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Desidades

versão On-line ISSN 2318-9282

Desidades vol.3  Rio de Janeiro  2014

 

TEMAS EM DESTAQUE

 

Como os jovens habitam a cidade do México: Diferença e desigualdade

 

Habitares juveniles en la ciudad de México: Diferencia y desigualdad

   

 

Maritza Urteaga Castro PozoI

Escola Nacional de Antropologia e História, Universidade Nacional Autônoma do México 

 

 


Palavras-chave: jovens índios, empreendedores culturais, turmas juvenis, cidades mundiais.


Palabras-clave: jóvenes indios, emprendedores culturales, bandas juveniles, ciudades mundiales.


 

 

Este artigo discute alguns estudos de caso realizados nos últimos anos sobre a relação entre jovens e espaço urbano para analisar transformações nos usos, apropriações e percepções juvenis da contemporaneidade urbana. Jovens e espacialidade é uma área metodológica na qual se apresentam interseções, de forma articulada, das fronteiras socioculturais de classe, idade, etnia, gênero, preferência sexual, gostos, estilos de vida e outras zonas de diferenciação e desigualdade social.

O estudo da espacialidade revela as diversas estratégias que os jovens constroem nas suas interações com múltiplos outros: aqueles que cuidam deles, que os acolhem ou ajudam a se integrarem, que os ignoram, os estigmatizam, os excluem, os marginalizam. Estas experiências cotidianas de habitar, representar e/ou imaginar o espaço urbano permitem o acesso a características dos atores e agrupamentos juvenis da cidade: quem são, o que fazem, de que recursos dispõem, quais são as suas redes e os níveis das mesmas, como se auto-percebem e como percebem os outros, como constroem seus tempos e seus espaços. Os grupos interagem criando experiências espaciais através das quais lemos as suas tensões e seus acordos com os outros que são constantemente definidos em cada contexto.

Quando pergunto sobre o que seria uma “cultura da juventude” no espaço urbano, refiro-me à seleção e mobilização consciente e imaginativa de um subconjunto de diferenças por parte de um grupo juvenil para tecer as suas interações (de disputa, conflito, adaptação ou negociação) com outros grupos sociais (Urteaga, 2011). Nesse processo, os grupos juvenis estabelecem “expectativas e prioridades com critérios diferentes e todos intervêm para fazer cidade, mesmo que com visibilidade e poder diferenciados” (Vergara, 2005, p. 193-194).

Como e de que espaços (sociais, culturais, físicos) os jovens participam na reconfiguração do espaço urbano e, mais especificamente, da cidade contemporânea? O que os modos de vida juvenis, com as suas práticas de distinção e de integração no espaço, nos dizem sobre as assimetrias e desigualdades sociais contemporâneas neste tipo de cidade? Discutirei essas perguntas a partir das colocações de Ulf Hannerz (1998) sobre o estudo antropológico das grandes cidades e, particularmente, sobre o que as diferencia como mundiais. Nessas últimas se imbricam certos traços que contribuem profundamente à sua vitalidade cultural: abertura ao exterior e interior, efervescência cultural e sociabilidade. Duas dessas perguntas, no entanto, iniciam esta imbricação e seu resultado: uma concentração tal da população que possibilita uma abertura interna e gera uma exaltação cultural.

A sociabilidade e os seus espaços desempenham papel importante na intensificação do trânsito de significados entre estratos de pessoas e entre diversas esferas de pensamento que se influenciam mutuamente (Ibid). Ambos fenômenos nas cidades dão lugar a uma cultura mundial que organiza a heterogeneidade no sentido de interconectar as diversas culturas locais com as que não estão em um território concreto. As pessoas se relacionam de maneiras diferentes com essa cultura, mas podemos identificar dois tipos possíveis que servem como polos de análise: as pessoas cosmopolitas e as pessoas locais. A complexidade e efervescência cultural alcançam o seu momento culminante nestes novos “centros ecumênicos globais” porque eles contêm os pontos nodais de controle da economia mundial e porque neles confluem quatro categorias de pessoas: os executivos e diretores das empresas transnacionais, os imigrantes, as elites do mundo da cultura e os turistas. Todas estas figuras sociais têm em comum o fato de “serem, de uma maneira ou outra, transnacionais” (Ibidem, p. 208), desempenharem papel chave na criação e difusão de nova cultura e tornarem estas cidades mundiais.

