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Clínica & Cultura

versión On-line ISSN 2317-2509

Clín. & Cult. vol.8 no.2 São Cristovão ene./jun. 2019

 

DOSSIÊ REDE INTERAMERICANA DE PESQUISA EM PSICANÁLISE E POLÍTICA

 

O caso como índice de poder na clínica e na transmissão em psicanálise

 

The clinical case as an index of power in clinic and transmission in psychoanalysis

 

El caso como índice de poder en la práctica clínica y la transmisión en el psicoanálisis

 

 

Clarice Pimentel Paulon

Psicóloga (FFCLRP-USP), Mestre em psicologia (FFCLRP-USP), Especialista em gestão em saúde pública (UNICAMP). Doutora pelo Departamento de Psicologia Clínica no Instituto de Psicologia (USP), com período de estágio sanduíche na Universidad de La Republica (UdelaR - Montevidéu, Uruguai). Pós-Doutoranda no Instituto de Psicologia da USP

 

 


RESUMO

Apresentaremos as relações entre sujeito e poder na transmissão da psicanálise. Partiremos da dicotomia das ciências humanas entre técnica e teoria que produz enunciados que restringem a circulação de poder. Essa divisão produzirá efeitos discursivos autoritários que iremos nomear de autoritarismo do clínico. Proporemos uma forma de suturar essa dicotomia com a narrativa enquanto método para a construção das ciências humanas, tomando como exemplo a escrita de casos. Nomearemos essa prática de autoridade da clínica. Essa proposta vai ao encontro do que Lacan (1958/1998) enunciou em A direção do tratamento e os princípios do seu poder, quando mostrou as relações de poder na clínica e seu possível manejo: a crítica não aponta à exclusão do poder, mas sua transferência à palavra. Discutiremos as diferenças entre autoridade e autoritarismo dos casos entendidas como material para transformação ou estabelecimento das relações de poder na clínica e das relações de poder na transmissão da psicanálise.

Palavras-chave: transferência, transformação, poder, caso clínico, transmissão da psicanálise.


ABSTRACT

We will present the relations between the subject and power in the transmission of psychoanalysis. We will start from the dichotomy of the human sciences between technique and theory that produces statements that restrict the circulation of power. This division will produce authoritarian discursive effects that we will call authoritarianism of the clinician. We will propose a way of suturing this dichotomy with narrative taken as a method for the construction of the human sciences, using as an example the writing of cases. We will name this practice the authority of the clinic. This proposal is in line with what Lacan enunciated in "A direção do tratamento e os princípios de seu poder"" (1958/1998, when he shows the relations of power in the handling of the clinic: the criticism does not point to the exclusion of power, but its transference to the word. We will discuss the differences between authority and authoritarianism of the cases understood as material for transformation or establishment of power relations in the clinic and power relations in the transmission of psychoanalysis.

Key-words: transference, transformation, power, clinical case, transmission of psychoanalysis.


RESUMEN

Presentaremos las relaciones entre el sujeto y el poder en la transmisión del psicoanálisis. Partiremos de la dicotomía de las ciencias humanas entre técnica y teoría que produce enunciados que restringen la circulación del poder. Esta división producirá efectos discursivos autoritarios que denominaremos autoritarismo del clínico. Propondremos una forma de suturar esta dicotomía con la narrativa como método de construcción de las ciencias humanas, tomando como ejemplo la escritura de casos. Nombraremos a esta consulta como la autoridad de la clínica. Esta propuesta está en consonancia con lo que Lacan (1958/1998) enunció en La dirección del tratamiento y los principios de su poder, cuando mostró las relaciones de poder en la clínica y su posible manejo: la crítica no apunta a la exclusión del poder, sino a su transferencia a la palabra. Discutiremos las diferencias entre la autoridad y el autoritarismo de los casos entendidos como material de transformación o establecimiento de relaciones de poder en la clínica y de relaciones de poder en la transmisión del psicoanálisis.

Palabras clave: transferencia, transformación, poder, caso clínico, transmisión del psicoanálisis.


