, o qual também Freud já observara.4

Lacan ocupa-se então de explicitar o que se pode denominar fragmentação corporal, processo que, com a evolução infantil, passa a ser unificado na autoimagem, ou mais ainda, na imersão do sujeito no mundo da cultura. Essa imersão no campo cultural, aos olhos da clínica lacaniana, não deixa de ser uma "alienação" (Safatle, 2007, p. 32), no sentido de que, como se nota, a instância psíquica [eu] depende da alteridade para firmar-se como própria (singular).

Lacan, ao utilizar a palavra estádio ou fase, remete à ideia de uma observação topográfica Kaufmann (1996), que no caso da fase do espelho é comparada com a reação de certos seres vivos que apenas têm sua passagem à vida gregária devido ao processo de reconhecimento dos demais indivíduos de seu grupo biológico. "O filhote de homem", diz Lacan (1998), assim como o gafanhoto migratório, precisa do contato com o meio para efetivar a sua entrada naquilo que chamamos em nossa espécie de sociedade (já que ela não existiria sem linguagem acordada entre seus membros).

 

Os três momentos do estádio do espelho

A fase especular pode ser elencada em três momentos: o primeiro momento é caracterizado pelo estranhamento da própria imagem, influenciada com ênfase pela não separação (em caráter mental) da imagem da criança com a de sua própria mãe, que ainda a toma como unificada a si. A criança nessa primeira etapa compara-se a alguns animais, que também não conseguem perceber a autoimagem refletida.

O segundo momento é caracterizado pela fase de transitoriedade, da qual Lacan usa do conceito denominado transitivismo. Isso caracteriza-se como um momento de passagem, do não reconhecimento para o reconhecimento da instância [eu]. É uma fase marcada pela mímica e pela indefinição. A instância psíquica [eu] ainda não se isola da figura materna (simbiose), mas ao mesmo tempo consegue reconhecer-se, ainda que de forma indefinida ou imprecisa no outro.

O terceiro momento é o ápice identificatório, justamente porque nele a criança consegue reconhecer-se no próprio reflexo. Ao observar-se na imagem refletida no espelho ou identificar-se na imagem dos demais seres humanos que a cercam, vendo-se como parte do conjunto humano, a criança consegue dar entrada na relação com o meio de forma mais clarificada, prenunciando sua entrada no campo linguístico.

De acordo com Zimerman (2001, p. 128), a partir dos três momentos elencados no estádio do espelho observa-se um processo evolutivo na criança, que passa "a conquistar a imagem da totalidade de seu corpo". A imagem da totalidade ocorre no terceiro momento, porém, até se chegar a ela, existem outros dois momentos. O primeiro momento se baseia na "identificação da criança com uma imagem que a forma, mas que a aliena primordialmente e torna-a um 'outro' que ela não é" (Chemama, 1995, p. 59). Esse primeiro momento demonstra semelhança com aquilo que se observa em certos animais, que quando confrontados com a própria imagem refletida, não conseguem se ver nela, apenas notam "um outro", mas não se reconhecem no espelho. A "simples presença de imagens acarreta modificações anatômicas e fisiológicas profundas." (Safatle, 2018, p. 32). Nas palavras de Lacan,

a maturação da gônada na pomba tem como condição necessária a visão de um congênere, não importa de qual sexo - e uma condição tão suficiente que seu efeito é obtido pela simples colocação do indivíduo ao alcance do campo de reflexão de um espelho. Do mesmo modo, no gafanhoto migratório, a transição da forma solitária para a forma gregária, numa linhagem, é obtida ao se expor o indivíduo, numa certa etapa, à ação exclusivamente visual de uma imagem similar, desde que ela seja animada por movimentos de um estilo suficientemente próximo dos que são próprios à sua espécie. (Lacan, 1998, p. 99).

A criança passa de um momento narcísico, ainda baseado no autoerotismo, à constituição de uma instância denominada [eu] devido à observação de seus semelhantes. É no primeiro momento que acontece primordialmente a experiência de um corpo dividido, ou como Lacan chama em francês: corps morcelé.5 Essa fragmentação corporal acontece no bebê, que está em desenvolvimento e não tem o corpo totalmente unificado, especialmente em campo psíquico, vislumbrando-se, ainda em alguns aspectos, como unificado ao corpo da mãe.

Ao observar-se em um espelho, o bebê não se reconhece, apenas percebe uma imagem que "[...] rivaliza com sua própria imagem no espelho" (Nasio, 1997, p. 63). Segundo seu próprio entendimento, a criança percebe que a imagem não faz parte de si, mas é algo externo e, por conseguinte, busca relacionar-se com ela, seja por meio de uma relação de pantomima ou mesmo por relação de apoderamento; faz isso de forma considerável com a própria mãe, desejando mamar e receber sua atenção.

O estádio do espelho é um drama cujo impulso interno precipita-se da insuficiência para a antecipação - e que fabrica para o sujeito, apanhado no engodo da identificação espacial, as fantasias que se sucedem desde uma imagem despedaçada do corpo até uma forma de sua totalidade que chamaremos de ortopédica - e para a armadura enfim assumida de uma identidade alienante, que marcará com sua estrutura rígida todo o seu desenvolvimento mental. (Lacan, 1998, p. 100).

