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Desidades

On-line version ISSN 2318-9282

Desidades vol.6  Rio de Janeiro Mar. 2015

 

TEMAS EM DESTAQUE

 

"Foi o Estado": O caso dos jovens desaparecidos de Ayotzinapa e a crise política no México

 

"Fue el Estado": El caso de los jóvenes desaparecidos de Ayotzinapa y la crisis política en México

   

 

Rogelio MarcialI

Colégio de Jalisco e Departamento de Comunicação Social, Centro Universitário de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Guadalajara (México)

 

 


RESUMO

O artigo compartilha uma leitura sobre os eventos que desembocaram no desaparecimento de 43 jovens de uma escola rural em Ayotzinapa. Expõe o ocorrido para posteriormente contextualizar a realidade destas escolas que formam os filhos de camponeses como professores de escola primária; elas se baseiam em uma formação socialista e vinculadas aos movimentos sociais, do campo, do magisterio, e até mesmo dos movi24 . número 6 . ano 3 . mar 2015 temas em destaquementos guerrilheiros. Conclui-se com uma interpretação sobre a forte crise política do Estado mexicano provocada por esses acontecimentos, mas manipulada pelo governo federal e a Televisa para afetar ainda mais a esquerda mexicana. O governo de Peña Nieto tem engavetado o caso (encerrando-o sem esgotar as investigações) e os familiares têm recorrido à Comissão de Desaparecimentos Forçados da ONU. Enquanto isso, os principais ativistas do país projetam uma profunda refundação do Estado mexicano como única saída possível. "Ayotzinapa vive, a luta segue!"

Palavras-chave: jovens, violências sociais, Estado mexicano, crise política, Ayotzinapa.


RESUMEN

El artículo comparte una lectura sobre los sucesos que desembocaron en la desaparición de 43 jóvenes de una escuela rural en Ayotzinapa. Expone lo sucedido para posteriormente contextualizar la realidad de estas escuelas que forman a los hijos de campesinos como profesores de primaria; basadas en la formación socialista, y vinculadas con movimientos sociales, campesinos, del magisterio e incluso guerrilleros. Se cierra con una interpreta24. número 6 . año 3 . mar 2015 temas sobresalientes ción sobre la fuerte crisis política del Estado mexicano provocada por estos sucesos, pero manipulada por el gobierno federal y Televisa para afectar más a la izquierda mexicana. El gobierno de Peña Nieto ha dado "carpetazo" a esto (cerrar el caso sin agotar las investigaciones) y los familiares han acudido a la Comisión de Desapariciones Forzadas de la ONU. Mientras, los principales activistas del país proyectan una profunda refundación del Estado mexicano como única salida posible. "¡Ayotzinapa vive, la lucha sigue!"

Palabras-clave: jóvenes, violencias sociales, Estado mexicano, crisis política, Ayotzinapa.


 

 

[…] ante o desastre do país,

o vazio das autoridades e onde o crime organizado se confunde com os políticos,

só nos resta refundar o Estado."

Francisco Toledo (artista plástico mexicano)

Os fatos

Durante a tarde de sexta-feira, 26 de setembro de 2014, um grupo de 46 estudantes da Escola Normal Rural Raúl Isidro Burgos, no povoado de Ayotzinapa, no estado mexicano de Guerrero, partia de ônibus dessa localidade em direção à cidade de Iguala. Iam para a Cidade do México para participar da passeata comemorativa do dia 2 de outubro de 1968, quando o Exército mexicano disparou contra milhares de estudantes em Tlatelolco por ordem do então presidente Gustavo Díaz Ordaz (do Partido Revolucionário Institucional, PRI). No caminho, estes 46 jovens (todos do sexo masculino) parariam em Iguala para "arrecadar dinheiro" ("passar o pires") e cobrir, assim, os gastos de viagem. Eles aproveitariam um comício, que se realizava na praça central de Iguala, no qual, a então Titular do DIF1 municipal, María de los Ángeles Pineda Villa, iria entregar seu relatório anual, seriam celebrados os avanços desta seção e convidadas as pessoas a apoiarem a possibilidade de que Ángeles Pineda fosse lançada como candidata do PRD (Partido da Revolução Democrática) à prefeitura de Iguala, cargo ocupado naquele momento por seu esposo, José Luis Abarca Velázquez, também pelo PRD. A intenção dos jovens era, além de "arrecadar dinheiro", sabotar os festejos oficiais do casal no poder, que tinha mantido na prefeitura uma política de cortes de orçamento e de liberdades na escola rural onde estudavam. A chegada dos estudantes a Iguala chegou aos ouvidos de Abarca, que ordenou a Felipe Flores Velázquez, então chefe de Segurança Pública de Iguala e hoje fugitivo, interceptar o veículo e evitar assim a pretendida intromissão dos jovens no ato oficial da sua esposa.