 

 

Pois ele reconheceu prontamente que nisso estava o princípio de seu poder, no que este não se distinguia da sugestão, mas também que esse poder só lhe dava a solução do problema na condição de não se servir dele, pois era então que assumia todo o seu desenvolvimento de transferência. (Lacan, Escritos, p. 603)

 

As relações de poder nas ciências humanas: saber e discurso

Nos estudos arqueológicos desenvolvidos por Foucault (1969), o autor apresenta que a relação entre discurso e saber dá contornos aos enunciados, dando mostras sobre o regime de poder que recorta os dizeres, conformando, assim, as formações discursivas. Esses contornos dizem sobre quem diz, como se diz e onde se diz. Em um panorama geral das formações discursivas, ele dá mostras dos lugares possíveis a serem ocupados pelo sujeito nos remanejamentos de poder estabelecidos. A relação entre poder e saber entra, portanto, no campo do que pode ser dito e o que deve ser calado para que a interpretação sobre o dizer se consolide e seja homogeneizada. Segundo Lima: "[...] as práticas discursivas são acompanhadas das não discursivas, que compreendem dispositivos e possibilitam a articulação entre as esferas do saber e do poder" (p. 37), ou seja, a forma como o poder se estabelece e se organiza está relacionada às esferas do dito e do não-dito e, estas, ao que se pode saber.

Poder e saber, assim, se associam às modalidades de interpretação1 dentro das práticas discursivas. Essas modalidades de interpretação, quando balizadas no campo discursivo de modo a não permitir a circulação dentre os seus diversos registros através do silenciamento de dizeres e da restrição do acesso a alguns saberes - tal como conformado nos enunciados de um especialista, por exemplo - dá mostras de como a modalização saber/ não saber aponta para o posicionamento do sujeito quanto aos regimes de poder. Nomearei aqui como autoritário esse funcionamento discursivo que se consolida através da restrição do acesso ao saber a partir da utilização de uma gramática que aponta para uma especialidade sem articulá-la às práticas comuns e do silenciamento de dizeres a partir da pressuposição de posições de poder estabelecidas.

Em contraposição a esse funcionamento autoritário, que, apresenta-se encarnado em um indivíduo, sendo ele, no caso desse artigo, o clínico, apresentarei um outro modo de funcionamento discursivo que possibilitaria o acesso e favoreceria a circulação entre as formações discursivas através da capilaridade entre os enunciados, propiciando a construção de sentidos compostos pela relação entre as fronteiras das formações discursivas. Nomearei este outro funcionamento como autoridade da clínica, sendo esta construída a partir da sutura entre a técnica e a teoria do clínico e apresentada, a partir da construção e transmissão do caso clínico, como índice desta experiência. A narrativa, nesse segundo funcionamento, seria um dos dispositivos possíveis para a elaboração dessa sutura. Estabelecemos em polos opostos, portanto, o autoritarismo do clínico e a autoridade da clínica como modalidades de transmissão da psicanálise enquanto práxis.

A hipótese aqui apresentada para pensar a construção desses regimes de poder é alinhada a apresentada por Foucault (1969) e pretende evidenciar que a forma como as ciências humanas se constituiu e consolidou ao longo da história sustenta e conserva relações de poder estanques. Essa sustentação se dá pela divisão, na origem das ciências humanas, entre teoria e técnica na constituição do Estado moderno. As técnicas, com fins adaptativos à consolidação dessa nova ordem social e a teoria, dedicada à análise e interpretação dessas adaptações, a fim de naturaliza-las, retirando-as do campo do materialismo histórico. Desse modo, temos uma divisão estabelecida entre teoria e técnica que retira a experiência e a temporalidade, desarticulando-as e tentando tornar esses polos assépticos. Nas palavras de Pêcheux:

[...] a operação asséptica, que consiste em separar a "experiência vivida" e os conceitos, teve como efeito indireto instituir a subjetividade como princípio de explicação daquilo que Husserl chama "expressões ocasionais" não objetivas; tudo se passa como se, nesse domínio, a regra segundo a qual "[...] é verdadeiro para cada um aquilo que lhe parece verdadeiro; para um será tal coisa, para o outro, a coisa contrária, se essa coisa lhe parecer verdadeira" retomasse toda sua validade[...]. (PÊCHEUX, 2009, p. 53)

O abismo instituído nas ciências humanas entre "experiência vivida" e conceitos desenvolvidos, tal como apresentado por Foucault (1966/2007), proporciona um distanciamento entre o subjetivo, que cai em um relativismo absoluto (como exemplo para este artigo: a escrita de casos e casos literários) ou um objetivismo completo, excluindo as relações entre os particulares e o universal da teoria (tal como a aplicação de técnicas externas para a composição de relatos em psicanálise, sem realizar composições teóricas prévias). Essa dicotomia coloca em oposição, tal como aponta Pêcheux na citação acima, o objetivo e o subjetivo, construindo o que se consolidou como subjetivismo idealista: um espelhamento entre o psíquico e o social baseado no relativismo e no objetivismo abstrato, que tenta excluir o psíquico das conceitualizações teóricas, sobrepondo o social ao subjetivo.

