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Desidades

On-line version ISSN 2318-9282

Desidades vol.4  Rio de Janeiro  2014

 

TEMAS EM DESTAQUE

 

Jovens indígenas na sierra central do equador: elementos para pensar suas práticas comunitárias

 

Jóvenes indígenas en la sierra central de ecuador. elementos para pensar sus prácticas comunitarias

   

 

René Unda LaraI; Maria Fernanda Solórzano G.II

IUniversidade Salesiana do Equador

IIUniversidade Politécnica Salesiana do Equador

 

 


Palavras-chave: jovens, indígenas, práticas, Equador.
Palabras-clave: jóvenes, indígenas, prácticas, Ecuador.

 

 

Por que é relevante o estudo das práticas que realizam os jovens das comunidades indígenas da Sierra Central do Equador? Como se constrói a categoria juventude indígena neste contexto e que condições possibilitam sua existência? Quem são estes/estas jovens indígenas e como processam a 'questão política' em suas práticas sociocomunitárias? Estas questões, que organizam a discussão que pretendemos desenvolver aqui, estão presentes nos distintos campos considerados na pesquisa de base sobre a qual se desenvolve este artigo.

Nesse sentido, e levando em conta que este trabalho não esgota as possibilidades analíticas e explicativas sobre o objeto de pesquisa, apresentaremos um breve compêndio dos eixos teórico-conceituais e metodológicos que atravessam a pesquisa “Práticas socioculturais de jovens indígenas na Sierra Central do Equador”, assim como uma seção dos principais resultados referentes a tais interrogantes. Propõe-se, basicamente, abrir linhas de debate em torno de algumas dimensões que configuram aquilo que, provisoriamente, se denominará práticas socioculturais de jovens indígenas em contextos de mudanças e transformações socioestatais, como acontece no caso equatoriano. Este artigo apresenta o estudo sobre a categoria juventude indígena no contexto de transformações do Equador, a partir de 1970, e, especificamente, depois do ano de 2006.

Desse modo, interessa examinar a noção de 'juventude indígena' como categoria emergente perante a visibilidade cada vez mais nítida dos/das jovens nas dinâmicas da comunidade indígena e na própria 'sociedade urbana', como resultado de uma série de processos diretamente vinculados ao trabalho, ao problema da terra e da educação, entre outros. Processos aos quais se vai agregar, em função das reconfigurações socioestatais atuais, o tema da mudança geracional no campo da política1.

A categoria 'juventude indígena', por conseguinte, não se constrói nem opera no vazio, é produto das complexas interações ocorridas e em curso no interior das comunidades e organizações indígenas, assim como entre estas e outros atores.

Por isso, para indagar sobre a questão de quem são os/as jovens indígenas é que se escolheu, nesta pesquisa, a via conceitual e metodológica das 'práticas' (Bourdieu, 1999; 2007), marcando-se uma distância em relação a determinados enfoques que partem de um suposto reconhecimento, atribuindo, 'a priori', atributos ou características indentitárias para definir o jovem indígena, sem que, previamente, se tenha estudado suas práticas em campos específicos.

Levando em conta estudos prévios sobre a comunidade andina, consideraram-se vários campos de indagação: família, comunidade, escola, trabalho, política, religião e festa. Neste artigo se expõe uma breve síntese de resultados de pesquisa de vários destes campos, cujas dinâmicas, vale mencionar desde o início, reproduzem-se mediante 'habitus' estreitamente vinculados entre si. Os campos produzem práticas e são, ao mesmo tempo, produtos de práticas; nessa relação os agentes (re)-produzem e põem em tensão habitus instituídos e habitus instituintes (Bourdieu, 2007). No caso da comunidade indígena andina, é fundamental ter em conta este complexo jogo de disposições, considerando, sobretudo, os processos de transição sociocultural em que se encontra a comunidade atualmente.

