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Analytica: Revista de Psicanálise

On-line version ISSN 2316-5197

Analytica vol.11 no.20 São João del Rei Jan./June 2022

 

ARTIGOS

 

Terraplanismo: perspectivas psicanalíticas de um movimento

 

Flat-Earth: Psychoanalytic Perspectives of a Movement

 

Platistes: perspectives psychanalytiques d’un mouvement

 

Tierraplanistas: perspectivas psicoanalíticas de un movimiento

 

 

Adriana Gaião MartinsI*; Rodrigo GonsalvesI**; Ivan Ramos EstêvãoI***

IUniversidade de São Paulo - USP - Brasil

 

 


RESUMO

Atualmente, 7% dos brasileiros duvidam de que o formato da Terra seja um globo. Tensionando consensos científicos, o movimento terraplanista remete suas origens à era vitoriana e chega à atualidade, contornando as reviravoltas científicas ao longo da história. Este artigo propõe uma investigação do movimento terraplanista como um fenômeno social, cuja dimensão subjetiva, para se sustentar como tal, está presente na produção do fenômeno. A partir de um estudo sobre o movimento desde o seu surgimento até os dias atuais, o estudo propõe uma apreciação psicanalítica, de Sigmund Freud e Jacques Lacan, com incursões históricas e filosóficas, sobre os processos atinentes aos fenômenos coletivos e à religiosidade - em suas intersecções e diferenças -, bem como a narrativa que fomenta a dúvida acerca da produção do conhecimento científico. A discussão proposta traz à luz as ofertas propostas pelo discurso terraplanista diante dos efeitossubjetivos e das indeterminações presentes na realidade atual. Sendo assim, o enunciado do movimento terraplanista oferta determinações, como as proposições de coordenadas comuns, sustentação identificatória correspondente à lógica dos grupos, oferta de uma verdade e muitas certezas, e se apresentam como proteção às indeterminações, às manifestações do mal-estar, do desamparo, da inconsistência, da falta de garantias e das invasões do Real.

Palavras-chave: Psicanálise, Subjetividade, Terraplanismo, Indeterminação, Lacan.


ABSTRACT

Currently, 7% of Brazilians doubt that the shape of the Earth is a globe. Tensioning scientific consensus, the flat-earth movement goes back to the Victorian era and reaches the present day, bypassing the scientific upheavals throughout history. This article proposes an investigation of the "flat-earthnist" movement as a social phenomenon and that, in order to sustain itself as such, investigates the subjective dimension present in the production of the phenomenon. From a study of the movement since its emergence until the present day, this study proposes a psychoanalytic appreciation, by Sigmund Freud and Jacques Lacan, with historical and philosophical incursions, on the processes related to collective phenomena and religiosity - in their intersections and differences - as well as the narrative that promotes doubt about the production of scientific knowledge. The proposed discussion brings to light the offers proposed by the flat-earth discourse in face of the subjective effects derived from the indeterminations present in the current reality. Thus, the enunciation of the flat-earth movement offers determinations, as well as propositions of common coordinates, identificatory support corresponding to the logic of the groups, offerings of a truths and many certainties, and they present themselves as a protection against indeterminations, manifestations of discontent, helplessness, inconsistency, lack of guarantees and the invasions of the Real.

Keywords: Psychoanalysis, Subjectivity, Flat-Earth, Indeterminacy, Lacan.


RÉSUMÉ

Actuellement, 7% des Brésiliens doutent que la forme de la Terre soit un globe. Tendant le consensus scientifique, le mouvement des "platistes" remonte à l'époque victorienne et atteint le présent, contournant les bouleversements scientifiques à travers l'histoire. Cet article propose une enquête sur le mouvement des "platistes" en tant que phénomène social et que, pour se maintenir en tant que tel, la dimension subjective est présente dans la production du phénomène. D'une étude sur le mouvement depuis son émergence à nos jours, l'étude propose une appréciation psychanalytique, par Sigmund Freud et Jacques Lacan, avec des incursions historiques et philosophiques, sur les processus liés aux phénomènes collectifs et à la religiosité - dans leurs intersections et différences - ainsi que le récit qui favorise le doute sur la production de connaissances scientifiques. La discussion proposée met en lumière les offres proposées par le discours des "platistes" à la lumière des effets subjectifs et des indéterminations présents dans la réalité actuelle. Ainsi, l'énoncé du mouvement des "platistes" late offre des déterminations, telles que les propositions de coordonnées communes, un support identifiable correspondant à la logique des groupes, l'offre d'une vérité et de nombreuses certitudes, et elles se présentent comme une protection contre les indéterminations, manifestations de malaise, impuissance, incohérence, manque de garanties et invasions du Réel.

Mots-clés: Psychanalyse, Subjectivité, Platistes, Indétermination, Lacan.


RESUMEN

Actualmente, el 7% de los brasileños duda que la forma de la Tierra sea un globo. Tensando el consenso científico, el movimiento tierraplanista se remonta a la época victoriana y llega hasta nuestros días, pasando por alto los trastornos científicos a lo largo de la historia. Este artículo propone una investigación del movimiento tierraplanista como fenómeno social y que, para sostenerse como tal, la dimensión subjetiva está presente en la producción del fenómeno. A partir de un estudio sobre el movimiento desde su surgimiento hasta la actualidad, el estudio propone una apreciación psicoanalítica, de Sigmund Freud y Jacques Lacan, con incursiones históricas y filosóficas, sobre los procesos relacionados con los fenómenos colectivos y la religiosidad - en sus intersecciones y diferencias - así como la narrativa que promueve la duda sobre la producción de conocimiento científico. La discusión propuesta saca a la luz las propuestas por el discurso tierraplanista a la luz de los efectos subjetivos e indeterminaciones presentes en la realidad actual. Así, el enunciado del movimiento tierraplanista ofrece determinaciones, como las proposiciones de coordenadas comunes, soporte identificable correspondiente a la lógica de los grupos, el ofrecimiento de una verdad y muchas certezas, y se presentan como protección contra indeterminaciones, manifestaciones de malestar, desamparo, inconsistencia, falta de garantías e invasiones de la Real.