Nota-se um esfacelamento da noção corporal, o sistema nervoso está em desenvolvimento, e a identidade pessoal ainda não tem bases fisiológicas sólidas. "O desenvolvimento só ocorre na medida em que o sujeito se integra ao sistema simbólico." (Lacan, 2009, p. 118). O processo ocorre biologicamente, respeitando momentos de construção e assimilação, que como já enaltecido, passam por uma figura presente na exterioridade para constituir-se.

No primeiro momento especular, tanto no menino como na menina, as assimilações se dirigem igualmente na percepção da figura materna. Segundo Palmier (1977), o caráter constituidor que a mãe infere sobre o bebê provém da influência dos apontamentos de Melanie Klein.6 Ao perceber a mãe como uma figura que goza de totalidade (corporalmente já constituída), a criança inicia seu processo de socialização.

O segundo momento volta-se ao reconhecimento e significação da corporeidade, não mais tomado como totalmente dependente da figura materna, mas em processo de isolamento e constituição de uma própria particularidade psíquica, ou, ainda, uma entrada na noção denominada [eu]. "A relação imaginária, seja qual for, está modelada numa certa relação que é efetivamente fundamental - a relação mãe-criança." (Lacan, 1995, p. 28).

A gênese do [eu] surge n'O estádio do espelho, que fundamentalmente explana-se pela situação mental mergulhada na função imaginária, dando a ideia de um [eu] ideal, puramente "narcísico" (Safatle, 2018, p. 32). Lacan explica o caráter da alienação humana mostrando que, ao se direcionar ao outro, na figura materna primordialmente, o "ego se vê num si que não é senão uma última alienação dele mesmo" (Lacan, 2009, p. 302).

 

A questão do outro em O estádio do espelho

Lacan mostra "O estádio do espelho como uma identificação, no sentido pleno que a análise atribui a esse termo, ou seja, a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem" (Lacan, 1988, p, 97). No texto, Lacan procurou desenvolver também a relação de identificação presente anteriormente em Freud, porém com um viés inovador.

De acordo com Nasio (1997), Freud distingue dois tipos de identificação: parcial e total. Na primeira, apenas parte de um objeto presente no sujeito paciente é assumida (identificações histéricas, melancólicas e regressivas), enquanto na segunda todos os aspectos o são (identificação com a figura do Pai como caracterizado na obra Totem e tabu7). Freud, mesmo tomando os termos da identificação em caráter inconsciente, os define de forma clara, ou seja, o sujeito se relaciona com algum objeto ou parte dele presentes em outro sujeito e passa a identificar-se com esse objeto.

Nasio (1997), ao comparar como ocorre o processo de identificação em Freud e Lacan, usa de uma explanação tomada da Psicossociologia, na qual se constatam duas letras: A e B, que simbolizam duas instâncias e a relação existente entre elas. Em Freud, o indivíduo A, que representa o sujeito, identifica B como objeto, A e B são instâncias bem definidas, que não se manifestam em linhas objetivas, apenas em nível inconsciente e tampouco se mostram em "fenômenos de semelhança, imitação psicológica ou mimetismo animal [como ocorre na explanação de Lacan]" (Nasio, 1997, p. 112).

Vale salientar que em Freud o sujeito que desempenha o papel de paciente (outro) da relação identificatória não deve ser entendido como uma figura física, concretizada. "Não existem no inconsciente representações do outro, mas apenas representações inconscientes, impessoais, por assim dizer, à espera de um outro externo que venha ajustar-se a elas." (Nasio, 1997, p. 116). Em O estádio do espelho, percebe-se a noção de um corpo fragmentado representado em dimensão onírica, e mais propriamente nele a presença do campo inconsciente, na qual a identificação de Freud e de Lacan tem enlace.

Correlativamente, a formação do [eu] simboliza-se oniricamente por um campo fortificado, ou mesmo um estádio, que distribui da arena interna até sua muralha, até seu centurão de escombros e pântanos, dois campos de luta opostos em que o sujeito se enrosca na busca do altivo e longínquo castelo interior, cuja forma (às vezes justaposta no mesmo cenário) simboliza o isso8 de maneira surpreendente. (Lacan, 1998, p. 101).

Por meio do estádio do espelho, percebe-se uma identificação proveniente da confrontação com a própria imagem, seja ela especular ou não (no caso de agentes externos a ela, pessoas que estejam em sua rede de convivência); estas lhe fornecem características necessárias a um ideal de unificação corporal. A criança vê-se virtualmente, mediante uma "ilusão de autonomia" (Lacan, 1998, p. 102), superando o momento autoerótico e notando que existe o meio, e que este se organiza por intermédio de estruturas simbólicas. Cabe à criança, por via do processo de assimilação da noção de espaço, dar o passo decisivo à entrada na dialética social e identificar "essa relação erótica em que o indivíduo humano se fixa a uma imagem que o aliena em si mesmo, eis aí a energia e eis aí a forma onde tem origem esta organização passional que ele chamará de seu eu" (Lacan, 1998, p. 116).