Nesta parte introdutória, vale a pena assinalar uma necessária cautela referente ao caráter equivocado ou, ao menos, problemático, sobre o uso e sentido do termo 'indígena' atualmente, quando os povos e nacionalidades reclamam para si o reconhecimento como povos e nacionalidades com uma denominação própria (Puruhahes, Panzaleos, Chibuleos, Cañaris, Shuar, por mencionar alguns) que designa suas origens e ancestrais (Unda y Muñoz, 2011).

Não obstante, e dado que em múltiplas interações que se desenvolvem no âmbito público, na dinâmica sociopolítica e na vida comunitária, a palavra indígena adquire uma potência histórica e identitária determinante, apresentando, além disso, amplas possibilidades práticas de identificação dos povos e nacionalidades originárias, neste artigo se utiliza a palavra indígena para designar os sujeitos jovens que desenvolvem determinadas práticas de (re)-produção sociocomunitária no contexto da sociedade e da estrutura comunal2.
 

Práticas dos jovens das comunidades indígenas da Sierra Central do Equador

Se o campo de estudos sobre juventude, no caso equatoriano, mostra um desenvolvimento relativo menor que em muitos outros países da região, os estudos sobre jovens indígenas são praticamente inexistentes. Uma marcada ausência de estudos sobre os processos de socialização e as relações intergeracionais na comunidade indígena andina têm impossibilitado conhecer o conjunto de práticas que as gerações jovens desenvolvem no contexto comunitário e na sua relação com espaços sociais mais amplos.

De fato, os evidentes vazios e ausências da questão indígena no campo de estudos de juventude não só fazem supor que a categoria juventude indígena não se tenha constituído como tal, senão que induzem, também, a arriscar conjecturas segundo as quais as práticas que desenvolvem jovens indígenas não seriam objeto de interesse acadêmico científico, nem teriam relevância social e política.

Não obstante, a necessidade de indagar, analisar e explicar como se constitui o sujeito jovem indígena, quem são os/as jovens indígenas, suas práticas, suas demandas, expectativas e muitos outros aspectos, tem sido posta em evidência – mesmo que não com suficiente interesse – devido a uma série de motivos. Estes motivos vão desde as necessidades de informação e conhecimento que reclamam para si as organizações indígenas, como parte de seus insumos para a ação, até os requerimentos do Estado para tarefas de planejamento e execução de política pública.

Trata-se de compreender que, fundamentalmente, é o contexto de oportunidade política que se configurou no Equador desde 2006, o marco geral, entre outras coisas, que determina a necessidade de ampliar e diversificar o conhecimento sobre o 'mundo indígena'. Conhecimento que já vinha se produzindo desde há várias décadas e que se concentrou, principalmente, no estudo de temas e problemas tais como as relações de produção, posse e usos da terra, transformações agrárias e modelos produtivos, estratégias de reprodução econômica e migrações, estrutura de autoridade e controle político, entre outros, considerados prioritários na comunidade andina (Murmis, 1984; Martínez, 1984; Sánchez-Parga, 2006).

Este contexto, cujo ponto de referência inicial localizamos, para os fins desta análise, em 2006, ano pré-eleitoral no qual se intensifica o ciclo de mobilizações orientadas à transformação do Estado e da política, amplia as possibilidades de incorporação de temas relativamente inovadores na gama de interesses das pesquisas sobre juventude, contando-se, entre eles, vários referentes à situação dos jovens rurais e jovens indígenas. Mesmo que o maior volume de esforços tenha se concentrado no estudo das condições de saúde e de acesso ao sistema educativo das crianças e adolescentes (UNICEF, 2011), a preocupação com as condições de vida dos jovens indígenas manifesta-se em estudos que articulam problemas como a migração e o trabalho (Sánchez-Parga, 2001; Martínez, 1984), explicações para o debate sobre a condição juvenil indígena (Unda y Muñoz, 2011) e formas de participação política (Unda y Llanos, 2012).