Palabras claves: Psicoanálisis, Subjetividad, Tierraplanismo, Indeterminación, Lacan.


 

 

1 Introdução

Um retorno à história do movimento terraplanista, da sua origem até a sua expansão nos dias atuais, evidencia que não se trata de um fenômeno inédito; pelo contrário, trata-se de um movimento que ao mesmo tempo em que sofre transformações a partir de cada época preserva alguns processos que se mantém ao longo da história. Alguns desses processos são as formações de grupos em organizações terraplanistas, o discurso religioso presente desde a origem do movimento e a ênfase da busca pela "verdade" sobre o formato da Terra, que põe em dúvida a produção do conhecimento científico. Compreendemos o movimento terraplanista como um fenômeno social cuja dimensão subjetiva, para se sustentar como tal, está presente na produção do fenômeno. Para abordar as formas da subjetividade que participam da produção do fenômeno, propomos uma investigação a partir do campo da psicanálise de Sigmund Freud e Jacques Lacan, bem como de autores do campo da filosofia, como Alain Badiou, em suas articulações com a psicanálise.

 

2 O movimento terraplanista

Pesquisas apontam que cerca de 7% dos brasileiros duvidam que o formato da Terra seja um globo, aproximadamente 11 milhões de pessoas, conforme levantamento realizado pelo Instituto Datafolha (Garcia, 2019). Esse é o retrato do movimento terraplanista, que, ao tensionar consensos científicos, marca a reabertura de debates à primeira vista superados ao longo da história. Uma análise mais aprofundada aponta que o modelo terraplanista está longe de ser uma proposta nova ou inaugural, mas o retorno de um modelo alternativo que nunca deixou completamente de estar em pauta.

Nos últimos anos, foram realizadas conferências que defendem que o formato da terra é plano, como em Raleigh (2017),1 Denver (2018),2 Edmonton (2018)3 e São Paulo (2019).4 Por meio da democratização de meios digitais, o movimento terraplanista tem angariado adeptos nas mídias sociais, fóruns especializados, blogs e especialmente no YouTube,5 levando conteúdos a amplas audiências, principalmente pela permissividade da plataforma em relação aos conteúdos veiculados (Albuquerque & Quinan, 2019). Estudos realizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, 2019) apontam que pesquisas no Google Trends mostram que o termo flat earth teve um crescimento de mais de cinco vezes, comparado a padrões históricos, na frequência pela qual é pesquisado no Google em 2017. A visibilidade das ideias terraplanistas nos últimos anos integra um outro debate da atualidade, que não aprofundaremos agora, acerca da relação das pessoas com o conhecimento, com as fake news, neocolonialismo e a pós-verdade. Diante de um contexto de crise do conhecimento formal, a busca por uma verdade anticientífica fertilizou a sua expansão e sustentou o terraplanismo em sua atual forma. No entanto, para entendermos melhor o que se desvela diante da atualidade, precisamos investigar as origens desse movimento.

A origem do movimento terraplanista nos remete a meados do século XIX, na Inglaterra (Garwood, 2008). O ponto de partida do movimento está vinculado a Samuel Rowbotham, cujo pseudônimo é Parallax, que se dedicou fundamentalmente a refutar e criticar as proposições copernicanas e newtonianas. A sua proposta é ter como base o zetético, derivado do grego zeteo, que significa procurar, examinar, proceder somente por investigação ou, então, traçar o fenômeno a partir das suas causas imediatas e demonstráveis (Rowbotham, 1881, p.11). O argumento de Rowbotham (1881) é de que os sistemas propostos por Newton e Copérnico são premissas falsas e não comprovadas, e que a busca pela verdade com o método de investigação zetético deveria ser adotado, a partir de experimentos e fatos coletados. Adotando esse procedimento, encontraríamos "ao invés de um globo, um plano" (Rowbotham, 1881, p. 15).

O que se sucede, então, é a aplicação desse método e as conclusões alcançadas por meio de sua indução. Rowbotham (1881) realiza uma série de experimentos para provar que a Terra é plana.6 Sua aposta é contestar exemplos consagrados de explicações que comprovam pontos científicos, como nos experimentos realizados no canal artificial Old Bedford, nos quais concluiu que a superfície da água parada era horizontal e, portanto, a Terra seria plana (Rowbotham, 1881, p. 20). Ainda, outros experimentos foram realizados no mesmo canal, que levam à conclusão de que a Terra é um disco estacionário e o único planeta existente; que o Polo Norte está no centro e os limites do disco terrestre são formações de gelo (Rowbotham, 1881, p. 89). Experimentos que defendem que o sol e a lua circulam sobre a Terra e isso provocaria as estações (Rowbotham, 1881, p. 93). O nascer e pôr do sol são apenas truques de perspectiva combinados com a refração atmosférica (Rowbotham, 1881, p. 103). Acima estaria o firmamento, e que os objetos celestes estão a aproximadamente 1.600 km da superfície, e tem uma magnitude extremamente menor do que a ciência considerava na época, e ainda hoje considera (Rowbotham, 1881, p. 86-87).

Outro argumento central utilizado é o da crítica à astronomia moderna. Por defender um sistema diretamente oposto ao que é ensinado e interpretado acerca da geografia da Terra segundo o Cristianismo, tais sistemas questionam e rejeitam a cosmogonia e filosofia contida nos livros sagrados (Rowbotham, 1881, p. 302). A partir dos seus experimentos, as conclusões encontradas por ele embasam uma compreensão literal dos ensinamentos das Escrituras bíblicas e, portanto, "por meio da força prática da demonstração e requerimento lógico, para declarar enfaticamente que o Velho e Novo testamento das Igrejas Judaicas e Cristãs são, em tudo que pertence ao que é visível e material no mundo, estritamente e literalmente verdade" (Rowbotham, 1881, p. 286).