Em Freud, o conceito de identificação, como já se salientou, entende-se como o momento no qual o sujeito assume a si atributos de outro sujeito. Essa relação identificatória se presencia na conexão de uma instância psíquica [eu] com um objeto (ou outro sujeito). Segundo Nasio (1997), para esclarecer-se a ideia de identificação, é necessário perceber que o [eu] freudiano não se entende como o ser consciente e menos ainda que o objeto deva ser lido como uma pessoa (o outro percebido fisicamente): "O termo objeto designa, verdadeiramente, uma representação inconsciente prévia à existência de outrem, uma representação que já se acha ali e na qual virá escorar-se a realidade externa da pessoa do outro ou de qualquer de seus atributos vivos." (Nasio, 1997, p. 116).

É preciso ressaltar que, no estádio do espelho, o [eu] forma-se por meio de uma dialética social, da relação com aquilo que o cerca, recebendo influência "pelo reconhecimento do outro" (Palmier, 1977, p. 26) especialmente pelo campo visual. A visão tem, assim, um caráter essencial na identificação e formação do eu, pois por ela a criança sofre um "impacto provocado pela visão global da imagem refletida" (Nasio, 1997, p. 133). Quando a instância que chamamos de [eu], entre o segundo e terceiro momento do estádio do espelho, relaciona-se com aquilo que a circunda, passa a entrar no mundo da significação linguística, percebendo-se como parte da estrutura, mesmo que ainda "mergulhada na impotência motora e na dependência da amamentação" (Lacan, 1998, p. 97). O estádio do espelho tem papel de "estabelecer uma relação do organismo com sua realidade" (Lacan, 1997, p. 199), por meio da estrutura circundante, a criança em processo de desenvolvimento identifica-se e acaba moldando-se a partir de suas relações sociais. A criança, não tendo a total unificação corporal, entra no campo do reconhecimento do outro mediante uma aparente ideia de totalidade corpórea, a qual se denomina Gestalt. "A Gestalt, cuja pregnância deve ser considerada como ligada à espécie, embora seu estilo motor seja ainda irreconhecível, simboliza, por esses dois aspectos de seu surgimento, a permanência mental do [eu] ao mesmo tempo em que prefigura sua destinação alienante." (Lacan, 1998, p. 98).

Segundo Evans (2007), quando Lacan faz uso do termo Gestalt, busca exprimir a imagem que o bebê percebe no outro (de mesma espécie) e nessa imagem nota uma totalidade daquilo que ele (bebê) virá a ser. Nos seres da mesma espécie, a Gestalt atina os mecanismos instintivos sexuais, especialmente voltados à reprodução. Comparando o desenvolvimento do animal humano com os demais, Lacan quer demonstrar o caráter constitutivo da visão, e o faz por meio do conceito de Gestalt. "Se a forma, a imagem, funciona tão bem assim no mundo animal, se por seu sentido ela já informa, só poderá ter mais efeitos sobre o psiquismo humano, ainda mais sensível por sua indeterminação fisiológica a este tipo de causalidade." (Ogilvie, 1991, p. 115).

Segundo Ogilvie (1991), o psiquismo humano, sendo notadamente mais sensível às influências provocadas pela imagem visada (se comparado aos demais seres vivos), deve constituir-se com ainda mais vigor pelo caráter da observação das imagens. É por meio das observações e mais propriamente das figuras que somos moldados e constituímos a noção de [eu]. De acordo com Safatle (2007), reconhecer a própria imagem e nela perceber também a presença de uma estrutura rodeando o corpo não ainda unificado provoca um grande conflito mental na criança, que passa a agir com certa agressividade em relação aos seus semelhantes. A agressividade, nos primórdios da formação da criança, ocorre porque "o homem se vê, se concebe como outro que não ele mesmo" (Lacan, 2009, p. 96).

Para Lacan (2009), a psique do ser humano consegue perceber-se no corpo: "O homem se sabe como corpo, quando não há afinal de contas nenhuma razão para que se saiba, porque ele está dentro. O animal também está dentro, mas não temos nenhuma razão para pensar que o representa para si." (Lacan, 2009, p. 224). Não se pode supor que essa noção de corporeidade esteja presente nos demais animais. Os seres humanos são constituídos pelas identificações, provindas daqueles que os rodeiam, com o meio manifesto em estruturas presentes na sociedade. Lacan mostra os processos que levam ao momento de identificação. O caráter reflexivo do espelho extrapola o sentido físico ou material de um objeto capaz de refletir imagens, recebe sentido figurativo, fornecedor do processo de assimilação e formação de imagem totalizadora: "que a imagem do eu apenas surge e se estabiliza se o sujeito dispuser de uma posição de onde possa projetar uma imagem amável, vale dizer, completa de si mesmo" (Zafiropoulos, 2018, p. 119).

Para Roudinesco (2001, p. 126),

nada mais tem a ver com o verdadeiro estádio, nem com um verdadeiro espelho, nem sequer com uma experiência concreta qualquer. Torna-se uma operação psíquica, ou mesmo ontológica, pela qual se constitui o ser humano numa identificação com seu semelhante quando percebe, em criança, sua própria imagem no espelho.