Essa separação foi possível, segundo De Certeau (1987/2012), devido à exclusão da narrativa enquanto procedimento metodológico para a composição dos aspectos teóricos das ciências humanas. Ela agrava as posições de poder porque inviabiliza a articulação entre teoria e técnica, como se fossem perspectivas estanques, consolidando os saberes como não associados. Desse modo, visamos aqui um retorno da narrativa enquanto operador componente do método investigativo em psicanálise a fim de propor uma possível solução à dicotomia estabelecida entre procedimentos e teoria, o que constrangeria a relação de poder à palavra e não ao clínico. Para tal intento, iremos apresentar algumas de suas conceituações que são produtivas ao campo psicanalítico, bem como sua articulação com as noções de "discurso", "história" e "significação". Com esse procedimento pode ser possível articular a narrativa aos operadores clínicos e ao método investigativo em psicanálise.

 

As relações de poder e a práxis psicanalítica:

Segundo De Certeau (1987/2012), as ciências humanas devem "extrair teorias a partir dos aspectos mais profundos de suas práticas" (p. 157). O autor ainda afirma que essa possibilidade se dá através da compreensão de que os procedimentos narrativos imanentes aos desenvolvimentos teóricos em ciências humanas são necessários e produtores da teoria, e não restos que devem ser excluídos de sua formalização final. A narrativa é, portanto, um processo necessário à construção teórica e não utilizá-la significaria reduzir nossas práticas ao nível de procedimentos técnicos e meramente formais. A construção e análise de narrativas, então, surge como método para as construções teóricas em psicanálise a partir do momento que é compreendida como uma forma dinâmica de significação que articula, simultaneamente, discurso [teoria] e história [prática] (REIS; LOPES, 2011).

De Certeau (1987/2012), ao considerar o método utilizado por Foucault em seu livro Vigiar e punir (1975), aponta para certa dificuldade do filósofo em nomear "os agentes silenciosos de sua história" (DE CERTEAU, 1987/2012, p. 151). O autor capta essa dificuldade a partir da utilização massiva no livro de sinônimos para delimitar quais seriam essas práticas silenciosas: "aparelhos", "instrumentos", "mecanismos", "máquinas", dentre outros, termos utilizados por Foucault para nomear tais práticas. Saussure (2006), ao desenvolver a noção de valor do signo, nos afirma que este só adquire seu valor em oposição a outros. Nas relações sinonímicas, Saussure afirma que essa oposição fica cada vez mais estreita de acordo com as proximidades semânticas dos signos, o que significaria que o valor, no caso dos sinônimos, estaria articulado através das mínimas diferenças de significância de um termo a outro. Quando Foucault, em um processo de deslocamento, nomeia tais práticas silenciosas a partir dos diversos termos supracitados - avizinhando-os, como se fossem sinônimos -, é como se ele, ao mesmo tempo em que sobrepusesse o sentido, o diferenciasse a partir de uma mínima diferença. Ou seja, é como se Foucault, ao nomear tais práticas, nos pronunciasse sincronicamente, pela enunciação, que não há formalização possível ao procedimento que não passe por uma articulação de significações através da narrativa, para que seja possível apresentar o modo como esses conceitos operam no registro das práticas discursivas. Não há palavra que garanta que todo o processo de significação seja compreendido apenas a partir dela. É necessário, portanto, narrativizá-la.

De Certeau (1987/2012) afirma que esse movimento sinonímico ocorre devido às próprias condições históricas que Foucault analisa. É como se o autor de Vigiar e Punir reproduzisse em sua escrita os acontecimentos discursivos que analisou. Deste modo, o uso de sinonímias para explicar os procedimentos técnicos analisados - com foco no panóptico - denuncia uma dicotomia histórica entre os procedimentos técnicos e suas condições de produção ideológicas (aqui compreendidas como um conjunto de doutrinas e pressupostos teóricos). Tudo se passa como se houvesse uma contaminação entre narrador e narrativa. Esses procedimentos técnicos recusam os pressupostos teóricos, os renegam, em nome das necessidades disciplinares e da máquina burocrática em funcionamento. Curiosamente, Foucault admitirá que esse é o mecanismo também utilizado em nossas ciências humanas: tentativas indiscriminadas de descrição sobre funcionamento social e psíquico apontam para um modus operandi marcado pela tentativa de isenção interpretativa, de analisar "do lado de fora" as nossas relações sociais e psíquicas, separando-as tal como superfícies entre um/o externo e interno ou, transpondo, entre clínica e sociedade.