Sem que estejam claros os motivos e os detalhes, a polícia de Iguala fez um cerco na estrada que dá entrada à cidade e, sem cerimônia, abriu fogo contra o ônibus dos estudantes. Ali dois deles caíram mortos e um ficou gravemente ferido. Além disso, as balas atingiram outras três pessoas (chamadas pelo governo de "vítimas colaterais"), tirando-lhes a vida. Ante estes acontecimentos, e com a chegada de professores ao lugar para auxiliar os alunos, foi solicitado o apoio do Exército dessa zona para proteger os estudantes e transferir o ferido para um hospital. A resposta foi ignorá-los e abandoná-los à própria sorte (ver La Jornada, 2015a). Os demais estudantes tentaram fugir no ônibus. Foram perseguidos e, em outra localidade, houve outro tiroteio, já na madrugada do sábado, 27 de setembro. A polícia se confundiu e disparou em um outro ônibus, que transportava a equipe de futebol da terceira divisão (semiprofissional) dos Avispones de Chilpancingo (Guerrero), matando um dos seus integrantes e ferindo outros (mais "vítimas colaterais"). No total, em ambos os tiroteios, foram seis mortos (três deles estudantes de Ayotzinapa) e cinco feridos graves, além de 43 estudantes desaparecidos. Quando finalmente o ônibus dos estudantes foi detido pelos policiais, aos quais se somaram policiais de Cocula (município vizinho a Iguala), os 43 jovens foram trasladados e entregues a membros do Cartel Guerreros Unidos por ordem de Felipe Flores. Sabe-se hoje que os policiais de Iguala e Cocula que participaram do episódio supuseram que os estudantes eram membros do Cartel de Los Rojos, inimigos ferrenhos de Guerreros Unidos. Encabeçados por El Cepillo (Felipe Rodríguez Salgado), membros de Guerreros Unidos executaram os estudantes e calcinaram os corpos para não deixarem provas (La Jornada, 2015e). El Cepillo confessou que, também acreditando que os estudantes faziam parte de Los Rojos, interrogou-os e percebeu que eram só alunos da Normal Rural. Mas ele afirmou que recebeu a maioria dos estudantes já mortos e que executou os que restavam com vida.

"O sujeito ["El Cepillo"] detalhou que em 26 de setembro ele e outros comparsas receberam a ordem de abordar uns veículos para ajudar o pessoal de Gildardo López, aliás "El Cabo Gil", lugar-tenente do líder de Guerreros Unidos, Sidronio Casarrubias. No lugar conhecido como Loma de Coyotes esperavam por ele "El Cabo Gil" e os comandos das polícias municipais de Iguala e Cocula em cinco patrulhas e uma caminhonete branca com gaiola boiadeira de três toneladas, onde estava detido um grupo de jovens. Segundo declarações, eles puseram os estudantes neste veículo e os levaram para o lixão de Cocula. Cerca de 25 já estavam mortos por asfixia e restavam uns 15 vivos, que foram mortos a tiros e calcinados para depois eles voltarem para Iguala. Os restos calcinados foram colocados em sacolas pretas de plástico que depois foram lançadas no rio San Juan de Cocula" (Sin Embargo, 2015).

A notícia destes lamentáveis acontecimentos logo se espalhou pelo território nacional para posteriormente circular nos meios internacionais. Os pais dos estudantes desaparecidos se organizaram e, com o apoio da sociedade civil, exigiram a entrega deles sob o lema "¡foram levados vivos, vivos os queremos!". O governo federal, através da PGR (Procuradoria Geral da República), pegou o caso tardiamente (quase uma semana depois dos acontecimentos) e se iniciou uma busca exaustiva dos estudantes pela zona. Foram detectadas várias fossas clandestinas com corpos mutilados e/ou calcinados nos arredores de Iguala, mas sem confirmar que eram dos estudantes. O governo de Enrique Peña Nieto enfatizou que não deixariam de procurá-los até encontrarem provas contundentes do seu paradeiro, vivos ou mortos. Mas não pôde explicar a razão de tantos corpos encontrados em fossas clandestinas, deixando transparecer com isso a terrível situação que se vive em Guerrero devido à presença de cartéis do crime organizado, estritamente associados às autoridades estatais e municipais.

Os pais dos desaparecidos receberam o apoio de um grupo argentino de antropólogos forenses, que, frente à desconfiança em relação ao governo, conseguiram detectar restos de ossos em diferentes fossas e reuni-los como deve ser feito. Por sua parte, o governo mexicano enviou muitos destes restos humanos para o Instituto de Medicina Forense da Universidade de Innsbruck (Áustria), especializado nestes casos. Até a data de hoje, sabe-se que um dos ossos menos calcinados encontrados no lixão de Cocula (Guerrero) pertenceu a um dos estudantes de Ayotzinapa (Alexander Mora Venancio). Os demais foram analisados pelos especialistas austríacos, que concluíram quatro meses depois dos acontecimentos que "[…] depois da aplicação de uma técnica de quantificação muito sensível para avaliar a quantidade de DNA mitocondrial, não se encontrou quantidade útil de DNA que permitisse obter um perfil genético sob esta técnica" (La Jornada, 2015b). O passo seguinte é aplicar outra técnica mais sofisticada, conhecida como sequenciamento massivo paralelo, que consegue detectar mais DNA do que a já empregada de quantificação. No entanto, os especialistas austríacos não garantem ter sucesso com esta técnica devido ao grau de calcinação dos ossos enviados. Esclareceram, porém, que é altamente provável que, depois de aplicá-la, os restos fiquem ainda mais deteriorados e incapazes de contribuir com alguma informação. No relatório, reconhecem que é o caso mais difícil que já enfrentaram em sua história e que não seria possível obter nenhum resultado antes de três meses (isto é, até o final de abril de 2015). O Procurador Geral da República, Jesús Murillo Karam2, com o argumento de que se a evidência não contribui com dados então já não é evidência, autorizou o laboratório da Universidade de Innsbruck a proceder com a nova análise. Ante a dificuldade deste caso forense, especialistas alemães também ofereceram o seu apoio ao governo mexicano.