É pelo caráter de fornecer uma imagem ao observador que Lacan utiliza-se da palavra espelho. "O espelho, isto é, este momento da primeira relação consigo mesmo é irremediavelmente, e para sempre, uma relação com o outro [...] não é um estádio destinado a ser superado, mas uma configuração insuperável." (Ogilvie, 1988, p. 112).

O eu nasce em referência ao tu, dirá Lacan (2009). Partindo de uma analogia, Lacan explica o seu entendimento acerca das assimilações assumidas: "O eu é um objeto feito como uma cebola, poder-se-ia descascá-lo, e se encontrariam as identificações sucessivas que o constituíram" (Lacan, 2009, p. 226). O ser humano é formado como que por cascas, estas representariam as assimilações assumidas pelas experiências. O homem apenas relaciona-se com mundo por intermédio de uma "ilusão de autonomia" (Lacan, 1988, p. 102), projetando os "esquemas mentais no mundo" (Safatle, 2007, p. 30), o que não deixa de ser uma alienação. Mas o que se pode entender por alienação na obra especular lacaniana?

Frequente na obra de Lacan, esse termo designa o fenômeno que consiste em o sujeito sentir-se aprisionado no desejo, no discurso ou no corpo do outro. Esse fenômeno radica numa primitiva etapa do espelho, em que a criança tem a imagem de si mesma confundida com a de sua mãe. Etimologicamente, o vocábulo alienação deriva do étimo latino alienu, que significa aquilo que não é nosso, que pertence a alguém. De sorte que, além do significado psicanalítico, tal como foi definido acima, também é empregado no vocabulário popular para referir alguém que está distante, apartado de si mesmo. (Zimerman, 2001, p. 26).

Percebe-se que a formação da instância psíquica [eu], sendo constituída a partir da alteridade, não deixa de alienar-se: "significa ter sua essência fora de si, ter seu modo de desejar e pensar moldado por um outro" (Safatle, 2018, p. 23). Alienação é na verdade uma identificação com o externo, com a figura da alteridade e a tomada de seus atributos (do outro) como seus.

Em Lacan, o conceito de alteridade é importante, justamente porque a conceituação é inovadora, se comparada à colocada por Freud, criador da Psicanálise. A relação com o outro e o significado de identificação e de constituição de si contrasta com a visão de René Descartes (que expressa em linhas gerais a visão da Filosofia moderna), que entendia a alteridade de forma oposta, muito voltada ao eu consciente e à autonomia do sujeito.

Lacan, ao exprimir seu entendimento acerca da alteridade [outro], apresenta cinco categorias; todas elas manifestando a alteridade no percurso de ensino (Quinet, 2012). Das cinco formas de explicar a alteridade, apenas duas categorias serão exploradas neste texto, particularmente porque são as encontradas na obra O estádio do espelho. A primeira definindo a alteridade na instância do grande (Outro), simbolizado pela letra A, e a segunda modalidade explanando o pequeno (outro), simbolizado pela letra a.

De acordo com Nasio (2007), Lacan teve influência notória na conceituação da alteridade pela leitura de um artigo freudiano denominado Luto e melancolia,9 no qual Freud escreve acerca da mágoa usando "a palavra objeto, e não pessoa" (Nasio, 2007, p. 92) para descrever a ausência do ente perdido do caso clínico relatado na obra. A inovação de Lacan sobre a leitura de Freud diz respeito ao objeto descrito por Freud como objeto a, lendo-o de forma que expresse toda a báscula, toda a fonte do desejo humano que se expressa na figura externa, em desejar o outro. A partir disso, Lacan funda aquilo que conhecemos pela letra a,10 inicial de alter, que vem a ser um de seus conceitos de alteridade, dando resposta a este ser que muitas vezes foge da instância psíquica [eu], denominada Outro, aquele da qual o ser humano desde a infância busca ser reconhecido.

As distinções acerca da alteridade, e propriamente dos chamados "outro e Outro", foram aprofundadas depois da publicação de O estádio do espelho, especialmente nos anos 1950, quando Lacan estipula a relação e diferenciação do grande (com letra maiúscula) e pequeno outro: "cada um com significado específico, sempre ligado ao lugar e à função daqueles em relação aos quais é formulado o desejo da criança" (Zimerman, 2001, p. 308). Essa relação da criança com o mundo envolve-se essencialmente pelo desejo de reconhecimento.

Pode-se pensar: o que faz com que o ser humano identifique características nos outros, e mais do que isso, que tenha simpatia por alguns e desprezo por outros? Lacan, usando do chamado traço unitário, fornecedor da ideia de unidade entre as instâncias psíquicas, esclarece a noção de que "o outro amado é a imagem que amo de mim mesmo" (Safatle, 20018, p. 94), e nessa imagem narcísica a visão tem caráter fundamental, sendo fornecedora da ligação do sujeito com o outro.