Abordo três formas juvenis de habitar a Cidade do México na atualidade – a dos jovens indígenas migrantes, a dos ‘trendsetters’ e gangues juvenis e o “ser do bairro” – que ilustram como a ação dos jovens não só expressa as transformações na macroestrutura, como também a sua ativa participação na reconfiguração territorial, cultural e social da Cidade do México.

 

Jovens indígenas na cidade

Situo a presença dos jovens indígenas na cidade dentro dos fluxos migratórios que hoje caracterizam as cidades mundiais (Hannerz, 1998; Appadurai, 2001). No entanto, essa premissa deve ser enquadrada no contexto mexicano que historicamente tem excluído a presença de indígenas como membros da urbe sob a “falsa ideia de que os indígenas pertencem ao meio rural e camponês, enquanto as cidades são o espaço de tudo o que é cosmopolita, que assimila e elimina as diferenças culturais” (Escalante, s.d.). Sob um duplo contexto discriminatório, como indígenas e como migrantes, os jovens estudados pertencem às etnias do deslocamento, fenômeno que Mora et al (2004) define como o deslocamento territorial, orientado à mudança residencial dos grupos sociais com o objetivo de melhorar a sua qualidade de vida”. A etiqueta “jovens indígenas” esconde diferenças de todo tipo: de classe, idade, origem étnica, educação, ocupação, profissão, expectativas, estilos de vida e outras. Observei com maior profundidade jovens indígenas recém-migrados à Cidade do México1, que ocupam os últimos degraus nas relações trabalhistas e sociais na cidade, com pouca remuneração e baixa qualificação: pedreiros, mecânicos, garçons, soldados, eles; empregadas domésticas, elas. Os jovens do sexo masculino recém-chegados vivem na periferia ou nos terrenos indígenas do centro da cidade, alugando um quarto ou alojados com familiares pertencentes a gerações migrantes anteriores. Estes últimos construíram redes familiares e comunitárias étnicas de apoio para se inserirem no mercado de trabalho e na cultura da cidade, que funcionam tanto para as mulheres quanto para os homens. Estas redes ajudam a encontrar trabalhos temporários como pedreiros ou outros em empresas de construção e de serviços. Eles percorrem longas distâncias na cidade e em suas áreas conurbadas para trabalhar ou procurar trabalho. As jovens chegam a trabalhar em tempo integral no serviço doméstico e vivem nas zonas residenciais onde prestam serviço. Os recém-chegados são muito vinculados às suas famílias, às quais enviam dinheiro, e povos de origem, com os quais mantêm contato constante. O fato de serem recém-chegados condiciona profundamente a sua percepção da cidade como ponte para alcançarem as suas metas imediatas, ganhar algum dinheiro, enviá-lo para os familiares, regressar para os seus amigos de infância e seu entorno afetivo familiar. No entanto, a experiência cotidiana, o rápido acesso a empregos, o tempo aproveitado, apesar das jornadas de trabalho pesadas e extensas, os novos conhecidos, na sua maioria jovens, fazem eles irem adiando o seu retorno à tribo, irem mudando a sua percepção sobre a cidade e experimentarem a sua juventude de uma maneira mais prolongada e menos restrita aos seus costumes. Na atualidade, também pressionam sobre estas decisões as atuais formas de ser do jovem rural, caracterizadas, entre outras particularidades, por “assumir a aventura da migração” a fim de concretizar a “percepção subjetiva de sucesso” (Pacheco, 2003).