Em 23 de outubro de 2014, Ángel Aguirre Rivero solicitou licença do cargo de Governador de Guerrero, a pedido do seu partido político, o PRD, para ajudar com isso nas investigações. Existia a exigência de se declarar o "desaparecimento de poderes"3 em Guerrero e esta saída do governador era uma tentativa de não se chegar a isso. O Congresso estatal nomeou Rogelio Ortega Martínez como governador interino até novas eleições4. Por sua vez, a PGR, encabeçada por Murillo Karam, deteve quase uma centena de supostos responsáveis por estes atos de barbárie, entre os quais estão o ex-prefeito de Iguala, José L. Abarca (já acusado de delinquência organizada, sequestro e homicídio qualificado), a sua esposa, Ángeles Pineda (acusada de delinquência organizada, delitos contra a saúde e operação com recursos de procedência ilícita), agentes da polícia de Cocula e de Iguala, e membros do Cartel Guerreros Unidos (entre os quais se encontram El Cepillo, El Cabo Gil e o líder Sidronio Casarrubias). Foi detido também César Miguel Peñaloza Santana, prefeito de Cocula, mas depois foi liberado por "falta de provas". O grande ausente entre os detidos e peça-chave dos atos de barbárie é, até o momento, Felipe Flores, cujo paradeiro é desconhecido. As mobilizações cidadãs durante estes quatro meses conseguiram a solidariedade dentro e fora do México. As redes que foram sendo tecidas, inclusive em nível internacional, conseguiram pôr em xeque o governo federal de Peña Nieto e manchar com isso o suposto avanço do México em matéria econômica, de segurança social, de democratização do país e, obviamente, do triunfo na luta contra o crime organizado. Peña Nieto e a sua equipe receberam duras críticas acerca de sua ineficiência, principalmente no exterior, o que implica em uma profunda crise de legitimação5.

Finalmente, as mobilizações e os protestos se mantêm em Guerrero, sobretudo em Chilpancingo (a capital), Iguala e Acapulco, devido aos pais dos estudantes, aos seus companheiros da Normal Rural, a CETEG6 (Coordenadora Estatal dos Trabalhadores da Educação de Guerrero) e a algumas forças cidadãs. Com cores de uma guerra civil, a ingovernabilidade nesta província implicou em ações violentas por parte de manifestantes, que atearam fogo a instalações, veículos e equipamento da polícia, do governo e do comércio, especialmente em Iguala e Chilpancingo. As mobilizações em outras partes do país diminuíram, apesar da existência de coletivos e organizações que acompanham de perto os acontecimentos e difundem informação a respeito, apoiando os estudantes companheiros e os pais de família dos desaparecidos. Esta situação também traz consigo uma grande incerteza sobre o processo eleitoral que em junho de 2015 elegerá o novo governador de Guerrero, já que a CEGET tem declarado em diferentes ocasiões que não permitirá que estas se realizem. Por sua vez, frente ao fracasso das provas com os restos humanos enviados à Áustria, os familiares dos 42 estudantes desaparecidos declararam, através de Vidulfo González (advogado deles e coordenador jurídico do Centro de Direitos Humanos da Montanha Tlachinollan), que para eles seus filhos ainda estão vivos e que não abandonarão as buscas. Por isso, estudantes da Normal Rural de Ayotzinapa e membros de organizações civis se uniram aos pais de família para manterem uma "busca cidadã" permanente dos jovens na região de Iguala.

 

O contexto

A Escola Normal Rural de Ayotzinapa faz parte de instituições similares fundadas nos anos 20 do século XX em todo o país. Posteriormente, o então presidente da República, o emblemático general Lázaro Cárdenas del Río, fortaleceu o seu funcionamento. Este general, que expropriou os bens da indústria petrolífera do país, de empresas trasnacionais, e os colocou nas mãos do governo e da sociedade (apesar de que hoje, com a Reforma Energética, foi dado fim a isso), se caracterizou por exercer o poder a partir de uma visão popular de apoio às massas trabalhadoras. Ele é o grande "progenitor" do atual PRI. Foi em 1938 e sob o seu governo que o PNR (Partido Nacional Revolucionário, fundado em 1929 por Plutarco Elías Calles, que aglutinou os militares que encabeçaram o movimento armado de 1910 contra o ditador Porfirio Díaz) tornou-se o PRM (Partido da Revolução Mexicana), que, em 1946, mudaria para PRI e apresentaria como candidato à presidência da República Miguel Alemán Valdez. O importante trabalho do general Cárdenas, neste sentido partidário, foi que sob a sua tutela o PRM estruturou uma organização de bases sociais, integradas pela central operária CTM (Confederação dos Trabalhadores do México), pela central camponesa CNC (Confederação Nacional Camponesa) e pela central urbana CNOP (Confederação Nacional de Organizações Populares)7.  Estes pilares deram força ao partido que governou o México por mais de 70 anos ininterruptos e que hoje voltou ao poder com Peña Nieto, depois de 12 anos de governo do PAN (Partido Ação Nacional). Com isso, conseguiram fazer frente aos embates das forças sociais de um partido conservador (PAN), que nasceu como inconformidade cidadã dos empresários, comerciantes e das classes médias e altas ante o "eterno" triunfo do PRI; e aos embates da esquerda mexicana, que se institucionalizou com o PCM (Partido Comunista Mexicano), que durante os anos 1960 e 1970 se configurou como um forte adversário representante das classes populares, e mais tarde com Cuauhtémoc Cárdenas Solórzano (filho do general Lázaro Cárdenas) e Andrés Manuel López Obrador através do PRD, que não conseguiu, como o PAN, vencer as eleições presidenciais8.