Segundo ele, as descobertas de Copérnico e Newton seriam então ameaças à religião (Rowbotham, 1881, p. 286). Esse embate não é uma novidade, ele está anunciado desde o início da ciência moderna, basta lembrarmos das suspeitas de heresia contra Galileu Galilei (Wolf, 2016) durante a Inquisição da Igreja Católica, ao propor a concepção de que a Terra não era o centro do universo; ou nas tentativas de Tomás de Aquino (Nascimento, 2020) em estabelecer uma relação entre a razão e o catolicismo de sua época. O argumento religioso nas origens do movimento terraplanista não é simplesmente um pano de fundo dessa disputa com a ciência, mas sim a sua força motriz. Para o autor de Earth is not a globe, as Escrituras poderiam ser utilizadas para testar a ciência e a filosofia não simplesmente porque elas são pensamentos e crenças escritas ou ditadas como inspiração, mas porque elas literalmente ensinam o que diz respeito aos fenômenos naturais e são demonstravelmente verdadeiros (Rowbotham, 1881. p. 286). Ou, então, os experimentos visam comprovar que o que é dito na Bíblia contém uma verdade empiricamente testável. Se a Bíblia está certa quanto ao formato da Terra, ela poderia ser trazida ao campo da ciência e disputar os mesmos lugares acerca da produção de conhecimentos (Rowbotham, 1881, p. 286).

Robert Schadewald (1981; 1987; 2008) afirma que o argumento religioso está na sustentação do terraplanismo. De acordo com o autor, nenhuma das cosmologias antigas, tais como as dos Sumérios, Babilônios, Egípcios e Hebreus, descrevem a terra como um globo: a essência da cosmologia babilônica foi adotada pelos Hebreus e está na base do texto da Bíblia. Portanto: "a Bíblia é um livro terraplanista do começo ao fim" (Schadewald, 2008, p. 105). Outro ponto ressaltado por ele é o de que o movimento terraplanista não é equivalente ao movimento criacionista,7 apesar de ambos terem origens e histórias similares, estratégias parecidas para propagar suas ideias, ambos batalham contra o mesmo oponente, a ciência (Schadewald, 1981). Na apreciação do autor sobre as ciências bíblicas (como nomeia o terraplanismo, geocentrismo e criacionismo), ele coloca Rowbotham ao lado dos intérpretes mais conservadores e amarra o argumento terraplanista como uma formulação acima de tudo teológica em sua tomada literal das escrituras.

De acordo com autores que investigaram o movimento terraplanista (Garwood, 2008; Rowbotham, 1881), o que se sucede ao movimento iniciado por Rowbotham na Inglaterra foi a expansão e angariação de novos adeptos, ganhando força em nações que compartilham da língua inglesa, como os Estados Unidos, Canadá, Irlanda e Nova Zelândia, culminando na fundação da Universal Zetetic Society após a morte de Rowbotham.8 De acordo com Christine Garwood (2008), em 1956, é fundada a International Flat Earth Research Society, como um descendente direto da Universal Zetetic Society. Segundo a pesquisadora, em termos de tática e argumento, o movimento de 1956 é marcadamente similar ao movimento de 1849, entretanto, Samuel Shenton, fundador da sociedade, operava em contexto muito diferente dos seus predecessores. Naquele período, os programas espaciais estavam progredindo com velocidade, ao mesmo tempo em que os resquícios das guerras provocaram a assunção de que a ciência poderia causar devastação9 e que o conhecimento e poder de criar e aprimorar poderia também ser utilizado para a destruição (Garwood, 2008, p. 234). Com isso, uma relação ambígua em torno da ciência se instaura: de um lado, a produção do conhecimento e avanços tecnológicos levou a humanidade a realizações inéditas; de outro, surgiu um crescente descrédito a partir do questionamento do uso ético da ciência na sociedade, fator que alimentou a proliferação de teorias da conspiração.

O movimento terraplanista, então, adaptou-se a esse cenário assumindo sua aposta de "busca pela verdade" (como se deliberadamente omitida pelos meios principais de informação, governos e aparelhos estatais), empreendido do discurso anticientífico; ainda sustentado pela interpretação religiosa (Garwood, 2008), o terraplanismo encontrou solo frutífero para a sua aposta nesse cenário de desconfiança e reedita seu papel na narratividade cultural. Com isso, seguimos para o exame de como grupos pequenos passam a angariar um espaço antes inimaginável diante da cultura hegemônica.

 

3 Terraplanistas no divã: o que pode a psicanálise?

Cientes de que o movimento terraplanista encontra suas diversas faces em outros campos, como a sociologia e teologia, não pretendemos esgotar as compreensões sobre o tema aqui abordado, mas apreciá-lo em suas consequências no campo da psicanálise. Como Sigmund Freud (1917/2010, p. 243) adverte, "a nossa parcialidade é como a do químico, que explica todas as constituições pela força da atração química. Não é por isso que ela nega a força da gravidade, apenas deixa para os físicos a sua apreciação". Nessa direção, de acordo com Mladen Dolar (2008), cabe à psicanálise evitar generalizações indevidas e circunscrever-se como um método investigativo ciente de suas fronteiras. Logo, uma apreciação psicanalítica de fenômenos socialmente heterogêneos e multifacetados deve se assentar na compreensão crítica de seu próprio papel, mas também de sua condição em apontar faltas e produções sintomáticas da realidade (Dolar, 2008). Com isso, centraremos as discussões nos processos concernentes aos efeitossubjetivos para o sujeito, a partir das ofertas que o discurso terraplanista propõe.

Tomemos como ponto de partida um argumento central do movimento terraplanista na era vitoriana: a disputa com a astronomia moderna. Com isso, as tentativas de promover reviravoltas às descobertas copernicanas produziriam, como efeito, a reorientação da experiência humana em relação ao universo. Destarte, Freud (1917/2010) promove tal discussão quando nos diz que o amor-próprio da humanidade, ou as ilusões narcísicas, sofreram três duras afrontas, situando-as como cosmológica, biológica e psicológica. A afronta cosmológica, ele nos diz, se deu a partir do reconhecimento geral da teoria copernicana no século XVI e a consequente destituição da posição central da Terra, que servia de garantia narcísica no seu papel dominante acerca do universo. Assim sendo, o movimento terraplanista pode ser lido em suas vias de operar em prol da restituição de certa garantia narcísica, de forma a buscar reorientar a experiência humana como central diante do universo, evidenciando simultaneamente a tentativa de contornar tal ferida.