Nesta mesma perspectiva, os sinais de certo enfraquecimento e crise do movimento indígena, que vinham se evidenciando no início do presente século, constituem a possibilidade de problematizar uma série de fatos que formam parte da relação das diretorias indígenas com suas bases e com o sistema político. Um desses fatos está relacionado com o tema da substituição geracional no interior do movimento indígena, o papel e a perspectiva dos jovens no acionar político da escala territorial e os efeitos esperados na reconstituição do movimento indígena e a Confederación de Nacionalidades Indígenas del Ecuador (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador - CONAIE) na cena política nacional.

Mesmo que a estrutura de direção da CONAIE, desde sua criação, esteja conformada por pessoas que se podem considerar jovens a partir de uma visão externa à dinâmica sociocomunitária indígena, ser jovem no contexto de tal dinâmica supõe considerar, que, de modo geral, ainda não se é parte da estrutura formal de autoridade comunal e, inclusive, da estrutura de 'comunheiros', que, para serem assim considerados, devem mostrar certos tipos de posses (animais, parcelas de terra) e terem formado uma família. Com os processos de ampliação econômica e cultural urbana até os espaços rurais e comunais, esta sorte de 'requisitos' vem sofrendo determinadas modificações que têm sido processadas de maneira particular, segundo suas necessidades, por cada comunidade3.

Ser jovem no contexto da comunidade indígena andina, por enquanto, comporta uma série de complexidades e tensões, nem sempre óbvias, devido ao fato de que os jovens representam, como categoria e como constatação empírica da noção de juventude, uma ideia ambivalente no processo de transformação da comunidade indígena: sujeito que ainda não goza da confiança da estrutura de autoridade comunal (diretoria, conselho, associação), mas que, dependendo de suas ações em favor da comunidade e de seu nível de escolarização, pode ser parte da direção mesmo que em termos etários continue sendo considerado jovem.

A emergência e visibilidade da ideia de juventude indígena e dos próprios jovens indígenas, como já se analisou em trabalho precedente, é relativamente recente (Unda y Muñoz, 2011). A passagem entre a infância e a integração ao mundo adulto indígena era bastante reduzida pela necessidade de uma rápida incorporação da criança às atividades produtivas e de serviço que permitiam a subsistência familiar. É, sobretudo, com a ampliação da escola e de sua obrigatoriedade imposta pelo Estado, que as noções de infância, adolescência e juventude se consolidam e abrem um espaço de maior presença na vida comunitária.

Ao mesmo tempo, os crescentes processos de ampliação e intensificação de estratégias de produção socioeconômica urbana, expressados no campo das migrações laborais, introdução de novas práticas nas comunidades, assim como novos objetos e tecnologias, situam os jovens como atores centrais das transformações comunitárias e do que, em termos mais amplos, temos denominado dinâmicas rurbanas, para designar o conjunto heterogêneo de práticas sociais que representam misturas, hibridações e miscelâneas entre o urbano e o rural (Unda y Llanos, 2014).

No entanto, por razões que podem ser perfeitamente explicáveis, mas que excedem os limites deste trabalho, nas práticas políticas da estrutura de direção indígena, nos seus distintos níveis (associações, organizações de segundo grau, federações), não esteve presente, como em várias das estruturas políticas partidárias clássicas de tradição urbana, a ideia ou necessidade de conformar uma estrutura política de 'juventudes indígenas', senão de modo muito recente.

Devido a isto, em abril de 2011, a CONAIE formula o mandato para a conformação dos Conselhos da Juventude Indígena, cuja estrutura de funcionamento se dá em nível nacional e em nível local, para a execução de um plano geral de trabalho voltado à formação política de jovens indígenas e à recuperação de princípios e práticas tradicionais ancestrais como fonte primordial de sua identidade. Tudo isso no marco dos eixos e objetivos da CONAIE4.

O processo impulsionado pela estrutura central dos Conselhos da Juventude tem gerado, por um lado, dinâmicas organizativas locais cujo funcionamento se apresenta heterogêneo e, inclusive, desigual entre uma e outra província. Porém, como se tem podido constatar na pesquisa, a partir desta estrutura organizativa, os jovens indígenas encontram um espaço para reafirmar suas propostas políticas assim como questionar as diversas ideologias políticas dentro do movimento indígena.