Mas, voltando às escolas rurais, o general Cárdenas fortaleceu-as durante seu governo (1934-1940), a partir de uma visão de empoderamento dos camponeses e suas famílias. São formadoras de professores em nível básico (primária) e desde que foram fundadas até os dias de hoje, estas escolas representam a única possibilidade de os filhos de camponeses conseguirem estudos de nível médio e superior e, assim, contarem com mais elementos para tirar as suas famílias da pobreza e da exclusão. Posteriormente, como já é conhecido, a proposta educativa de Cárdenas se baseou em uma visão de esquerda, e inclusive ele procurou instaurar o que chamou de "educação socialista", que pretendeu formar as grandes massas populares do México com os objetivos de ajudar a superar as diferenças sociais e equiparar o bem-estar social a partir de uma distribuição mais justa da riqueza nacional. Apesar de, em diferentes âmbitos, o currículo escolar baseado na educação socialista ter sido paulatinamente abandonado, as escolas rurais se mantiveram fiéis a ele. Isso propiciou a vinculação de estudantes destas escolas rurais com movimentos camponeses e populares, e inclusive com movimentos guerrilheiros, durante os últimos 80 anos.

A Escola Normal Rural Raúl Isidro Burgos de Ayotzinapa foi fundada em 2 de março de 1926 pelo próprio Burgos (homenageado em seu nome) e com o apoio de centenas de camponeses da região. Ela conseguiu formar 88 gerações de professores provenientes das zonas mais pobres de Guerrero e de outros lugares similares do México (Oaxaca, Chiapas, Morelos, Tlaxcala e Cidade do México) (UNIVISIÓN Noticias, 2014). Os guerrilheiros Lucio Cabañas Barrientos e Genaro Vázquez Rojas foram egressos das salas de aula desta instituição e os seus movimentos armados estiveram sempre vinculados aos estudantes da Normal Rural de Ayotzinapa. Estes estudantes se enfrentaram em diferentes ocasiões contra o Estado mexicano e as suas políticas. Por exemplo, em 1941, tiveram um grande conflito com o então presidente da República, Manuel Ávila Camacho (PRI), que mandou prender vários alunos da escola sob a acusação de "insurreição", depois que eles decidiram começar uma greve para exigir do governo o orçamento de ajuda que ele quis negar. A acusação se baseou no fato de os alunos terem decidido tirar a bandeira mexicana içada no mastro do pátio central da escola para colocar no seu lugar a bandeira vermelha e preta, anunciando assim o movimento de greve, com a exigência de não retirá-la enquanto o governo não cumprisse o seu compromisso9.  Em 1975, o Exército mexicano entrou e tomou as instalações desta escola por ordem do presidente Luis Echeverría Álvarez (PRI), depois de o grupo guerrilheiro de Lucio Cabañas ter sequestrado o então governador de Guerrero, Rubén Figueroa Figueroa. Com a chegada do século XXI, os estudantes de Ayotzinapa centraram a sua luta contra os cortes cada vez mais drásticos de orçamento (que, inclusive, repetidas vezes, ameaçaram a escola de desaparecer) e, especialmente, para exigir outro dos compromissos que o Estado mexicano tem com estas escolas rurais: a dotação de vagas para os seus egressos como professores em escolas primárias públicas da região. Em 2005, 2007 e 2011, os estudantes bloquearam a Autopista del Sol (autoestrada que conecta a Cidade do México com Acapulco, o principal centro turístico do país) e sitiaram a sede do Congresso de Guerrero em repetidas ocasiões, o que provocou grandes enfrentamentos, com detidos, feridos e inclusive mortos (UNIVISIÓN Noticias, 2014). Atualmente, os estudantes de Ayotzinapa têm sido vinculados pelo Estado mexicano, o governo estatal e as forças armadas com o movimento guerrilheiro ERPI (Exército Revolucionário do Povo Insurgente), organização que, dizem, forma seus quadros com estes jovens. Além disso, o vínculo direto dos seus estudantes com a CNTE através da CETEG, organização docente mencionada, que tem sido muito combativa, especialmente na zona mais pobre do país (Chiapas, Oaxaca e Guerrero) e na capital da República, posicionaram estes estudantes como parte dos "inimigos públicos" mais "perigosos" do Estado mexicano.

 

As implicações profundas

São variadas e muito complexas as implicações dos lamentáveis atos acontecidos em Iguala em setembro de 2014. No meu entender, eles têm a ver com a evidência de uma grave crise de legitimação do Estado mexicano no interior e no exterior do país10,  tanto pela incapacidade e falta de vontade política do governo encabeçado por Enrique Peña Nieto para oferecer segurança aos cidadãos e resolver, de maneira transparente e eficaz, este tipo de ações provenientes daqueles que dirigem as instituições públicas no México, quanto por demonstrar aos mexicanos e à comunidade internacional que opera neste país o que Reguillo (2014) chamou acertadamente de "narco máquina", "[…] essa terrível articulação entre os poderes proprietários (políticos, econômicos, delituais) […]". Por um lado, e tratando de "lavar as mãos", a equipe de Peña Nieto manteve uma posição inaceitável ao abordar nas primeiras semanas estes acontecimentos como responsabilidade única das autoridades locais11.  Só era necessário capturarem e prenderem José Luis Abarca e a sua esposa, María de los Ángeles Pineda, pelo acontecido, que se originava nos vínculos destes com o crime organizado e na falta de controle do PRD sobre seus militantes e funcionários em Guerrero. Um caso isolado, de exagerada barbárie, sim, mas meramente pontual. Algo tão distante de nossa realidade.

"[…] tão somente em 2012 tinham falecido 20.658 jovens por causas violentas. A morte por agressão para homens e mulheres chegou nesse ano a 44.1%, 16.298 vidas jovens abortadas pelas violências diretas que assolam este país. Estes dados, aos quais se somavam outros, muitos dados terríveis que foram se acumulando desde 2006, deveriam ter bastado para declarar um estado de emergência nacional.  Mas não foi assim. Nestes dias terríveis, Javier Sicilia, o poeta que deixou de ser poeta por causa da dor que o atravessou sem aviso, quando o seu filho foi executado, disse que 'o PRI achou que poderia administrar o inferno'. Nada mais certo" (Reguillo, 2014)12.