Na revitalização de narrativas que visam sustentar essa posição, está presente a intersecção entre a disputa cosmológica e os argumentos de cunho religioso. A fim de traçarmos os possíveis efeitos da narrativa religiosa aos sujeitos, lembremos que Freud (1927) discute a religiosidade de maneira ampla, e um dos tratamentos dados pelo psicanalista refere-se a formas de lidar com o desamparo, bem como seu apaziguamento. Ao considerar a religião tal qual uma ilusão e que a inclinação à religião está relacionada à tentativa humana diante do desamparo, ele nos diz: "As ideias religiosas surgiram da mesma necessidade de que se originaram todas as outras realizações da civilização, ou seja, da necessidade de defesa contra a força esmagadoramente superior da natureza" (Freud, 1927, p. 33) e que "[...] é a defesa contra o desamparo infantil que empresta suas feições características à reação do adulto ao desamparo que ele tem de reconhecer - reação que é, exatamente, a formação da religião" (Freud, 1927, p. 34). O movimento terraplanista justifica-se originalmente pelo argumento segundo o que estava prescrito nas Escrituras,10 sendo assim, a orientação discursiva opera de tal forma como a religião, que em seu cerne organiza os sujeitos em certo sentimento oceânico11 e sua "unidade com o universo", amparando-os diante da existência.

Nessa direção, o autor de Mal-Estar na Civilização (1929/1974) acrescenta que a religião, na medida em que baliza o jogo de escolhas e adaptação entre indivíduo e civilização, de como cada um articula suas próprias saídas do mal-estar, apresenta uma restrição à liberdade desse jogo, "desde que impõe igualmente a todos o seu próprio caminho para a aquisição da felicidade e da proteção contra o sofrimento" (Freud, 1929/1974, p. 104), o que implicaria, muitas vezes, em poupar muitas pessoas da neurose individual. É inerente à civilização a condição do mal-estar e, por sua vez, a religiosidade opera na tentativa de ofertar aos sujeitos o tratamento a essa condição e ao desamparo. No caso particular do terraplanismo, notamos a manobra discursiva da religiosidade operando numa via dupla: a formação gregária e uma discursividade de sentido que guia o grupo.

Uma vez que a sustentação identificatória corresponde à lógica dos grupos, tal articulação produz efeitos nos limites à agressividade do sujeito, reunindo um certo número de pessoas em torno de um Ideal comum, como considera Freud (1921/1976). A operação lógica totalizante exclui a heterogeneidade e as identificações produzem vantagens narcísicas de tal forma que mantém um invólucro às manifestações do mal-estar. Da mesma forma, a religiosidade opera traçando coordenadas compartilhadas e deixando-se repousar sobre os ombros do grupo. Nessa direção, enquanto o movimento terraplanista contempla a organização de pessoas em comunidades e grupos de terraplanistas, como na Universal Zetetic Society, na International Flat Earth Research Society, em fóruns especializados, em plataformas no YouTube e em convenções terraplanistas, os laços identificatórios produziriam tal efeito. Mais ainda, o reforço dado pelos laços identificatórios em determinada "paróquia",12 em que autorizam a canalização da agressividade, pela via da suspensão da censura, ao eleger um inimigo - como vimos presente no movimento em sua expressão no século XIX, XX e XXI -,representando o que Freud (1929/1974) considera como narcisismo das pequenas diferenças, em que é possível unir um número de pessoas no amor, enquanto restarem outras pessoas para que as manifestações de sua agressividade sejam endereçadas.

No entanto, enquanto Freud situa a religião como uma ilusão e que não teria lugar reservado no futuro, graças aos avanços científicos, Jacques Lacan (1975/2005) dá um tratamento diferente ao que concerne ao futuro da religião. Para ele, a religião triunfará sobre a psicanálise e a ciência. Isso porque a função da religião é a de secretar sentido: "ela encontrará correspondência de tudo com tudo. É, inclusive, sua função" (Lacan, 1975/2005, p. 67). O sentido religioso tenderá a recobrir aquilo mesmo de que a psicanálise se ocupa: o Real. O Real, que, no ensino de Lacan, se refere à falta originária da estrutura e se encontra tematizada inclusive como o impossível de ser simbolizado (Jorge, 2008). Nesse momento de seu ensino, ele situa o Real como aquilo que não funciona; ou então assevera que a força que reside no sentido religioso está na incidência do sentido "para curar os homens, isto é, para que não percebam o que não funciona" (Lacan, 1975/2005, p. 72).

Assim sendo, Safatle (2017, p. 222) afirma que o sentido é sempre religioso e participa das formas de sustentação de vínculos sociais,

Sendo a religião uma forma de sustentar vínculos sociais através da redução da dimensão política das demandas à demanda de amparo, de constituição de autoridade através das figuras do poder pastoral, afirmar que o sentido é sempre religioso significa dizer que a psicanálise deve ser capaz de fazer emergir o que não se ampara por não ser pensável no interior de relações de necessidade, de confirmação do originário, do destino teleológico, da unidade substancial da redenção.

Dessa forma, quando tomamos a força do movimento terraplanista em sua manifestação em 1956, período fundamentalmente marcado por avanços tecnológicos e científicos, a ciência não aplacou a expansão do movimento. Pelo contrário, ao mesmo tempo em que opera sobre o Real o reintroduz na vida cotidiana. Se Lacan (1975/2005) designa o Real como aquilo que não funciona, entendemos que "O Real, por pouco que a ciência aí se meta, vai se estender e a religião terá então muito mais razões ainda para apaziguar os corações" (Lacan, 1975/2005, p. 66) Portanto, a possibilidade de triunfo da religião reside justamente na força do sentido religioso. Podemos ir mais além, quando nos atentamos ao que ele nos diz:

Elas gastaram um tempo, mas de repente compreenderam qual era sua chance com a ciência. Vão precisar dar um sentido a todas as reviravoltas introduzidas pela ciência [...] A religião vai encontrar para isso sentidos truculentos. É só ver o andar da carruagem, como eles estão se atualizando. (Lacan, 1975/2005, p. 66, grifo nosso).