Vemos, portanto, que a exclusão da narrativa no campo dos métodos em ciências humanas se dá pela valorização da dicotomia entre externo e interno, subjetivo e objetivo, como um modo de controlar e delimitar objetos de estudo e áreas científicas. A descrição, acaba sendo uma forma prioritária de escrita e apresentação de casos, tal como vemos em casos médicos e como podemos ver no seguinte exemplo, extraído de um caso atendido por Lévy-Valensi; Meignant e Lacan em 1928:

Nós apresentamos um doente de 40 anos que, depois de treze meses, produziu um delírio com tema policial: de Beaucaire, ele assistia a algumas cenas seguidas de roubos que se passavam em Paris; entrava em comunicação de pensamentos com os agentes parisienses e a guarda de Beaucaire; fazia escapar os criminosos. Finalmente, ele fez a viagem até Paris para completar suas declarações à polícia e foi internado após um procedimento na delegacia. Sem insistir sobre os detalhes desse romance delirante extremamente rico, nós diremos algumas palavras sobre o seu substrato. (LÉVY-VALENSI; MEIGNANT; LACAN, 1928, p. 01; grifos nossos)

Os psiquiatras descrevem o delírio do paciente, dizem que não se aterão aos detalhes desse delírio (que constituíram sua narrativização) e, após esse relato, descrevem pormenorizadamente algumas hipóteses médicas sobre a etiologia do delírio: "psicose alucinatória crônica" que pode ser advinda de alguma doença venérea (sífilis), um possível "subalcoolismo" e talvez uma "queda de bicicleta" tenham favorecido o desenvolvimento desse quadro (LÉVY-VALENSI; MEIGNANT; LACAN, 1928, pp. 02-03).

Quando Freud (1905a/1996) reinventa a escrita de casos a partir da exaltação de seus traços narrativos, tal como vemos em Dora2, há a possibilidade de ultrapassagem dessa dicotomia entre o subjetivo e o objetivo. É a partir dessas divisões que De Certeau afirma que essa dicotomia historicamente construída traz à baila uma "história de substituição de cadáveres, um tipo de intercâmbio que teria sido apreciado por Freud" (De Certeau, 1987/2012, p. 151). A substituição por procedimentos meramente técnicos propõe, como vimos no caso médico mencionado acima, apesar de variarem em modos de substituição de cadáveres - alguns pela especificação do sintoma, outros pelo fenômeno geral -, em uma dissecção da matéria viva; uma formalização do caso que não produz movimentos transformativos em seu interior, mas, sim, diagnósticos conclusivos, fixados por um significante e um significado patológico definidos.

Há aí apenas uma peça morta, que, por recursos descritivos e recortes visuais, denuncia os nossos desejos científicos de verificação: o caso clínico é um caso sobre uma psicopatologia ou, na melhor das hipóteses, sobre uma pessoa portadora de tal psicopatologia e sobre qual o seu destino, devido à sua condição. Há, como aponta o comentador (De Certeau, 1987/2012), um predomínio da visão enquanto sentido dominante na elaboração moderna das nossas ciências, artes e filosofia, iniciadas no século XVI (p. 154). A descrição, como uma forma linguageira que ressalta o caráter visual como predominante, seria, portanto, uma tentativa de abarcar o todo pela possibilidade de visualização e se relacionaria à expectativa de universalização3 da compreensão de casos clínicos a partir de uma semiologia cujo referente seria o corpo, uma unidade visível4.

Observamos aí a produção de enunciados baseados na figura do especialista. A descrição do caso direciona para uma rede semântica não compartilhada de nomeações, jargões e outros princípios não explicitados no texto (como a etiologia e as relações de causalidade apresentadas no diagnóstico), provocando uma relação de exclusão com os que não compartilham dessa gramática. A autoridade do caso é relegada a esse saber que é apropriado pelo especialista, tornando-o autoritário, dado que ele se apresenta como aquele que tem posse do saber e, portanto, poder sobre seu manejo e transmissão. Eis aqui o autoritarismo do clínico.

Em psicanálise, a relação com o visual é distinta, o que nos apresenta uma possível modificação na relação entre saber e poder e, portanto, em seu discurso5. Não há expectativa de que, através desse mecanismo, possamos abarcar a totalidade da construção do caso clínico. Vejamos, por exemplo, o que Freud (1914/2011) nos afirma, em O eu e o id, sobre a relação entre imagem e sentido em psicanálise:

Não devemos deixar-nos levar, talvez visando à simplificação, a esquecer a importância dos resíduos mnêmicos ópticos, quando o são de coisas, ou a negar que seja possível os processos de pensamento tornarem-se conscientes mediante uma reversão a resíduos visuais, e que, em muitas pessoas, este parece ser o método favorito. [...] Aprendemos que o que nele se torna consciente é, via de regra, apenas o tema geral concreto do pensamento, e que as revelações entre os diversos elementos desse tema geral, que é o que caracteriza especialmente os pensamentos, não podem receber expressão visual. Pensar em figuras, portanto, é apenas uma forma muito incompleta de tornar-se consciente. (p. 13)

Nesse trecho que foca a passagem de conteúdos inconscientes à consciência, afirma-se que a apreensão por imagens ou resíduos mnemônicos visuais é incompleta, devido ao fato de apresentar somente o "tema geral concreto do pensamento". As imagens tendem à totalização do sentido, o que impede o seu deslocamento, que se dá justamente pela ausência de sentido e busca de sua complementação via metáfora e metonímia - o que a imagem já apresenta diretamente. Ou seja, é apenas a partir da relação do material inconsciente com a linguagem na modalidade narrativa - que parece completar as articulações entre imagens, como nós completamos o sentido das cenas diante de um filme - que conseguimos devolver à expressão visual o seu caráter polissêmico, apresentando as singularidades contidas em cada elemento, que formam o todo da imagem. É nesse sentido que a clínica psicanalítica, como afirma Dunker (2011), deve ser atrelada a outras condições de produção para além da clínica tradicional, pautada na observação e sistematização dos sintomas segundo sua gênese, causalidade e reversibilidade. Devemos fazer uma semiologia que compreenda a narração dos processos visuais e que, por outro lado, ultrapasse esse aspecto mais imediato da imagem: eis a principal técnica narrativa da psicanálise6.

Nesse sentido, uma forma de construir essa metodologia da escrita de casos, conforme De Certeau (1987/2012), deve ser extraí-lo de suas práticas. O autor irá afirmar que essa possibilidade se dá através da compreensão de que os procedimentos narrativos, imanentes aos desenvolvimentos teóricos em ciências humanas, são necessários e produtores da teoria, e não restos que devem ser excluídos de sua formalização final. O que De Certeau afirma, portanto, é que a narrativa é um processo necessário à construção teórica; e que não utilizá-la significaria reduzir nossas práticas ao nível de procedimentos técnicos e meramente formais, como afirmamos anteriormente. É neste sentido que o historiador afirma que:

Os procedimentos não se limitam a ser objetos para uma teoria, mas organizam sua própria construção. Longe de serem exteriores à teoria ou permanecerem no limiar, em Foucault, os procedimentos fornecem um campo de operações para produzir a própria teoria; com este autor, encontra-se outra maneira de construir uma teoria que é o gesto literário desses mesmos procedimentos. (DE CERTEAU, 1987/2012, p. 161 - grifos nossos)

Para tal procedimento narrativo seria necessário realizar um recorte que fosse sincronicamente etnográfico e metonímico (De Certeau, 1987/2012), o qual observamos em Freud (1914/2016) - que, ao descrever a estátua de Moisés, monta uma etnografia do caso (sua relação com a história bíblica, suas veridicções), mas também narra os resquícios metonímicos dela (os detalhes, elementos que levam de um a outro ponto da estátua e que nos dão a noção de "movimento"). Antes de apresentar esses dois recortes, Freud dialoga com o leitor; apresenta e justifica seu interesse pela escultura; narra seu encontro, em sua visita a Roma; compartilha seu assombro e curiosidade. Finalmente, o texto conta - em momentos decisivos, ainda que breves - com conceitos psicanalíticos dos quais o leitor deve estar ciente para receber sua mensagem: recalcamento, inibição, complexo paterno. Temos aqui então apresentados os circuitos temporais de épos (o relato bíblico), mythos (a especulação freudiana de que ele está prestes a levantar-se, mas conteve-se), a transferência (de Freud com a escultura, com Michelangelo e, quiçá, com o Renascimento) e logos (os conceitos psicanalíticos expostos ou implícitos). Deste modo, os procedimentos narrativos seriam, ao mesmo tempo, condição prévia e de produção dos casos clínicos (De Certeau, p. 162). É necessário deixar narrar e, depois, narrativizar o caso. A forma como esses quatro tempos se articula em uma unidade - mais ou menos coerente, mais ou menos eficaz - é também a maneira como eles percorrem uma ligação entre Real, Simbólico e Imaginário - o que nos dá o nó do caso clínico.

Esse movimento etnográfico, que localiza o texto freudiano e o faz índice de uma época, é o que conferirá o recorte metafórico ao processo narrativo. É ele que condensará as possibilidades narrativas em relação ao material, criando uma estrutura semelhante ao mito - entendido como "um tempo muito longo de variação de histórias" (Nathan, 1995, p. 6). O recurso à etnografia é, portanto, um modo de realizar o que Agamben (2008/2010) chama, em Signatura Rerum, de "alegoria": aquela que, para além da substituição do significante no um-a-um da metáfora, representa, por analogia, todo um contexto por um movimento metafórico.