Em linhas gerais, é preciso recorrer às aulas de Kojève para notar quais foram as fontes que influenciaram o conceito de alteridade em Lacan. Kojève - ao explanar o texto intitulado "Dialética do senhor e do escravo", presente na obra Fenomenologia do espírito, de Hegel - influenciou o pensamento lacaniano. Lacan, assistindo às exposições de Kojève, absorve a ideia central encontrada na obra hegeliana: a noção de reconhecimento. A influência tomada da Fenomenologia do espírito aparece como pano de fundo em todo processo de reconhecimento especular.

A alegoria mostra a relação de consciências. Podemos pensar aqui duas instâncias psíquicas isoladas que existem, mas primordialmente não se relacionam. Por meio do reconhecimento das instâncias, existe uma luta, na qual não se tem por objetivo a morte do outro, mas sim o reconhecimento das partes: "A estreita intercoptação que existe no plano da vida não se faz na luta até a morte [...] (mas) no reconhecimento recíproco." (Lacan, 2009, p. 224). O escravo reconhece o senhor, a quem se subordina. Em contrapartida, o senhor apenas tem seu lugar devido à presença do escravo que lhe serve. Essa luta por reconhecimento é a base de todo desejo humano, e de certa forma também responsável pelo equilíbrio das espécies.

Essa tese da sobrevivência das espécies mais fortes, tudo vai contra ela. É um mito que vai ao contrário das coisas. Tudo prova que há pontos de constância e de equilíbrio próprios a cada espécie, e que as espécies vivem numa forma de coordenação, mesmo de comedores a comidos. Isso não vai nunca a um radicalismo destruidor, o qual acabaria muito simplesmente na destruição da espécie comedora, que não teria mais nada a comer. (Lacan, 2009, pp. 233-234).

Por meio dessa noção de reconhecimento do outro, Lacan critica aspectos da visão evolucionista de Darwin, afirmando que sua noção é mitológica e não corresponde à verdadeira evolução humana. Lacan acredita que existe também entre os demais animais, considerados irracionais, uma necessidade de mantença da sobrevivência, para que o ciclo da vida não se extinga.

A distinção e clarificação dos termos, como são conhecidos em Lacan no tocante à alteridade, como se disse, tomaram forma na década de 1950. Até então, especialmente no que pode ser lida em Lacan nos anos 1930, essa noção de alteridade não foge muito àquela usada de forma geral pela sociedade, entendendo o outro como alguém diferente do sujeito, ou simplesmente uma instância psíquica que não se chame "eu".

Depois do período de aulas com Kojève, Lacan herda uma compreensão da alteridade notória, fortemente hegeliana, enraizada na Fenomenologia do espírito. De acordo com Lacan (1998), o analista precisa, se quiser praticar uma análise com fins proveitosos, conhecer a diferença entre esses dois entendimentos de uma mesma palavra (outro e Outro), que primordialmente diferem meramente no fato de uma encontrar-se escrita de forma maiúscula e a outra de forma minúscula.

 

O pequeno outro em Lacan

Lacan diferencia, como se havia prenunciado, dois entendimentos de um mesmo termo para explicar a alteridade na obra O estádio do espelho. Em um primeiro momento, o entendimento de "outro", escrito com letra minúscula, diz que "quando não é objeto de desejo, é um estorvo, um inferno" (Quinet, 2007, p. 10). "O outro (a), com minúscula, refere-se ao semelhante, ao próximo, no sentido daquele que temos frente a nós, aquele que fica na fascinação especular [...]. O outro determina a relação especular do imaginário." (Vallejo, 1979, p. 106).

No espelho, a imagem refletida expressa uma imagem virtual e imaginária. Inicialmente a instância [eu] é paranoica, porque não se identifica no próprio reflexo (não consegue se reconhecer). A obra O estádio do espelho, por expressar o processo narcísico infantil com raízes freudianas, também remete, mesmo que sem citar em seu texto, ao mito grego de Narciso, que se afogou por admirar o "outro" que não passava dele mesmo.

Segundo Quinet (2007), Narciso era uma pessoa de beleza notória, desejado tanto por mulheres como por homens, da qual muitas pessoas apaixonavam-se simplesmente pelo fato de vê-lo. Narciso, porém, não cedia ao desejo de ninguém; antes, desprezava as tentativas de aproximação com fins de flerte. Era maldito por seus desprezados, que afirmavam que ele deveria amar sem possuir seu objeto de amor (uma afirmação de rogo contra Narciso).

Certo dia, estando à beira da água, Narciso "apaixona-se por um reflexo sem consistência que ele toma por outra pessoa. Ao tentar pegar em seus braços esse ser tão belo e fascinante, a imagem de desfaz" (Quinet, 2007, p. 11), e já imerso nas águas, percebe que a imagem cobiçada, na verdade, era a sua. Sem condições de voltar atrás, morre afogado pelo próprio reflexo espelhado na água. A história de Narciso lembra a imagem do espelho, uma imagem que em campo imaginário é completa e perfeita. É sobre esse reflexo de si e ainda sobre a identificação com o semelhante que a alteridade se mostra como outro.