Doravante, a religião se atualiza. Basta pensarmos na relação entre as reviravoltas introduzidas por Copérnico e Newton e a resposta do movimento terraplanista iniciada por Rowbotham no século XIX, contornando as proposições científicas a partir do argumento e justificativa religiosos. No entanto, a manobra metodológica e experimental zetética notifica em sua intencionalidade a concorrência com a ciência em seu próprio campo. Em outras palavras, as provas materiais apreendidas pelos experimentos comprovariam que as escrituras estavam corretas em relação ao formato da Terra e, consequentemente, os demais escritos também. Por isso, essa atualização pode ser notada, pois, uma vez que o movimento não carrega manifestamente em seu nome referências à religião, essa é a sua discursividade nuclear, disfarçada aparentemente de disputa empírica. No anúncio, carrega a insígnia da disputa sobre a verdade do formato da terra. É apenas lançando um segundo olhar, investigando suas origens e a sua discursividade, que conseguimos nos aproximar de como o discurso religioso está ali presente. Não por menos, é crucial considerar que a apreciação do papel da verdade se dá diante desse embate, pois tal narrativa ganha forças culturais, revelando sua potência diante das reviravoltas atuais.

 

4 Sobre verdades e certezas: o sequestro simbólico da verdade

Para trazer à luz a gramática proposicional que subjaz o discurso do terraplanismo, partimos da interrogação sobre quais os efeitos gerados na busca pela verdade, que vem acompanhada de atribuição de certezas. Como ponto de partida, encontramos que a "procura" parte não da dúvida e do descobrimento, mas da certeza e confirmação. Ou então esta tal verdade "procurada" se trata de uma verdade previamente "encontrada" para aqueles que a buscam. Portanto, quando suprimimos do enunciado terraplanista o formato da Terra, situamos a força motriz da busca nos efeitos de atribuições de verdade e na assunção de certezas. Ao deslocarmos a ênfase de "qual" verdade está em disputa, ou o "que são" verdades, nos atentamos aqui aos efeitos da busca.

Ao trazermos os três registros de Jacques Lacan (1953/2005), O Real, o Simbólico e o Imaginário, presentes desde o início de seu ensino como os registros da realidade humana, ressaltamos, entre as diversas formas de abordar a verdade, a sua dimensão simbólica, quando posta em certas condições. Nesse sentido, Lacan (1964/2008) explora as consequências de quando a verdade é colocada nas mãos do Outro, ao situar a condição de que, se Deus é posto como Outro, "o que quer que ele tenha querido dizer, sempre será verdade - mesmo que ele dissesse que dois e dois são cinco, isto seria verdade" (Lacan, 1964/2008, p. 42). A narrativa terraplanista, por ter em suas bases a verdade religiosa, se impõe discursivamente, furtando-se do aspecto de hipóteses de verdades (Lacan, 1964) enquanto lugar simbólico aberto, defendido pelo psicanalista.

Encontramos na passagem de Lacan, referida anteriormente, o Outro enquanto Deus. De acordo com Jorge (2008, p. 92), "o Outro é o lugar do significante, é o registro do simbólico, que Lacan denomina de Outro". No entanto, como afirma Quinet (2013), ao articular a fala, o lugar do Outro aparece, e esse lugar é transferido a quem se endereça a fala. Haveria, por exemplo, o Outro da transferência, lugar que o analista é chamado a ocupar, ou mesmo o Outro materno, principalmente num momento inicial da vida. Um olhar sobre os efeitos estão, por exemplo, na sugestão hipnótica: o que é articulado por um é aceito por outro, transformado em sua tessitura de crenças e referências como verdade. Efeito presente de forma análoga na discursividade da mestria, quando alguém garante sua relação com o saber estabelecendo relações de poder: se há mestre, há seguidores.

Segundo o ensino de Jacques Lacan, o Outro não é completo, não é uma totalidade, não é universal. É isso que o Outro barrado (Ⱥ) visa expressar (Lacan, 1957-1958), e a continuação da investigação acerca desse tema conduz o psicanalista a afirmar também que o Outro é furado, dada a estrutura inconsciente (Lacan, 1968-1969). Ao tomarmos uma das consequências apontadas por Quinet (2013, p. 31) - "sendo o Outro barrado, não há garantia nenhuma de nada. Pois a garantia falta, falta até a garantia que o Outro exista" -, temos, com isso, de um lado, a dimensão de que há uma aposta, uma suposição de que o Outro exista; de outro, mesmo que se aposte na existência do Outro, não o torna detentor de garantias, tampouco, consistente. Com isso, temos uma formação paradoxal em relação ao Outro, pois, aquilo que visa garantias, inconsiste.

Em seu Seminário 16, Lacan (1968-1969) considera o Outro como o lugar em que o discurso do sujeito ganharia consistência. Dada a impossibilidade de uma consistência completa do discurso, ele mesmo não é detentor da verdade do sujeito. A verdade do sujeito estaria nas dimensões do desejo, no objeto causa do desejo, o objeto pequeno a. Ou então:

Que é o Outro? É o campo da verdade que defini como sendo o lugar em que o discurso do sujeito ganharia consistência, e onde ele se coloca para se oferecer a ser ou não refutado [...] Se em parte alguma do Outro é possível assegurar a consistência do que é chamado verdade, onde está ela, a verdade, a não ser naquilo a que corresponde a função de a? (Lacan, 1968, p. 24).