Um dado relevante, ao final deste trabalho, é que os Conselhos das províncias da Sierra Central (Cotopaxi, Tungurahua y Chimborazo) se encontram formados e em funcionamento, ainda que não se perceba, com suficiente nitidez, se suas práticas participativas mostram resultados qualitativamente distintos das dos Conselhos que têm funcionado de maneira intermitente ou que não terminaram de se constituir ainda.

Evidentemente, estes processos referentes à organização dos Conselhos comportam consideráveis níveis de complexidade que não têm sido objeto de estudo sistemático, mas que poderiam contribuir significativamente à compreensão acerca das condições que determinam a necessidade de conformar os Conselhos de Juventude, as articulações com as distintas instâncias da estrutura de autoridade da CONAIE e do Estado, em função de produzir hipóteses e explicações que deem conta das possibilidades de reconstituição do movimento indígena, da CONAIE e de sua reinstalação como ator protagonista na vida política nacional. Acreditamos que, principalmente, nesta questão localiza-se a importância atual do estudo das práticas de jovens indígenas nas províncias da Sierra Central do Equador, sem desmerecer, entretanto, várias outras que realizam jovens de comunidades que não participam dos Conselhos ou aquelas que desenvolvem jovens indígenas na cidade, fora do espaço físico comunitário5.

 

Emergência da categoria de juventude indígena

A emergência e visibilidade relativamente recente da categoria juventude indígena se explica, em grande medida, pelas razões apresentadas na seção anterior: até o 2007, quando o governo da Revolução Cidadã assume a condução governamental do Estado, havia um escasso ou nulo interesse acadêmico e institucional expresso numa marcada ausência de políticas públicas voltadas ao estabelecimento de uma estrutura que propicie a igualdade de oportunidades, sobretudo nos âmbitos de educação e saúde.

Por outro lado, as mesmas dinâmicas de relacionamento e reprodução comunitárias, em que bem se reconhece a presença de 'jovens', não permitem ou dificultam o reconhecimento da 'juventude' como um espaço sociocomunitário definido com certos contornos e demarcações que os distinga dos adultos, devido, sobretudo, a determinadas condições de precariedade e necessidades de sobrevivência.

Numa perspectiva histórica de maior alcance, a análise de vários fatores de ordem estrutural referentes à configuração da estrutura hierárquica e das relações de dominação de matriz colonial, como antecedentes da reprodução da sociedade comunal na Sierra Central do Equador, mostra a virtual impossibilidade de constituição do espaço social da juventude indígena até épocas recentes (Unda y Muñoz, 2011).

Na medida em que a população indígena era objeto de submissão e exploração através da relação com a terra, a forma predominante de socialização comunitária se concentrava no trabalho que deviam cumprir os membros da família. Com isso, impedia-se o estabelecimento de um espaço social denominado juventude, tal qual ocorreu com a invenção social da juventude no espaço urbano, onde a presença da escola e da educação escolarizada se foi convertendo em passagem obrigatória da infância à idade adulta.

Em outras palavras, a débil e parcial presença da escola na comunidade indígena, até praticamente os anos 1970, explica a inexistência de um espaço social em que se produza juventude, com espaço e temporalidade distintos aos da infância e da maturidade. Simplesmente, as crianças que estavam crescendo nem sempre dispunham de um espaço físico que as identificasse como um setor ou grupo etário particular. Tratava-se de jovens que, mal deixaram de ser crianças, incorporaram-se rapidamente às práticas desenvolvidas por seus pais para garantir o sustento econômico familiar. Além disso, os/as jovens indígenas viviam um período de juventude muito curto com relação à juventude urbana ou relativamente inexistente, já que, uma vez que deixavam de ser crianças, assumiam os padrões que a comunidade lhes atribuía para sua reprodução cultural e biológica.