Os seus tempos e espaços de lazer estão delimitados pelos dias livres, sábado à tarde ou domingo. O espaço urbano se presta ao anonimato e à criação de estilos de vida diferentes, situação que tensiona pouco a pouco a vida dos jovens migrantes por se opor às formas de conduta coletivas tradicionais nas suas culturas de origem. Detectei alguns espaços públicos de sociabilidade juvenil migrante indígena: La Alameda, o Bosque de Chapultepec, La Villa, Xochilmilco, Parque de los Venados, Deportivo Venustiano Carranza2, entre outros. A seleção desses pontos de encontro na cidade expressa como eles se acham profundamente arraigados às suas culturas de origem: parques, praças, centros esportivos e outros espaços com muito verde, que de alguma maneira recriam as suas maneiras conhecidas de estar juntos e, ao mesmo tempo, possibilitam conhecer outros jovens. No entanto, diferentemente do que fazem em seus povoados, o que os jovens procuram nesses espaços são espetáculos culturais, musicais, cinematográficos, teatrais, assim como lugares para dançar, comer e estar entre amigos ou com seu par, práticas consideradas urbanas. A interculturalidade basicamente se dá com outros jovens pertencentes a grupos étnicos, mas quase nunca com os rapazes mestiços3 da cidade. Os lugares recreativos que frequentam são espaços dos excluídos: ir à Alameda é ‘gatear’, ir com os ‘nopalitos’4. Não obstante, a persistente e constante ida dos migrantes índios à Alameda demandou a adequação de serviços e lugares privados de lazer cada vez mais equipados e seguros para eles/as.

Recentemente, tornaram-se visíveis, nestes espaços, jovens indígenas com vestes espetaculares – que incorporam, hibridizando, elementos e códigos estéticos promovidos pelo mercado, a mídia e as subculturas juvenis urbanas circulantes –, com novos gostos musicais e circuitos de diversão, denominados por Gama (2009) e Sánchez Chávez (2009) ‘mazahuacholoskatopunks’5. Eles e elas passaram da cópia à criação de um estilo próprio com o qual interagem entre si e com outros jovens na cidade.

 

‘Trendys’ e jovens empreendedores na Cidade do México

Conhecidos em outras partes do mundo como ‘millenials’6, os jovens ‘trendsetters’7 estudados representam outra forma de construir e habitar a Cidade do México. ‘Trendsetter’ é uma categoria do ‘marketing’ que significa “posicionados na tendência” (de estilos de vida por vir), embora só recentemente eu tenha encontrado um termo melhor, “empreendedores culturais”, que aqui uso para me referir àqueles jovens integrantes da categoria de pessoas que Hannerz (1998) denomina “especialistas da expressão” ou “pessoas que se ocupam da cultura”, que vivem nas cidades mundializadas. Os ‘trends’ são jovens nascidos na cidade e têm entre 21 e 32 anos de idade; solteiros e sem filhos, vivem com a sua família de origem ou dividem apartamento com algum familiar e/ou amigo(a).

Especializam-se em algumas atividades de tipo expressivo com uma acentuada marca geracional que transcende as suas origens de classe (sendo o limite inferior de classe média baixa): se concentram em carreiras criativas como ‘design’ (gráfico, têxtil, industrial, arquitetônico, de moda, de joias, de móveis), publicidade, arquitetura, comunicação, artes plásticas, cinema, vídeo, e se aventuram em outras especializações que fomentem a sua criatividade e complementem a sua formação no sentido de atuarem, dialogarem, promoverem e difundirem cultura, fotografia, serigrafia, arte visual e sonora. Os seus produtos culturais são artístico-funcionais para a vida moderna na cidade e o seu trabalho criativo é para certo segmento de mercado. Consideram possível criar no âmbito comercial e viver do seu trabalho criativo. Do ponto de vista organizacional do mercado, são instauradores de certos produtos culturais inovadores, mais especificamente são geradores de novas demandas entre clientes que estão à procura de bens, serviços e ideias novas para depois comercializá-las em grande escala através do mercado. Já em relação à forma de vida, os ‘trends’ se situam de uma maneira particular entre os geradores e difusores de novos estilos de vida e de trabalho. Embora compartilhem com as vanguardas certas concepções sobre o trabalho - como fonte de prazer, satisfação estética e inovação -, o que os identifica é a sua paixão empreendedora: a sua capacidade de correr o risco de empreender novas ideias e difundi-las entre públicos e mercados a partir da associação com outros criativos. Trabalham em vários projetos criativos ao mesmo tempo, não são grupos compactos, formam redes de colaboração e estendem os seus vínculos entre artistas, técnicos, artesãos, empresários jovens, cineastas, personagens de subculturas, profissionais das carreiras criativas em comunicação e outras – os quais conhecem durante os momentos de ócio criativo e nos seus giros pela cidade. Trabalhar e se divertir são parte de uma mesma realidade e as fronteiras entre o lazer e o trabalho são muito imprecisas. Estes jovens se caracterizam pela sua grande interação social com diferentes grupos e redes sociais (cara a cara e virtuais) e valorizam intensamente as experiências que cada rede acrescenta à sua sensibilidade criadora, configurando assim um amplo capital vinculante.