A situação de violência iniciada em 2006 pelo então presidente da República, Felipe Calderón Hinojosa (PAN)13, a partir da instauração do que ele chamou de Guerra Contra o Crime Organizado, produziu no México até 2014, segundo distintas fontes, entre 20 mil e 45 mil mortos (vítimas de matadores de aluguel, de sequestradores, de assaltantes, de extorquistas, policiais, soldados, delinquentes, funcionários, eclesiásticos e as chamadas "vítimas colaterais"), entre os quais a imensa maioria é de jovens do sexo masculino.

Por sua vez, ao procurar enfrentar o caso partindo de uma suposta preocupação performativa nos meios de comunicação pelo bem-estar dos jovens estudantes e pela imperativa necessidade de encontrá-los vivos (ou os seus restos) para tranquilizar as famílias, tentou normalizar (naturalizar) a violência institucional, paralegal e ilegal que se evidenciava na zona com cada fossa clandestina descoberta dia a dia.

"Chegamos a tal ponto que o Procurador Geral da República, o priista Jesús Murillo Karam, disse, quase aliviado, que os 28 corpos encontrados nas primeiras fossas clandestinas 'descobertas' em Iguala […] não correspondiam aos dos normalistas, puf, alívio? Quem são então essas 28 pessoas, desde quando estão aí, por quê? As perguntas engasgam" (Reguillo, 2014).

O modo de funcionar da chamada "narco máquina" deixou um cruel ensinamento: apesar de o discurso oficial continuar usando a ideia de que o crime organizado se infiltrou entre os funcionários de diversos níveis do governo, que ambos estão de conluio, a verdade é que já não é pertinente distinguir entre ambos. São um só: funcionários e criminosos pertencem às mesmas famílias, convivem em festas, tomam café da manhã e jantam juntos, se alternam nos postos de governo. O exemplo está no próprio caso dos estudantes de Ayotzinapa. Os pais de María Ángeles Pineda e um de seus irmãos (Salomón) foram detidos em 2009 por narcotráfico. Seus pais estão presos, o irmão foi inexplicavelmente liberado e se suspeita que ele teve participação no desaparecimento dos estudantes de Ayotzinapa. Outros dois de seus irmãos (Alberto e Mario) foram assassinados, no mesmo ano, em disputas entre cartéis da droga. Pineda e Abarca, o "casal sinistro" de Iguala, foram criminosos e funcionários públicos simultaneamente.

"Três dos irmãos Pineda Villa – Alberto, Mario e Salomón –, cunhados do [então] fugitivo ex-prefeito de Iguala, José Luis Abarca, deram origem ao Cartel Guerreros Unidos. A vida dessa família se inscreve na história da luta pelo controle da "Tierra Caliente" guerrerense, disputada pelas máfias por ser rota estratégica do narcotráfico. Primeiro, a serviço de Chapo Guzmán e depois às ordens dos Beltrán Leyva, Alberto e Mario morreram em 2009. Salomón foi detido nesse mesmo ano, mas foi solto por deficiências na averiguação prévia e hoje está indiciado como um dos autores do ataque contra os normalistas de Ayotzinapa. E apesar de as autoridades o terem dado como capturado na quinta-feira, dia 9 [de outubro de 2014], na verdade, nesse momento, ninguém sabe onde ele está. […] Segundo o processo penal 101/2009, a que teve acesso este semanário, Salo […] foi detido em Cuernavaca junto com seu pai Salomón Pineda Bermúdez, a sua mãe Leticia Villa Ortuño e mais nove pessoas no dia 5 de maio de 2009, em uma operação da Secretaria de Segurança Pública (SSP) Federal, encabeçada por Genaro García Luna. Antecedentes e testemunhos ministeriais apontavam Salo e seus irmãos como narcotraficantes que operavam em Guerrero e Morelos pelo menos desde 2002, primeiro de forma independente, depois como chefes operacionais do Cartel de Sinaloa e em seguida dos Beltrán Leyva. […] Em 2005, por instruções do Cartel de Sinaloa, os irmãos formaram uma célula de matadores de aluguel chamada Los Pelones, para controlar Guerrero. […] esse grupo foi o antecedente de Guerreros Unidos, o grupo delinquente supostamente responsável pelo ataque de 26 de setembro em Iguala enquanto María de los Ángeles Pineda Villa apresentava seu segundo relatório como responsável pelo DIF municipal." (Hernández, 2014).

O mais alarmante de tudo isso é que tanto o PRD local (Guerrero) e nacional quanto o governo mexicano estavam plenamente a par dos antecedentes familiares do "casal sinistro" e seu pertencimento direto ao Cartel Guerreros Unidos. Mesmo assim, o PRD pretendia apresentar María de los Ángeles Pineda como candidata à prefeitura de Iguala para o período 2015-2018. Como explicar isso coerentemente?

A ineficácia do governo mexicano na resolução deste caso foi apontada e questionada por diferentes instâncias dentro e fora do México. Não só pelos erros técnicos no levantamento de provas, a negativa em dar transparência à informação obtida, a manifesta falta de interesse de muitos dos seus funcionários (especialmente o já "cansado" Murillo Karam) e a instauração de um diálogo conciliatório capaz de reverter a situação de ingovernabilidade em Guerrero; além disso, foi destacado que a PGR simplesmente não quis abrir e seguir a linha de investigação sobre a bastante provável cumplicidade do Exército mexicano nos acontecimentos de Iguala mesmo quando há claros indícios disso (La Jornada, 2015c). E a tentativa do governo mexicano, desde o início das averiguações, de se solidarizar com as famílias dos desparecidos, ao anunciar que a PGR trabalharia "ombro a ombro" com eles na busca dos estudantes fracassou, já que a dita instância tinha se comprometido a informar previamente aos pais de família de qualquer descoberta ou avanço na investigação. A notícia de que a Universidade de Innsbruck tinha fracassado no reconhecimento do DNA dos restos humanos enviados pelo governo mexicano chegou a Ayotzinapa através do noticiário nacional e não com antecedência através da PGR. A "cereja do bolo" foi que, nesta ocasião, Murillo Karam declarou que "para ele" não restava dúvida de que todos os estudantes tinham sido assassinados e seus restos calcinados no lixão de Cocula sem contar com todas as provas contundentes para chegar à semelhante conclusão (La Jornada, 2015d).