Não por menos, as tentativas de recobrir a inconsistência do Outro se presentifica nos esforços de recobrimentos imaginários, como investimento de certezas, visando afastar esse caráter paradoxal. A certeza pode ser compreendida como um fenômeno imaginário, que teria como efeito o aplacamento do risco de emergência da angústia e ansiedade (Estêvão & Gonsalves, 2020). Por isso, a certeza teria "a função afetiva de servir de sistema de proteção, de refúgio, de defesa diante da emergência do terceiro registro, o Real" (Estêvão & Gonsalves, 2020, p. 231), e que, por se tratar de um afeto, a certeza engana. Isso porque, assim como todos os outros afetos, como o amor e o ódio, acenam para a alienação subjetiva, a Angústia, para Lacan (1962-63/2005, p. 88), é "o único afeto que não engana". Assim, o afeto da angústia se mostra como advento do Real (Soler, 2018), enquanto a certeza acenaria para o afeto privilegiadamente imaginário, que produziria como efeito, bem ou mal sucedido, o tamponamento das emergências do Real.

Temos com isso que, às indeterminações, ou seja, as manifestações de mal-estar, desamparo, falta de garantias, inconsistência, há tentativas de responder com determinações, ou seja, adesão a enunciados e narrativas que ofereçam coordenadas comuns, que ofereçam garantias, verdades e certezas. Esse arranjo não deixa de se manifestar como condição ou estrutura, que independe dos fatos históricos e acena para a dimensão a-histórica da estrutura. Por exemplo, o mal-estar, na perspectiva freudiana, é uma condição para se estar na civilização; não é, em si mesmo, valorativo, mas sim um atributo original, assentado na impossibilidade de uma plena e harmônica conciliação entre a vida pulsional e as exigências civilizatórias (Freud, 1929/1974). No entanto, podemos expandir o alcance dessa afirmação quando situamos, do ponto de vista histórico e social, que os eventos de crise incidem diretamente sobre as experiências de indeterminação, expandindo-as.

Destarte, ao situarmos o movimento terraplanista no contexto da atualidade, inclusive como efeito narrativo da retomada religiosa nos dias atuais, nota-se que não há um compromisso em dar um tratamento à questão das verdades, mas sim se valer do panorama da relativização e do negacionismo (Dunker, 2020b) para estabelecer-se como uma organização possível da realidade. Seguindo a esteira da atitude negacionista atual (Dunker, 2020b), o terraplanismo, como movimento, encontrou solo fértil de retomada. As proposições científicas não apresentam nem respostas absolutas, nem garantias, por isso a premência da revitalização das narrativas de verdade que possam contornar a falta de sentido, de descontinuidades, e a desorientação da experiência humana.

Nessa direção, o filósofo francês Alain Badiou (2018) trata do efeito da narrativa religiosa como prisma único de verdade acerca da realidade. Em suas concepções, explica o teor da estrutura de ficção da verdade do cristianismo, ao acenar para o fato de que

A grande força do Cristianismo é ter colocado essa questão no cerne de seu aparato, ou seja, ter anunciado que o Evento havia ocorrido. Claro, poderia haver outros, mas todos os outros, a partir daí, seriam meras réplicas ou sombras. Pois, se há um Evento no sentido de emergência na imanência da transcendência como tal - neste caso particular, a emergência de um Homem que é Deus - então qualquer outro evento de verdade é uma imitação pálida e sem sentido. (Badiou, 2018, p. 93, tradução nossa).

Temos, portanto, na afirmação religiosa do cristianismo, um e apenas um evento de verdade. Na perspectiva do filósofo francês (2018, p. 93), a afirmação religiosa deve ser contraposta pela perspectiva de multiplicidade de verdades, provenientes de uma multiplicidade de eventos. Há uma assimetria que revela como a tal busca pela verdade no terraplanismo não se trata de um procedimento deverdade, de acordo com a concepção de Badiou (2007; 2013; 2018). Para haver um procedimento de verdade, para ele, deve haver, de partida, um compromisso com a transformação da realidade, e não a busca pela manutenção da realidade dominante. Aproximando-se de tal compreensão, Safatle (2017, p. 222) afirma que há uma "recrudescência da dimensão teológico-política do poder" que atua em prol de evitar transformações.

 

5 A narrativa de verdade no terraplanismo: o retorno de um não-tão recalcado

Para além da preservação do movimento ao longo da história, temos no cenário atual a expansão do número de adeptos, que ganha forças na contemporaneidade e que se insere nos fenômenos de uma época. Somado aos efeitos subjetivos que se presentificam de forma a-histórica na narrativa terraplanista, situar o fenômeno social em sua relação com os impasses atuais nos leva a situar os demais atores que participam da produção do fenômeno. Para tanto, discutiremos a seguir fatores como o desenvolvimento da ciência e o consequente afastamento das pessoas, bem como o ressurgimento da religiosidade como fator de coesão social.

Sobre o ressurgimento da religiosidade, o filósofo japonês Kojin Karatani (2016), retomando as noções freudianas expressas em Totem e tabu (1913/1990), conceitualiza sobre quais contradições sociossimbólicas atuais viabilizam o "retorno" desse recalcado como um movimento social. Nessa direção, Karatani (2016, p. 16), ao recontar a história do mundo pelo ponto de vista dos modos de trocas, argumenta que o tecido social da realidade atual é composto pela tríade em nó borromeano do capital-estado-nação13 e que as modalidades de trocas intercambiam entre si compondo a realidade. Logo, os modos não hegemônicos não desaparecem da realidade, pois ainda estão presentes na composição do tecido da realidade, porém obliterados pela vigência de algum outro modo dominante.

Para o filósofo japonês (2016), a religião traduz um traço residual da reciprocidade prévia entre os homens e deuses, oriunda de seu passado animista. No entanto, quando religiões universais se estabelecem, uma relação transcendental passa a operar sustentando uma assimetria entre as pessoas e esta divindade (Karatani, 2016, p. 131). Considerando essa perspectiva, notamos que o desvelamento do religioso no movimento terraplanista está em consonância com a afirmação de Schelling (1968): algo que estava escondido e que vem à luz; tal movimento marcaria o indício de um efeito narrativo de uma perspectiva religiosa que nunca deixou de ceder, na realidade, desde que se estabeleceu - ela apenas encontrou meios de se re-alcançar a superfície social.