A megacidade do México, com todas as suas contradições sociais e desigualdades, oferece a eles uma diversidade de formas de vida que alimenta a sua criatividade. Os ‘trends’ vivem a cidade como fonte de inspiração, diversão e trabalho. Delimitam os seus circuitos de diversão na região historicamente urbanizada da Cidade do México - Centro Histórico, Polanco, Condesa e Roma, San Rafael, Escandón, Santa María la Ribera e colônias limítrofes -, instaurando uma tendência metropolitana nos usos e apropriações do espaço urbano: rotas de lazer com lugares urbanos tradicionais (cantinas, pulquerias8, salões de baile, circos, praças, sorveterias, taquerias9, feiras ambulantes), abandonados (casas, edifícios, teatros, vilas, hotéis), ‘underground’  (bares, antros, terrenos baldios onde se instalavam os ambulantes), centros culturais (museus, casas de cultura, cineclubes, galerias, salas de exposição), mais comerciais (praças, butiques, cinemas, restaurantes, cafeterias, discotecas) e feiras de venda (El Chopo, Plaza Peyote, La Raza, La Lagunilla, Santa Martha Acatitla). Neles esperam interagir com um outro diferente de si mesmos.

Aqui chamo a atenção sobre as maneiras como as dinâmicas artísticas, políticas e de diversão dos ‘trends’, dos mundos boêmios e subculturas e das culturas artísticas nessa região, com graves problemas urbanos desde o terremoto de 1985, acabaram participando de uma revalorização urbana do centro metropolitano que hoje os profissionais de ‘marketing’ denominam ‘hipster’ (corredor cultural Roma Condesa). No âmbito de dinâmicas mais amplas de gentrificação urbana, desde o ano 2000, o fideicomisso do Centro Histórico pela esfera pública, a Fundação do Centro Histórico e outras fundações do mundo privado impulsionaram uma estratégia mista empresarial, fazendo com que estes segmentos juvenis muito ativos e ligados à arte contemporânea se envolvessem no reposicionamento da imagem urbana, dotando de capital simbólico áreas marginalizadas e edifícios destruídos, elevando o valor da mais valia nessa região e ativando um tipo específico de turismo cultural.

Turmas, gangues e “ser do bairro”10

Nas cidades mundiais existe ainda outro tipo de habitante que não interage com a cultura globalizada dessas maneiras. Em artigo no qual reflete sobre a queima de carros nos subúrbios franceses no fim de 2005 por ação de jovens que os meios de comunicação denominaram “imigrantes”, Ulrich Beck indaga o que acontece com os que são excluídos do maravilhoso mundo novo da globalização. O autor propõe entendê-los enraizados na globalização econômica que dividiu o planeta em centros muito industrializados de crescimento acelerado e desertos improdutivos cujas populações vivem nas cidades mundiais. Neste novo entorno econômico são considerados supérfluos, pois não são necessários para gerar riqueza. Quem são estes jovens incendiários? São jovens supérfluos, cidadãos no papel, segundo informa Beck, são jovens franceses filhos de imigrantes africanos e árabes que suportam, além da pobreza e do desemprego, uma vida sem horizontes nos subúrbios da grande metrópole, onde são marginalizados pela sociedade em autênticos guetos supérfluos. Utilizo a proposta interpretativa de Beck para abordar as maneiras de habitar e ocupar o espaço urbano dos jovens da marginalidade citadina mexicana.