O pequeno outro é também o ideal de eu. Compreende-se normalmente quando se convive em sociedade, certas máximas idealizando figuras tomadas por modelo: "Aquele é que é o cara! Tem poder, prestígio, dinheiro, está sempre com belas mulheres... e eu, o que eu tenho?" (Quinet, 2017, p. 9). O pequeno outro é aquele que está presente no dia a dia, o colega de trabalho, o vendedor de flores ou o irmão de sangue, que por muitas vezes pode ser visto como intruso, porque pode vir a ocupar o lugar de trabalho e tirando lugar de reconhecimento. Aqui se entende o narcisismo primário, ele não se esvai, continua vivo e presente nas relações humanas. É aquela imagem do primeiro momento especular, não reconhecida, da qual a criança pode manifestar repúdio.

O sujeito localiza e reconhece originalmente o desejo por intermédio não só da sua própria imagem, mas também do corpo de seu semelhante. É exatamente aí, nesse momento, que se isola, no ser humano, a consciência enquanto consciência de si. É na medida em que é no corpo do outro que ele reconhece o seu desejo que a troca se faz. É na medida em que o seu desejo passou para o outro lado, que ele assimila o corpo do outro e se reconhece como corpo. (Lacan, 2009, p. 196).

Segundo Evans (2007), Lacan mostra que o pequeno outro na verdade não é um outro, ele é um reflexo, e mais do que isso, um reflexo de si. Pode-se desenvolver essa afirmação pensando no caráter oferecido pelo espelho. Quando a criança tem sua imagem refletida, ela se nota, mas não se reconhece. O outro que o sujeito percebe ocupa a mesma posição que a sua (de sujeito) no mundo humano. A luta humana por reconhecimento ocorre muitas vezes de forma imaginária e puramente inconsciente. Querer ocupar a posição do outro (que não deixa de ser físico) para ter o prestígio da cultura é relatado muitas vezes na história humana. "O outro como semelhante, é o objeto do amor narcísico: eu me amo no outro (que é meu reflexo). Trata-se do amor pelo mesmo, o amor narcísico, que Lacan qualifica como hommossexual, para indicar que é um amor de homem (genérico) pelo homem - um amor homensexual." (Quinet, 2009, p. 16).

Segundo Quinet (2009), A luta humana por reconhecimento ocorre muitas vezes de forma imaginária e puramente inconsciente. Querer ocupar a posição do outro (que não deixa de ser físico) para ter o prestígio da cultura é relatado muitas vezes na história humana. O pequeno outro representa a alteridade egoica, trata-se, portanto, de uma projeção narcísica do eu, um espelho que envia a própria imagem.

 

O grande Outro

Para Lacan, a realidade é composta, para os seres humanos, de níveis que se entrelaçam: o real, o imaginário e o simbólico. Nessa perspectiva, o grande Outro aparece na composição da ordem simbólica do mundo (Žižek, 2010). Nesse sentido, Deus, na cultura ocidental judaico-cristã é uma representação do grande Outro (é por meio dele que a lei é imposta em algumas religiões). O grande Outro significa em geral aquilo a que a humanidade deve ser subserviente, lutando para ser notada. Porém, não apenas Deus manifesta esse conceito, a linguagem também se engloba nele. A primeira figura a manifestar o Outro à criança é a própria mãe, que escuta seus anseios pelas necessidades básicas. A criança vê a mãe como a totalidade daquilo que ela mesma será, recebe carinho e é reconhecida.

Escrito com letra maiúscula, alude a um lugar e não a uma entidade. Diz-se lugar para significar uma ordem de elementos significantes que são os que articulam o inconsciente e marcam a determinação simbólica do sujeito. Refere-se ao Outro no sentido de ordem simbólica, lugar do significante. (Vallejo, 1979, pp. 105-106).

Lacan percebe o inconsciente como um lugar de registros (imaginário, simbólico e real), iniciados desde a infância e que se prolongam ao longo da vida humana: "a introjeção é sempre introjeção da palavra do outro" (Lacan, 2009, p. 114). Essa introjeção da palavra e da linguagem observada nos demais seres humanos é aquilo que forma a constituição simbólica humana, especialmente na criança. A ordem simbólica, explica Žižek (2010), é a segunda natureza de todo ser humano falante, trata-se da constituição não escrita da sociedade, que exerce um controle sobre todos os seres humanos, na medida em que o sujeito, como sujeito de linguagem, não existe fora das estruturas da linguagem, nas quais o grande Outro cumpre uma função de ser a referência ao sujeito.

Žižek (1991) mostra que o eu busca alcançar no Outro um reconhecimento, e o realiza devido à própria insuficiência de saber, implicando numa eterna busca por algo que falta em si, em um incessante anseio de suprir algo (um desejo) direcionando-se a uma estrutura vista como maior que a instância [eu] de todo o saber. A busca pelo reconhecimento na imagem do grande Outro social, representado pelas religiões, Estado e celebridades, remete à insegurança do eu de caminhar com seus próprios pés e assumir que o desejo é faltoso.