Dito isso, o movimento terraplanista no Brasil beneficia-se do retorno da narrativa religiosa que se estabelece hegemônica no cenário de poder político da atualidade, que, em partes, trata-se das fissuras do estado, que encontram amparo organizador e social na discursividade religiosa no cenário brasileiro (Arenari, 2013). Nesse sentido, a religiosidade é reconhecida como organizador social. O filósofo Alain Badiou (2018) resgata as tentativas de formações de grupos de Lacan (sua escola de psicanálise) e corrobora a crítica do psicanalista ao abandoná-las por conta da colagem de sentido, pela composição imaginária e religiosa que os agrupa, assim, perdendo sua potência discursiva (Badiou, 2018, p. 110). Aqui, conseguimos apreciar como o terraplanismo coaduna dessa formação grupal, similar a um grupo político ou religioso, e que precisa se haver com essa mesma apreciação.

Badiou (2018) denota que quando Lacan opta pela dissolução de sua École (1980) estava justamente atento ao efeito de colagem que apaga as discursividades possíveis em nome do sentido para grudar um grupo. Ou, então, a forma religiosa do sentido que sustenta o grupo à revelia da discursividade em sua potência radical também se instaurou na escola de Lacan, ponto crucial para sua dissolução - como aponta Badiou (2018, p. 111). Muito embora a atenção de Badiou esteja na produção de colagem de sentido no grupo que vence sobre uma discursividade e recobre imaginariamente o furo produzido com a sua própria discursividade, o filósofo denota a importância de se sustentar que faltas, "buracos", permaneçam abertos e, também, evitar recobrimentos heterogêneos entre campos.14 Com isso, a religiosidade está nesse amparo imaginário discursivo que sustenta um grupo e no tamponamento dos furos do Real (do capital). A ênfase recai sobre a forma religiosa do sentido e seus efeitos subjetivos, em que a busca pela colagem coletiva diante da realidade, que seu agrupamento sustenta imaginariamente uma coletividade engajada em nome do fechamento do sentido, ao passo em que se busca suturar e sustentar uma discursividade que faça "Um com a realidade" (Badiou 2018, p. 109).

Sobre a ciência e o afastamento das pessoas, muito embora tais hipóteses não sejam esgotadas aqui, nota-se que a ciência, sob a égide produtiva do cenário atual (em termos de produções tecnológicas), parece sustentar os poros da realidade, que estão por todos os lados e, ao mesmo tempo, distantes. Ou então nos valemos das benéfices científicas, sem necessariamente entendermos a complexa composição produtiva inerente às suas construções. Logo, há uma ambiguidade inerente à experiência científica na contemporaneidade. Por um lado, há um traço colonizador da ciência que se dá por meio de uma inevitável alienação irreparável, que como consumidores e usuários experimentamos ao fazer uso sem nos darmos conta de como este, de fato, opera ou funciona. Por outro lado, lidamos com a inevitabilidade dos avanços científicos - especialmente depois de seu atrelamento à virtualização e aceleração dos sistemas econômicos financeiros (Karatani, 2016).

Temos, com isso, a complexificação das relações produtivas e relações de troca sob o capitalismo tardio e, na esteira dessas compreensões, ressaltamos o papel da ciência como commodity, ao mesmo tempo em que temos um aspecto direto da ciência como campo do saber. Destarte, há ainda a difusão e transmissibilidade do campo científico, de sua lógica e composição, que foram sistematicamente se enclausurando nas universidades, perdendo espaço revitalizado no dia a dia das pessoas (Dunker, 2020).

Assim sendo, conseguimos notar que a ciência moderna precisa lidar com seus impasses próprios como campo transformador da realidade, e por sua difusão e existência na realidade como produtora de suas verdades. Desafio esse que não se furtaria aos impasses que sua própria criação no mundo gerou, algo que a "renovação" terraplanista parece tentar recuperar, um esforço de pensar a realidade em termos pré-científicos. No entanto, não se trata aqui de responsabilizar a ciência moderna, mas conseguir compreender a "reedição" do terraplanismo como um de seus sintomas na realidade.

 

6 Considerações finais

O movimento terraplanista, de sua origem até os dias atuais, repousa sobre as justificativas de busca pela "verdade" e apresenta manifestamente um embate no campo da ciência. Referenciado por enunciados amplamente contrariáveis e contestáveis pela ciência, o movimento apresenta em seu bojo o discurso religioso, embora disfarçado de disputa empírica da realidade. Por mais que os avanços científicos empreendam esforços em prol do controle da natureza, tais avanços reservam uma relação específica, na medida em que a própria ciência incide na dimensão do desamparo e a amplia, por exemplo, na produção de bombas nucleares, podendo assumir, ela mesma, uma ameaça externa incontrolável. Ainda, a ciência não apresenta respostas absolutas nem garantias; por isso a premência da revitalização das narrativas de verdade que possam contornar a falta de sentido, de descontinuidades, e a desorientação da experiência humana.

Temos com isso que, às indeterminações, ou seja, as manifestações de mal-estar, desamparo, falta de garantias e inconsistência, há tentativas de responder com determinações, isto é, adesão a enunciados e narrativas que ofereçam coordenadas comuns que ofereçam garantias, verdades e certezas. Na esteira dos artifícios para contornar as experiências de indeterminação, podemos situar narrativas que reintroduzam certa contiguidade entre o homem e o universo, que reinstaurem a garantia narcísica de centralidade da experiência humana.

Enunciados que ofereçam contornos à experiência de desamparo, que ofereçam garantias e tracem as coordenadas específicas, que atribuam sentido ao sem-sentido são enunciados que apaziguam e acalentam as experiências de sofrimento. A verdade religiosa assume essa função e, como se mostra na atualização no discurso terraplanista, a unidade com o universo nada mais é do que uma experiência divina. O esforço em contornar as experiências de indeterminação estão presentes inclusive nos efeitos que os laços identificatórios produzem sobre a economia narcísica dos sujeitos, reforçando a adesão a tais narrativas, cujo impacto de se estar em comunidade promove a sustentação dessa discursidade que enlaça certo número de pessoas.