Nesse sentido, há uma tentativa de restituição à história, da possibilidade de construí-la não só a partir de suas relações metonímicas ou de contiguidade, mas também a partir da alegoria de contextos específicos que significam épocas e apontam para regimes discursivos característicos. Reside aí uma forma eficaz de compreender a relação entre psicanálise e literatura a partir dos casos clínicos. Estes seriam a alegoria, no sentido de nos apresentar, ao mesmo tempo, o momento histórico do caso, o momento epistemológico da psicanálise, a sua veridicção epocal e a sua transferência ao leitor. O caso clínico se sustenta, então, como alegórico, e não como ilustrativo - ou seja, uma imagem para uma legenda conceitual. Isso traz a narrativa como paradigmática para sua construção, sendo o caso um exemplo discursivo desse paradigma narrativo.

O caso, então, se estabelece como um paradoxo: ao tornar-se alegoria de uma época, ele representa, ao mesmo tempo, um conjunto homogêneo de casos, a partir de sua singularidade (em Freud temos o Estudos sobre a histeria, por exemplo), e aponta para a construção subjetiva de todo um momento histórico específico (o feminino na era vitoriana). O momento histórico apresenta, portanto, novas formas de redigir casos - ainda que com suas epicrisis caraterísticas - o caso é uma peça fundamental da transferência de Freud e Breuer com Ana O., Elizabeth Von R., Emmy Von N., Katharina ou Lucy. O paradoxo se encontra na ação de apresentar um caso em sua máxima singularidade e ele, então, se tornar representativo de uma época e episteme psicanalíticas.

Vemos, portanto, que quando se trata das ciências práticas, como afirma De Certeau (1987/2012), suas construções sobre tais práticas ocorrem sincronicamente aos seus pressupostos teóricos. Nos casos médicos, a escrita convoca seus pressupostos teóricos, suas formas de universalização baseadas na visualidade de fenômenos, direcionando o que denominamos objetivismo idealista. Eles fazem parte do momento do discurso da medicina e da tentativa da psiquiatria em estabelecer-se como disciplina autônoma. Supõe-se uma normatividade e uma universalidade de sua razão diagnóstica que são condizentes à sua prática clínica.

A psicanálise emerge no interior desse discurso, mas sua diagnóstica se relaciona também com a contingência, o que possibilita que ela não seja totalmente determinada pelas hipóteses fisicalistas7; mas também no interior das práticas psicoterapêuticas de influência, e ainda como parte do discurso ético do Ocidente. Enquanto os casos da medicina e da psiquiatria suscitarão uma relação de redução ou de exclusão da contingência como condição para a veracidade ou falsidade de seus enunciados - com as implicações jurídicas de culpa, inocência ou inimputabilidade - a psicanálise, no desenvolvimento teórico freudiano, tenta acolher essa contingência de modo a não suturá-la com a não contradição, mas explorá-la como condição de método: a associação livre. Essa diferenciação indica que temos clínicas com finalidades distintas, sendo o foco da clínica psiquiátrica, a da remissão de sintomas.

A escrita de caso ocorre a partir da singularidade, com a utilização de estratégias descritivas que quebram a universalidade por meio de traços narrativos. Estes, quando pensados a partir de uma leitura freudiana dos critérios narrativos (alteridade, temporalidade e exteriorização), nos possibilita ver a relação entre o eu e o outro, a história construída a partir de outra concepção de "tempo" e a linguagem atuando como articulador das relações internas ao sujeito que as externaliza. Todas essas questões associadas à transferência modulam a narrativa em casos clínicos.

Esses traços narrativos nos trazem uma estratégia para pensar um modo de fazer em psicanálise que ultrapassa a condição dicotômica de fundação das ciências humanas. Enquanto as táticas descritivas a reforçam - nos condicionam, por exemplo, a uma modalidade de escrita, tal como por meio da utilização de sinônimos -, a narrativa promove uma forma de escrita de caso que permite mostrar as relações de contiguidade em suas associações metafóricas, ou seja, promove uma condição de espaço-tempo na produção de um discurso que permite localizá-lo, posicioná-lo e circunscrevê-lo, sem, no entanto, isolá-lo das demais construções epocais e transferenciais. É o que nos permite afirmar, por exemplo, que um caso clínico é também um caso social.