A Psicanálise, aos olhos de Lacan, não visa recolocar o sujeito no nível que ocupava antes na sociedade, mas sim fazer com que, a partir do trauma, do descobrimento da imprecisão das coisas regidas pela linguagem, o sujeito reinvente seu modo de ser na sociedade. O sujeito é parte da sociedade, mas é único. Nesse sentido, o grande Outro nada mais é do que a instância que confere o reconhecimento a todos os seres, porém, é também a instância que serve de referência social. A mãe desempenhou esse papel no estágio especular; com o passar do tempo, a criança ansiou por fazer-se parte do reconhecimento do Outro e assimilou que apenas conseguiria por meio da linguagem. O pequeno outro, portanto, é o semelhante que compete pelo reconhecimento de uma instância maior (social). No caso bíblico, assim como Caim e Abel buscaram o reconhecimento de Deus, o ser humano, como pessoa, visa ocupar um lugar que lhe confira notoriedade.

O grande Outro pode ser equiparado à estrutura gramatical, ou ainda representar a alteridade já estruturada na ordem simbólica. "É a alteridade do eu consciente, é o arquivo dos ditos de todos os outros que foram importantes para o sujeito em sua infância." (Quinet, 2017, p. 21). É por meio da linguagem que o ser humano é inserido no campo social, no grande Outro, que é alteridade máxima, fornecedora de reconhecimento às partes (aos sujeitos particulares), àqueles que competem por um lugar, seja ele no mercado de trabalho, seja pelo amor da mãe.

A linguagem faz com que o elo social não acabe entre os seres falantes que evoluíram pelo complexo fato de convencionarem signos, capazes de perpetuar suas memórias e a de seus antepassados. Por meio de símbolos e caracteres, ou gestos e locuções, o homem tenta nomear o não dito, aquilo que o leva sempre adiante de si, o grande Outro, quando possível.

 

Considerações finais

Em Lacan, identificar-se é perceber e relacionar-se com os objetos externos. Essa relação com a exterioridade é capaz de fornecer características positivas ou negativas ao sujeito. Na criança, essa identificação acontece inicialmente em campo inconsciente, ou seja, sem que o bebê se dê conta de que as coisas que o cercam (sociedade, pais, familiares) a constituam. Lacan entende que o processo de formação da instância psíquica (o eu) não tem raízes fora da relação com o outro, mas surge de uma identificação com a exterioridade

O estádio do espelho é um texto que aponta para a questão da identificação e da constituição do [eu]. Tais aspectos são elucidados por uma transformação que ocorre no sujeito quando este passa por um processo de assimilação da própria imagem, seja ela virtual, quando adquirida pelo contato com um espelho, seja ela física, quando obtida por meio da observação de seres da mesma espécie que a sua. A grande inovação de Lacan foi demonstrar que o processo de surgimento de uma nova instância psíquica, relatada pela observação topográfica infantil, vai muito além de uma ideia solipsista de sujeito.

Nessa perspectiva, o grande Outro desempenha um importante papel, sendo concebido como um mecanismo anônimo, virtual; um sujeito além de todos os sujeitos. Sua presença na relação entre os seres humanos equivale a uma terceira pessoa, ou seja, numa relação entre eu-tu, o Outro é ocupante de um lugar que está no nível da comunicação. Trata-se do espaço simbólico, comum a todos os seres de linguagem, e que habita o sujeito particular. Pelo grande Outro os homens conferem reconhecimento e prestígio perante seus semelhantes.

Lacan fala, portanto, de um [eu], sujeito inconsciente que é abertura, que por intermédio do reconhecimento constitui-se, mas que também escapa ao [eu], após o décimo oitavo mês de vida, firmando-se na consciência (eu). O sujeito lacaniano não é pré-moldado (está sempre a se formar, lê-se em gerúndio), uma identidade que não é segura de si por meio dos traços de verdade, sob os quais o pensamento filosófico moderno está sustentado desde Descartes, mas um [eu] que se constitui na alteridade.

A ideia central do reconhecimento da alteridade como formadora e constituidora do sujeito é por vezes esquecida na sociedade contemporânea. Cada vez mais procura-se exibir um eu marcado pela beleza pessoal narcísica, permeada pela competição e ocupação por algum lugar de prestígio. Em contrapartida ao conceito de [eu] expresso no texto O estádio do espelho, supera a noção tradicional do narcisismo primário, quando concebe a visão como constituidora na formação do sujeito. Isso se mostra de forma evidente quando Lacan toma elementos da Biologia para comparar a evolução das espécies (não apenas a do animal homem), mas também de insetos, que sofrem uma alteração comportamental pela simples visagem de seus semelhantes.

Com O estádio do espelho, pode-se concluir que na natureza os animais dependem de uma relação que supera o confronto de morte, porém necessita para a perpetuação de toda a cadeia natural que todas as partes se reconheçam (no sentido de dependência para a sobrevivência). Se a lei do mais forte sempre prevalecer, o ciclo da vida não tem como continuar.

No confronto narcísico da criança com o espelho, observa-se uma dialética, no sentido de que o [eu] representa uma tese, que se confrontando com o outro, pela ocupação de um lugar de reconhecimento, seu semelhante passa a confrontar-se pela luta de reconhecimento (antítese). Dessa luta entre o outro pode surgir uma síntese, expressa no Outro (em especial nas grandes estruturas que reconhecem prestígio ao homem), como a universidade, Estado e as religiões.