Tal situação constitui a principal razão pela qual a juventude indígena, enquanto categoria histórica e analítica, seja uma 'invenção' relativamente recente no contexto da sociedade equatoriana. É com os processos de urbanização dos anos 50 e 70 do século XX que o espaço social da juventude indígena começa a configurar-se em sua singularidade e não mais apenas como produto da ampliação da cobertura educativa escolar impulsionada pelo Estado, senão também pela convergência de processos relacionados com o problema da terra, a migração e a diversificação da demanda de força de trabalho exercida desde os centros urbanos.

De fato, as transformações estruturais da economia e da política que aconteceram sobretudo na década de 1970, quando o Equador se converte num país petroleiro, assentam-se nas dinâmicas de urbanização crescente da sociedade equatoriana perante o inevitável esgotamento da estrutura de relações ancoradas na fazenda, que, depois da reforma agrária iniciada em 1964, terminou na minifundialização6 da terra com a consequente precarização das condições de produção para os pequenos produtores, ou seja, para a maior parte da população indígena.

Neste cenário, a busca de melhores condições de vida encontrou nos processos migratórios do campo à cidade uma de suas estratégias mais recorrentemente utilizadas. No intervalo de uma década, a sociedade equatoriana inverte sua composição demográfica de uma maioria de população rural a uma maioria de população urbana (Quintero, 1999).

A possibilidade real de produção de condições para a população migrante estava dada pela incorporação da 'mão de obra' a diversos trabalhos relacionados com o setor de serviços e com o âmbito da construção, onde se necessitavam de pedreiros e peões. E, por outro lado, a obtenção de condições econômicas para a sobrevivência implicou o surgimento de um, cada vez mais forte, setor informal urbano (De Mires, 1995).

Todos estes fatores e processos determinaram uma progressiva e mais clara segmentação das faixas de idade na comunidade indígena andina e, de modo óbvio, a presença visível de sujeitos jovens que começaram a desenvolver de maneira mais complexa um conjunto de práticas que os distinguiam das crianças e adultos de suas comunidades. De forma adicional, os processos de urbanização, nos quais intervinham estes jovens, propiciavam a adoção de novos estilos de vida e pautas de comportamento que, definitivamente, terminaram por diferenciar os jovens das crianças e dos adultos. Constituiu-se assim, com suas próprias singularidades e particularidades, o espaço social 'juventude indígena' no contexto das relações comunitárias.

Não obstante, no campo de estudos de juventude existe um grande consenso acerca da presença marginal ou minoritária da juventude indígena. Trata-se de uma categoria que não tem ainda uma especial importância, exceto em certos países nos quais a trajetória e presença do indígena exige seu estudo.

 

Jovens indígenas hoje: quem são?

A urbanização crescente da sociedade tem produzido corpos e sujeitos com características particulares, processo que também afeta os jovens indígenas. Não só se trata de um “jovem crescentemente urbanizado” (CINAJ, 2012) como se observa, em tal urbanização, uma diversificação cada vez mais notória de suas práticas e estilos de vida, mesmo que tais práticas sejam realizadas em condições de precariedade e alto risco. Neste sentido, não resultam estranhas as modalidades e trajetórias de incorporação de jovens indígenas, de modo permanente ou não, a grupos e formas associativas juvenis vinculadas a práticas de violência.

Nota-se a ampliação de processos de 'rurbanização' (Unda y Llanos, 2014), sobretudo nas comunidades mais próximas aos centros paroquiais, cabeceiras regionais e agrupamentos urbanos em geral. A 'rurbanização' faz  referência a experiências e processos de mistura, hibridações e miscelânea daquilo que uma sociedade tem definido como urbano e como rural nas diversas ordens e âmbitos da vida social. Em tais processos, a educação escolarizada e as tecnologias da informação têm um papel central na constituição da categoria jovem indígena já que, como se constata no trabalho realizado em várias comunidades indígenas, a presença de cybercafés tem crescido enquanto a participação de jovens na produção agrícola diminui.

O âmbito da família mostra transformações substantivas devido à intensificação de processos migratórios e suas variações. Os ciclos migratórios adotam morfologias múltiplas e variadas que provavelmente estão incidindo nos processos de socialização familiar de crianças indígenas. Assim mesmo, as intensidades variáveis com que se apresenta o fenômeno da descomunalização (Sánchez-Parga, 2001) da comunidade andina altera diretamente a dinâmica familiar comunitária.