Ao costurar essa dicotomia através de traços narrativos, temos também outros ganhos na pesquisa em psicanálise. Nossas possibilidades investigativas unem-se com nossas práticas de cura e, deste modo, nosso método constitui-se como um método bífido (Dunker, 2017), ou seja, um método que parte do pressuposto de um entroncamento comum e que se bifurca em práticas investigativas e curativas sem, no entanto, separarem-se. Partimos, portanto, do pressuposto de que a análise sobre a construção de casos deve consistir de um movimento duplo8.

Uma aproximação possível das duas interfaces deste método - a investigação e o tratamento - pode ser pensada a partir da superfície conjugada de duas bandas de Moebius, "cada qual com uma torção em sentido contrário, costuradas uma à outra", o que uniria universos conceituais e discursivos distintos e promoveria uma "relação entre verdade e realidade no contexto da construção de casos clínicos, dissolvendo as tradicionais relações de exclusão entre interior e exterior, entre público e privado, entre ética e ciência, na experiência psicanalítica" (Dunker, 2016, p.1). Tanto a garrafa de Klein (com seu característico cruzamento de perspectivas) quanto o modelo do nó borromeano (com suas intersecções entre Real, Simbólico e Imaginário) surgem como modalidades não excludentes de compor as formas temporais do caso clínico.

Nossa perspectiva é, portanto, compreender que o caso clínico em psicanálise opera com o intuito de transmitir um processo de cura e, também, de investigar as modalidades através das quais esse processo foi concluído, o que é realizado a partir da peça escrita, que é o próprio caso. Para tanto, como afirmamos anteriormente, o caso deve ser pensado a partir do que embasa seu caráter ficcional: traços metodológicos de seus conceitos; marcações epocais de seus agentes; traços de repetição ou transformação narrativa, associados a aspectos transferenciais.

Acreditamos que esse método proposto por Dunker (2016) propicia um interessante efeito na análise da construção do caso clínico: o de acessá-lo através de uma dialética entre particular (história) e universal (teoria) - movimento que faz do caso um caso singular dentro daquele contexto teórico e histórico - e possibilita observar os efeitos das escolhas analíticas que foram realizadas no processo de tratamento. Ele tenta combinar a dialética dos conceitos com a estrutura dos significantes, a lógica da escrita com a poética do encontro.

É nesse sentido que pensar o caso clínico a partir da experiência da clínica apresentada pela sutura narrativa entre os procedimentos técnicos e a teoria seria evidenciar a autoridade da clínica. A clínica enquanto lócus de investigação e prática terapêutica e analítica mostra a indissociabilidade, para a psicanálise, entre esses aspectos e a narrativa seria o índice do impossível dessa separação. Mostrar um caso clínico e construí-lo a partir do testemunho de um terceiro (seja ele um supervisor, a comunidade analítica ou uma equipe interdisciplinar), quando esse testemunho não se faz como simples autorização do outro, mas como escuta e construção conjunta do caso, possibilita a circulação de poder e coloca a autoridade sobre o caso em sua práxis, sem instrumentaliza-la (colocando a autoridade nos métodos e procedimentos, por exemplo) ou encarná-la em um indivíduo, detentor do saber. Deste modo, o saber sobre o caso torna-se despossuído, porque transferido para o manejo da palavra, ou seja, para a transferência.

 

O caso clínico e a transversalidade de poderes:

Ao pensar o caso clínico como índice de experiência e construção conjunta de saberes analíticos temos, portanto, um manejo de poder que possibilita que esse saber seja despossuído, ou seja, que esse saber não seja índice de posse de alguém, mas que ele possa circular a partir da apresentação do caso. A essa condição nomeamos autoridade da clínica. Essa condição só se torna possível se considerarmos narrativizar os procedimentos técnicos cotejando-os com sua formalização teórica a fim de tornar acessível, publicizar, o que pode ser transmitido da experiência psicanalítica.

Publicizar um caso clínico não significaria, tal como Freud (1905a/1996) apresentou, expor aspectos particulares do caso. Segundo o psicanalista, a escrita de casos em psicanálise encontra dificuldades devido às suas condições técnicas (a associação livre como método) e a índole das próprias circunstâncias (a apresentação de aspectos íntimos da história escutada). Se o caso clínico fosse descrito tal como um caso médico, tal exposição seria inevitável. Entretanto, em psicanálise, trata-se de apresentar, no caso clínico, traços narrativos que apontem para transformações na significação e na posição do sujeito em relação a sua história. Ou seja, trata-se de apresentar, dentro do caso clínico, a circulação de poder da relação do sujeito com sua história.