Atualmente, as turmas e gangues juvenis das periferias urbanas habitam e ocupam o espaço público local: o bairro. Valenzuela (1997) destaca a importância do bairro nas práticas culturais dos jovens dos setores populares. É um espaço socializador, primeiro recurso de liberdade e poder a partir do qual eles têm controle sobre o corpo, a linguagem e outros símbolos com os quais criam as suas próprias relações de status e poder. Nos anos 80, o tempo da turma era um tempo particular em relação ao tempo formal da educação e/ou do trabalho, e ambos os tempos se complementavam. Estas congregações tinham um ciclo específico de vida profundamente relacionado a uma maior ou menor entrada dos jovens no mercado de trabalho formal ou informal (na sua maioria) e à esfera da delinquência (ainda uma minoria). O bairro permitia que os jovens de turma enfrentassem a insegurança provocada pela mudança para a vida adulta em contextos de incerteza laboral, na medida em que era acessível e controlável no tempo presente deles. No entanto, desde os anos 90 se observam mudanças no tempo que as turmas ocupam na vida dos seus membros e no nível de violência com que articulam as suas diferenças com outros jovens do bairro. Isso coincide com a incursão mais presente de certas facções do crime organizado e do narcotráfico em bairros nos quais não tinham estado antes, fomentados por uma persistente política neoliberal que reduz as opções que os jovens têm para materializar os seus processos de autonomia. O cenário atual que configura grande parte das histórias de vida da população juvenil é repleto de desigualdades quanto a acessos à educação, ao emprego, a serviços de saúde, a níveis de alimentação adequados, a meios de comunicação, a espaços de participação e diversão, à tecnologia. No seu conjunto, a população juvenil está imersa em um empobrecimento profundo (Valdez, 2009).

Em um estudo sobre jovens, crime e estigma, Carlos Perea (2004) desmonta o equívoco “que imputa ao jovem o papel estelar da criminalidade”, demostrando que os adultos são os mais destacados protagonistas da criminalidade. Perea observa que o lugar do crime na atualidade não provém do seu crescimento ilimitado e sem normas, e sim do seu papel estratégico em mediações essenciais da reprodução social: ele penetra nos processos econômicos e políticos, e também na esfera cultural, na qual as turmas juvenis têm papel destacado. Perea estabelece uma diferença entre as gangues que possuem laços com o crime e as que não11. Os membros das primeiras vivem submersos em um tempo paralelo, “os seus ciclos de atividade passam por fora dos horários socialmente estabelecidos: desistem das aulas escolares, desprezam o trabalho estável e costumam romper os modos de relação com a família”; enquanto os segundos “permanecem ligados, ainda que com conflitos, às rotinas da família, da escola ou do trabalho” (Ibid, p. 164). Os primeiros assumem como hábito permanente de vida o consumo, o roubo e a violência; enquanto os segundos podem assumir um ou outro aspecto. Para ambos, o centro de referência é o bairro, o espaço local onde exercem o seu poder, que, no caso dos primeiros, é pleno. Nessas circunstâncias, a turma e a gangue lançam um desafio ao projeto cultural da cidade. Parados frente a um tecido urbano que oferece exclusão, uma multidão de jovens das áreas populares fazem da marginalidade um estilo de vida, que constitui uma profunda ruptura com a vida corrente e seus usos, com a lei e a norma instituída (Perea, 2004).

As periferias das cidades são também ocupadas por uma grande parte das classes médias baixas. Lazcano (2005) apresenta uma imagem recente de jovens de poucos recursos em moradias populares ao norte da Cidade do México. Através do convívio, de compartilhar o espaço e os costumes, eles constroem a sua identidade como jovens de bairro. Compartilham uma cultura urbana popular local profundamente condicionada por um entorno de contradições econômicas e sociais que impõem aos indivíduos necessidades, estilos de vida e de consumo inacessíveis, criando neles a imagem e vivência de uma segregação econômica e social. Diante destas frustrações, bairro e jovens constroem as suas próprias estratégias ― atividades informais e ilegais - como recurso para a sobrevivência e muros imaginários e espaciais reforçando a sua segregação social e a fragmentação espacial da cidade. Ser do bairro se converte em um elemento de pertencimento, de proteção e segurança e em estandarte da sua condição social e econômica. Submetidos a uma economia que não permite que tenham acesso a outro tipo de lugares e eventos recreativos, as suas atividades se restringem ao bairro, se enraízam nele através do compartilhamento de festas, noites, futebol, da defesa dos seus membros, alianças via casamentos, laços e redes para procurar emprego ou obter dinheiro. “Ser do bairro” é uma expressão conhecida pelos jovens que constroem a sua identidade, sociabilidade e interação na rua, sob princípios e regras conhecidas e respeitadas pela turma, que significa o seu pertencimento a tradições locais urbanas (Lazcano, 2005b).