Mas também deve-se considerar a capacidade do governo de Peña Nieto, em conluio com a Televisa14, de "endossar" a responsabilidade da crise política que se vive no México à esquerda mexicana, através da imagem do PRD. As notícias, reportagens, documentários etc., que esta rede de televisão tem emitido sobre o caso dos 43 (agora 42) estudantes desaparecidos de Ayotzinapa apresentam insistentemente a origem partidária do ex-governador de Guerrero (Aguirre Rivero) e do "casal sinistro" de Iguala (Abarca e Pineda). Isso tem sido usado midiaticamente para desprestigiar dirigentes desse partido, como Jesús Zambrano, Jesús Ortega e Carlos Navarrete, ao mostrarem fotografias e vídeos nos quais aparecem com José Luis Abarca, apoiando a sua campanha política como candidato à Prefeitura de Iguala; assim como também outros personagens da esquerda, como Andrés Manuel López Obrador, hoje dirigente do MORENA (Movimento de Regeneração Nacional)15.  Eles foram acusados de conhecerem os antecedentes de Abarca e sua esposa e, mesmo assim, apoiarem suas candidaturas. Sistematicamente, desde os acontecimentos de Iguala e, principalmente, a partir de 2015 (com o início de pré-campanhas para as eleições de junho deste ano), a Televisa tem difundido nos seus noticiários (em especial o que é transmitido de segunda a sábado em horário nobre, às 22h30, encabeçado por Joaquín López Dóriga) uma série de notas nas quais vinculam militantes e/ou candidatos do PRD com o crime organizado. Este vínculo ocorre também com os outros dois "grandes" partidos do México (PRI e PAN) e são conhecidos16, mas a insistência dia a dia das notas que envolvem membros do PRD levaram este partido a uma profunda crise. Para piorar as coisas, Jesús Zambrano se queixou através da sua conta no Twitter desta "campanha de desprestígio" do PRD por parte da Televisa, e chamou López Dóriga de "o porta-voz do apocalipse". Como resposta imediata, o locutor da Televisa o mencionou no seu noticiário e acentuou a divulgação de notas e reportagens sobre todos os casos de corrupção de candidatos e governos do PRD.

Por outro lado, no final de 2014, Cuauhtémoc Cárdenas Solórzano, fundador do PRD, filho do general Lázaro Cárdenas e pilar e referência obrigatória deste partido, deixou o PRD devido aos erros que seus dirigentes cometeram no caso do "casal sinistro". Depois dele começaram a deixar o partido personagens bastante reconhecidos, como Alejandro Encinas Rodríguez, Eloy Cisneros e Félix Salgado Macedonio. Inclusive se fala de abandono em "série", que continuará nos próximos meses. A isso soma-se o fato de que, no começo de 2015, o senador pelo PRD Armando Ríos Piter anunciou publicamente a sua desistência de concorrer como pré-candidato deste partido ao governo de Guerrero nas próximas eleições. Seu argumento foi que Jesús Ortega condicionou sua candidatura oficial a "pactuar" com Aguirre Rivero e, garantiu, o pacto teria a ver com não envolver no futuro o ex-governador de Guerrero em qualquer investigação referente ao caso do desaparecimento dos estudantes de Ayotzinapa (El Universal, 2015). A indignação do povo guerrerense chegou a um nível muito alto ao ser anunciado que o próprio PRD alavanca como pré-candidato à prefeitura de Acapulco Ángel Aguirre Herrera, filho do ex-governador de Guerrero, Aguirre Rivero, que foi obrigado a renunciar ao cargo depois dos acontecimentos de Ayotzinapa.

 