Em tal contexto, as práticas desenvolvidas pelo sujeito jovem indígena da comunidade andina se caracterizam por uma marcada observância e apego aos hábitos instituídos, à norma estabelecida. A partir das perspectivas dominantes do campo de estudos de juventude, poderia se supor uma forte constituição heterônoma do sujeito jovem indígena a contrapelo da figura de autonomia atribuída às juventudes urbanas. Não obstante, existem significativos indícios de que o que temos denominado provisoriamente “constituição heterônoma do sujeito jovem indígena” (Unda y Llanos, 2012) seja uma das fontes explicativas da autonomia que o sujeito indígena desdobra nas decisões que toma, quase sempre em um limitado marco de opções, assim como num considerável repertório de resistências perante suas condições reais de existência.

A escola constitui o principal dispositivo no qual a juventude indígena é reconhecida e nomeada como tal. No espaço educativo escolarizado se legitima o status de juventude indígena e se produzem subjetividades ancoradas em novas experiências de individuação que, fundamentalmente, apontam à constituição de um sujeito ilustrado e certificado para ingressar no mercado de trabalho, assim como também com maiores possibilidades de reconhecimento por parte de sua comunidade. Um dado relevante é que a principal e unânime demanda dos jovens e adultos das comunidades onde se desenvolveu a pesquisa refere-se ao acesso à educação média e superior. E a carreira na qual majoritariamente se concentram as aspirações e expectativas dos/das jovens é a engenharia de sistemas (CINAJ, 2012).

No campo político, a estrutura de autoridade comunal representada pelo conselho e a diretoria da comunidade exerce funções de reconhecimento, legitimidade ou sanção para os jovens que se dispõem a participar nas atividades decididas pela assembleia ou pela diretoria da comunidade. Nesse espaço, forjam-se lideranças que habitualmente estão construídas desde antecedentes familiares: uma mínima biografia do sujeito mostra claramente que os filhos de dirigentes têm maiores probabilidades de serem dirigentes mesmo que, no momento atual, não possamos afirmar, nem como tendência ou projeção, que os filhos e filhas de dirigentes demonstrem interesse e disponibilidade em participar politicamente a partir do movimento indígena.

A questão política adota, em primeiro plano, funções de representação dos interesses dominantes dentro de uma comunidade. A representação comunal se produz e legitima com referência ao serviço que um 'comunheiro' possa oferecer a sua comunidade. É neste ponto que a presença dos jovens durante os últimos 10 anos tende a se tornar cada vez mais decisiva, pois as ajudas ou serviços concretos demandam com maior frequência conhecimentos e competências que as gerações jovens têm adquirido na educação escolarizada e através das interações com as dinâmicas urbanas. Tarefas como o planejamento orçamentário, a interlocução com atores externos à comunidade, o encaminhamento das decisões da assembleia, a elaboração de atas, convocatórias, participação e articulação com organizações etc. supõem que sejam colocados numa posição de tomada de decisões aqueles que decidiram participar ativamente na vida política da comunidade.

Mesmo que a experiência neste tipo de tarefas usualmente resulte fundamental nas dinâmicas das interações comunitárias e na relação com instâncias do setor público, o capital cognitivo tende a se localizar como o primeiro fator de importância entre os que integram a estrutura de autoridade comunal. E, nessa medida, são os/as jovens que estariam representando a voz autorizada na tomada de decisões.

Não obstante, e apesar de que a representação política de várias comunidades e organizações são exercidas por jovens, o exercício de poder pelos adultos e 'líderes históricos' é notoriamente maior que os vetores de poder que exercem ou podem exercer os líderes jovens no contexto político atual. Em relação a isto, resultam muito ilustrativas as testemunhas de vários líderes e representantes jovens que participaram em maio passado no último congresso da CONAIE, realizado em Ambato: “não contamos com um apoio firme e com toda a confiança dos adultos na organização” (jovem presidente de comunidade, Prov. de Cotopaxi); “os idosos que estão na diretoria não nos fazem caso e nós como jovens não estamos de acordo com muitas das coisas que eles fazem e decidem, isto deve mudar” (jovem estudante universitária vinculada à CONAIE-Ecuarunari).