O drama primordial da criança que sente seu corpo fragmentado está fortemente ligado a uma precipitação imaginária. O bebê busca fazer-se parte de algo transcendental, nesse caso não se pensa em divindades, mas na relação de ordem simbólica convencionada entre os seres. O eu (Je), sujeito inconsciente, insere-se no mundo da cultura quando atinge a linguagem estruturada (entendida pelos demais sujeitos). Desse modo, emancipa-se da dependência materna no momento em que vai assumindo sua subjetividade, que ocorre, sobretudo, quando o bebê, a partir das experiências vividas ao decorrer de sua vida, consegue expressar seus desejos e anseios em forma de signos. O [eu] torna-se sujeito da linguagem quando consegue decifrar os hieróglifos de uma estrutura que é anterior a ele mesmo, vividas no decorrer de sua vida.

 

Referências

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1 Henri Wallon foi psiquiatra, filósofo e psicólogo, do qual Lacan adere a algumas noções para explicar conceitos voltados à cognição em O estádio do espelho.
2 Imago foi um conceito introduzido por Jung, da qual Lacan se vale. "O conceito de imago deve ser entendido não tanto como uma imagem, mas como um esquema imaginário, de sorte que ele não representa ser um reflexo da situação real, mesmo que mais ou menos deformado." (Zimerman, 2001, p. 209).
3 Autoerótico: "Expressão de Freud para estabelecer a oposição do investimento libidinal em objetos exteriores em relação à gratificação erógena que o bebê encontra no próprio corpo." (Zimerman, 2001, p. 44).
4 Para uma melhor compreensão acerca da observação do autoerotismo infantil efetuado por Freud, pode-se conferir a obra: Freud, S. (2016). Obras completas: três ensaios sobre a teoria da sexualidade, análise fragmentária de uma histeria ("O caso Dora") e outros textos (1901-1905). Volume VI. São Paulo: Companhia das Letras.
5 Corps morcelé pode ser traduzido à língua portuguesa por: "corpo despedaçado", assim como consta a tradução de Betty Milan. Conferir em Lacan (2009, p. 198).
6 Melanie Klein: psicanalista britânica de origem austríaca que nasceu em Viena, 1882, e faleceu em Londres, 1960) (Chemama 1995, p. 116).
7 Totem e tabu foi uma obra publicada por Freud em 1913. "Em sua essência, Freud parte da ideia de que, num tempo primitivo, os homens viviam no seio de pequenas hordas selvagens, cada qual submetida ao poder despótico de um macho que se apropriava das fêmeas, até que, num certo dia, os filhos, num ato de violência coletiva, mataram e comeram o pai. Depois do assassinato, sentiram remorso e instauraram uma nova ordem social pela qual foi instituída a exogamia (proibição da posse das mulheres do clã do totem). A palavra totem alude a algum animal para o qual houve um deslocamento da representação do pai morto." (Zimerman, 2001, p. 409).
8 Id ou Isso: "Instância psíquica, na segunda teoria do aparelho psíquico enunciada por S. Freud, que é a mais antiga, a mais importante e a mais inacessível das três [eu, supereu e id]. O isso está em relação estreita e conflitiva com as duas outras instâncias, o eu e o supereu, que são suas modificações e diferenciações. Para Freud, o isso é desconhecido e inconsciente. Reservatório primeiro da energia psíquica representa a arena onde se defrontam pulsões de vida e de morte. A necessidade imperiosa da satisfação pulsional rege a evolução de seus processos. Expressão psíquica das pulsões, seus conteúdos inconscientes são de origens diferentes; em parte, trata-se de tendências hereditárias, de determinações inatas, de exigências somáticas e, em parte, de fatos adquiridos, daquilo que provém do recalcamento. A psicanálise facilita a conquista do isso, para Freud núcleo de nosso ser, e, para J. Lacan, o lugar do ser." (CHEMAMA, 1995, p. 113).
9 Freud, S. (1969). Luto e melancolia. Rio de Janeiro: Imago. Por meio dessa obra, Freud explora o conceito de luto, entendido como o processo normal que o sujeito vive quando perde um ente. A palavra melancolia, utilizada na obra, atualmente poderia ser entendida como a depressão. A melancolia não necessariamente precisa provir de uma morte; um objeto de amor também teria o mesmo caráter de gerar essa patologia. Freud aponta a tendência humana de, durante a melancolia, o doente retornar aos comportamentos presentes no narcisismo primário, isso denota a importância da constituição psíquica desde o início da vida infantil.
10 No quinto capítulo do Seminário 1, "A báscula do desejo", Lacan traz o conceito de a, manifesto como o objeto do desejo humano. Ele se encontra no centro do chamado nó borromeano (três círculos diagramados entrelaçados, cada um representando sucessivamente os registros: imaginário, simbólico e real). Conferir em: Lacan, J. (2009). O Seminário livro I: os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro: Zahar.

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