Única saída: refundar o Estado

Para encerrar o presente texto me parece pertinente delinear o que se coloca na agenda política mexicana como, talvez, a única saída viável para a crise de legitimação que se abate sobre o Estado mexicano desde os acontecimentos de Ayotzinapa. Crise temperada com os escândalos de gastos exorbitantes de Peña Nieto através do tráfico de influências do seu governo, com a obstinação antidemocrática da sua postura, com os atos ilegais de corrupção e de impunidade das forças armadas e dos funcionários públicos, e com as ações de repressão aberta a diferentes coletivos, comunidades e movimentos sociais de resistência. Esta situação chegou ao limite ao se instaurar a "narco máquina" como suporte do Estado mexicano e levar a população a uma realidade violenta e insegura, originada pela chamada Guerra Contra o Crime Organizado, empreendida em 2006 por Felipe Calderón (PAN). É necessário identificar as perversas consequências desta guerra, na qual o Estado mexicano embarcou, contra os principais cartéis da droga no país. Antes desta iniciativa, as organizações crimininosas se centravam no tráfico de substâncias ilícitas ao longo do território nacional como caminho da América do Sul para os Estados Unidos, delimitando as rotas de cada organização e dividindo assim a moderna "galinha dos ovos de ouro". Calderón, com uma política de mão de ferro, que criminalizou um problema de saúde pública sob a encomenda do governo dos Estados Unidos, não só não conseguiu controlar isso e prender os principais chefes. O que suscitou foi, por um lado, a "diversificação de atividades rentáveis" destes criminosos ao somar-se ao tráfico de substâncias ilegais o sequestro, a prostituição e o tráfico de mulheres brancas, as extorsões, o tráfico de imigrantes centro-americanos a caminho dos Estados Unidos, o roubo de combustível, a clonagem de cartões bancários, entre outros. E, por outro, o surgimento de enfrentamentos diretos entre os diferentes cartéis ante este "crescimento empresarial" e, internamente, ante a detenção ou morte de alguns de seus comandantes operacionais. As organizações criminosas mais "tradicionais" do México, como o Cartel de Sonora, o dos Beltrán Leyva, o Cartel de Juárez, o Cartel del Pacífico sofreram cisões das quais surgiram outras organizações mais violentas, como os Zetas, os Caballeros Templarios, Guerreros Unidos, a Família Michoacana, os Rojos, o Cartel Jalisco Nueva Generación e alguns outros. Mais inteligentes do que o Estado mexicano, os criminosos se fortaleceram e se tornaram mais violentos, além de conseguirem se infiltrar nos partidos políticos e nos governos locais, provinciais e federal. Começaram a financiar campanhas políticas, que depois cobrariam dos funcionários eleitos, e conseguiram impor candidatos saídos das suas próprias fileiras para controlar as forças da ordem em diferentes regiões do país. Diz-se que, em muitas prefeituras, estes cartéis não só nomeiam o chefe de segurança pública e os comandantes policiais, como também definem e realizam as "operações policiais", que, supostamente, buscam sufocar as suas ações e convertem os corpos de segurança especializados (antissequestros, antidrogas, antirroubos etc.) em "Escolas" formadoras dos principais delinquentes que encabeçam justamente tais delitos. A situação atual também é uma das consequências de não se ter enfrentado tudo isso a partir de uma visão de prevenção, em vez de mão de ferro e militarização.

No próximo dia 5 de fevereiro de 2015, uns poucos dias depois de ter escrito o presente texto, se anunciará no México uma iniciativa cidadã proposta por ativistas reconhecidos no país, chamada Congresso Constituinte17. "[…] desterrar um governo que se converteu em 'um verdadeiro perigo', acabar pacificamente com as relações de exploração e convocar um Congresso Constituinte são as ideias em torno das quais começaram a se aglutinar alguns dos ativistas mais comprometidos do país […]" (Matías, 2015).

Os políticos profissionais estão proibidos nesta iniciativa cidadã, cujos promotores se debatem em torno de duas posturas para as próximas eleições, a tão somente uns meses da sua realização: ou a promoçao em nível nacional de um boicote abstencionista, ou o apoio massivo às candidaturas de cidadãos independentes, em detrimento das candidaturas lançadas pelos partidos políticos, quaisquer que sejam18.  Se propõe iniciar dissolvendo o Congresso da União (Câmaras de Senadores e Deputados) para a sua total renovação com a participação exclusiva de cidadãos reconhecidos pelo seu compromisso, honestidade e trabalho. Se criticam, por entendê-las como insuficientes, as medidas tomadas até agora pela equipe de Peña Nieto, com a formação do "Bando Único" e da "Gendarmeria" (forças policiais coordenadas pela Federação) e a desintegração das polícias locais (prefeituras), assim como a iniciativa de lei para supervisionar que nenhum candidato à vaga de eleição popular tenha antecedentes e/ou nexos pessoais ou familiares com o crime organizado, e um comitê "anticorrupção" que fiscalize pontualmente a ação dos funcionários públicos. Frente a isso, as pessoas se perguntam: por que não se pensou em algo tão elementar antes? E quem nos garante que os anticorrupção não se corromperão, como costuma acontecer cotidianamente neste país? Só isso basta para "limpar" a nossa classe política? As respostas são mais do que óbvias.

Com os trabalhos do Congresso Constituinte e as vicissitudes das próximas eleições de junho de 201519 , os próximos meses serão decisivos na história política contemporânea do México. A insatisfação cidadã deverá ser canalizada para mudar as coisas a fundo. A lamentável perda dos estudantes de Ayotzinapa, e das dezenas de milhares de mortes e desaparecimentos de mexicanos durante os últimos 10 anos, nos mostraram que isso não pode continuar assim. Como se canta em coro nas passeatas e comícios de protesto e resistência: "basta já!", "nem mais um morto!", "foi o Estado!", "nem PRI, nem PAN, nem PRD!". Parece que a população mexicana conseguiu amadurecer, tomara que logo vejamos as consequências disso. Esta é a esperança que surge depois da tragédia. Somos muitos os que desejamos que isso de fato aconteça assim.

 

Referências

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Data de submissão: 28/01/2015
Data de aceite: 15/02/2015

 

 

1 O sistema DIF (Desenvolvimento Integral da Família) do governo mexicano é encarregado da atenção, por meio de políticas públicas, do bem-estar das famílias e centra os seus esforços nas crianças. Tem representação nos três níveis de governo (nacional, provincial e municipal) e uma nociva tradição de funcionamento, desde a sua fundação, que indica as esposas dos funcionários na ativa como titulares "de fachada" (só de figuração), pois também se nomeia um(a) presidente operativo(a). Assim, a esposa do Presidente da República em exercício é a titular do DIF nacional, a do Governador é a titular do DIF estatal (de cada província do país) e a esposa do Prefeito é a titular do DIF municipal.

2 Murillo Karam foi duramente criticado quando, em uma conferência de imprensa, ante a incapacidade da PGR de esclarecer o que aconteceu, afirmou já estar "cansado".

3 "La desaparición de poderes" é um ato de intervenção federal no Estado em questão,  cujo governador é destituído e é nomeado outro em seu lugar. (N.T.)