Turmas, gangues e jovens de bairro são formas agregadoras de jovens segregados pela nova ordem em autênticos guetos supérfluos na periferia da grande cidade. As suas práticas espaciais e as saídas que estão construindo, ilegalidade em vez de informalidade cotidianas, mostram que, correndo riscos e escolhendo as suas próprias vias, eles se posicionam na cidade contemporânea.

Apresentei algumas formas juvenis contemporâneas – diferentes e desiguais –de habitar, de fazer cidade e de representar o espaço público urbano. Definitivamente, elas indicam que a cidade mundial não tem uma forma única, nem constrói só uma identidade, nem seus significados são gerados somente naquilo que é próximo e imediato ou distante e fluido, entre outras características. As práticas sócio-espaciais juvenis manifestam o envolvimento ativo dos jovens na determinação das suas vidas e das de quem os rodeia, e também na definição desta nova forma urbana e na construção das suas novas funções e significados.


Referências

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1 Realizei estudos sobre estes jovens de diferentes etnias na Cidade do México entre 1997-1998 e em 2004. 

2 Centro Esportivo do Governo do Distrito Federal (Nota do Tradutor)

3 Mestiço, no México, é um termo que se refere à grande maioria da população, “que define a sua identidade, em primeiro lugar, como cidadãos mexicanos, que possuem uma cultura ocidental e moderna”, em oposição “aos que falam alguma das mais de 60 diferentes línguas indígenas, e que definem a sua identidade, em primeiro lugar, como membros da sua comunidade local e do seu grupo étnico, e que possuem uma cultura indígena e tradicional, isto é, contrária à moderna”. Fonte: Navarrete, Federico. México Multicultural: El mestizaje y las culturas regionales. http://www.nacionmulticultural.unam.mx/Portal/Izquierdo/BANCO/Mxmulticultural/Elmestizajeylasculturas-mestizoseindios.html (NT).

4 ‘Gatear’ provém de gato/a, forma discriminatória de denominar as empregadas domésticas, geralmente de origem indígena. Neste contexto, significa olhar, procurar, sair com uma moça indígena. (N.T.) ‘Nopal’ é uma planta do tipo cacto, que faz parte da alimentação diária dos mexicanos. Ambos os termos fazem referência aos indígenas como pessoas de qualidade inferior.

5 Termo composto por quatro vocábulos: ‘mazahua’, uma das 62 etnias mexicanas, ‘cholos’, subcultura transfronteriça nortenha, ‘skatos’ ou ‘skates’ e ‘punks’, ambas subculturas juvenis. Refere-se às cores fortes e à mistura híbrida das suas vestimentas e penteados.

6 Millenials’ diz respeito a uma geração, dos nascidos entre 1980 e 2000, conhecida também como geração Y, marcada pela globalização, pelos avanços tecnológicos, pela prosperidade econômica, além da ênfase no acesso a informações e oportunidades. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Gera%C3%A7%C3%A3o_Y  (NT)

7 Realizei estudos sobre este segmento de jovens em 2004 e entre 2010 e 2011.

8 Lugar onde se vende pulque (bebida alcóolica mexicana). (NT)

9 Lugar onde se vendem tacos (comida mexicana). (NT)

10 Os dois primeiros termos usados no texto original são “banda”, traduzida como turma, e “pandilla”, traduzida como gangue. (NT)

11 Discordo da denominação genérica que realiza Perea desta forma agregadora. Se ambas as formas e rapazes têm características distintivas, deveriam ser denominados de maneira diferente, gangues as primeiras, turmas as segundas, como faz a tradição acadêmica mexicana.

I Professora pesquisadora da Pós-graduação em Antropologia Social da Escola Nacional de Antropologia e História – ENAH, Universidade Nacional Autônoma do México – UNAM. Entre seus livros mais recentes estão: A construção juvenil da realidade. Jovens mexicanos contemporâneos (México: Juan Pablos Editores, UAM, 2011); Cultura e desenvolvimento. Uma visão crítica a partir dos jovens (México: Paidós, UAM, 2012); Jovens, culturas urbanas e redes digitais (México: Ariel, Fundación Telefónica, UNED, UAM, 2012). E-mail: maritzaurteaga@hotmail.com

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