Essa condição só se torna possível se o analista puder abdicar do poder a ele servido e transferi-lo para a palavra, tal como Lacan apresentou em "A direção do tratamento e os princípios do seu poder" (1958/1998). O analista não deve portar-se como representante de um poder instituído, tal como um especialista se coloca diante de um diagnóstico, sabendo de modo restrito sobre o seu tratamento. Ele deve fazer a palavra circular pela história, produzindo efeitos discursivos diversos, para que a enunciação possa ressaltar a posição do sujeito frente ao seu desejo. Se servir do poder oferecido pelo analisante e construído dentro da clínica seria colocar o sujeito frente a demanda do analista e produzir homogeneizações que apontassem para uma generalização diagnóstica e não para a singularidade da produção sintomática do analisante. Abicar do poder para poder servir-se da palavra.

Nesse sentido, questionamos: por que não produzimos essa mesma experiência na transmissão da psicanálise? Acreditamos que transferir o poder do clínico para a clínica, através da construção do caso clínico, seja uma saída para que a experiência psicanalítica possa ser, de fato, transmitida e publicizada e, então, autorizada por um saber despossuído, compartilhado.

 

Referências Bibliográficas

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Dunker, C. I. L. (2001). Estrutura e constituição da clínica psicanalítica: uma arqueologia das práticas de cura, psicoterapia e tratamento. São Paulo: Annablume.         [ Links ].

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1 Modalidades de interpretação são aqui compreendidas como formas de dar/ destituir de sentido um enunciado, através de suas relações com outros enunciados e discursos.
2 O caso Dora é o primeiro caso em que Freud apresenta uma escrita menos descritiva, tentando transmitir, através desse estilo, o novo método de tratamento, baseado na associação livre. Para uma análise mais aprofundada do caso Dora: Paulon, C. P. Introduzindo o conceito de narrativa em psicanálise: sobre um operador comparativo para o estudo de casos clínicos. Tese de doutorado apresentada ao Instituto de Psicologia da USP, São Paulo, fevereiro de 2018.
3 Universalização aqui entendida como o universal da teoria e sua replicabilidade para a compreensão de todos de um grupo específico: os especialistas.
4 A partir daqui utilizaremos alguns textos de Freud sobre método e história, não preocupados com sua ordem cronológica, mas com como eles podem se articular para construir o regime de verdade instaurado na psicanálise, construindo, assim, uma noção de história e discurso pautados na ficcionalidade e na articulação entre determinação e indeterminação, subjetivo e objetivo e demais dicotomias especulares apresentadas nas ciências humanas.
5 Entende-se aqui por discurso um conjunto de enunciados produzidos ao longo da história que tem como efeito a construção de dispositivos e a configuração de subjetividades, tal como pensado por Foucault. Entende-se que em psicanálise essa noção teve sua participação, como é possível observar nos primeiros seminários de Lacan, especialmente no Seminário III (1955-56/1987). Após, Lacan passou a entender o discurso como um articulador de posições específicas do sujeito, verdade, saber e objeto, configurando efeitos diferentes a partir da articulação entre essas posições. Não entendemos como dissonantes as conceituações de Lacan e Foucault.
6 No capítulo VI, nas 'Considerações sobre a figurabilidade' da Intepretação dos Sonhos (Freud, 1900), Freud nos apresenta condições de interpretar os sonhos calcadas em estratégias narrativas evidenciadas a partir de três eixos: o sujeito (entendido como perspectiva), a apresentação (compreendida a partir dos termos e funções) e a significação (a partir das noções de fantástico, absurdo e estranho). Estes três eixos são articulados à história e à temporalidade para o entendimento de seus efeitos no narrador do sonho. Interpretar um sonho seria, portanto, possibilitar sua narrativização a partir de suas condições pluriunívocas de produção de sentido.
7 Há entre os leitores de Freud toda uma discussão acerca do estabelecimento da neurose como eixo principal e diferencial de critério diagnóstico. No entanto, compreendemos aqui que a psicanálise viabiliza outro olhar a partir de suas relações interdisciplinares com as ciências da linguagem e a antropologia. Um interessante desenvolvimento dessa perspectiva encontra-se em Dunker, C. I. L. Mal estar, sofrimento e sintoma na experiência psicanalítica brasileira. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014.
8 Para maiores desenvolvimentos sobre a noção de "cura" em psicanálise, cf. Dunker, C. I. L. Estrutura e Constituição da clínica psicanalítica: uma arqueologia das práticas de cura, psicoterapia e tratamento. São Paulo: Annablume, 2011. A noção de "cura", segundo o autor, associa-se à de "mal-estar" e remete a posição (p. 40).

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