4 Em um afã de legitimar suas ações ante a crise política originada pelos lamentáveis acontecimentos em Ayotzinapa, o governo decide nomear Ortega como governador interino devido a seus antecedentes. Ortega é professor da UAGro (Universidade Autônoma de Guerrero, a universidade pública desta província) desde os anos 70 do século XX. Sociólogo com Mestrado em Estudos Latino-americanos pela Universidade Complutense (Espanha), foi dirigente estudantil na própria UAGro e duas vezes candidato a reitor. Militou na ACNR (Associação Cívica Nacional Revolucionária, braço político do movimento guerrilheiro de Genaro Vázquez durante os anos 1970 e 1980). Em 2009 foi denunciado ante a PGR por supostas ligações com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), sem que se comprovasse nada. Também teve cargo público como titular da Subsecretaria de Educação Média e Superior de Guerrero, sob as ordens de Zeferino Torreblanca, outro governador saído das fileiras do PRD. É autor de vários livros e artigos acadêmicos, e personagem reconhecido por sua luta pela democracia.

5 Como aconteceu durante os últimos anos com o caso do EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional) de Chiapas, no sudoeste mexicano, a vinculação, difusão e apoio do exterior têm conseguido um impacto muito mais forte sobre o Estado mexicano do que o que acontece quando os problemas nacionais ficam "encerrados" no México.

6 No México, o movimento sindical dos professores se encontra dividido entre duas organizações. A oficial, o SNTE (Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Educação), subordinada ao governo e dirigida por muitos anos por Elba Esther Gordillo, hoje presa por enriquecimento ilícito, desvio de recursos, lavagem de dinheiro e associação criminosa; e a CNTE (Coordenação Nacional dos Trabalhadores da Educação), radicalmente oposta ao SNTE e muito mobilizada, sobretudo em Oaxaca, Guerrero e Chiapas. A CETEG faz parte da CNTE.

7 Sabe-se que o plano inicial do general Cárdenas incluía também uma central militar, mas ante o temor de que as forças armadas interviessem, a partir do partido, no Estado mexicano, a ideia foi deixada de lado. A integração se deu, pelo contrário, com privilégios e autonomia exagerada para seus integrantes, principalmente para seus altos mandatários.

8 Estes são os três grandes partidos que lideram as preferências dos mexicanos, entre outros mais modestos: o PRI, de centro-direita, o PAN, de extrema direita, e o PRD, de esquerda.

9 Uma característica destas escolas rurais é que, desde a sua fundação, elas têm a obrigação não só de instruir os futuros professores do primário (nível que atende a crianças de 6 a11 anos aproximadamente), mas, além disso, devem oferecer lugares para eles viverem, para alimentação e assistência médica gratuita.

10 Ver, por exemplo, a dura crítica do diário The Economist (La Jornada, 2015f) ao chamar de "pântano mexicano" a situação provocada por Peña Nieto desde que assumiu o governo.

11 Como parte desta postura, Enrique Peña Nieto aderiu a uma campanha de protesto, através do Twitter, que exigia o aparecimento dos estudantes (#TodosSomosAyotzinapa), recebendo uma multidão de críticas e uma desaprovação generalizada, que geraram outra campanha, #TuNoEresAyotzinapa, em português #VocênãoéAyotzinapa. Milhares de cibernautas queriam deixar claro que Peña Nieto não podia se apresentar assim com semelhante descaro, era melhor que se encarregasse de encontrar os jovens estudantes.

12 Negrito e sublinhado no original.

13 Calderón Hinojosa (2006-2012) substituiu Vicente Fox Quezada (2000-2006) na Presidência da República, sendo estes períodos os únicos da história do México que não foram governados pelo PRI.

14 A empresa Televisa, encabeçada por Emilio Azcárraga Jean (filho do fundador), junto com a TV Azteca, encabeçada por Ricardo Salinas Pliego, são as cadeias de televisão mais proeminentes do México e se erigiram como centros de poder político destacados. Televisa sempre esteve mais próxima do PRI, enquanto que a TV Azteca esteve do PAN. Para o caso do vínculo entre Televisa e o PRI baseado no tráfico de influências, corrupção, impunidade, manipulação de audiências etc., é recomendável ver o filme 'La dictadura perfecta' (A ditadura perfeita), dirigido por Luis Estrada e produzido em 2014.

15 Andrés Manuel López Obrador foi militante do PRD durante muitos anos. Com apoio do partido, foi chefe de governo da Cidade do México e candidato à Presidente da República (derrotado por Peña Nieto) em 2012. Há dois anos deixou o PRD por diferenças irreconciliáveis com o grupo Nova Esquerda (conhecido como "Los Chuchos", apelido dado a quem se chama Jesus, devido a que seus líderes são Jesús Ortega e Jesús Zambrano) (ver Milenio, 2014). Assim, criou o MORENA, que obteve seu registro oficial em 2014.

16 Calcula-se que o crime organizado esteja infiltrado em 72% das prefeituras do país. (Revolución Tres Punto Cero, 2014).

17 Entre os seus promotores estão os bispos Raúl Vera e Magdiel Sánchez, o poeta Javier Sicilia, o sacerdote Alejandro Solalinde, Marcos Tello e o pintor Francisco Toledo.

18 Como parte da mais recente Reforma Política, pela primeira vez no México se abrem as portas para as candidaturas cidadãs, que estavam proibidas se os candidatos não pertencessem a um dos partidos políticos com registro no momento do processo eleitoral.

19 Não incluem a Presidência da República.

I Professor e pesquisador do Colégio de Jalisco e do Departamento de Comunicação Social, Centro Universitário de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Guadalajara (México). E-mail: rmarcial@coljal.edu.mx

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