Com isso, temos no enunciado terraplanista explicações fáceis para questões complexas, e a garantia de centralidade da experiência humana. No recôndito do enunciado, o discurso religioso que dá forças ao movimento. Subjetivamente, uma narrativa que oferece garantias narcísicas reforça laços identificatórios, dá sentido ao sem-sentido, oferta a causalidade divina nas explicações das coisas do mundo, escamoteando a dúvida, acalentando o desamparo.

 

 

Referências

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*Mestranda em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (USP). Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
**Doutor e Mestre (PhD) pela European Graduate School (EGS) em Filosofia, Teoria Crítica e Artes. Mestr e e Doutorando em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Psicologia (2011) e em Filosofia (2008).
***Doutor e mestre em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em teoria e clínica psicanalítica e sua epistemologia e também em saúde mental, atuando principalmente nos seguintes temas: psicanálise, Lacan, Freud, neurose e psicose e articulação da psicanálise com as teorias sociais. Professor de psicologia na graduação da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP). Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP. Membro do Laboratório de Psicanálise e Sociedade do Instituto de Psicologia da USP. Membro do Fórum do Campo Lacaniano.
1Recuperado de Flat Earth International Conference 2017 (fe2017.com).
2Recuperado de Flat Earthers keep the faith at Denver conference | US news | The Guardian.
3Recuperado de Canada's first flat earth conference arrives in Edmonton | Edmonton Journal.
4Recuperado de Convenção em São Paulo reúne quem duvida de que a Terra seja redonda - 11/11/2019 - Ciência - Folha (uol.com.br).
5Alguns exemplos de canais do YouTube direcionados ao conteúdo terraplanista são "Sem Hipocrisia", "Mistérios do mundo" e o "Professor terraplana".
6De acordo com John Hare (2005), os seus experimentos e seus argumentos foram primeiramente publicados em um compilado de 16 panfletos em 1849 e expandido em um livro de 430 páginas chamado Earth is not a globe [A terra não é um globo] em sua primeira e segunda edição (1865-1873). Em todos os experimentos, os resultados eram incompatíveis com a teoria de que a Terra é um globo.
7Embora terraplanistas, criacionistas e geocentristas (vulgo ciências bíblicas), todos defendem a escritura bíblica como prisma central da vida humana, social e da experiência empírica da realidade. Schadewald, em Scientific Creationism, Geocentricity, and the Flat Earth (1981), apresenta que existem diferenças onde entendemos que terraplanistas são uma facção conservadora acerca da exegese bíblica, enquanto criacionistas e geocentristas no geral não disputam o formato da terra.
8Notas sobre a Universal Zetetic Society: "Sob os auspícios da UZS, um organizado corpo de palestrantes cruzaram a Inglaterra e Irlanda, estimulando a fé e debatendo a esfericidade da Terra. O Earth is not a globe- Review, publicado de 1893 a 1897, foi o mais ambicioso periódico terraplanista feito e distribuído em escala global" (Schadewald, 2008, p. 140). Alguns nomes que deram continuidade à ideia terraplanista naquele período são: Lady Anne Mould Blount, na Inglaterra, Voliva, nos Estados Unidos e Austrália, John Carpenter, nos Estados Unidos, entre outros.
9Respectivamente, por exemplo, Aleksei Leonov, em 1965, foi o primeiro homem a completar a caminhada espacial durante a missão Voskhod 2 (Garwood, 2008, p. 210); e as consequências devastadoras dos agentes laranjas, fruto do avanço tecnológico, utilizados durante a Guerra do Vietnã (Garwood, 2008, p. 234).
10Como Jacques Lacan noticia: "A impressão que tenho é que, se fizéssemos deuses todas as pessoas que ressuscitaram, onde iríamos parar? Por isso é que somos lembrados o tempo todo no texto do Evangelho que a morte e a ressurreição de que se trata ocorreram "segundo o que estava prescrito nas Escrituras". (Lacan, 1954/2007, p. 61). Tão logo, a captura de sentido pela narrativa religiosa, orienta o plano de fundo desse movimento.
11Romain Rolland escrevera a Freud a respeito do 'sentimento oceânico' numa carta em 1927, na qual refere-se ao que seria a verdadeira fonte de religiosidade: "Trata-se de um sentimento que ele gostaria de designar como uma sensação de 'eternidade', um sentimento de algo ilimitado, sem fronteiras - 'oceânico', por assim dizer" (FREUD, 1929, p. 81).
12Lacan sobre o circuito do Witz, em que o processo cômico se satisfaz para além de duas pessoas, a "primeira pessoa" seria o agente que transmite (ou cria), a segunda pessoa seria o alvo e a "terceira pessoa", a quem se compartilha, ou seja, o público. Como públicas, as tiradas espirituosas só teriam o mesmo efeito na seguinte condição: "para que minha tirada espirituosa faça o Outro rir, é preciso, como diz Bergson, em algum lugar [...] que ele seja da paróquia" (Lacan 1958, p. 124).
13Para Karatani, o nó Capital, Estado e Nação traduz que se um se desenlaça todos caem. Tal nó se constituiu sobre quatro operações intercambiáveis de modalidades de trocas: a) Presentear (princípio de reciprocidade, mágico-animista); b) Estado (estabelecimento da lei); c) Capitalismo (prevalência do Capital e forma mercadoria); e d) "x"(o retorno de A, em configuração superior, como uma Ideia). Dessa maneira, efeitos de ressurgimento dizem do retorno não subsumido de algo reprimido (Karatani, 2016) que se efetiva na materialidade simbólica da composição circulatória do tecido social.
14Alain Badiou é autor de um projeto filosófico que acena para a possibilidade de subjetivação dos sujeitos enquanto perseguem, se engajam, fielmente em procedimentos de verdades. Logo, em vez de pressupor um sujeito e uma verdade como dados, trata de considerá-los oriundos desses procedimentos em toda a sua indeterminação efetiva possível. Assim, tais condições possíveis de evento se dão no amor, ciência, política e arte. Ver mais em Being and Event (2007), Logics of Worlds (2013) e Theory of the subject (2009).

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