Deve indicar-se, por fim, que no complexo cenário de mudanças e transformações sociopolíticas que estão ocorrendo no Equador, o escasso conhecimento produzido sobre jovens e juventudes indígenas requer um compromisso institucional mais amplo e explícito por parte do Estado, das universidades e das mesmas organizações indígenas, se é que se quer pensar seriamente nas condições e possibilidades de renovação, ampliação e aprofundamento democrático no Estado equatoriano.


Referências

Bourdieu, P. (1999). Razones prácticas. Sobre la teoría de la práctica. Barcelona: Anagrama.         [ Links ]

______ (2007). El sentido práctico. Argentina: Siglo XXI Editores.         [ Links ]

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Quintero, R. (1999). Ecuador, una nación en ciernes. Quito: FLACSO.         [ Links ]

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1 Em relação ao tema do relevo geracional no campo da política se incluem certos dados e informações, produzidos em 2014, obtidos na pesquisa sobre participação política dos jovens no Equador, que o CINAJ realiza desde o ano 2011. O relevo geracional, no contexto de tal pesquisa, está sendo examinado, sobretudo, desde a experiência da conformação dos Conselhos da Juventude que impulsa a Confederación de Nacionalidades Indígenas del Ecuador (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador), CONAIE, desde o ano 2011.

2 É pertinente lembrar aqui uma distinção muito concisa, mas importante, realizada por J. Sánchez-Parga (2001), entre o comunitário e o comunal, distinção segundo a qual o comunitário faz referência às práticas centradas no espaço do “nós”, onde não tem sentido o individual como possibilidade de reprodução dessa sociedade; e o comunal, nesta perspectiva, refere-se à estrutura política e administrativa que adota a vida comunitária em relação ao Estado.

3 A tão arraigada ideia de que “nenhuma comunidade é igual à outra”, apresentada por autores de referência - como Luciano Martínez y J. Sánchez-Parga - nos estudos da comunidade indígena andina no caso equatoriano, sustenta-se em constatações e descobertas de pesquisa que mostram que, a despeito da existência de problemas comuns e compartilhados entre comunidades, suas genealogias, atores e formas de processá-los configuram características distintas entre elas.

4 Entrevista com Severino Sharupi, presidente dos Conselhos da Juventude da CONAIE. Março, 2014.

5 Um caso que ilustra a afirmação é o da organização SumakRuray, formada por jovens indígenas procedentes da Sierra Norte e Centro, que têm como objetivo central a produção de várias formas de arte (pintura, teatro, vídeo) como estratégia para o fortalecimento da sua identidade. 

6 N.T.: “minifundización”, em espanhol.

I Sociólogo. Dr. (c) em Ciências Sociais, Infância e Juventude. Professor pesquisador da Universidade Salesiana do Equador. Diretor do Mestrado em Política Social de Infância e Adolescência, UPS.  Diretor do Centro de Investigación sobre Niñez, Adolescencia y Juventud (Centro de Pesquisa sobre Infância, Adolescência e Juventude), CINAJ-UPS. Membro da equipe coordenadora do GT "Juventudes, Infancias: Políticas, Culturas e Instituciones Sociales" (Juventude, Infâncias; Políticas, Culturas e Instituições Sociais), CLACSO. E-mail: reneunda78@gmail.com

II Comunicadora Social. Mestra em Ciências Sociais com orientação em Desenvolvimento Sustentável. Profesora-IPesquisadora da Universidade Politécnica Salesiana do Equador. Pesquisadora do Centro de Investigación sobre Niñez, Adolescencia y Juventud (Centro de Pesquisa sobre Infância, Adolescência e Juventude), CINAJ-UPS.

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